polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

domingo, junho 08, 2008



Lemisnki e Thadeu, by Cornélio



Excerto do Catatau


Desde verdes anos tentaram-me o eclipse

e a economia dos esquemas

Exímio dos mais hábeis nos manejos de ausências
Busquei apoio nos últimos redutos do zero

Foi a época que eu mais prestigiei o silêncio, o jejum e o não.
Sabe com quem está falando?

Cultivei meu ser, fiz-me pouco a pouco, constituí-me
Letras me nutriram desde a infância
Mamei nos compêndios
E me abeberei das noções das nações

Compulsei índices e consultei episódios
Desatei o nó das atas
Manuseei manuais
E vasculhei tomos

Olho noturno e diurno
Palmilhei as letras em estradas
Tropecei nas vírgulas
Caí no abismo das reticências
Jazi no cárcere dos parênteses
Rolei a mó das maiúsculas
Emagreci o nó górdio das interrogações
O florete das exclamações me transpassou
Enchi de calos a mão fidalga torcendo páginas

Em decifrar enigmas, fui Édipo
Enrolar cogitações, Sísifo
Em multiplicar folhas pelo ar, outono

Freqüentei guerras e arraiais
Assíduo no adro das basílicas
Cruzei mares
Pisei o pau dos navios
O mármore dos paços
E a cabeça das cobras

Estou com Parmênides
Fluo com Heráclito
Transcendo com Platão
Gozo com Epicuro
Privo-me estoicamente
Duvido com Pirro
E creio em Tertuliano porque é mais absurdo

Lanterna na mão
Bati à porta dos volumes
Mendigando-lhes o senso

E na noite escura das bibliotecas
Iluminava-me o céu a luz dos asteriscos

Matei um a um os bichos da bíblia!

Paulo Leminski





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