Catatau x O Livro dos Contrários.
A Luta do Século.
Senhoras e senhores, no canto direito, com 220 páginas e uma das mais altas concentrações de criativas formas de expressão de nossa língua, com muito bom humor, filosofia, religião, bulas de remédio, manual botânico, o dicionário de rimas, as culturas helênica e oriental além de milhares e milhares de trocadilhos, para os aplausos e o carinho de todos vocês o maravilhoso, o intrigante, o genial: Catatauuuuuuuu!!
No canto oposto, com 20 páginas e 14 dos mais belos e originais poemas em língua portuguesa, o livro das antíteses, dos dribles a la garrincha, das rimas inesperadas, dos versos simples, da rarefação, da maestria, criatividade e beleza. Vamos aplaudir o único, o inigualável, o inimitável: O Livro dos Contráriossss!!
A luta está prevista para 3 rounds de 5 minutos e vale tudo. Limão no olho, um ou outro verso esdrúxulo, tacles no pescoço, aliterações em desuso, chutes no saco, metáforas na lata, queimaduras de cigarro, antíteses no fígado, mordidas na orelha, rimas de pé quebrado, aspas na cara e, inclusive, hipérboles nos bagos.
Senhoras e senhores, sem mais prolegômenos e eufemismos, pau!
Primeiro Round.
Os lutadores se cumprimentam no centro do ringue e o que que é isso, meu Deus do Céu? Indescritível. Inenarrável. Indissertável. Meus amigos, o que está acontecendo nesse momento dentro do ringue não tem figura de linguagem que expresse. O Catatau tenta se prevalecer de seu peso, tamanho e volume, um verdadeiro lutador peso pesado de sumô, enquanto o seu adversário faz exatamente o contrário. É um combate de paciência, de estudo e porradaria franca, da boa mesmo. Ciência pura. O público, perplexo, já sofreu uns 15 enxovalhos, dez insultos, 4 descomposturas, 3 esculachos e uma meia dúzia de iluminações. Mas isso não é nada, lá dentro do tablado a coisa está pegando pra valer. Catatau dá um golpe preciso e contundente utilizando o ritmo forte, mas leva de troco uma rimada no meio da fuça, que foi linda de ver. Imediatamente, Catatau se recupera e contra-ataca com uma expressão latina, tonteando o seu oponente. O Livro dos Contrários não se entrega e com um decassílabo perfeito revida à altura, seu adversário acusa o golpe e chega a perder o latim. Mas não desiste e vai na goela. Que luta, meus amigos! Quando soa o gongo, pondo fim ao primeiro assalto. O público tira as mãos da frente dos olhos, aliviado.
Segundo Round.
Soa o gongo. Os dois lutadores se estudam. São dois estilos, duas formas, duas personalidades, complexidade e simplicidade, num combate jamais sonhado pela vã filosofia. Catatau, com o peso da ciência, tenta esmagar seu oponente. É sanguinário, brutal, chocante, parece que O Livro dos Contrários não vai conseguir se defender de tantas referências e citações. É demais para um ser humano. O Catatau bate muito, neste momento, mas também apanha pra valer, fato que o deixa bastante contrariado. O público está dividido, metade não entendeu nada até agora e a outra, muito pelo contrário. Mas a refrega é dantesca, tamanha violência nem em filmes de kung fu chinês. O público vai ao delírio. Adjetivos, dentes, advérbios, sangue, pronomes, cabelos e substantivos se espalham no ringue. O juiz Aurélio neste momento interrompe a luta para retirar os objetos que, direta e indiretamente, estão atrapalhando a porfia. É impressionante, senhoras e senhores, o número de palavrões, expressões chulas, chavões e estrangeirismos que está sendo retirado do tablado. Só para dar uma idéia, tinha até um sujeito oculto no meio do caminho dos garis.
É autorizado o reinício e o pau come solto. Inesperadamente, Catatau troca de assunto e com uma dúvida existencial golpeia, com toda a certeza, o seu contendor. É aberta a contagem, quando soa o gongo, fim do segundo assalto. O público pede água e cervejinha.
Terceiro e último round.
