polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

quinta-feira, outubro 06, 2005

Musa

"Quem não tem Musa não tem alma.”

(Provérbio dos antigos maias.)

Dizem que as musas estão sempre por aí, em espírito ou carne e osso, jorrando inspiração neste deserto do existir. A maioria ouve o cochichar e passa batida. Uns captam as mensagens e as usam para o mal. Poucos aproveitam os eflúvios para criar oásis. Dizem que, para beber na fonte, além de talento, é preciso transpiração. Mas tem gente que sua, sua e o máximo que pega é desidratação.
Quando digo “musa”, estou falando grego. Foram eles que tiveram a inspiração original, criando as musas, as nove deusas, filhas de Zeus e Mnemôsine (memória), que auxiliam o desenvolvimento das artes e da ciência. Eles as chamavam pelos nomes: Calíope, a poesia épica; Clio, a história; Euterpe, a música; Melpômene, a tragédia; Talia, a comédia; Urânia, a astronomia; Érato, a poesia amorosa; Terpsicore, a dança; Polímnia, os hinos. Mas, a musa caiu na boca do povo de todas as culturas com tanto gosto que ganhou diferentes nomes, formas e funções, sempre rodando a bahiana. Para muitos, a mulher amada é a musa encarnada. Mas musa não é mulher de um só. Ela dá vida, brilho e alento a qualquer um, em qualquer profissão. É só entrar em sintonia, que você acerta até no bicho. Vira a esquina na hora exata. Lança a bola onde o atacante está. Acerta o diagnóstico na mosca. Intui o xis da questão. Se abaixa para amarrar o sapato e o balaço passa.
Anjo? Guia? Estrela? Sorte? Premonição? Destino? Adivinhação? Lei da probabilidade? Tudo isso e mais um pouco, inspiradíssimos leitores. Mas não adianta correr atrás da musa ou ficar só esperando. O melhor mesmo é ir fazendo tudo certinho que ela conhece, decór e salteado, o caminho do teu coração.



Às seis mulatas de bruxelas

uma água mineral e dois copos
vamos hoje batucar
com seis mulatas de bruxelas
só precisamos descobrir
onde estão elas
pegar talheres e panelas
e o pandeiro de meia tigela

adelaide, leonor, judite
elza, das dores e edite
não pagamos couvert, acredite
cantamos e elas aceitaram o convite
e olha que no estabelecimento
só tinha nego da elite

Marcos Prado e Márcio Cobaia Goedert



Musa de bamba

ah! meu deus do samba
me ajude
estou sem ginga
a mulher me xinga
quer que eu mude
que eu seja outro
o que vai ser de mim?
se eu deixar de existir
ela vai sentir a falta
sou baixinho, ela é tão alta
me chama de filho da pauta
não me dá carinho

José Alberto Trindade




Criatura memória

nossa senhora das minhas musas
minha angelical divina fada
que a treva bata em sua trave
antes da batalha ser travada

sopre sua brisa, diva santa elegância
relevo morno, enlevo doce, leite, úmida alvorada
me leve logo para que eu não esqueça
como essa vida é difícil de ser lembrada

Roberto Prado



A musa do frevo frenético

faça disso um forte abraço
me ame goze faça estardalhaço
faça disso um forte apache
me deixe doce me chupe feito sorvete pistache
na pele do bicho, na pele do sol
na pele da anta, na pele do gol
na pele da pele na pele do mato é apelido
carrapato escalpelado, carrapato escapulindo
pelado chupando tudo feito um sorvete
melado melando melindo

José Buffo



A musa doente

Que manhã trazes, ó musa em mágoas?
Teus olhos fundos de visões macabras
Em teu rosto emergem das negras águas
A fria doida dor na qual, só, te acabas.

Que duende obsessor ou exu de encosto
Te seduziu para a euforia infame de sua turma?
Que pesadelo ainda se repete no teu rosto
Como se tragada em lodos de promíscua furna?

Tomara Deus que, voltando à boa velha forma,
Teu pensamento batuque outro ritmo
E que, nele, Jesus Cristo toque teu íntimo

Com o primitivo poema da magnânima norma,
Que no eco dos anjos soa dulcíssima cantiga,
Que nos campos do senhor te estende a mão amiga.

