polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

segunda-feira, dezembro 05, 2005

O eterno.

Apesar de fora de moda, o eterno nunca morre. E se manifesta através das pedreiras que, volta e meia, aparecem no meio do nosso caminho. São os São Franciscos, Leminskis, Van Goghs, Garrinchas, que vêm do Além pra nos revelar felizes perfis inéditos, que esquecemos, mas existem, ocultas dentro das coisas mais comuns dessa vida. E, assim, mesmo sem merecimento, somos regularmente abastecidos com bocados generosos da velha e boa eternidade. Hoje, pra facilidade geral do mundão, existem os disk-eternidade, onde, a R$ 4,95 o minuto, você garante uma eternidadezinha tranqüila em até 6 vezes pelo cartão. Mas o preço mais alto do mercado da eternidade é alcançado pelo amor. E o sonhado “amor eterno” não tem nada a ver com a tradicional blasfêmia “até que a morte nos separe”, um enxerto romano pra encher lingüiça nos casamentos sociais – já que para Jesus, a vida é eterna. Tem gente que ainda vai ter que reencarnar mais umas dez vezes pra entender que sua vaidade e seu egoísmo são grandes, enormes, gigantescos, descomunais, mas não eternos. Outros, deitados eternamente em berço esplêndido, vivem um polpudo carnaval, pulando na opulência e batucando no couro dos pobrinhos. Nossas dívidas, sim, são eternas. Mas só quem paga o patinho é o povão que, quanto mais estuda, mais cavalo fica. Pena de morte e prisão perpétua não existem. E a ignorância que não acaba mais ainda acha que o diabo castiga justamente os seus amiguinhos, os malvados da Terra, com suplícios eternos. Só esta prova de falta de fezinha já faz dos crédulos sérios candidatos a colocarem os dois pés no inferninho. A verdade mesmo é que a eternidade (irmã do infinito) é eterna em todas as direções. Tanto faz passado e futuro, ela é eterna para os dois lados. E o instante presente, também não acaba, já que o que chamamos “passar do tempo” é mera ficção. O Universo vai e volta. E, de vez em quando, nos permite 5 décimos de segundo de pura lucidez. Vemos tudo simples, claro, nos sentimos irmãos de todos e de todas as coisas. Um flash de tamanha felicidade que, se soubermos captá-lo, vale um passaporte para a eternidade - que não acaba nem quando termina. Portanto, querido leitor, guarde esta página para sempre.


Destróia

pedra que sobre pedra quer restar
o que eu sou não é mole desmanchar
implosões, marretadas e de quebra
um novo shopping center no lugar

nasci assim. fico sem jeito de morrer
vai a alma, o corpo ainda quer ser
e debaixo de uma outra civilização
bate o coração, ruína dura de roer

Roberto Prado


Marcos eternos

o que aprendi com os amigos
não reneguei nem esqueci
não me acho o melhor dos vivos
e até hoje, que eu saiba, não morri

aprendi, sim, e com maestria
dos todos que até hoje encontrei
o amor pelo que chamam poesia
que é hoje tudo que tenho e sei

imaginei-me ontem o pior de todos
porque almejo algo acima do solo
como se em meu cérebro eletrodos
me jogassem dos 34 anos para o colo

hoje, porém, nascendo o dia azul
olhei pela janela e tudo amarelo –
havia em mim uma espécie de exul
tação aos amigos, à poesia, ao belo

Marcos Prado (1962-1997)


Chama Eterna de Amor

Oh! chama viva de amor que ternamente feres
minha alma no mais profundo centro!
Pois não és mais esquiva, acaba já, se queres,
ah!, rompe a tela deste doce encontro.
Oh! cautério suave, regalada chaga,
branda mão, oh!, toque delicado
que a vida eterna sabe e paga toda dívida!

Oh! lâmpadas de fogo em cujos resplendores
as profundas cavernas do sentido
- que estava escuro e cego -
com estranhos primores
calor e luz dão junto a seu Querido!

Oh! quão manso e amoroso despertas em meu seio
onde Tu só secretamente moras:
nesse aspirar gostoso, de bens e glória cheio,
quão delicadamente me enamoras!

San Juan de la Cruz (padroeiro dos poetas da Espanha, 1542-1591)


O Viver Para Os Outros
(Capítulo 7 do Livro de Tao)

Positivo, negativo.
Onde estão as pilhas do Universo?
Ele dá a vida eterna
e nada guarda pra si mesmo.
Assim, não se gasta,
nunca está sozinho
e ainda lhe sobra vida eterna.

Por estas e por outras o sábio sabe,
mesmo sendo meio desligado.
Engraçado ele ser o primeirão
apesar de estar após o último da fila.
Seu corpo não passa de cavalgadura
que ele não maltrata por ser lerda.

É que ele nada quer para si mesmo.
E não será por isso
que ele não se gasta,
nunca está sozinho
e ainda lhe sobra vida eterna?

Lao-Tsé
(China, 570 a.C., tradução de Alberto Centurião, Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado)



Instantâneos de veloz eternidade

(do livro Ah, é?)

15

Solta do pessegueiro a folha seca volteia sem cair no chão – um pardal.

88


O cão olha para o menino: o sol que move a lua, os planetas – e o seu rabinho.