Os dois lutadores se cumprimentam mais uma vez no centro do ringue, o combate vai para os finalmentes. Estudam-se. O momento é de planejar o golpe fatal. O Livro dos Contrários toma a iniciativa e, com temas simples, diretos, obriga o seu adversário a se estender no assunto. Ele, com muita lógica, se utiliza de vários argumentos para atingir, sem piedade, na cabeça, o seu algoz. O público enlouquece, a reação de O Livro dos Contrários é fulminante e instantânea. Com uma frase de efeito, ele reequilibra a luta, que fica do jeito que o diabo aplaude. Que combate! Que disposição! Que loucura! As duas obras são geniais, não dá pra não ler. Os golpes são páginas abertas à imaginação, criatividade e inteligência. Os dois estão engalfinhados, tentam tudo, não param nem para respirar. É o esforço supremo dos vitoriosos. Estão exaustos, totalmente exauridos. Mas o público reconhece o talento, a garra e o amor à poesia dos dois lutadores e aplaude, de pé. Que espetáculo magnífico! Temos agora um só coro, pedindo para que o juiz acabe a luta. É demais, meus amigos, o público invade o ringue e os lutadores são levados em triunfo sobre os ombros da galera. Todos riem, se abraçam, é uma confraternização geral, um momento de amor jamais visto. Alguns, em pranto, demonstram toda a sua emoção, que coisa mais linda! E agora, neste instante, entra no ginásio a Escola de Samba Preto no Branco e, ao rufar dos tambores, todos gritam e pulam. Até o juiz perde o juízo. Afinal, é carnaval.
Antonio Thadeu Wojciechowski
2 momentos geniais de O livros dos Contrários*
um homem extremamente nervoso
encontrou no bar um homem muito calmo
simpático, o calmo foi generoso
e cedeu-lhe um lugar ao seu lado
o nervoso contou a sua vida
com detalhes inimagináveis
entre um e outro gole de bebida
o calmo bebeu doses incontáveis
os dois, abraçados, já cantavam
quando surgiu um terceiro no balcão
tentou falar, mas eles não se acalmavam
tentou brigar, mas veio outra canção
***
o alegre recebeu o triste
certa tarde em seu casebre
o triste pouca coisa disse
o alegre usou de formas breves
ficaram amigos dessa forma
o triste silenciou a amargura
o alegre usou a ternura como norma
entre os dois, a mesa e a noite escura
amanheceu, acabou a noite, o vinho
e, sozinho, ficou o alegre à mesa
enquanto o triste saía sem destino
sem nenhum resquício de tristeza
Momentos mágicos do Catatau**
“Um, na algaravia geral, por nome Tamanduá, esparrama língua no pó de incerto inseto, fica de pé, zarolho de tão perto, cara a cara, ali, aí, esdrúxula num acúmulo e se desfaz eclipsado em formigas.”
“Monos se penteando espelham-se no banho das piranhas, cara quase rosto no quasequase das águas: agulhas fazem boa boca, botam mau olhado anulando-lhes a estampa, símios para sempre.”
“Estamos conversando conversas diferentes sobre o mesmo assunto. Louco por mérito próprio ou por força das circunstâncias? Estamos falando sem medir as conseqüências pelo obscuro gabarito dos antecedentes. Vá em frente, eis o abismo. Cai o eu, a gente fica onde? Dedica um monumento a tudo que está lá ou fica fora de si?”
“Que flecha é aquela no calcanhar daquilo? Pela pena, é persa, pela precisão do tiro, um mestre. Ora, os mestres persas são sempre velhos. E mestre, persa e velho só pode ser Artaxerxes ou um irmão, ou um amigo, ou um discípulo, ou então simplesmente alguém que passava e atirou por despautério num momento gaudério de distração”.
* – Livro de poemas, de Marcos Prado (1962-1997), poeta, curitibano, letrista, jornalista, ator de teatro, agitador cultural, parceiro de um sem número de produtores culturais.
** – Romance polêmico, de Paulo Leminski (1944-1989), poeta, curitibano, faixa preta de judô, professor de história e redação, poliglota convicto, agitador cultural.
A Luta do Século.
