Beco, acaba de sair um livro seu pela FTD, uma editora voltada para a área educacional. Como isso aconteceu?
A idéia foi do escritor Mustafa Yaztek, que chamou o José Arrabal, que me convidou. Montada a estrutura da coleção, o Mustafa apresentou à FTD, que gostou e comprou a briga.
O livro é uma adaptação, pois originalmente era uma peça de teatro. Quais foram as principais dificuldades e as maiores alegrias que o trabalho proporcionou?
A pior parte é a brutalidade do trabalho braçal de uma obra dessas. Eu sou totalmente neura na hora dos detalhes. E se não ficasse bom eu não teria nenhuma desculpa: escolhi o autor, a obra, a abordagem, a linguagem. Escrevi como eu acho que é a história que se passa no palco, sem nenhuma interferência. O livro é uma adaptação para prosa narrativa de um clássico do teatro russo, o Inspetor Geral, do Gogol. Uma peça que, aliás, por cúmulo da sorte, assisti em 1975 no salão da Casa do Estudante, na montagem genial do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone. Eu estudava no Colégio Estadual, bem em frente e um amigo me arrastou para lá. Genial. A maior alegria é que até agora eu leio O Inspetor, the book, e ainda dou risada. E olha que já era pra eu não agüentar mais a cara do bruto.
Roberto, como você analisa o mercado editorial no Brasil?
Thadeu, chegou a um ponto que os escritores tem de ser profissionais. Não tem saída de outro jeito. Como é que pode existir um setor empresarial do país vivendo do sangue, da saúde de uns coitados que se matam para escrever de madrugada e ainda são tratados como lixo? Ou vamos convencionar que só pode existir escritor rico. Gente que não precise de dinheiro e possa ficar alguns anos cevando e empurrando a obra com a barriga, independente de mercado editorial. Mas parece que está surgindo um movimento editorial interessante, que parece que vende e parece que paga. Mas, na maior parcela, é literatura ligada, direta ou indiretamente, ao mundo das “celebridades”. Literatura de verdade, acho, continua sendo um produto de sangue, suor e lágrimas de escritores pobres e editores coitados. Uma pergunta, Thadeu: já apareceu algum agente literário na sua porta com um contrato de 3 anos para um romance, com bom adiantamento e cabana em frente ao pesqueiro já acertada?
Quais os livros que mais marcaram a sua vida?
Tive a maior sorte de conviver desde piá com pessoas que praticamente me fizeram uma peneirada de tudo, só me deixando cair coisa fina na mão. Mas têm coisas que deixam marcas, de dor, de beleza, de compreensão, de espanto, de pura alegria. Não me pergunte por quê. EU, do Augusto dos Anjos, por exemplo. Histórias de Cronópios e de Famas, do Cortázar, praticamente me detonou o cérebro. Os Evangelhos, é claro, pois, além de iluminarem a alminha, continuam sendo uma síntese poderosa, uma lição de poesia. E outras coisas que se fosse falar ficava aqui o resto da vida.
Culturalmente o que é Curitiba? O que está faltando para que ela se torne uma referência nacional?
Começo com uma citação sua e do Sérgio Viralobos: “eu queria ajudar mas fui chato.” Pois é. Sou obrigado a dizer o mesmo que falei sobre o mercado editorial. É preciso profissionalizar. Ou então continua esta farsa. Alguns caras ganham algum dinheiro com projetos, muitos deles mandrakes até o último coelhinho do fundo da cartola. E quando os artistas são chamados para dar ao menos uma aparência de legalidade à coisa, é sempre em troca de uma cachaça e um pão com banha. Vamos combinar então que é coisa para rico? Ou herdeiro desocupado? O que não pode continuar é ver esses pobres coitados trabalhando de graça para um bando de lagartos e chupins mesquinhos, vampiros de Curitiba, em troca de esmola e esperança. Você, principalmente se é jovem, não se deixe enganar por esses vigaristas. Eles são no máximo inspiração para seus trabalhos, quando o tema for as trevas. Junte sua turma e façam vocês mesmos. Grudem no poste com cola de araruta que é melhor que cair na lábia de malandro. Pois é, Thadeu, queria ajudar mas fui chato. Acho que falta a Curitiba que as pessoas do setor cultural chamem as pessoas e digam: olha, eu tenho esse trabalho, pago tanto, o prazo é tal, o contrato é esse. O que acontece é que eles só lembram dos profissionais na hora em que tocam projetos “sem dinheiro”, só na “brodagem”, sem nunca jamais em tempo algum reduzirem o aninho de suas caminhonetezinhas. Sem isso nunca vamos ser referência de nada, pois os vigaristas de São Paulo também são bem melhores.
Conviver e ser irmão de um poeta genial como o Marcos Prado deve ter sido uma experiência e tanto. O que mais marcou o relacionamento?
Juntos, desde criancinha, cultivamos a curiosidade, o estudo, o trabalho árduo para desmontar o artesanato das coisas que descobríamos e gostávamos. Nunca acreditamos em “não dá”. Dá, sim senhor. Íamos atrás de livros, de referências, de pessoas, de situações e de experiências que nos ajudavam a chegar até onde o nosso dinheiro não levava. Éramos traficantes de sabedoria. O Marcos tinha uma energia e uma alegria de viver contagiantes. Simplesmente tomava conta dele e de todos que estavam nas redondezas. Quando ele estava mal, a mesma coisa. Cara, o Marcos seria muito útil no ambiente cultural de hoje. Mas desconfio seriamente que a turminha ia dar um calotaço nele, isso se não lhe levassem os trocados do ônibus. Antes disso, daríamos muita risada.
Quem e o que é vanguarda no Brasil hoje?
A vanguarda continua sendo o que sempre foi: um bando de presunçosos, cuja maior valentia está em darem uma de gostosos sem o menor risco, geralmente filhinhos de papai ou vivendo de empregozinhos publicozinhos que lhes garantem casa, comida e roupa lavada para poderem ficar bem tranqüilos, dando conselhos a quem vive no mundo real. Lembra, Thadeu, da febre que foi, das carradas de vanguardeiros que se atiraram como loucos escrevendo poemas em que usavam as letras para “desenhar” coisas? A jacuzada achava que isso era dar uma conotação “visual” ao poema! Certas coisas causavam estranhamento, pois resultavam da união da falta de talento poético com a total ignorância dos conceitos mais básicos das artes gráficas. Mas, como nas vanguardas de hoje, as roupas, os cabelos, os sapatos e outros adereços eram extremamente coerentes.
Como vc vê os espaços de comunicação alternativos como o blog, orkut, messenger etc ?
Tudo é bom quando você escreve de boa fé e as pessoas têm a coragem de não se deter na primeira leitura. Estudar, reler, pensar, duvidar – buscar as referências. Ou como já escreveu o Pellegrini, traduzindo o Brecht: “para entender uma palavra/ tirar a bunda da cadeira/ para entender uma frase/ ler um livro inteiro”. Do contrário, Thadeuzão, o pessoal vai acabar pensando que o “polacodabarreirinha” é um blog esotérico de auto ajuda. Mas a internet é um território bem bacana e a eletrônica é o paraíso dos curiosos.
O livro, na forma atual, está com os dias contados?
Como objeto, não, até inventarem algo que possa ser confortavelmente lido deitado, escorado no sofá, na privada, em qualquer lugar.
O que vc mais gosta?
Ler e lembrar do que li (recitar por dentro).
O que vc mais detesta?
Quando a sobrevivência me faz deixar o que mais gosto para fazer um trabalho qualquer e ele não é pago na data.
1 Comentários:
Muito boa a entrevista, adorei!
BB
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial