Parque Tanguá, por Nani Góis.
O que seria de mim sem eu.
Capítulo 2
No porão ou no sótão?
- Meu pai não quis nem saber, deu o porão, luz,
Água pela mangueira, uma cama velha ,
E meu avô ficou à espera dos urubus
Uns vinte anos. Estava cego e bem banguela,
Quando peidou pro diabo. É foda. É punk!
- Aposto que encontraram o corpo já podre,
Cheio de bicho, fedendo mais que água de tanque.
- Pode crer. Deus do Céu! A parte que me coube
Foi de querer morrer. Imagine um enredo
Onde a morte não é o fim, mas um segredo.
- Porra, cara, que merda! Te foderam mesmo.
- A mãe que reclamou do cheiro. O meu pai
Mandou todo mundo se foder. Saiu a esmo,
Chutando o meu cachorro. A mãe não diz um ai.
Leva um pé de ouvido, que eu ouço lá do quarto.
O porquê desse ódio todo não compreendo
Até hoje. Só sei que o enterro foi um parto.
Eu entrei no porão e vi vermes comendo
Meu avô. Vomitei o que nunca esqueço:
Uma gosma amarela, tal calda de pêssego.
Só que amarga, meio ácida. Veio queimando
E o cheiro da carniça misturado, porra!
Pensei que ia morrer, cara. Saí gritando
Que nem louco de dentro daquela masmorra.
Me deu uma vergonha tão grande, mas, juro!,
Agüentei e voltei. Um grampo no nariz,
Tateando pelo quarto, que estava escuro,
Peguei o vô no colo e foi por um triz
Que eu não me esborrachei ao tropeçar no pé
Da cama. Então vi a vida como ela é.
- Puta que o pariu! Vai tomar no olho do cu!
- É foda, cara! Sinta o drama. Pego o vô
E jogo no jardim. Imagine o angu
Que ia dar se alguém visse a cena. Teatro Nô
É pouco. Me movia dentro de um pesadelo,
As pernas me chumbavam qualquer movimento.
Vou ser sincero, quase me cago de medo,
Mas não faltou coragem naquele momento.
Olhei pro velho e vi o que é uma família.
Eu mesmo achava o vô uma parte da mobília.
Fui pegar a mangueira e quando volto, meu,
O Rex tinha comido um naco da barriga
Do meu avô. Os bichos à mostra...Me deu
Um troço, um revertério. Chamei Deus pra briga!
E fui pro pau. Lavei, sequei, vesti, calcei
E perfumei o velho vô de cabo a rabo.
- Você está me alugando. Eu não acredito
Em porra nenhuma, isso é papo furado.
- Não é não, meu irmão. Leve fé no que eu digo.
Juntei os móveis, roupas, papéis e taquei
Fogo em tudo. O vô sentado como um rei.
Nem parecia estar morto. Fiquei olhando,
Olhando. As labaredas brincavam com seu
Rosto e emprestavam-lhe tons de quando em quando.
O pai voltou com caixão e velas. Acendeu
Algumas e me viu olhando pro defunto.
Não disse uma palavra, mas obedeci
A ordem que o silêncio triste trouxe junto.
Levantei e ajudei o pai. Fora de si,
Ele parecia frágil, cansado e ausente,
Como alguém que estivesse muito doente.
Embrulhamos o corpo do vô em um plástico
E o colocamos dentro do caixão. O pai
Pregou a tampa e disse em tom quase dramático:
“A vida é a estrada. Você anda, cai.
Levanta, anda novamente, mas um dia,
Quando menos espera, chega ao fim e só.”
Não vi nenhuma lágrima, mas parecia
Chorar por dentro ao dizer: “És pó e ao pó
Retornarás.” Chorei sem saber o porquê,
Mas o remorso é o diabo que vive em você.
Aprendi essa lição no enterro do vovô.
O pai gemia, tremia. E continua gemendo
E tremendo até hoje. Ainda não acabou,
O pai morreu também naquele novembro,
Mas não foi enterrado. Viver o seu próprio
Velório, dia após dia, foi a forma que achou
Pra se penitenciar. O remorso é seu ópio.
Já não pode viver sem pedir perdão ou
Misericórdia ao passado. É bem triste
Não poder se reconciliar com o que existe.
Fim do capítulo 2
O que seria de mim sem eu.
Capítulo 2
No porão ou no sótão?
- Meu pai não quis nem saber, deu o porão, luz,
Água pela mangueira, uma cama velha ,
E meu avô ficou à espera dos urubus
Uns vinte anos. Estava cego e bem banguela,
Quando peidou pro diabo. É foda. É punk!
- Aposto que encontraram o corpo já podre,
Cheio de bicho, fedendo mais que água de tanque.
- Pode crer. Deus do Céu! A parte que me coube
Foi de querer morrer. Imagine um enredo
Onde a morte não é o fim, mas um segredo.
- Porra, cara, que merda! Te foderam mesmo.
- A mãe que reclamou do cheiro. O meu pai
Mandou todo mundo se foder. Saiu a esmo,
Chutando o meu cachorro. A mãe não diz um ai.
Leva um pé de ouvido, que eu ouço lá do quarto.
O porquê desse ódio todo não compreendo
Até hoje. Só sei que o enterro foi um parto.
