polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

segunda-feira, janeiro 26, 2009



CONVERSA COM VERSO

Temos aqui em Curitiba um grupo de amigos poetas, que se comporta, às vezes, como quadrilha, bando ou banda. Um pessoal, digamos assim, meio extravagante, maltrapilho, desastrado, meio... para ser bem sinceros mesmo, meio jacus. Mas, por conjunções cósmicas desconhecidas, até que fazemos uns versinhos interessantes de vez em quando. Pois bem. Os nossos amigos famosos no mundo das letras e das artes vivem tentando ajudar a gente e reclamam que os modos da turba assustam às visitas. Fazemos força, tentamos tranqüilizá-los:

pão seco na porta

eu bem que tento fazer tudo certinho
só preciso de um pouco de compreensão
o doutor disse: "- você vai ficar bom!"
e já me sinto bem mais bonzinho

tenho fé de que tudo vai melhorar
nunca mais vou precisar me desculpar
a vida não é brinquedo vocês sabem
e por mais que cuide acaba saindo bobagem

eu nunca fui ladrão, prefiro pedir
perdão se um dia ofendi sendo sincero
devo tudo a vocês, não canso de repetir
amor carinho é tudo que eu quero

que seja um bálsamo para tu’alma estas rimas
fiz de coração aberto e espírito desarmado
por sensível, acabam me tomando por viado
viu? acabei de fazer mais uma das minhas

(Roberto Prado e Thadeu W)

Certa vez, estávamos prestes a nos dar bem com um grande editor de São Paulo (obrigado, amigos famosos), mas não resistimos à tentação de lhe mostrar nossa última criação, achando que, por ser um soneto, ia pegar bem:

ponto crítico

Saúde, luz e vida longa ao crítico,
Alma humana que merece salvação.
Escura morte morna à Crítica,
demônio doente com o diabo no corpo são.

Não odeia, aquele que foi bafejado pela razão,
os afastados de Deus pela ausência de prazer.
Não se exija do necrófilo nada além de saber
arrastar cadáveres para a prostituição.

As lingüiças existem, carentes de encheção.
Não erga a voz para justiçar sem dó
Àqueles que a dor do silêncio já respondeu.

Ame, também, os que estão abaixo da abstração,
sem querer chorar o que é riso só,
sem querer sorrir o que entristeceu!

(Roberto Prado, Marcos Prado e Thadeu W)

Bem, o editor foi educadíssimo, mas – acreditam nessa? – reclamou aos nossos amigos famosos que éramos talentosos, mas muito agressivos. Claro que não publicou nada: "fora do perfil". Nossa indignação foi proporcional ao tamanho da injustiça:

me enterrem vivo

Você vai acabar gostando
No começo pode até estranhar
Só que chorar não adianta
Chega uma hora que a gente cansa de lutar

Aí você bebe até se enlamear
De boca na valeta não levanta
Mas amanhã será o mesmíssimo dia
De todos eles a censura e o rancor

Dá raiva saber que o mundo é assim
Só o vírus da dor me contagia
Não tenho amor nem por mim

E se você pensa que não vai cair na vida
Alegria, alegria, alegria, alegria
Começou a sua festa de despedida

(Roberto Prado e Thadeu W)

Mas não somos de guardar mágoa. Logo nos reunimos à maloqueirada, conversamos, cantamos, demos umas boas gargalhadas e, inspirados, transformamos a frustração em uma mensagem altamente edificante:

sentado à beira do campinho

ninguém vai querer saber
se você presta ou não presta
a grande maioria te odeia
e o resto te detesta

eu já fui como você
não tenho vergonha de dizer
agora pernas pra que te quero
que ninguém é de ferro

na guerra entre o ponteiro
e o quarto zagueiro
quem vai na bola
sai pra reserva de padiola

só não me use como espelho
eu sou bonito e você é feio
tire a minha imagem do tubo
quadrado é o teu cubo

(Roberto Prado e Thadeu W )

Bom, hoje os nossos amigos famosos evitam apresentar a gente para as novas patroas ou nos convidar para as suas casas novas com as patroas antigas. E só nos chamam à festa para carregar caixa (depois que a festa começa, a gente fica na cozinha). Mas, só para você ter uma idéia da nossa boa vontade, desprendimento e superioridade moral, chegamos ao cúmulo de dar explicações e até revelar as origens do nosso transtorno:

imaginem se eu tivesse infância

não me venha cobrar pela agressão gratuita
ensinar que é bom ninguém ensina
depois ficam falando por trás das minhas gracinhas
paródias, deboches, escárnios sem o menor respeito
entendam de uma vez que esse é o meu jeito

nunca tive dinheiro pra comprar um livro
os que roubei eram de um mau gosto incrível
todos diziam que eu não valia o sermão que ouvia
dicas, palpites, orientações, exemplos sadios
meus amigos eram todos uns vadios

ler e escrever pra mim já é muito
os bons se acham demais pra perder tempo comigo
pra chegar onde cheguei só eu sei o que engraxei
disso ninguém lembra na hora de exigir qualidade
meu escrito e escarrado é o retrato dessa realidade

subnutrido não aprende nada na escola
a dureza da vida foi minha tese de pós-graduação
quem não teve sapato pra jogar tem que entrar de sola
repetidor, inculto, kitch, demodê, estilo indefinido
o que vocês tiram dos livros, eu tiro do ouvido

guardei na pele toda a sorte de humilhações
hoje, quando me querem no picadeiro de letrados
vejo que estava até certo ponto errado
abraços, beijos, elogios: dêem ao coitado do porteiro
minha parte da glória eu quero em dinheiro

(Roberto Prado e Thadeu W)

É. Impressionante como esse mundo é mau mesmo. A gente crente que está abafando, quase com a mão na taça, a um passo do nirvana e na hora h, no dia d, sempre aparece alguém para sacanear. Você pode até achar que tudo isso é o fim do mundo. Com toda razão, pois é mesmo:

desta vez vai bater

em todos os textos antigos
desde os tempos mais remotos
maremotos e terremotos
ainda não foram castigos

o pior não está acontecendo
deixe o cometa halley voltar
o céu prepara um calote polar
nada se verá de tão tremendo

daquela vez ia bater
da próxima vez vai bater
desta vez vai bater
tem que bater

o mudo terror de tua alma em alarde
nem o mais escuro esconde
quer correr mas agora é tarde
quer gritar mas agora é longe


(Roberto Prado e Thadeu W)

Essa é apenas uma das conversas que dá para montar com os poemas do livro Conversa com Verso, que logo vai sair, só com poemas em parceria. Se algum amigo famoso quiser dar uma força, pode ficar tranqüilo, vamos nos comportar como sempre.

Roberto Prado

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