Senhoras e senhores, no canto direito, com 220 páginas e uma das mais altas concentrações de criativas formas de expressão de nossa língua, com muito bom humor, filosofia, religião, bulas de remédio, manual botânico, o dicionário de rimas, as culturas helênica e oriental além de milhares e milhares de trocadilhos, para os aplausos e o carinho de todos vocês o maravilhoso, o intrigante, o genial: Catatauuuuuuuu!!
No canto oposto, com 20 páginas e 14 dos mais belos e originais poemas em língua portuguesa, o livro das antíteses, dos dribles a la garrincha, das rimas inesperadas, dos versos simples, da rarefação, da maestria, criatividade e beleza. Vamos aplaudir o único, o inigualável, o inimitável: O Livro dos Contráriossss!!
A luta está prevista para 3 rounds de 5 minutos e vale tudo. Limão no olho, um ou outro verso esdrúxulo, tacles no pescoço, aliterações em desuso, chutes no saco, metáforas na lata, queimaduras de cigarro, antíteses no fígado, mordidas na orelha, rimas de pé quebrado, aspas na cara e, inclusive, hipérboles nos bagos.
Senhoras e senhores, sem mais prolegômenos e eufemismos, pau!
Primeiro Round.
Os lutadores se cumprimentam no centro do ringue e o que que é isso, meu Deus do Céu? Indescritível. Inenarrável. Indissertável. Meus amigos, o que está acontecendo nesse momento dentro do ringue não tem figura de linguagem que expresse. O Catatau tenta se prevalecer de seu peso, tamanho e volume, um verdadeiro lutador peso pesado de sumô, enquanto o seu adversário faz exatamente o contrário. É um combate de paciência, de estudo e porradaria franca, da boa mesmo. Ciência pura. O público, perplexo, já sofreu uns 15 enxovalhos, dez insultos, 4 descomposturas, 3 esculachos e uma meia dúzia de iluminações. Mas isso não é nada, lá dentro do tablado a coisa está pegando pra valer. Catatau dá um golpe preciso e contundente utilizando o ritmo forte, mas leva de troco uma rimada no meio da fuça, que foi linda de ver. Imediatamente, Catatau se recupera e contra-ataca com uma expressão latina, tonteando o seu oponente. O Livro dos Contrários não se entrega e com um decassílabo perfeito revida à altura, seu adversário acusa o golpe e chega a perder o latim. Mas não desiste e vai na goela. Que luta, meus amigos! Quando soa o gongo, pondo fim ao primeiro assalto. O público tira as mãos da frente dos olhos, aliviado.
Segundo Round.
Soa o gongo. Os dois lutadores se estudam. São dois estilos, duas formas, duas personalidades, complexidade e simplicidade, num combate jamais sonhado pela vã filosofia. Catatau, com o peso da ciência, tenta esmagar seu oponente. É sanguinário, brutal, chocante, parece que O Livro dos Contrários não vai conseguir se defender de tantas referências e citações. É demais para um ser humano. O Catatau bate muito, neste momento, mas também apanha pra valer, fato que o deixa bastante contrariado. O público está dividido, metade não entendeu nada até agora e a outra, muito pelo contrário. Mas a refrega é dantesca, tamanha violência nem em filmes de kung fu chinês. O público vai ao delírio. Adjetivos, dentes, advérbios, sangue, pronomes, cabelos e substantivos se espalham no ringue. O juiz Aurélio neste momento interrompe a luta para retirar os objetos que, direta e indiretamente, estão atrapalhando a porfia. É impressionante, senhoras e senhores, o número de palavrões, expressões chulas, chavões e estrangeirismos que está sendo retirado do tablado. Só para dar uma idéia, tinha até um sujeito oculto no meio do caminho dos garis.
É autorizado o reinício e o pau come solto. Inesperadamente, Catatau troca de assunto e com uma dúvida existencial golpeia, com toda a certeza, o seu contendor. É aberta a contagem, quando soa o gongo, fim do segundo assalto. O público pede água e cervejinha.
Terceiro e último round.