104

Bolem na vidraça uns dedos tiritantes de frio – a chuva.


Dalton Trevisan


Faz eterno, por enquanto.


Vi quando a rosa se abriu.
Como a eternidade
pode ser tão fugaz?

Thiago de Mello


Vida Eterna

Em nosso tempo,
a vida eterna
perdeu sua função.
É tão inatual,
tão obsoleta,
tão fora de moda
como o primeiro espartilho
de Sarah Bernhard.

Nelson Rodrigues ( 1912-1980)


Eternidade

Ele reviu-se:
não era mais
nem corpo
nem sombra
nem escombros.

Como foi isso?
Tudo irreal:
um barco
sem mar
a boiar.

Ele sentiu-se:
recomeçava.
Vivera
morrendo
numa estrela.

Ele despiu-se
de quê?
De tudo
que amara.
Surdo-mudo
cegara.
Agora vê.


Jorge de Lima (1895-1953)



Natal


Nasce um deus. Outros morrem. A verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.

Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a fé vive o sonho do seu culto.
Um novo deus é só uma palavra
Não procures nem creias: tudo é oculto.


Fernando Pessoa (1888-1935)


Simples eternidades


Grafite

Meu nome,
desenho a giz
no muro do tempo.

Choveu, sumiu.

Cronos

Não é o tempo que voa.
Sou eu que vou devagar.


Helena Kolody


Camarada eternidade

Anos, países, povos
fogem no tempo
como água correndo.
A natureza é espelho móvel,
estrelas – redes; nós – os peixes;
visões da treva – os deuses.

Vielimir Khlébnikov (Rússia, 1885-1922)



Contrição

Quero banhar-me nas águas límpidas
Quero banhar-me nas águas puras
Sou a mais baixa das criaturas
Me sinto sórdido

Confiei às feras as minhas lágrimas
Rolei de borco pelas calçadas
Cobri meu rosto de bofetadas
Meu Deus valei-me

Vozes da infância contai a história
Da vida boa que nunca veio
E eu caia ouvindo-a no calmo seio
Da eternidade.


Manuel Bandeira (1886 - 1968)


A eternidade vai além

Senti um féretro em meu cérebro
e carpideiras indo e vindo
a pisar, a pisar, até eu sonhar
meus sentidos fugindo

E quando tudo se sentou,
o tambor de um ofício
bateu, bateu, até eu sentir
inerte o meu juízo

E eu as ouvi, erguida a tampa,
rangerem por minha alma com
todo o chumbo dos pés, de novo,
e o espaço dobrou

Como se os céus fossem um sino
e o ser apenas um ouvido
e eu e o silêncio estranha raça
só, naufragada, aqui

Partiu-se a tábua em minha mente
e eu fui cair de chão em chão
e em cada chão achei um mundo
e terminei sabendo, então.


Emily Dichinson (EUA, 1830-1886)



Debaixo do tamarindo


No tempo do meu pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cera,
Chorei bilhões de vezes com a canseira
De inexorabilíssimos trabalhos.

Hoje, esta árvore, de amplos agasalhos,
Guarda, como uma caixa derradeira,
O passado da flora brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!

Quando pararem todos os relógios
De minha vida, e a voz dos necrológios
Gritar nos noticiários que eu morri,

Voltando à pátria da homogeneidade,
Abraçada com a própria eternidade
A minha sombra há de ficar aqui!


Augusto dos Anjos (1884-1914)



Que tudo passe

passe a noite
passe a peste
passe o verão
passe o inverno
passe a guerra
e passe a paz

passe o que nasce
passe o que nem
passe o que faz
passe o que faz-se

que tudo passe
e passe muito bem


Paulo Leminski (1944 – 1989)

Um terno de eternidades


O eterno 1

a vida não é bem assim
a vida não termina
no primeiro páreo

a vida
pertence ao usuário
inventa
quem passou pelo inventário

O eterno 2

mas que sensacional!
minha amargura
não sai no Diário Oficial

O eterno 3

a vida passa assim:
na metade
já estamos no fim


Luiz Antônio Solda


A moda eterna

Somente nunca sai da moda
quem está nu.


Mário Quintana



Poeminha do eterno retorno


Então fica assim:
O in vira out
E o out, in


Millôr Fernandes


Tudo é para sempre

assim vivia
de um galho
até o outro

com tantos frutos
quanto sonhar podia

Antonio Thadeu Wojciechowski


A vida é Terra

Como é bom estar vivo
e participar dessa maravilhosa aventura
que é estar sobre o planeta Terra.
Dois terços de água
e ainda sobra espaço
pra tanta gente bela.
Oxigênio pra abrir os pulmões das algas
dos sete mares da Terra.
A terra manda no céu
e o céu é da cor azul do planeta Terra.
Às vezes fico basbaque com o show dos vulcões
expelindo magma pra fora dela.
Pela teoria espírita, os espíritos
adoram rodar a bolsinha em nossa esfera.
Ainda por cima a aurora boreal
que desgraçadamente não posso ver deste ponto da Terra.
E nela vamos girando e torcendo
pra que nos seja leve ela que nos leva.
Sagrado torrão do espaço,
todos, até os que em ti estão enterrados,
te desejam eterna, Terra.

Antonio Thadeu Wojciechowski, Sérgio Viralobos e Walmor Góes