MESTRE SABORO NOSSUCO
A estranha arte de homenagear.
Há em mim uma forte noção do que seja ser alguém como Saboro Nossuco. Mas, muita vez, me escapa o seu total desapego a qualquer objeto ou idéia, deste, daquele ou do outro mundo. Também me atordoa a sutileza com que define, separa ou nomeia as coisas. Saboro me encanta, me diverte, me anima e, por que não?, me redime e me eleva. Outro dia, passei horas e horas no quintal de seu modesto templo na barreirinha. Saboro lidava com suas crias: pés de alface, rúcula, cebolinha, pepino, salsinha, ervilha torta, beterraba, couve-flor, repolho, couve-manteiga, tomate, radite entre outras verduras. Com paciência canina, Saboro retirava com as mãos os pequenos matos que tentavam se infiltrar entre as delícias. Duas horas depois, voltou-se para o limoeiro, a mimoseira, a laranjeira, a figueira, a jaboticabeira, a aceroleira e, com o zelo de mil dedos de mãe, limpou as folhas, ajeitou a terra em volta dos troncos e regou-os. Daí, finalmente, me dirigiu a palavra: “Olha que coisa mais linda!” Apontava para uma bananeira, que segundo me disse, tem apenas alguns meses, mas já está de um tamanho considerável e com folhas largas enormes admiravelmente verdes. “Batizei-a de Marcos Prado, em homenagem a Matsuó Bashô.” Fiquei tão confuso que tive de perguntar:
- Como assim?
- Exatamente como eu disse.
- Mas como se homenageia um poeta dando o nome de outro a uma bananeira? Não te parece sandice?
- Absolutamente, esse é um ato muito precioso para mim.
- Não te entendo.
- E para que queres me entender?
- Para saber por que deste o nome de Marcos Prado à bananeira que, na verdade, é uma homenagem a Matsuó Bashô.
- Sabes quem é Bashô?
- Claro!, um grande poeta japonês, pai do haicai, conhecido como o Senhor Bananeira.
- E Marcos Prado, conhece?
- Lógico, né? Fui seu parceiro em centenas de canções.
- Então pronto.
- Como assim, pronto?
- Agora já sabes o motivo.
- Não sei porra nenhuma!
Saboro, rindo, deu-me um forte pisão no pé.
- Ai ai ai.
- Viste, pisei no teu pé, mas foi a boca que gritou de dor.
Juro pra vocês que não entendi bolhufas do que ele quis me dizer com isso. Mas não sei por que cargas d’água me dei por satisfeito. Pensando bem, por que uma bananeira não poderia se chamar Marcos Prado, em homenagem a Matsuó Bashô?
- Estás certo. Sou um ignorante, Saboro.
- Cuidado com a Helena! Berrou, me empurrando levemente para a esquerda. Quase esmagas meu pé de acerola.
- Não vi. O nome é em homenagem a Helena de Tróia?
- Não, o nome é Helena Kolody, em homenagem a Emily Dickinson, Florbela Espanca e Cora Coralina.
Continuei achando estranho. Mas me dei por vencido. Saboro olhou dentro dos meus olhos e acho que entendeu o que eu sentia, pois foi fulminante como um raio:
“ao primeiro pingo
o rio rugiu um dilúvio:
mil nomes da chuva”
Polaco da Barreirinha
Há em mim uma forte noção do que seja ser alguém como Saboro Nossuco. Mas, muita vez, me escapa o seu total desapego a qualquer objeto ou idéia, deste, daquele ou do outro mundo. Também me atordoa a sutileza com que define, separa ou nomeia as coisas. Saboro me encanta, me diverte, me anima e, por que não?, me redime e me eleva. Outro dia, passei horas e horas no quintal de seu modesto templo na barreirinha. Saboro lidava com suas crias: pés de alface, rúcula, cebolinha, pepino, salsinha, ervilha torta, beterraba, couve-flor, repolho, couve-manteiga, tomate, radite entre outras verduras. Com paciência canina, Saboro retirava com as mãos os pequenos matos que tentavam se infiltrar entre as delícias. Duas horas depois, voltou-se para o limoeiro, a mimoseira, a laranjeira, a figueira, a jaboticabeira, a aceroleira e, com o zelo de mil dedos de mãe, limpou as folhas, ajeitou a terra em volta dos troncos e regou-os. Daí, finalmente, me dirigiu a palavra: “Olha que coisa mais linda!” Apontava para uma bananeira, que segundo me disse, tem apenas alguns meses, mas já está de um tamanho considerável e com folhas largas enormes admiravelmente verdes. “Batizei-a de Marcos Prado, em homenagem a Matsuó Bashô.” Fiquei tão confuso que tive de perguntar:
- Como assim?
- Exatamente como eu disse.
- Mas como se homenageia um poeta dando o nome de outro a uma bananeira? Não te parece sandice?
- Absolutamente, esse é um ato muito precioso para mim.
- Não te entendo.
- E para que queres me entender?
- Para saber por que deste o nome de Marcos Prado à bananeira que, na verdade, é uma homenagem a Matsuó Bashô.
- Sabes quem é Bashô?
- Claro!, um grande poeta japonês, pai do haicai, conhecido como o Senhor Bananeira.
- E Marcos Prado, conhece?
- Lógico, né? Fui seu parceiro em centenas de canções.
- Então pronto.
- Como assim, pronto?
- Agora já sabes o motivo.
- Não sei porra nenhuma!
Saboro, rindo, deu-me um forte pisão no pé.
- Ai ai ai.
- Viste, pisei no teu pé, mas foi a boca que gritou de dor.
Juro pra vocês que não entendi bolhufas do que ele quis me dizer com isso. Mas não sei por que cargas d’água me dei por satisfeito. Pensando bem, por que uma bananeira não poderia se chamar Marcos Prado, em homenagem a Matsuó Bashô?
- Estás certo. Sou um ignorante, Saboro.
- Cuidado com a Helena! Berrou, me empurrando levemente para a esquerda. Quase esmagas meu pé de acerola.
- Não vi. O nome é em homenagem a Helena de Tróia?
- Não, o nome é Helena Kolody, em homenagem a Emily Dickinson, Florbela Espanca e Cora Coralina.
Continuei achando estranho. Mas me dei por vencido. Saboro olhou dentro dos meus olhos e acho que entendeu o que eu sentia, pois foi fulminante como um raio:
“ao primeiro pingo
o rio rugiu um dilúvio:
mil nomes da chuva”
Polaco da Barreirinha
8 Comentários:
Você não conta as coisas, Polaco, você encanta. Bj grande.
Rsrsrsrsrsrs. Sensacional. Revolução dos sentimentos, arte de amar a arte. Poderoso abraço.
Em que pé está o livro do Saboro, Thadeu?
Tá encantado.
Beto
Ois, Nelson, Beto, está com o Magoo para ilustrar e o Roberto Prado vai fazer a apresentação. Lá pelo final de abril deve estar pronto e faremos uma grande festa. Quero vocês lá com seus abraços.
Amigo Thadeu, parabéns.Brilhante o Saboro. Grande abraço.
É o Tao da coisa!
the best.
abraços.
com certeza vou comprar este
saboro... só 1 livro
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