Bola Perdida


“ A verdadeira falta é aquela que impede o craque
de nos mostrar algo que transcende o cotidiano.
Iirrita a torcida não pela dor ou pela morte da jogada,
mas pela imortalidade que deixamos de vivenciar. “

Aí está, domingo, a grande final: o Atletiba decisivo.
O segundo clássico da paz, como a mídia pede, como o público quer e como as torcidas reagirão? No primeiro jogo, o sucesso da campanha foi apenas meia-boca e a paz não ganhou totalmente a guerra. Mas vamos ao que interessa...
O Trevisan, nervosinho, me ligou logo cedinho ontem:
- Você já escreveu a sua coluna de hoje?
- Ainda não.
Ele, aliviado:
- Eu tenho uma boa.
- Guarde pra você, não me interessa.
Nervosão, insistiu:
- Mas você não quer saber o resultado do jogo?
- Como assim?
- Pela primeira vez na vida, o teu tio deu um palpite e se ele deu tá certo.
- Que tio?
- O Torcedor.
- O Torcedor? Mas ele nunca fez isso.
- Eu sei, por isso mesmo. Pode escrever, 3x1 pro Coritiba.
Desligou e eu fiquei a pensar com meus botões de futebol de mesa. Esse tio meu é um cara muito estranho, só torce pelo futebol arte, pela magia das jogadas, pelas sutilezas de mão no pé de alguns craques. Não torce, jamais torceu e nem nunca torcerá por um clube. Mas não perde um jogo de futebol e já teve uns 3 ou 4 infartos, por ver maltratarem a bola. Não é possível. Vou ligar agora mesmo para ele e confirmar se deu mesmo o palpite.
- Alô, tio?
- Fala, Dalton.
- O Trevisan me ligou...
- 3x1 pros coxas. K9, Marlos e Paraíba.
- Mas...de onde lhe veio toda essa certeza?
- Palpite.
- Mas...você nunca fez isso.
- E daí, só um burro não sabe que o coxa vai meter a mão na taça.
- Por quê?
- Espere até domingo que você vai saber.
- Você pegou o recado do Machado de Assis no terreiro do Véio Chico Fantasma? Perguntei, trocando de assunto.
- Claro, né. Se eu não pegar, a sua coluna não sai. Quer que eu leve aí?
- Não precisa, só abra e leia.
- Ouça aí, na íntegra: “O bom juiz ninguém vê. Ele se incorpora à grama, às traves, à cal, às torcidas, aos jogadores. Sua presença é tão forte que o jogador que comete uma infração, de joelhos, exige penitência.”
Desligou sem mais nem menos. Nem comentou a indicação do Héber para o jogo final. Vá entender. Confesso que o palpite me deixou bastante intrigado. Tanto que passei o dia de ontem inteiro pensando no significado disso tudo e não consegui escrever uma linha sequer. Apenas tentei me lembrar de todos os detalhes do jogo de domingo. Lembrei que Sua Excelência mereceu nota nove. Uma falhazinha ou outra, mas nada demais. Por isso mesmo quase nem foi notado e isso é muito bom, pois vem com moral para o segundo jogo e já é uma garantia que os caras vão se respeitar mais que estivadores pelados em sauna úmida. Ninguém vai querer ser expulso.
O Machado, como sempre, está certo. Se o juiz apitar, se os jogadores jogarem, se os dirigentes dirigirem, se os torcedores torcerem, nem xingamento vai ter. Todo mundo partindo para o abraço em pleno Nirvana.
Eu já voltava a pensar com os meus botões, quando toca o telefone:
- Alô, quem fala?
- É o Beco, Dalton.
- E daí, monstro? Já comprou a faixa?
- Ainda não, mas depois da notícia que eu soube, estou com vontade. Me diz, é verdade que o Torcedor deu um palpite?
- 3 x 1 para o Coritiba. K9, Marlos e Paraíba.
- Mas ele não joga nem no bicho.
- Pra você ver.
- Bom, se é assim, melhor eu comprar logo a minha faixa. Até mais.
- Até.
