polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

domingo, junho 08, 2008




os astros, leminski e marcos prado, pelos astros




Paulo Leminski


O Saci das Araucárias


João Acuio

o pauloleminski/ é um cachorro louco/ que deve ser morto/ a pau e pedra/ a fogo a pique/ senão é bem capaz/ o filhodaputa/ de fazer chover/ em nosso piquenique

Essa é a melhor definição do poeta, pelo próprio bandido.

Paulo Leminski é um filho da puta de um cachorro louco que latia latim. Fazia poesia como se não fizesse. E tinha o hábito de prosear em chinês com os chineses das pastelarias daqui de Curitiba.

Leminski como um bom cachorro, doido por barulho, fez a cidade de Curitiba acordar durante suas frias madrugadas. E esta foi a sua maior rebeldia.

Leminski era um ser em trânsito. E onipresente. Esteve em todos os lugares. Poesia. Conto. Prosa. Biografia. Tradução. Ensaio. Carta. Resenha. Video-texto. Música popular. E o escambau. Este polaco mulato, como ele gostava de se chamar, acrescentou o seu ponto onde não era chamado. Como todo bom filho de Saci.

Quando se vê o mapa de nascimento do Paulo, leva-se um susto. Sol, Júpiter, Marte, Vênus e Mercúrio no analítico signo de Virgem. No total, são dez planetas no mapa, cada um representando uma faceta da vida, e Leminski tinha simplesmente a metade deles no signo da destreza, do pensamento crítico (porém sempre solitário) e da comunicação. Afinal de contas, Virgem é regido por Mercúrio. Ou Hermes, para os gregos. Para os íntimos, Exu, Capeta, Saci. Aquele que troca um sentido pelo o que ainda não foi dito. O que eu estou querendo dizer, é que Leminski, assinalado pelo céu astrológico, era a personificação deste mensageiro dos deuses, que chamamos de Mercúrio na astrologia.

Hermes-Mercúrio-Saci é um deus muito sacana. Filho da Noite com a Grande Luz, tinha a função de levar recados a todos os cantos. Às vezes, a fúria de Zeus, a ordem irrevogável de Hades, a paixão de Vênus. Tinha o espírito traquinas da risada do Saci depois de uma boa travessura. Como também assoprava palavras, mensagens, que para bom entendedor, era uma dádiva. Mercúrio tem a alma amoral. Como poder andar, transitar onde for, levar recados destinados, se não tiver um espírito também maleável, com asas nos pés? Por isso era possível encontrar o Paulo ali na esquina do Erudito com a Boca do Povo.

Leminski era cinco vezes a personificação do Saci. Por isso, e também por seu Sol-Júpiter, que o fazia exagerado, carismático, super-hiper-autoconfiante, ele tenha tido a audácia de lançar, como seu primeiro livro, o Catatau. Neste, o Kamiquase colocou Descartes com sua lógica de régua e compasso fumando maconha tupiniquim. Descartes perdeu a lógica e o texto, que partia de citações da boca do povo, transmutando-se sobre si mesmo como quando se pensa muito sobre uma coisa. Veja você: Saturno, o pai dos burros, fura bolos com o mindinho de Mercúrio e mata piolhos a unha. Ou: Vá em frente, eis o abismo. Coisas de Saci que luta judô.

Virgem tem esse humor. Humor negro e sacana. Chega a ser marcial. É sua salvação. Até por se levar muito a sério é preciso rir. E Leminski ria alto. Mas não à toa!

O Signo de Gêmeos também é regido por Mercúrio. Mas é diferente ser um Saci Virginiano do que um Geminiano. Gêmeos expressa mais veemente a mudança de opinião, ou de faces, sem cultivar necessariamente um áspero aspecto crítico. Virgem já tem a precisão da mão do cirurgião. No caso do Leminski, língua só lâmina de um Mercúrio conjunto à Marte – o Deus da Guerra – em Virgem. Essa configuração faz com que a palavra seja a sua guerrilha. Em resumo, Gêmeos é esparramado, o mágico. Virgem é conciso, o mago. Ou alguém dúvida dessa precisão virginiana? Por exemplo, veja o ronin curitibano ferindo as efemérides:

Uma semana, um mês, um ano, não dão para a saída:
nada passa igual a um dia.

