polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

terça-feira, outubro 04, 2005


Traição

“Acaso sou eu o guarda do meu irmão?”
Frase de Caim, Gênese, Bíblia.


“Trair e coçar, é só começar.”
Velho ditado popular


“Certas esposas precisam trair para não apodrecer.”
Nelson Rodrigues


O que dizer desse ato vil, baixo, mesquinho? Alguns nomes entraram para a história exatamente pela porta da trairagem: Caim, Judas, Calabar, Brutus, Joaquim Silvério dos Reis. Todos os apedrejam, mas eles não estão sozinhos. A Terra está cheia. Praticam por gosto ou fraqueza, atiçados pelos 7 pecados capitais. Daí vem a idéia de um demônio que cochicha as más idéias ao nosso espírito fraco e doentio que, como a seleção na final de 98, parece um sonâmbulo, indo com prazer ao precipício. Não que os anjos parem de soprar idéias geniais: nós é que ficamos cegos de luxúria. Dinheiro, fama, glória, medo, gulodice, volúpia, o ser humano trai até por estar distraído. Mas não há nada que doa mais no nossa alma do que trair os próprios ideais ou, pior ainda, trair ou ser traído pelo seu verdadeiro amor. Geralmente há alguém que se diverte com a desgraça alheia, rindo, feliz, da nossa, momentânea, chafurdada no lodaçal.
Shakespeare explorou o tema em sua face mais abjeta e trouxe Hamlet para esse mundinho cão. Mas, no planeta da trairagem, outra personagem, a Capitu, de Machado de Assis, levanta discussões. Traiu ou não traiu? Quem leu o Enigma de Capitu, do Dalton Trevisan, se convence que sim. Aliás, Nelson Rodrigues e o Dalton fizeram miséria com esse tema, para não trair a arte. Mesmo sendo tão próximo e tão presente, o traidor é a figura mais detestada pelos humanos. O político vira-casacas. O bandido que dedura o bando. Os amantes que magoam. O atleta que entrega o time. O sócio que rouba. Por isso mesmo está reservado um inferno todo especial aos traíras, onde gritam e queimam aqueles que, no final das contas, abusaram da confiança, macularam a ingenuidade, cometendo aquele que é, verdadeiramente, o pior dos pecados: a traição. E a pior das traições, sem dúvida, é a ingratidão.


Corno mecânico

Tenho furado fronha no meu sono pesado,
não acordo nem quando ela chega alta pela madrugada,
pisando macio em meus ovos distraída,
cheirando à bebida barata e sarro de cigarro,
mas não bebe e nem fuma a desgracida.

Será que meu amor anda pelos campinhos pelada?
Diz que tanto trabalho assim é pro nosso bem,
me abanando com um maço de notas em cada mão.
Ela é tão boa e bonita que me faz seu eterno refém,
nem penso em fugir da cela: ela não suportaria a traição.

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos


Chique-chique

“Sou como o chique-chique, aquela árvore do nordeste, não dou sombra nem encosto.”
Pedro Odemar Prado de Oliveira

cansei de criar cobra que depois me mordeu
você também vai me negar pela terceira vez
dará meu endereço aos porcos e apedrejarão
na fila dos acusadores você será o primeirão

Antonio Thadeu Wojciechowski, Marcos Prado e Roberto Prado


Amor perdoado

você não tem perdão
mesmo assim está perdoada
dizem que sou machão
que resolvo tudo na porrada

isso é só do punho pra fora
em mulher não se bate nem a pedido
que dirá com o espinho da rosa
fui o primeiro a saber apesar de marido

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos


Traição pelos quatro contos.


178, do livro 234

Maria se queixa para as vizinhas do ciúme doentio de João. Além de agredi-la, rasgou a calça e a blusa novas – presentes do amante? Mais uma briga: ela ameaça interná-lo no asilo. Só porque bebe um tantinho? Ofendido, João dorme na casa da mãe. Sábado, dez da noite, vai rondar a casa. Só estão os três filhos. Alegrinho, ri e brinca, adorado por eles. Vê a mulher chegando de carro. Se despede do tipo com beijo na boca.
Assim que entra na sala, João lhe sacode o pescoço, ali na frente dos filhos. “Só apertei um pouco e ela dormiu”- carrega-a nos braços para o quarto. Que a maior de sete anos se deite e reze com os menores. Da mulher cuida ele.

