polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Aniversário do Marcos Prado



Eu e o meu querido e saudoso amigo Marcos Prado ( 1961-1996), durante 20 anos de convívio, atravessamos madrugadas e madrugadas descobrindo e nos divertindo com essa linguagem cifrada, cheia de sustos e surpresas, que quem tem um tamborim nos ouvidos pode distinguir em meio à ingênua, ignorante e repetitiva cantilena popular. Não raras vezes, o Walmor Góes, o Trindade e o Edilson Del Grossi estavam lá para animar a festa. Violões afinados, as canções iam surgindo tão natural e prodigamente que, finda a noitada, além das garrafas vazias, cinzeiros entupidos, corpos espalhados sobre sofás e carpetes, sempre havia na mesa dezenas de folhas de papel com as últimas canções, anotações, poemas e algumas loucuras generalizadas que, no dia seguinte, teriam lugar de destaque no lixo que não é lixo.
Orgias poéticas à parte, eu e o Marcos tínhamos ainda outras diversões: leitura e música. Assim fomos lendo e ouvindo tudo que o Brasil e o mundo têm de bom. Lembro que em nossa companhia tínhamos sempre Augusto dos Anjos, Noel Rosa, Jimi Hendrix, Tom Waitts, Frank Zappa, Maiakóvski, Dante Alighieri, Pixinguinha, Cartola, Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola, Adoniram, Lupiscínio, só para citar alguns dos mais assíduos freqüentadores de nossas intermináveis conversas. O assunto mudava muito pouco e estava insistentemente relacionado à precisão, cadência, elegância, adequação e concisão dos termos utilizados nas composições que líamos, ouvíamos ou fazíamos. A bossa do ritmo, eta Walmorzão de Deus!, a batucada das sílabas, a riqueza e simplicidade da melodia, o inesperado da rima, tudo era deliciado e degustado com os extremos rigores que impúnhamos às nossas tresloucadas análises e composições. Momentos de grande iluminação proporcionados pela riqueza da língua portuguesa e sua capacidade de se fundir na melodia, quando a batuta do poeta tem maestria.
Com Marcos Prado, Roberto Prado, Leminski, Sérgio Viralobos, Solda, Dalton Trevisan, aprendi que, em Curitiba, a palavra é de lei. Letras com poesia de alta tensão, versos a laser/lazer, pulsar rítmico das etnias portuguesa, italiana, polonesa, alemã, ucraína, japonesa, africana. Conversa entre pessoas inteligentes e bem humoradas.
Hoje o Marcos Prado faria 44 anos, se estivesse ainda por aqui ia ser aquela festa, como não dá, vão aí pedaços de muitas festas, canções que cantarei hoje com muita emoção.


o calmo e o nervoso

um homem extremamente nervoso
encontrou no bar um homem muito calmo
simpático, o calmo foi generoso
e cedeu-lhe um lugar ao seu lado

o nervoso contou a sua vida
em detalhes inimagináveis
entre um e outro gole de bebida
o calmo bebeu doses incontáveis

os dois, abraçados, já cantavam
quando surgiu um terceiro no balcão
tentou falar mas eles não se acalmavam
tentou brigar mas veio outra canção

(marcos prado , antonio thadeu wojciechowski e walmor góes)

hino a curitiba

amo esta terra generosa
minha pindamonhangaba querida
és amor
és luz
és vida
és entre todas a mais formosa nunca fui tão feliz quanto aqui

(trindade, marcos prado, edilson del grossi e antonio thadeu wojciechowski)


lei de lady

o que direi?
nem sei se esta frase traduzirei
inglês eu não sei
confundo money com every day

preciso consultar o dicionário
aumentar o vocabulário
pra poder mudar meu itinerário
fazer os arranjos no stradivarius

elitizarei
rimarei pônei com saturday
me abobalhei
nem minha própria língua eu sei

(antonio thadeu wojciechowski, trindade, marcos prado)


it’s yeats

se eu me vestisse como os anjos
do sol e azuis da noite os tons
das estrelas do céu os arranjos
em meu panos a luz da meia luz

eu colocaria o mundo a seus pés
mas sou pobre e tendo só meus sonhos
quero colocá-los a seus pés
pise com cuidado, são meus sonhos

(antonio thadeu wojciechowski, marcos prado, luís antonio ferreira)

vigilantes do sexo

pornografia também tem coração
fantasie um pausudo como eu te enrabando
com a unha o calcanhar cutucando

e você me lambendo os bagos de tesão

mulher vestida só vejo a olho nu
nem sempre a buceta é melhor que o cu
o que vale é o sentimento da foda

e isso já vem antes da descoberta da roda

( marcos prado, márcio cobaia goedert, Edson de vulcanis,
edílson del grossi e antonio thadeu wojciechowski)


da américa do sul entrou tudo

vamos invadir o paraguai!
depois é só tomar o uruguai
os ingleses mandaram nas malvinas
por que não tomar posse da argentina?

dizimar a população do peru não vale à pena
mas a do chile com certeza
equador é questão de paciência
a colombina não oferecerá a menor resistência

(o fim da guerra será la paz
vou mostrar pra francesa
pra inglesa e pra holandesa
do que sou capaz)

vamos destruir a península ibérica
e mesmo quem ficar de fora
sem tomar a última não vai embora

vamos separar os estados unidos do américa!

(antonio thadeu wojciechowski e marcos prado)


diário de uma ninfeta prostituída

desde o princípio da humanidade
os homens corrompem as menininhas
em troca de bebida, comida
e queimadura de cigarro

eles chegam em carros possantes
sapato branco reluzente
charutos jamaica, chapéu panamá
e champagnes espocantes

os que vêm para os prazeres da carne
têm à mão um baby beef
uma garrafa de arak
e uma carteira de free

(alessandro wojciechowski, antonio thadeu wojciechowski, marcos prado e edson de vulcanis)


em primeira mão

é duro perder um dedo
mesmo tendo esta mão
cheia de dedos

se minha mão
desse adeus ao braço
daria pra contar nos dedos
quem cederia um abraço

este dedo não me foi dado
tenho a impressão
de que mesmo doendo
eu teria adorado

(antonio thadeu wojciechowski e marcos prado)


decreptulipa

decreptulipa
ninfa náctea
que nectara

lacteralmente
labial
amá-la

fora do quero
criptá-la
vou deixá-la
seja minha amante

(antonio thadeu wojciechowski e marcos prado)

música negra para o black

quero ser preto
preto retinto
da meia-noite
até quinze para as cinco

quero ser chamado
de resto de incêndio
raspa de chaminé
quem disse que eu não posso ser pelé

escurinho, crioulo, pixe, tição
mancha negra, ksuco de feijão
deus de ébano, frango de macumba
desmond tutu

(antonio thadeu wojciechowski, marcos prado, alberto trindade e edílson del grossi)

língua presa

tu tatibitateando
ó o auê aí, ô malandro
você vocabuliza mas não interlocuta
ele não eletrifica, eletrocuta

nós nos nossos ossos somos cromo
vós e vossas vozes vociferais como?
eles não são aqueles mesmos aqueles
doeu, eu soube, não sou nenhum deles

(antonio thadeu wojciechowski, marcos prado e edílson del grossi)

por que, khlebnikov?

lendo maiakovski
o coração é saudado
por thadeu wojciechowski
e marcos prado

plagiando Pound
o coração de novo bateu
a salvos no primeiro round
pelo gongo marcos e thadeu

personificando pessoa
o coração é multiplicado
um heterônimo thadeu
outro, marcos prado

decorando gregório de matos
o coração pela boca desceu
a todos os santos com o marcos
ao inferno com thadeu

escrevendo com augusto dos anjos
o coração se fez tripa e fedeu
ai daqueles que são marcos
ai dos que não são thadeu

(antonio thadeu wojciechowski e marcos prado)


todos os lugares a deus

a idéia que eu tenho de deus é abstrata
toco no assunto sem saber do que se trata
é difícil ser sem querer o que se quer ser
é besteira ter que querer ser o que se tem que ser

deus me livre e guarde da galhofa terráquea
apela para a ignorância o ser de alma macaca
não ao sim que tem em si o tom do não
sim só ao som com o dom do bem e do bom

(antonio thadeu wojciechowski e marcos prado)

comunismo

nas favelas que existem nas cidades
se disputa comida com urubus
difteria, raquitismo, verminose
lá o verme bebe, come e dorme

pro capeta em pessoa é overdose
epilepsia, dentes podres e fedor
a vida dessas crianças é um aparelho
só passa filmes de ódio e terror

não é mole ser feio, fraco e pobre
acabar numa cela de menores
sem canivete, soco inglês e/ou revólver

eles mereciam dias melhores
mas não é isso que resolve
o juizado de menores

(antonio thadeu wojciechowski, marcos prado e roberto prado)


perfume

ao olfato cabe o específico
detectar do aroma exato.
na memória, um objeto explícito
ganha cor, gosto, som e tato.

se na mente o odor não está contido
é natural que gere uma química fascinante
e o organismo vibre em busca do sentido
que, fluido, foge à razão volatizante.

mais do esse poema, o perfumista diz:
“do profundo abismo ao inacessível penhasco,
colhi o que está bem debaixo do seu nariz –
a natureza, corpo e alma, neste frasco.”

