Vez em quando, Saboro passeia pela Barreirinha, como se andasse nas nuvens, pronto para chover e voltar ao chão para dar de beber às cebolinhas, avencas, margaridas e aos pássaros e bichinhos de Deus, entre tantas coisas que neste mundo têm sede. Dia desses, aconteceu de eu estar lendo o livro do Professor Thimpor, sentado à sombra de uma árvore, quando vi Saboro olhando para as árvores e rindo. Não pude deixar de fechar o livro e observá-lo. Ele ia abraçando as árvores, uma a uma, e de abraço em abraço, chegou a uma clareira no meio do bosque. Abriu os braços e olhando para o céu, parou. Parecia esses caras que ficam parados nas esquinas, pra descolar um troco como estátua viva. E ali ficou, completamente imóvel, durante horas. Quando finalmente se moveu, cuidei de me aproximar:
- Mestre Saboro, meditando um pouco?
- Sim, mas só pensamentos de árvore.
- Sobre as árvores, o senhor quis dizer, não é mesmo?
- Não, sobre as árvores só quando tenho pensamentos de nuvem.
- ...?
- Mas é quando tenho pensamentos de vento que mais me divirto.
- ...??
- Você já teve pensamentos de água?
- Só quando me dá sede.
- Devias ver como és por dentro.
Polaco da Barreirinha
Numa dessas noites quentes, Saboro nos contava alguns diálogos de discípulos e mestres, em que nem sempre o mestre é o mestre.
1.
- Mestre, o caminho para a iluminação pode ser percebido durante a caminhada?
- Nem pense nisso.
- Quer dizer que podemos estar na trilha errada e não perceber?
- Nem pense nisso.
- De repente, uma vida inteira dá em nada.
- Nem pense nisso.
- Mas pode acontecer, não pode?
- Nem pense nisso.
- É isso, Mestre, a miséria humana é a maior entre os seres vivos porque temos consciência dela.
- Nem pense nisso.
- Mas, é verdade, Mestre, nossa insignificância perante o universo me dá arrepios, somos menos do que um grão de areia, o menor dos menorzinhos.
- Nem pense nisso.
- Pelo contrário, Mestre, temos que pensar muito sobre isso.
- Pra quê?
- Pra saber!
- Saber pra quê?
- Para diminuir o meu, o teu e o desconforto dos outros diante da vicissitudes da vida.
- Serás um bom mestre.
- Nem pense nisso.
Saboro Nossuco
2.
- Khuan Shi, vou ilustrá-lo sobre a maldade humana, hoje.
- Por que, Mestre Lin?
- Para que conheças os caminhos que a alma humana pode tomar.
- Conhecê-los me tornará imune a eles?
- Não.
- Então não quero saber.
- Queres me ensinar o que eu devo ensinar, Khuan Shi? Perguntou o mestre furioso.
- Bem que precisas.
- Insolente! E deu-lhe uma bofetada no rosto.
- Esse é um dos caminhos que querias me mostrar?
Mestre Lin ajoelhou-se então diante de Khuan Shi:
- Obrigado por teres me transformado em um mestre verdadeiro.
Saboro Nossuco
3.
Mestre Wu era cheio de manias e todos no mosteiro já as conheciam decor e salteado. A que todos achavam mais graça era a de não pisar em nada vivo. Até mesmo as folhas no chão mereciam sua compaixão.
- Poxa, Mestre, nãos achas que exageras um pouco ao evitar pisar sobre elas?
- Quanto achas que é um pouco?
- Ah sei lá! Só vejo que não relaxas quando passeias.
- Essa é outra questão. Concentremo-nos na primeira. Roubar um centavo ou um milhão, diferencia o ladrão?
- Não. Roubar é o que transforma alguém em ladrão, não a quantia.
- Perfeito! Vamos a outra questão. O fato de eu estar cuidando para não pisar nas folhas é por que não sei o que está sob elas. Na verdade, é uma demonstração de respeito que dou à vida e a todas as coisas.
- Estarias desrespeitando se acaso fosses cego, como Mestre Bo?
Mestre Wu fez uma longa reverência e iluminou-se todo.
Saboro Nossuco
4.
Mestre, as certezas nos ajudam a viver?
- Sem dúvida.
- Mas, Mestre Bo, nos disse que é sempre bom duvidar de nossas certezas.
- Sem dúvida.
- Mas então como elas nos ajudam a viver se temos que duvidar delas?
- Diminuindo o tempo para se chegar a uma decisão ou conclusão.
- Essa diminuição de tempo na reflexão não poderia nos levar a uma falsa conclusão?
- Sem dúvida.
- Então, como explicas tua certeza?
- Como algo instintivo.