O Saci da Araucárias continuou aprontando das suas. São tantas travessuras, sal sobre lesmas, que os biógrafos, espero, tragam a luz. Mas uma passagem me chama a atenção. A história, que é quase lenda, é sobre a morte dele. Paulo morreu no dia 7 de junho de 1989, e na ocasião, eu tinha uma amiga (Oi, Ana de Tostoi) que trabalhava no Canal 12. E ela me contou que a TV anunciou a morte do Paulo antes do ocorrido. Tiveram que desmentir. E logo em seguida voltar a confirmar. Será que isso é verdade? O que importa? O Coringa de Curitiba deve ter dado gargalhadas.

Outro fator importante da carta de Paulo é a sua Lua em Escorpião. É a mesma coisa que dizer Até à morte, tudo é vida (Cervantes). Isso me dá um arrepio. E respeito. Essa posição sugere alguém que é tomado pela paixão, pelo abismo, pela força dos instintos ou do sexo, fazendo com que a morte e o sentimento de destino batendo à porta seja uma constante. Leminski perdeu o seu primeiro filho, Miguel, quando este tinha 10 anos. Como também o seu irmão, que cometeu suicídio.

Mas mudando de assunto, quando se cruza o mapa de Curitiba com o do Leminski, achamos pistas de como foi este caso de amor.

Curitiba tem Lua em Capricórnio. O que quer dizer isso? Lua é o coração emocional, no caso aqui, de uma cidade. São os sentimentos mais íntimos de alguém. Capricórnio é o signo do medo, da solidão, da necessidade de estabelecer distância. Em duras palavras: representa o medo do contato, a fobia, a depressão, a sólida solidão. Como também representa o gosto por desertos ou por tudo que tem estrutura e tradição para aguentar mil invernos. É a mãe madrasta. Essa Lua e mais Plutão – o Deus das Crises – posicionado na casa da comunicação, entre outras coisas, faz com que Curitiba resista a falar e assim evite mudanças. Enfim, sabe Saturno comendo seus próprios filhos por medo da mudança? Saturno – o Senhor do Anel, rege Capricórnio. Então agora imagina essa cidade naturalmente silenciosa como pedra para a alma de um Saci? Vai ser um prato cheio (risos).

Você pode achar que eu estou exagerando. Que Curitiba não é tão fria. Que não há na cidade este desejo de morte representada pela boca calada do curitibano etc etc etc. É claro que não é mais tão quieta assim. Mas me diga aí, porque aqui há um monte de artistas suicidas? Como, por exemplo, Raul Cruz, Marcos Prado, o nosso João Baptista de Pilar, e o próprio Leminski? Em Curitiba não há filhos artistas com o sorriso simpático do paulista Paulinho Moska ou o balanço da carioca Fernanda Abreu? Por que? Alguém pode me dizer? Curitiba sorri, mas não gargalha, meu caro!

Não quero entrar em detalhes, mas numa carta astrológica há um elemento chamado Meio-do-Céu, o qual é significador da meta a alcançar de um mapa em questão. No Mapa de Curitiba há o signo de Peixes, significador da necessidade de diluir limites, de dar um porre na censura, da precisa e preciosa fusão de elementos sem saber onde isso vai dar, etc etc etc. Sabe alemã casando com anarquista italiano? Ou cruza de Santa Felicidade com Boqueirão? Pois é, talvez só fazendo a função de Peixes que é de se misturar e assim provocar outras sínteses que possamos não nos sentir sós com a solidão que a Lua em Capricórnio representa.

E veja só: Leminski tem Ascendente em Peixes, portanto, se alinhava como ninguém ao projeto da cidade e acabou fazendo de uma maneira ou outra essa função. O que eu estou querendo dizer é que determinadas pessoas em sua comunidade podem representar, sem saber, antes que qualquer um se aperceba, a direção à qual o coletivo se encaminha a passos lentos.