(antonio thadeu wojciechowski e marcos prado)


doce adolescência

(para alessandro wojciechowski e daniel prado)

hoje eu saí
na intenção de arrumar
uma qualquer

nunca estive antes
tão necessitado
de uma mulher

seo garçom, faça o favor
de me trazer depressa
a primeira estrela que vier

mas se ela estiver
acompanhada
traga só mais bebida

que a noite é criança
e eu ainda tenho esperança
de arrumar uma mulher

(antonio thadeu wojciechowski e marcos prado)

único amor

fugi pra onde te conheci
você percebeu que eu te percebi
disse “oi”“na chegada e
“vem cá” na saída”
único amor da minha vida embriagada

passei por cima do seu cadáver
e vi que você ressuscitou
subiu aos céus da minha vida
daqui não sai, daqui ninguém te tira
único amor da minha vida embriagada

(antonio thadeu wojciechowski, marcos prado e walmor Góes)

a vingança do povão

tenho fome
da carne que não comi
pena
dos ossos que roí

rato assado
você acha bão?
sabe o que é cheirar lingüiça
e ter que lamber sabão?

(antonio thadeu wojciechowski, edílson del grossi, edson de vulcanis, márcio cobaia goedert,
marcos prado e ubiratan gonçalves de oliveira)

depois de

nunca antes de sentir o drama
só depois do apagar da vela
pergunte pra onde foi a chama
vai ter que viver sem ela
e eu sei que em seu peito há um vulcão
que por dentro ferve, que por fora gela
quando você perceber a explosão
vai ser tarde demais como sempre
pra lembrar que acabou e era bom
antes de acontecer
tudo pode ser diferente
depois de acontecer
tem um depois de

(antonio thadeu wojciechowski, marcos prado e walmor góes)

24 Comentários:

Às 15 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

VALEU TADEU!!!
Leca

 
Às 15 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

De tudo que já ouvi falar nessa cidade, nada se compara a amizade de vcs.
BB

 
Às 15 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Melhor do que isso, Thadeu, é muito difícil imaginar.

Roberto Trompowski

 
Às 16 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

oláaa!

passei por aqui e amei esses ultimos poemas!
quero avisar que citei um no meu blog, por que achei o máximo!

bjão pra vocês aí em curitiba, e bjão p catarina!

 
Às 16 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Relampiou na minha cabeça.

Ivan Siqueira

 
Às 16 dezembro, 2005 , Blogger Araiê disse...

Po que legal essa foto! Ainda não conhecia, gostei do texto também! Um dia cheio de saudades!!!!!!!!!

 
Às 17 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Lembro quando o Thadeu e o Marcos chegavam no bar, a conversa deles não demorava nem um minuto para se tornar o centro das atenções. Dali a pouco estava todo mundo dando risada. Os caras pegavam firme e batiam forte em todo mundo. Frases rápidas e afiadas em todas as direções. Mas ninguém levava pro mal, a madrugada sempre encontrava todo mundo ainda rindo e os dois completamente loucos falando barbaridades cada vez mais. Era maravilhosamente insuportável. GRANDE ABRAÇO THADEU.

Márcio Bronca

 
Às 17 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Putz que ~textos, hein!! Especialmente o Todos os lugares a deus, nunca vi tanto monossílabo junto.

Lelo

 
Às 18 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

10, tudo 10.

Caparral

 
Às 18 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Só hoje consegui terminar de ler tudo. Que cacetada! Parabéns mesmo.

Rubens Sousa

 
Às 19 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Isso é que é uma festa de arromba.

Aníbal Torres

 
Às 19 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Muito legal, polaco. Tomara que te dêem as flores em vida.

Sérgio Sampaio

 
Às 19 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

O Marcos Prado era um cara sensacional, pra lá de talentoso.
Uma pena que bebesse tanto.

Geraldo Espigão

 
Às 19 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Estive viajando mas já estou ligado novamente. Uma beleza essa homenagem mais que merecida.

Júlio Okada

 
Às 19 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Tem cada coisa nesse mundo que eu ainda tô pra ver, mas essa leitura aqui nesse blog é impagável.

Loreno Paggia

 
Às 19 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Louco, louco, louco mesmo.

Prino Alghieri

 
Às 19 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Ningue´m vai poder dizer que Curitiba´não é a mãe da invenção.
Tudo muito mil.

Nego Santos

 
Às 19 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Cada um na sua, mas parece que vocês estão em todas. Legal mesmo.

Térsio Andrade

 
Às 19 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

A coisa aqui é poesia de verdade. Primeira vez que visito, mas fiquei de queixo caído.

Afonso Lima Santos

 
Às 19 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Pô, cara, é muito texto pra se ler. Mas não se grile, gostei de tudo e já coloquei nos meus favoritos.

Beijo

Ana Maria Theodoro

 
Às 19 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Sem poesia a vida é uma M...

Flávia Scoretto

 
Às 20 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Poesia de naifa, sangue quente, lindo líquido escorrente, coisa de embrulhar estômago pra presente. Du caralho, meu. Cumé que eu nunca ouvi falar de vcs.

Rogério Mello da Silva - SP

 
Às 20 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

O Rogério me mandou o link desse blog, sensacional mesmo.
Depois de ler tudo farei maiores comentários. Abraço.

Tenório Fiambra Alicante - SP

 
Às 29 dezembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

queria dar umas porradas no marcos por ele ter morrido


Rodrigo

 

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