- Tipo sentindo?
- Sem dúvida.
- Mas isso não enfraquece a certeza, mestre?
- Tenho que meditar mais sobre isso.
- Sem dúvida.
Saboro Nossuco
- Mestre Saboro, meditando um pouco?
- Sim, mas só pensamentos de árvore.
- Sobre as árvores, o senhor quis dizer, não é mesmo?
- Não, sobre as árvores só quando tenho pensamentos de nuvem.
- ...?
- Mas é quando tenho pensamentos de vento que mais me divirto.
- ...??
- Você já teve pensamentos de água?
- Só quando me dá sede.
- Devias ver como és por dentro.
Polaco da Barreirinha
Numa dessas noites quentes, Saboro nos contava alguns diálogos de discípulos e mestres, em que nem sempre o mestre é o mestre.
1.
- Mestre, o caminho para a iluminação pode ser percebido durante a caminhada?
- Nem pense nisso.
- Quer dizer que podemos estar na trilha errada e não perceber?
- Nem pense nisso.
- De repente, uma vida inteira dá em nada.
- Nem pense nisso.
- Mas pode acontecer, não pode?
- Nem pense nisso.
- É isso, Mestre, a miséria humana é a maior entre os seres vivos porque temos consciência dela.
- Nem pense nisso.
- Mas, é verdade, Mestre, nossa insignificância perante o universo me dá arrepios, somos menos do que um grão de areia, o menor dos menorzinhos.
- Nem pense nisso.
- Pelo contrário, Mestre, temos que pensar muito sobre isso.
- Pra quê?
- Pra saber!
- Saber pra quê?
- Para diminuir o meu, o teu e o desconforto dos outros diante da vicissitudes da vida.
- Serás um bom mestre.
- Nem pense nisso.
Saboro Nossuco
2.
- Khuan Shi, vou ilustrá-lo sobre a maldade humana, hoje.
- Por que, Mestre Lin?
- Para que conheças os caminhos que a alma humana pode tomar.
- Conhecê-los me tornará imune a eles?
- Não.
- Então não quero saber.
- Queres me ensinar o que eu devo ensinar, Khuan Shi? Perguntou o mestre furioso.
- Bem que precisas.
- Insolente! E deu-lhe uma bofetada no rosto.
- Esse é um dos caminhos que querias me mostrar?
Mestre Lin ajoelhou-se então diante de Khuan Shi:
- Obrigado por teres me transformado em um mestre verdadeiro.
Saboro Nossuco
3.
Mestre Wu era cheio de manias e todos no mosteiro já as conheciam decor e salteado. A que todos achavam mais graça era a de não pisar em nada vivo. Até mesmo as folhas no chão mereciam sua compaixão.
- Poxa, Mestre, nãos achas que exageras um pouco ao evitar pisar sobre elas?
- Quanto achas que é um pouco?
- Ah sei lá! Só vejo que não relaxas quando passeias.
- Essa é outra questão. Concentremo-nos na primeira. Roubar um centavo ou um milhão, diferencia o ladrão?
- Não. Roubar é o que transforma alguém em ladrão, não a quantia.
- Perfeito! Vamos a outra questão. O fato de eu estar cuidando para não pisar nas folhas é por que não sei o que está sob elas. Na verdade, é uma demonstração de respeito que dou à vida e a todas as coisas.
- Estarias desrespeitando se acaso fosses cego, como Mestre Bo?
Mestre Wu fez uma longa reverência e iluminou-se todo.
Saboro Nossuco
4.
Mestre, as certezas nos ajudam a viver?
- Sem dúvida.
- Mas, Mestre Bo, nos disse que é sempre bom duvidar de nossas certezas.
- Sem dúvida.
- Mas então como elas nos ajudam a viver se temos que duvidar delas?
- Diminuindo o tempo para se chegar a uma decisão ou conclusão.
- Essa diminuição de tempo na reflexão não poderia nos levar a uma falsa conclusão?
- Sem dúvida.
- Então, como explicas tua certeza?
- Como algo instintivo.
- Tipo sentindo?
- Sem dúvida.
- Mas isso não enfraquece a certeza, mestre?
- Tenho que meditar mais sobre isso.
- Sem dúvida.
Saboro Nossuco
5 Comentários:
ahahahahahahah du carai.
Ferdinando Lopes
Boa, mestre.
A cada dia melhor.
Beto
A segunda é um golpe de mestre. Aliás, uma bola nas canetas do mestre. Virei fã do Saboro.
Abração
Muito bom para sair
da panela de pressão...ou depressão?
Thadeu,
O Malocabilly está de volta. Se souber notícias do Comedor de Ranho, nos avise.
3 Malocas
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