Mas como Leminski fez isso? Primeiro, por se recusar a um pacto de silêncio que a cidade teima em fazer. Isso a gente vê tanto na sua reflexão sobre a cultura que aqui se produziu quanto o transitar de sua literatura por todas as etnias e tempos. Na sua obra, vemos o japão, a polônia, os ingleses, os irlandeses, os gregos, os americanos, os russos, enfim, Curitiba e mais o mundo todo num mesmo e eterno carnaval. Até a sua própria linguagem que ele bebia de outros códigos para ser uma outra terceira coisa é um fruto do processo pisciano. Prosa poética. Romance-idéia. Hai-Tropikai. É Júpiter destronando Saturno e dividindo o imaginário entre Netuno – o Deus da Poesia Romântica, Plutão – O Deus Destruidor de Estruturas Falsas e ele próprio, Júpiter-Zeus – Deus do Olimpo e de Inúmeros Filhos Espalhados Por Todo o Mundo.

Em outras palavras, a meta de Peixes é a metamorfose. Metaformose. Metamoforse. Nada mais justo para quem já veio de uma mistura de raízes portuguesas, polacas e negras.

Enfim, coisa de Saci.










Marcos Prado

O Beijo Punk




Nos anos 80, no boom do rock nacional, surgia uma banda em Curitiba chamada Beijo AA Força. Com muito sangue punk nas veias, faziam (e fazem) uma música ligeira pra diabo. Um dos seus letristas? Marcos Prado.

Esta, junto com Sergio Viralobos, virou um hit: a violência é tão fascinante/ queria ter dito isto antes/ não fui eu que inventei o terror/ nada me impede de ser um monstro/ ao menos por um minuto/ enquanto esquento o pavio curto/ um simples massacre no aeroporto/ com meu detonador de dinamite/ ver estrelas não é bonito?/ se você ainda estiver vivo/ desconfie do seu bom gosto/ o defeito melhora o seu rosto (Diário de um palestino).

Vendo sua carta astrológica a presença de Plutão e Urano surge na casa 1, aquela que revela a face que fazemos questão de mostrar ao mundo. Esta posição entre Plutão – o Destruidor e Urano – a Verdade Seca, combina com alguém que fazia da ironia e da destruição uma estética. Para você não dizer que eu estou forçando os fatos, veja o que a astróloga Liz Greene diz a respeito desse casamento: Urano junto com Plutão sugere uma visão política, associada a uma necessidade urgente de destruir velhas atitudes e concepções. É evidente que essa é uma combinação extremamente obsessiva e potencialmente violenta. (...) a idéia básica de urano é a liberdade contra qualquer repressão, e se vocês colocarem isso junto com a urgente necessidade emocional de Plutão, então a busca por essa liberdade não será de forma alguma particularmente gentil. As pessoas que nasceram por volta de 61 a 68 possuem este aspecto. Resta saber em qual casa astrológica eles residem (essa informação depende do horário do nascimento) e com isso apontar em qual área da vida de cada um dessa geração tende a romper e a destruir velhas estruturas.

No caso do Marcos, provavelmente ele foi empurrado a assumir enquanto persona essa face Urano-Plutão.

Esta conjunção planetária é muito o espírito do punk, do do it yourself, cruza de Nietszche com Gregório de Mattos, puro niilismo. Aliás, essa geração rompe com o sonho hippie da geração anterior, da turma do Paulo Leminski, significada por um forte aspecto de Netuno, o deus do amor universal e da comunhão. Geração Urano-Plutão não espera a redenção e nem tem ilusões. Aliás, eles vieram para destruí-las. Este espírito anárquico era uma constante nos poemas de Marcos Prado. Por exemplo,

uma casinha financiadinha/ uma mulherinha e três filhinhos/ um empreguinho e um creditozinho/ tomar nos fins da semaninha/ uma cervejinha com os amiguinhos/ / eta vida bosta meu deus!