Os dois lutadores se cumprimentam mais uma vez no centro do ringue, o combate vai para os finalmentes. Estudam-se. O momento é de planejar o golpe fatal. O Livro dos Contrários toma a iniciativa e, com temas simples, diretos, obriga o seu adversário a se estender no assunto. Ele, com muita lógica, se utiliza de vários argumentos para atingir, sem piedade, na cabeça, o seu algoz. O público enlouquece, a reação de O Livro dos Contrários é fulminante e instantânea. Com uma frase de efeito, ele reequilibra a luta, que fica do jeito que o diabo aplaude. Que combate! Que disposição! Que loucura! As duas obras são geniais, não dá pra não ler. Os golpes são páginas abertas à imaginação, criatividade e inteligência. Os dois estão engalfinhados, tentam tudo, não param nem para respirar. É o esforço supremo dos vitoriosos. Estão exaustos, totalmente exauridos. Mas o público reconhece o talento, a garra e o amor à poesia dos dois lutadores e aplaude, de pé. Que espetáculo magnífico! Temos agora um só coro, pedindo para que o juiz acabe a luta. É demais, meus amigos, o público invade o ringue e os lutadores são levados em triunfo sobre os ombros da galera. Todos riem, se abraçam, é uma confraternização geral, um momento de amor jamais visto. Alguns, em pranto, demonstram toda a sua emoção, que coisa mais linda! E agora, neste instante, entra no ginásio a Escola de Samba Preto no Branco e, ao rufar dos tambores, todos gritam e pulam. Até o juiz perde o juízo. Afinal, é carnaval.
Antonio Thadeu Wojciechowski
2 momentos geniais de O livros dos Contrários*
um homem extremamente nervoso
encontrou no bar um homem muito calmo
simpático, o calmo foi generoso
e cedeu-lhe um lugar ao seu lado
o nervoso contou a sua vida
com detalhes inimagináveis
entre um e outro gole de bebida
o calmo bebeu doses incontáveis
os dois, abraçados, já cantavam
quando surgiu um terceiro no balcão
tentou falar, mas eles não se acalmavam
tentou brigar, mas veio outra canção
***
o alegre recebeu o triste
certa tarde em seu casebre
o triste pouca coisa disse
o alegre usou de formas breves
ficaram amigos dessa forma
o triste silenciou a amargura
o alegre usou a ternura como norma
entre os dois, a mesa e a noite escura
amanheceu, acabou a noite, o vinho
e, sozinho, ficou o alegre à mesa
enquanto o triste saía sem destino
sem nenhum resquício de tristeza
Momentos mágicos do Catatau**
“Um, na algaravia geral, por nome Tamanduá, esparrama língua no pó de incerto inseto, fica de pé, zarolho de tão perto, cara a cara, ali, aí, esdrúxula num acúmulo e se desfaz eclipsado em formigas.”
“Monos se penteando espelham-se no banho das piranhas, cara quase rosto no quasequase das águas: agulhas fazem boa boca, botam mau olhado anulando-lhes a estampa, símios para sempre.”
“Estamos conversando conversas diferentes sobre o mesmo assunto. Louco por mérito próprio ou por força das circunstâncias? Estamos falando sem medir as conseqüências pelo obscuro gabarito dos antecedentes. Vá em frente, eis o abismo. Cai o eu, a gente fica onde? Dedica um monumento a tudo que está lá ou fica fora de si?”
“Que flecha é aquela no calcanhar daquilo? Pela pena, é persa, pela precisão do tiro, um mestre. Ora, os mestres persas são sempre velhos. E mestre, persa e velho só pode ser Artaxerxes ou um irmão, ou um amigo, ou um discípulo, ou então simplesmente alguém que passava e atirou por despautério num momento gaudério de distração”.
* – Livro de poemas, de Marcos Prado (1962-1997), poeta, curitibano, letrista, jornalista, ator de teatro, agitador cultural, parceiro de um sem número de produtores culturais.
** – Romance polêmico, de Paulo Leminski (1944-1989), poeta, curitibano, faixa preta de judô, professor de história e redação, poliglota convicto, agitador cultural.
2 Comentários:
O cético é o único que abarca o contraditório em-si e mantém coerência.
Valeu, Thadeu!
Maravilhosa a narração do em/com/bate entre o Livro dos Contrários e o Catatau. Antítese dos contrários, muito pelo.
Bom pra gravar.
Marcos merece, Paulo também.
Eles que são mortos que se desentendam.
Marcos manda um abraço.
Centurião Alberto.
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