180, do 234

Com a faca e a tesoura, da meia-noite às quatro e meia, retalhando o corpo. Começa pela cabeça. Separada, descola o couro cabeludo e a pele do rosto, não seja reconhecida. Depois corta os braços e as pernas. O colchão ensopado de sangue, ele o revira. Limpa as manchas no assoalho. Se lava, escova as unhas e se veste.

182, do 234

Ali no corredor a bicicleta com cesta. Orra, bombear um pneu vazio. Acha um jornal velho. Pedala com fúria: a cabeça e os braços joga nas águas barrentas do Rio Belém. Volta pra casa. Enrola o tronco num saco plástico. Pedala sem parar, atira-o nos fundos do cemitério das Mercês. Mais uma viagem: as duas pernas, amarradas, esconde num terreno baldio do boqueirão. E no matagal próximo a tesoura e a faca envoltas na roupa da mulher.

184, do 234

Sem fôlego, descansa. Fuma um cigarro, deliciado. Já é manhã. Pedala devagar para a casa da mãe. Uma garoa fina. Repete o café, três pães, cata as migalhas: “Puxa que fome.” Exausto, desmaia na cama. De tardezinha, dorme ainda, chegam os tiras. Na delegacia, bate a cabeça na parede: “...eu amava, sim...ela me traiu...só fiz por amor...”

Dalton Trevisan


Anti-sobrevivência na selva

esse é o mundo
dos espertos

um dorme
de orelha em pé

outro acorda
de olho aberto

Roberto Prado


O Inferno

Na Divina Comédia, aos traídores estão reservados os 4 piores lugares do inferno, lá nas profundas, próximos do próprio Lúcifer: Caína, aos traidores de seus parentes; Antenora, aos traidores da pátria; Toloméia, aos traidores de seus amigos e, finalmente, Judeca, aos traidores de seus benfeitores.
Veja a cena final.

Caro leitor, não me peça doravante um relato coerente.

O mais belo dos anjos, monstruoso, ocupava toda a paisagem:
seu tronco colossal emergia das profundezas do mal
e sobre ele suas faces que em três rostos se repartem.

Cada boca triturava, com vontade, um animal:
a primeira cara, vermelha, martirizava Judas, sanguinária;
a segunda, negra, despejava sobre Brutus a sua força dental;

a terceira, ocre, babando secreção salivária,
mascava Cássio. E as três, por seus seis olhos, choravam,
porque toda a dor do mundo estava ali, estacionária.

Excerto da livre-adaptação da Divina Comédia, obra de Dante Alghieri, por Antonio Thadeu Wojciechowski, Marcos Prado e Sérgio Viralobos.


Sem perdão

é traição?
então
lavo minhas mãos

Luiz Antonio Solda

5 Comentários:

Às 04 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Impressionante!!!!!!

BB

 
Às 04 outubro, 2005 , Blogger Jorge Ferreira disse...

Pô Thadeu, legais os poemas...uma pergunta: Estes estão musicados?

 
Às 05 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Estamos usando e abusando. Ontem trabalhei com meus alunos o tema Estrelas, foi muito bom. Um deles escreveu:

estrela no céu
eu com os pés no chão
do que é feito meu coração?
de estrelas, de céu ou de chão?

O Carlinhos tem 11 anos e é um dos que começaram a escrever. Obrigado.

Professora Lúcia

 
Às 06 outubro, 2005 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Que bacana o poeminha dele, dá um grande abraço nele, Lúcia

 
Às 26 março, 2008 , Anonymous Anônimo disse...

procurava um o bairro alto,acho um polaco da barreirinha;gostei do chique-chique...(cadê Pedro?)

Joao Carlos Dias

 

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