Medo a gente pega de susto.
“Deus teve coragem para criar o medo”.
Divina Comédia, de Dante Alighieri, em livre-adaptação de
“Deus teve coragem para criar o medo”.
Divina Comédia, de Dante Alighieri, em livre-adaptação de
Antonio Thadeu Wojciechowski, Marcos Prado e Sérgio Viralobos.
Mal tenho coragem de tocar nesse assunto. Tremo pra mais de metro. Só cabra-macho tem valentia para se borrar todo. Quem nunca arrisca jamais petisca uma grande aventura. Ou uma enorme roubada. Nada mais monótono que um céu limpo de faísca. Aquele que tem medo tem alma, o resto é materialismo, ou, como definiu Nelson Rodrigues: “idiotia da objetividade”. Medo é adrenalina no seu estado mais puro, fluidos corporais em estado de falso alerta. Quem tem cru tem medo. No fiofó não passa nem fiu-fiu na hora do vamos ver. Pânico, cérebro em pane, tremedeira, sabedoria e sobrevivência dos nossos antepassados, ter medo é ter amor à vida. Medo de nada, medo do desconhecido, medo puro, sem sujeito, efeito sem causa visível. Tem gente, que na hora medonha, cinza-chumbo, pára; outros, rubros, viram fera; uns azulam e ensebam as canelas; aqueles, brancos de susto, tremem varas verdes; esses, quando a coisa preteia, amarelam. Eu e vocês, queridos leitores, que não somos laranjas e nem aprovamos a imprensa marrom, não queremos ver nem a cor.
dor duna
(altos & baixos)
meda de outras eras
médão eólico de outros tempos
um punhado medonho me dão
enredo-me no que o demo deu a adão
Roberto Prado
eu tenho medo
eu tenho medo de ser aniquilado por um mal súbito
(e de ser assaltado por uma dúvida)
das prestações da casa própria
(e da fúria da torcida organizada)
do controle da natalidade
(e da explosão demográfica)
de me perder na multidão
(e de ser confundido com o ladrão)
de ficar sozinho com o defunto
( e de fazer o papel de vilão)
de todos os ministros da área econômica
(e de duplicata vencida)
de uísque falsificado
(e dos falsos profetas)
do Bin Laden
(e das negociações para o cessar fogo)
do silêncio do grande canyon
(e do barulho do andar de cima)
de dormir com o cigarro aceso
(e do turco que tentou matar o papa)
de quarta feira de cinzas
(e de bife mal passado)
da guerra atômica iminente
(e de pastel de camarão)
do Bandido da Luz Vermelha
(e de febre amarela)
de câncer e unha encravada
(e do Serviço de Proteção ao Crédito)
de ser surpreendido pela morte
(e das almas do outro mundo)
de treinador da seleção
(e de acordar transformado em barata)
do Imposto Predial e Territorial Urbano
(e dos políticos suspeitos de corrupção)
das virgens que nos seduzem
(e de todos os males do coração)
de ser atacado pelas costas
(e de enfrentar a vida cara a cara)
das medidas de emergência
(e de contatos imediatos)
das vírgulas e reticências
(e do verso de pé-quebrado)
de ficar trancado no banheiro
(e de pegar resfriado)
dos filmes de terror
(e de todas as transfusões de sangue)
das mulheres que abandonam seus maridos
(e dos maridos abandonados)
da fúria dos oposionistas
(e dos motoristas que dirigem na contramão)
dos desmentidos do porta voz da Presidência
(e de anestesia geral)
do castigo que vem a cavalo
(e da sorte que está lançada)
das vítimas das enchentes
(e da solidariedade de toda a população)
Luiz Antônio Solda
22, do livro Dinorá.
Eu vi, ô louco. Foi o Diabo que eu vi. O carão do Outro. Sempre o neguei, nunca que podia. Esta noite, três da manhã, o tempo suspenso. No escuro, o sopro gélido de uma porta que se abre. Ouço uma sombra se mexendo na parede. Quem vem lá?
De repente, eu o sinto ao pé da cama. Ali debruçado. Bem ele, o maligno. Só o que vejo e me cega: um olho de brasa viva. Fala com a minha voz, que abafo na palma da mão. O meu segredo vergonhoso. O meu crime aos cinco aninhos. Ah, esse corno flamejante, quem o pode fitar? Tão grande horror, para exorcizá-lo estendo o braço e acendo o abajur.
