polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

quinta-feira, julho 19, 2007


Parque Tanguá, por Nani Góis.



O que seria de mim sem eu.

Capítulo 2

No porão ou no sótão?

- Meu pai não quis nem saber, deu o porão, luz,
Água pela mangueira, uma cama velha ,
E meu avô ficou à espera dos urubus
Uns vinte anos. Estava cego e bem banguela,
Quando peidou pro diabo. É foda. É punk!
- Aposto que encontraram o corpo já podre,
Cheio de bicho, fedendo mais que água de tanque.
- Pode crer. Deus do Céu! A parte que me coube
Foi de querer morrer. Imagine um enredo
Onde a morte não é o fim, mas um segredo.

- Porra, cara, que merda! Te foderam mesmo.
- A mãe que reclamou do cheiro. O meu pai
Mandou todo mundo se foder. Saiu a esmo,
Chutando o meu cachorro. A mãe não diz um ai.
Leva um pé de ouvido, que eu ouço lá do quarto.
O porquê desse ódio todo não compreendo
Até hoje. Só sei que o enterro foi um parto.
Eu entrei no porão e vi vermes comendo
Meu avô. Vomitei o que nunca esqueço:
Uma gosma amarela, tal calda de pêssego.

Só que amarga, meio ácida. Veio queimando
E o cheiro da carniça misturado, porra!
Pensei que ia morrer, cara. Saí gritando
Que nem louco de dentro daquela masmorra.
Me deu uma vergonha tão grande, mas, juro!,
Agüentei e voltei. Um grampo no nariz,
Tateando pelo quarto, que estava escuro,
Peguei o vô no colo e foi por um triz
Que eu não me esborrachei ao tropeçar no pé
Da cama. Então vi a vida como ela é.

- Puta que o pariu! Vai tomar no olho do cu!
- É foda, cara! Sinta o drama. Pego o vô
E jogo no jardim. Imagine o angu
Que ia dar se alguém visse a cena. Teatro Nô
É pouco. Me movia dentro de um pesadelo,
As pernas me chumbavam qualquer movimento.
Vou ser sincero, quase me cago de medo,
Mas não faltou coragem naquele momento.
Olhei pro velho e vi o que é uma família.
Eu mesmo achava o vô uma parte da mobília.

Fui pegar a mangueira e quando volto, meu,
O Rex tinha comido um naco da barriga
Do meu avô. Os bichos à mostra...Me deu
Um troço, um revertério. Chamei Deus pra briga!
E fui pro pau. Lavei, sequei, vesti, calcei
E perfumei o velho vô de cabo a rabo.
- Você está me alugando. Eu não acredito
Em porra nenhuma, isso é papo furado.
- Não é não, meu irmão. Leve fé no que eu digo.
Juntei os móveis, roupas, papéis e taquei
Fogo em tudo. O vô sentado como um rei.

Nem parecia estar morto. Fiquei olhando,
Olhando. As labaredas brincavam com seu
Rosto e emprestavam-lhe tons de quando em quando.
O pai voltou com caixão e velas. Acendeu
Algumas e me viu olhando pro defunto.
Não disse uma palavra, mas obedeci
A ordem que o silêncio triste trouxe junto.
Levantei e ajudei o pai. Fora de si,
Ele parecia frágil, cansado e ausente,
Como alguém que estivesse muito doente.

Embrulhamos o corpo do vô em um plástico
E o colocamos dentro do caixão. O pai
Pregou a tampa e disse em tom quase dramático:
“A vida é a estrada. Você anda, cai.
Levanta, anda novamente, mas um dia,
Quando menos espera, chega ao fim e só.”
Não vi nenhuma lágrima, mas parecia
Chorar por dentro ao dizer: “És pó e ao pó
Retornarás.” Chorei sem saber o porquê,
Mas o remorso é o diabo que vive em você.

Aprendi essa lição no enterro do vovô.
O pai gemia, tremia. E continua gemendo
E tremendo até hoje. Ainda não acabou,
O pai morreu também naquele novembro,
Mas não foi enterrado. Viver o seu próprio
Velório, dia após dia, foi a forma que achou
Pra se penitenciar. O remorso é seu ópio.
Já não pode viver sem pedir perdão ou
Misericórdia ao passado. É bem triste
Não poder se reconciliar com o que existe.


Fim do capítulo 2

10 Comentários:

Às 19 julho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Essa promete pra caralho. Pelos dois capítulos não consigo nem imaginar onde vai parar essa porra toda.

Abração

Sílvio Pecks

 
Às 19 julho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Menino, isso mexeu comigo. Como diz o Dalton, toda família tem um louquinho preso no porão.

Bj

 
Às 19 julho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Muito boa essa de fazer novelas no blog, ainda mais com essa técnica toda. Gostei.

Chico Pedra

 
Às 19 julho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Impressionante como vc dribla bem, lembro das outras novelhas, quando a gente pensa que a história vai para um lado, vc inverte tudo. Na minha família tem um primo que falta pouco pra jogarem no porão.

Abç

 
Às 19 julho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Vai nessa que tá legal, Polaco.

Fabiano

 
Às 20 julho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

achei que esse segundo capitulo não tem nada a ver com o primeiro. o que a vida desse pilantra que perdeu o avô numa cena grotesca tem a ver com essa merda toda da velha curitiba, que vc não reconhece mais. chega desse tipinho daltoniano, que já me encheu o saco. Cadê você? Técnica vc já mostrou que tem... mas as vezes a usa como um publicitário. No mau sentido quis dizer. Cadê vc Thadeu? Se perdeu também?

amor e saudades

jose luiz Ramos

 
Às 20 julho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Puta que cara idiota esse José Luiz. Vc não entende nada, cara.
Não dá bola pra ignorante não, Thadeu.
Com o decorrer da novela ele vai ver como vc liga as coisas. Aconselho o José Luiz a ler as outras.

 
Às 20 julho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

O que tem de ignorante nesse mundo não é brincadeira. Vai ler e se informar, José. Você é um palhaço querendo aparecer.

Nelson

 
Às 20 julho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Burrice não tem remédio, pessoal.

Ana Maria

 
Às 20 julho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

O cara confunde estilo com repetição. Ô simplório, vê se esforça um bocadinho pra não falar essas besteiras. O fato é que vc vai ter que ler até o final para ver o que tem uma coisa com a outra, infelizmente. Ler só dois capítulos de um livro nunca vai te levar a nada. Você tem que se esforçar um pouco mais.

Grande abraço, Thadeu


Arthur Fialho Netto

 

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