O Roberto Prado ( Béco) sempre fala muito, mas acho que desta vez está se sentindo mais incomodado do que eu com o palpite do meu tio Torcedor. Lembrei de uma frase do Maringas no email da semana passada. “Um clássico como Atletiba tem mais de sobrenatural dos santos do que de realidade da silva.” E é exatamente esse aspecto sobrenatural que me dá calafrios na espinha. Domingo foi jogo de um time só. Tivesse sido 5 x 0 seria normal. O Carlinhos Paraíba voou baixo e acabou com o jogo. Enviou um exocet no ângulo que se o goleiro põe a mão o capitão gancho estava escalado pra jogar domingo na baixada. Impressionante. A partir dali, o show foi todo verde e branco. Eu nunca vi uma torcida mais apaixonada que a do Coritiba, o estádio literalmente tremeu de emoção. Os atleticanos atônitos, assim como o time, se encolheram e começaram a descontar as frustrações na grades de segurança. Tudo porque um torcedor do coxa, que tem um coração cheio de misericórdia, percebendo que eles estavam de cabeça quente e já se notavam alguns sinais de fumaça, fez uso de um extintor para apagar o fogo. Uma lástima, não foi compreendido. Mas isso não tem importância. O que eu quero dizer, e digo-o agora, é que o gol do K9 depois da brilhante jogada do Marlos foi tão genial quanto ao do Paraíba. O Cirino deveria pôr duas placas no Couto para homenageá-los. Mas o que eu não posso deixar de dizer é que a massa atleticana mesmo que vocifere, berre, urre, cante, não vai conseguir calar os 2.000 coxas roxos. Com gargantas dignas de derrubar as muralhas de Jericó, no domingo, esses caras farão mais barulho que a pororoca provocada pelo encontro do Amazonas com o Atlântico. Pena que a baixada, sendo meia, seja tão pequena, porque o espetáculo merecia bem mais. É bem possível que se tenha mais público acompanhando nos telões do coxa que ao vivo na baixada.
O esquema de segurança prometido é padrão Rede Globo, parece filme do Cecil B. Mills, dividindo as águas do Mar Morto. A Rede Paranaense, coitadinha, comeu carne de pescoço, e, na hora do filé mignon, lhe deram o osso. Mas está de parabéns, vimos jogos excelentes. Afinal alguém mostra em que estado estamos. Aqui (fora em competições internacionais) não tem Grêmio, Inter, Corinthians, Palmeiras, Cruzeiro, Galo, Vasco e Flamengo: o nosso campeonato foi um dos melhores do Brasil. Jogadas magníficas, gols antológicos, estádios lotados. Quem vai esquecer Paranavaí x Rio Branco? Toledo e Paraná? Coxa x Londrina?Até times matematicamente rebaixados ou sem chance de classificação não entregaram os pontos e suaram sangue até o último trilado do último apito.
Que Atle e Tiba sejam dignos herdeiros de toda essa força, essa alegria, essa garra, esse amor à camisa que todos os times do Paraná investiram para que só eles chegassem à grande final.
Lembro certa vez em que eu tomava um licor de ovos com broinha de fubá mimoso ao lado do Nelson Rodrigues e lamentava os dolorosos carrinhos por trás desta vida. Ao que o dramaturgo, criado à água de bica e pires de leite, sensatamente, proferiu: “Bem sei que se morre muito na guerra. Ouso perguntar: e daí? O Homem só é Homem na medida em que está disposto a morrer por uns tantos valores, sem os quais a vida se torna absolutamente vil e absolutamente insuportável.” Falava e uma estranha luz vazava de seus olhos. Jamais esquecerei essa cena. E acho que agora sou capaz de entender o palpite do Torcedor. Os jogadores do Coritiba estão jogando de corpo e alma, dispostos a morrer para chegar ao título. Aí está a diferença entre um time e outro. O marketing esqueceu de dar uma alma ao Atlético.
Só o coração da torcida não vai ser suficiente. 3 x 1 coxa. O Torcedor tá certo. O Maringas não mandou email esta semana, porque está na fila do ingresso. O Del Grossi desapareceu depois dos 2 x 0 e não mandou recado. O Torcedor já está sentado na baixada.
E eu...bem... poupem o burro aqui, porque eu já estou pra lá de mim.

Dalton Machado Rodrigues