E com a lâmpada acesa - oh, não - ainda ali. Inclinada e ofegante, a visão de fogo pingando sangue. Perdido fecho os olhos, para sempre perdido: debaixo das pálpebras, ainda ali.
O Diabo e eu. No meio da noite, cara a cara. Agora é com nós dois.
Dalton Trevisan
Ai que meda!
Medo é a única virtude que não tenho:
Cago na cabeça da torcida do Flamengo,
Enfrento de peito aberto escorpião-fêmea,
Minha própria sombra foge de mim em câmera-lenta.
Saio de casa no tranco pra ver se encrenco,
Ai daquele ou dela que me partir pra violência.
Sou um tipo comum de durão desalmado que não presta,
Um desses tantos movidos a baque de adrenalina.
Já matei morcego com vassourada na testa,
Meu antepasto é sambiquira cru de galinha,
Sempre saio antes do melhor da festa,
O frio na barriga me congela o frio na espinha.
Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos
ai que meda
diante da olha podrida
temi tomar na peida
Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado
medo
anda em Andrômeda
meu caro Godofredo
Antonio Thadeu Wojciechowski
com quem andas
sou um abutre, confesso
comedor de carniça confesso
um anjo que quis vir à terra a qualquer preço
e que encarou o diabo já no berço
convivo com o demo
há trinta e um anos
a ele, meus amigos, não temo
mas àqueles que eu e ele acompanhamos
Marcos Prado
medo eu
ai que meda que eu tenho de monstro
se apaga a luz eu vejo o bicho-papão
só lembro de bruxa e assombração
mas meu medo eu não demonstro
pois o verdadeiro monstro está dentro de mim
Antonio Thadeu Wojciechowski
Mal tenho coragem de tocar nesse assunto. Tremo pra mais de metro. Só cabra-macho tem valentia para se borrar todo. Quem nunca arrisca jamais petisca uma grande aventura. Ou uma enorme roubada. Nada mais monótono que um céu limpo de faísca. Aquele que tem medo tem alma, o resto é materialismo, ou, como definiu Nelson Rodrigues: “idiotia da objetividade”. Medo é adrenalina no seu estado mais puro, fluidos corporais em estado de falso alerta. Quem tem cru tem medo. No fiofó não passa nem fiu-fiu na hora do vamos ver. Pânico, cérebro em pane, tremedeira, sabedoria e sobrevivência dos nossos antepassados, ter medo é ter amor à vida. Medo de nada, medo do desconhecido, medo puro, sem sujeito, efeito sem causa visível. Tem gente, que na hora medonha, cinza-chumbo, pára; outros, rubros, viram fera; uns azulam e ensebam as canelas; aqueles, brancos de susto, tremem varas verdes; esses, quando a coisa preteia, amarelam. Eu e vocês, queridos leitores, que não somos laranjas e nem aprovamos a imprensa marrom, não queremos ver nem a cor.
dor duna
(altos & baixos)
meda de outras eras
médão eólico de outros tempos
um punhado medonho me dão
enredo-me no que o demo deu a adão
Roberto Prado
eu tenho medo
eu tenho medo de ser aniquilado por um mal súbito
(e de ser assaltado por uma dúvida)
das prestações da casa própria
(e da fúria da torcida organizada)
do controle da natalidade
(e da explosão demográfica)
de me perder na multidão
(e de ser confundido com o ladrão)
de ficar sozinho com o defunto
( e de fazer o papel de vilão)
de todos os ministros da área econômica
(e de duplicata vencida)
de uísque falsificado
(e dos falsos profetas)
do Bin Laden
(e das negociações para o cessar fogo)
do silêncio do grande canyon
(e do barulho do andar de cima)
de dormir com o cigarro aceso
(e do turco que tentou matar o papa)
de quarta feira de cinzas
(e de bife mal passado)
da guerra atômica iminente
(e de pastel de camarão)
do Bandido da Luz Vermelha
(e de febre amarela)
de câncer e unha encravada
(e do Serviço de Proteção ao Crédito)
de ser surpreendido pela morte
(e das almas do outro mundo)
de treinador da seleção
(e de acordar transformado em barata)
do Imposto Predial e Territorial Urbano
(e dos políticos suspeitos de corrupção)
das virgens que nos seduzem
(e de todos os males do coração)
de ser atacado pelas costas
(e de enfrentar a vida cara a cara)
das medidas de emergência
(e de contatos imediatos)
das vírgulas e reticências
(e do verso de pé-quebrado)
de ficar trancado no banheiro
(e de pegar resfriado)
dos filmes de terror
(e de todas as transfusões de sangue)
das mulheres que abandonam seus maridos
(e dos maridos abandonados)
da fúria dos oposionistas
(e dos motoristas que dirigem na contramão)
dos desmentidos do porta voz da Presidência
(e de anestesia geral)
do castigo que vem a cavalo
(e da sorte que está lançada)
das vítimas das enchentes
(e da solidariedade de toda a população)
Luiz Antônio Solda
22, do livro Dinorá.