Charles Baudelaire (França, 1821/1867)
Livre adaptação de Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado



Alma gêmea

jamais imaginei a tua imagem
mas quando a vi reconheci
o tempo parado a esculpir
tua beleza que pede passagem

Antonio Thadeu Wojciechowski



A musa no trabalho

ouça essa canção
já está colhendo poesia
o plantador de feijão

Matsuo Bashô (Japão, 1644-1694, livre-adaptação de Roberto Prado)



A musa de Leminski

parem
eu confesso
sou poeta

cada manhã que nasce
me nasce
uma rosa na face

parem
eu confesso
sou poeta

só meu amor é meu deus
e eu sou o seu profeta

Paulo Leminski (1944-1989)



Não tenho poesia sobre musa,
acho que nunca precisei dela


Confusas como eu
profusas como flores
tantas formas de Deus

Domingos Pellegrini



Canto da onipotência

Cloto, Átropos, Tifon, Laquésis, Siva...
E acima deles, como um astro, a arder
Na hiperculminação definitiva
O meu supremo e extraordinário Ser!

Em minha sobrehumana retentiva
Brilham, como a luz do amanhecer,
A perfeição virtual tornada viva
E o embrião do que podia acontecer!

Por antecipação divinatória,
Eu, projetado muito além da História,
Sentia dos fenômenos o fim...

A coisa em si movia-se aos meus brados
E os acontecimentos subjugados
Olhavam como escravos para mim!

Augusto dos Anjos (1884-1914)



Musa praguejadora

Cansado de voz pregar
cultíssimas profecias,
quero das culteranias
hoje o hábito enforcar:
de que serve arrebentar
por quem de mim não tem mágoa?
Verdades direi como água,
porque todos entendais
os ladinos, e os boçais
a Musa Praguejadora.
Entendeis-me agora?

Gregório de Matos (1623-1696)



Procura-se uma musa

procura-se uma musa
que queira o que eu quero
que quando dance, distraída
faça da vida um filme
onde há amor em cada cena
que a gente aguarda e não espera
procura-se uma musa que goste
dessa pressa de primavera
que tem o fernando koproski.

Fernando Koproski



É uma musa, mora?

queria ter uma musa
que cantasse
os botões da blusa

Luiz Antônio Solda



Duas musas do vampiro de curitiba

1.

Só de vê-la – ó doçura do quindim se derretendo sem morder – o arrepio lancinante no céu da boca.

2.

Espiou-a encher o copo no filtro, sorver a metade e deixar o resto.
- Essa aí nem beber água sabe.

Dalton Trevisan



A estrela e o anjo

Vésper caiu cheia de pudor na minha cama
Vésper em cuja ardência não havia a menor parcela de sensualidade
Enquanto eu gritava o seu nome três vezes
Dois grandes botões de rosa murcharam

E o meu anjo quedou-se de mãos postas
no desejo insatisfeito de Deus

Manuel Bandeira (1886-1968)


Moça musa

ter uma musa assim
é melhor que ter barba
é melhor que peidar dentro d’água
ter uma musa assim é melhor
pra sorrir domingo em sexta-feira
pixar no muro
protesto poema besteira
ter uma musa assim
na intimidade da tv
é melhor que mudar de canal
quando a barriga
da musa que me usa
vai mal

Luís Carlos Retamozzo


Musa inédita

Inédito é o poema
que a gente nunca escreveu
aquele que passa de relâmpago pelo sonho.
No acordar, some,
como a cerração sob a colina
e vai se constituindo em nada,
aos poucos tornando-se
reflexos de um raio de sol
sobre a água cristalina.

Batista de Pilar

5 Comentários:

Às 06 outubro, 2005 , Blogger Projeto Miolo Mole disse...

Musa homicida

A faca fala:
- Afaga
A face
Da fogosa e falante
Frase

 
Às 06 outubro, 2005 , Blogger Jorge Ferreira disse...

musa amanhecida

saímos do bar às 6,
tua cara embriagada
minha ressaca florida.

 
Às 07 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Mais uma das boas. Isso aqui tá sensacional.

BB

 
Às 07 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Queria ter sido a musa
Que ria de tua poesia confusa.
Queria ter te conhecido no passado
E ter te amado como merecias-me no futuro.

 
Às 09 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Todo tema tem sua teima. Que coisa é a poesia que une até a palavra que separa.

Roberto Trompowski

 

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