Urano e Plutão está em Virgem, no momento do seu nascimento. Acompanha mais um pouco o pensamento da Liz Greene: Os valores que serão atacados serão os tipicamente virginianos: empregos burocráticos (...), uma existência monótona, obediência sem nenhum questionamento ao sistema, materialismo mesquinho, preocupação com a ordem e com a moralidade convencional.

Pelo jeito, Marcos Prado foi um genuíno representante desta geração. Nele os mitos são estraçalhados com uma ferocidade tremenda. Não sobra ninguém. Indivíduos da Canhota Militante, o comunismo, os amantes, a democracia, a posteridade, meninas burguesinhas e ele próprio são destruídos com a mesma força.

este traste que você está vendo/ conhece todos os teus defeitos

Só me resta gostar dos outros/ já que fodeu tudo/ tudo bem, existe bom e monstro (...)

Somando isso com a forte ênfase em signos de fogo (ele é um Sagitário, Lua em Áries e Leão Ascendente) fará que seja uma pessoa inquieta, arteira, viva, explosiva e sedenta de espírito e velocidade. O exagero. O excesso do excesso. A gargalhada. Aqui há o exagero, tanto no entusiasmo quanto na tristeza.

Não o conheci pessoalmente, mas com essa configuração no mapa imagino que ele deve ter sido uma pessoa que estava sempre pronto para liderar (Lua em Áries) contagiando a todos com seu pensamento e entusiasmo (Sol-Mercúrio em Sagitário). Ao mesmo tempo, sincero como um cavalo, impulsivo como um grito.

Ênfase em signos de fogo sugere uma alma rebelde que se sente preso no corpo. Porque Fogo valoriza o espírito, a alma, a fantasia, a criação, a rebeldia, o lance de trazer luz à luz. Se incomoda um pouco com as limitações que o corpo impõe. Enfim, a pessoa é um incendiário.

Marcos Prado foi um agitador cultural. Às próprias custas. Lançou, sem estar vinculado a qualquer editora, n livros de poesia. Um atrás do outro. Nos quais compartilhava a criação com outras cabeças e corações. Inventou junto com seus parceiros (Thadeu, Roberto Prado, Cobaia, Vulcanis, Viralobos etc) o fazer poesia em coletivo. Essa era uma maneira de achincalhar com a sua individualista Curitiba e, principalmente, um modo de se divertir à beça.

Aquele impulso todo de destruição, indicado por seu Urano-Plutão, vai explodir na casa 4 da carta astrológica de Curitiba. A casa 4 representa valores profundamente enraizados num mapa em questão. No caso, uma vida comedida e baseada no trabalho representado pelo signo que ocupa este lugar, Virgem. Os valores da classe média que Marcos fez questão de mostrar o quanto é mediana e medíocre. É como se Plutão de Marcos, ali localizado, mostrasse todos os podres que são mantidos em segredo. Sabe quem também fez isso por ter essa mesma situação do seu mapa incindindo sobre o mapa de Salvador? Gregório de Mattos.

Marcos Prado se identificava muito com o espírito do Gregório. Principalmente com aquele da boca suja, da ironia violenta, do destruidor que o fez ganhar o singelo codinome de Boca do Inferno. Essa semelhança se vê no resgate do soneto movido a mote tão comuns a Gregório. Aliás, outra rebeldia, numa época que a “poesia concreta” (que ele odiava) e o hai-cai estavam virando regra.

Gregório acabou sendo exilado. Marcos Prado morreu em Curitiba, no dia 31 de dezembro de 1996.

se o corpo abandonar minha alma/ não tenha de mim uma idéia falsa/ não chore, mantenha a calma/ estou morto por minha causa/.../ cuidado: assim como sua mala/ o meu caixão não terá alça

Morreu num dia no qual invariavelmente há expectativa de festa. Parece que fez de propósito. Alguém duvida disso?



1 Comentários:

Às 08 junho, 2008 , Anonymous Anônimo disse...

João! Que maravilha ler teu texto por aqui. Mata um pouco as saudades do teu blog.
E traz luzes sobre esta cidade!

beijos

Cláudia Serathiuk

 

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