Eu vi, ô louco. Foi o Diabo que eu vi. O carão do Outro. Sempre o neguei, nunca que podia. Esta noite, três da manhã, o tempo suspenso. No escuro, o sopro gélido de uma porta que se abre. Ouço uma sombra se mexendo na parede. Quem vem lá?
De repente, eu o sinto ao pé da cama. Ali debruçado. Bem ele, o maligno. Só o que vejo e me cega: um olho de brasa viva. Fala com a minha voz, que abafo na palma da mão. O meu segredo vergonhoso. O meu crime aos cinco aninhos. Ah, esse corno flamejante, quem o pode fitar? Tão grande horror, para exorcizá-lo estendo o braço e acendo o abajur.
E com a lâmpada acesa - oh, não - ainda ali. Inclinada e ofegante, a visão de fogo pingando sangue. Perdido fecho os olhos, para sempre perdido: debaixo das pálpebras, ainda ali.
O Diabo e eu. No meio da noite, cara a cara. Agora é com nós dois.
Dalton Trevisan
Ai que meda!
Medo é a única virtude que não tenho:
Cago na cabeça da torcida do Flamengo,
Enfrento de peito aberto escorpião-fêmea,
Minha própria sombra foge de mim em câmera-lenta.
Saio de casa no tranco pra ver se encrenco,
Ai daquele ou dela que me partir pra violência.
Sou um tipo comum de durão desalmado que não presta,
Um desses tantos movidos a baque de adrenalina.
Já matei morcego com vassourada na testa,
Meu antepasto é sambiquira cru de galinha,
Sempre saio antes do melhor da festa,
O frio na barriga me congela o frio na espinha.
Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos
ai que meda
diante da olha podrida
temi tomar na peida
Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado
medo
anda em Andrômeda
meu caro Godofredo
Antonio Thadeu Wojciechowski
com quem andas
sou um abutre, confesso
comedor de carniça confesso
um anjo que quis vir à terra a qualquer preço
e que encarou o diabo já no berço
convivo com o demo
há trinta e um anos
a ele, meus amigos, não temo
mas àqueles que eu e ele acompanhamos
Marcos Prado
medo eu
ai que meda que eu tenho de monstro
se apaga a luz eu vejo o bicho-papão
só lembro de bruxa e assombração
mas meu medo eu não demonstro
pois o verdadeiro monstro está dentro de mim
Antonio Thadeu Wojciechowski
10 Comentários:
Voltou com a corda toda. Muito bom esse tema.
Abraço
BB
È isso aí, polaco. Manda tua brasa que nóis assa nosso espetinho.
Grande abraço
Ivan Filgueira
Aqui não tem erro, tem sempre coisa boa pra se ler. Muito bom, Tadeu.
Belizière
Admirável. Não tinha certeza do que iria encontrar, mas vim, vi e gostei muito. Ótimo ter vida inteligente na internet.
Grandessíssimo abraço
Lendro Cunha Jr.
o medo bota pra frente ou faz correr pra trás. Mas tira a gente do lugar. Do lugar comum. É ruim mas é bom, né?
essas postagens tão inspiradoras me provocaram este
IMPROMPTU
as aparências me emparedam:
demônios que me dão demências
enquanto cala frio um temor
do medo mesmo que me apavora -
estou vivendo 666 meias noites
a cada meia hora
Boa, mestre, textos arrasadores, de dar medo.
Roberto Trompowski
Matou a pau.
Júlio Okada
Gostei, Ivan.
Não sei qual é a lógica utilizada para a seleção, mas que fica bom, fica. Aliás, muito melhor do que bom.
Ab
Carlos Eduardo Silva
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