Eu entrei no porão e vi vermes comendo
Meu avô. Vomitei o que nunca esqueço:
Uma gosma amarela, tal calda de pêssego.
Só que amarga, meio ácida. Veio queimando
E o cheiro da carniça misturado, porra!
Pensei que ia morrer, cara. Saí gritando
Que nem louco de dentro daquela masmorra.
Me deu uma vergonha tão grande, mas, juro!,
Agüentei e voltei. Um grampo no nariz,
Tateando pelo quarto, que estava escuro,
Peguei o vô no colo e foi por um triz
Que eu não me esborrachei ao tropeçar no pé
Da cama. Então vi a vida como ela é.
- Puta que o pariu! Vai tomar no olho do cu!
- É foda, cara! Sinta o drama. Pego o vô
E jogo no jardim. Imagine o angu
Que ia dar se alguém visse a cena. Teatro Nô
É pouco. Me movia dentro de um pesadelo,
As pernas me chumbavam qualquer movimento.
Vou ser sincero, quase me cago de medo,
Mas não faltou coragem naquele momento.
Olhei pro velho e vi o que é uma família.
Eu mesmo achava o vô uma parte da mobília.
Fui pegar a mangueira e quando volto, meu,
O Rex tinha comido um naco da barriga
Do meu avô. Os bichos à mostra...Me deu
Um troço, um revertério. Chamei Deus pra briga!
E fui pro pau. Lavei, sequei, vesti, calcei
E perfumei o velho vô de cabo a rabo.
- Você está me alugando. Eu não acredito
Em porra nenhuma, isso é papo furado.
- Não é não, meu irmão. Leve fé no que eu digo.
Juntei os móveis, roupas, papéis e taquei
Fogo em tudo. O vô sentado como um rei.
Nem parecia estar morto. Fiquei olhando,
Olhando. As labaredas brincavam com seu
Rosto e emprestavam-lhe tons de quando em quando.
O pai voltou com caixão e velas. Acendeu
Algumas e me viu olhando pro defunto.
Não disse uma palavra, mas obedeci
A ordem que o silêncio triste trouxe junto.
Levantei e ajudei o pai. Fora de si,
Ele parecia frágil, cansado e ausente,
Como alguém que estivesse muito doente.
Embrulhamos o corpo do vô em um plástico
E o colocamos dentro do caixão. O pai
Pregou a tampa e disse em tom quase dramático:
“A vida é a estrada. Você anda, cai.
Levanta, anda novamente, mas um dia,
Quando menos espera, chega ao fim e só.”
Não vi nenhuma lágrima, mas parecia
Chorar por dentro ao dizer: “És pó e ao pó
Retornarás.” Chorei sem saber o porquê,
Mas o remorso é o diabo que vive em você.
Aprendi essa lição no enterro do vovô.
O pai gemia, tremia. E continua gemendo
E tremendo até hoje. Ainda não acabou,
O pai morreu também naquele novembro,
Mas não foi enterrado. Viver o seu próprio
Velório, dia após dia, foi a forma que achou
Pra se penitenciar. O remorso é seu ópio.
Já não pode viver sem pedir perdão ou
Misericórdia ao passado. É bem triste
Não poder se reconciliar com o que existe.
Fim do capítulo 2
10 Comentários:
Essa promete pra caralho. Pelos dois capítulos não consigo nem imaginar onde vai parar essa porra toda.
Abração
Sílvio Pecks
Menino, isso mexeu comigo. Como diz o Dalton, toda família tem um louquinho preso no porão.
Bj
Muito boa essa de fazer novelas no blog, ainda mais com essa técnica toda. Gostei.
Chico Pedra
Impressionante como vc dribla bem, lembro das outras novelhas, quando a gente pensa que a história vai para um lado, vc inverte tudo. Na minha família tem um primo que falta pouco pra jogarem no porão.
Abç
Vai nessa que tá legal, Polaco.
Fabiano
achei que esse segundo capitulo não tem nada a ver com o primeiro. o que a vida desse pilantra que perdeu o avô numa cena grotesca tem a ver com essa merda toda da velha curitiba, que vc não reconhece mais. chega desse tipinho daltoniano, que já me encheu o saco. Cadê você? Técnica vc já mostrou que tem... mas as vezes a usa como um publicitário. No mau sentido quis dizer. Cadê vc Thadeu? Se perdeu também?
amor e saudades
jose luiz Ramos
Puta que cara idiota esse José Luiz. Vc não entende nada, cara.
Não dá bola pra ignorante não, Thadeu.
Com o decorrer da novela ele vai ver como vc liga as coisas. Aconselho o José Luiz a ler as outras.
O que tem de ignorante nesse mundo não é brincadeira. Vai ler e se informar, José. Você é um palhaço querendo aparecer.
Nelson
Burrice não tem remédio, pessoal.
Ana Maria
O cara confunde estilo com repetição. Ô simplório, vê se esforça um bocadinho pra não falar essas besteiras. O fato é que vc vai ter que ler até o final para ver o que tem uma coisa com a outra, infelizmente. Ler só dois capítulos de um livro nunca vai te levar a nada. Você tem que se esforçar um pouco mais.
Grande abraço, Thadeu
Arthur Fialho Netto
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