polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

segunda-feira, outubro 17, 2005

Rir e Chorar
É só começar.


Às vezes dá ganas de chorar de rir de nós, os exagerados humanos do planeta terra. Arreganhamos os dentes ou abrimos o berreiro diante de fatos que, se aconteceram, são conseqüências naturais e, portanto, não deveriam ser razão para tanto espasmo. O engraçado é que, como ignoramos certas leis da natureza, as tais coisas da vida acontecem e nos pegam pela surpresa, pelo inusitado, pelo avesso. Como se fossem novidade. Mas a lei não tem choro nem vela: quem gargalha da desgraça alheia se sente o último dos chorões do mundo quando é o seu couro que está na roda. Ao rir, estamos agradecendo por ter recebido; ao chorar, estamos pedindo ou lamentando a perda de algo: esses são o choro e o riso do corpo. Mas isso não é tudo. Existe também o choro quase invisível da grande emoção e o riso descompromissado da fraterna amizade: esses são o choro e o riso do espírito. Mas não fique esperando por eles, a não ser que esteja sentado, pois, para a maioria da nossa humanidade, a alma ainda é um conto de fadas, como alertou o poeta Paulo Leminski. Dante ouviu choro e ranger de dentes na entrada do Inferno, mas não ouviu risos na porta do Céu. Quem sabe os eleitos tenham pudor de que seu contentamento aumente a dor dos condenados. Talvez ali a emoção já seja sábia. Ou, sendo mais sinceros, os nossos ouvidos não têm mesmo sintonia e nem potência para captar e decodificar as alegrias celestiais. A não ser em raros e rapidíssimos relances, com apoio logístico de algum santo, para, logo depois, pesados de incredulidade, afundarmos como Pedro, após alguns passinhos duvidosos sobre as águas da normalidade. É impressionante a rapidez com que nós, da classe média espiritual, pendemos, caindo da alegria ruidosa de uma hiena deslumbrada para o ombro amigo que transformamos num poço até aqui de mágoas. Prazer gêmeo da dor, dois lados do mesmo olho úmido, bocas abertas para um único abismo? Os humoristas levam pastelões na cara para que possamos rir de nossos próprios tropeços e, abraçados, chorar na execução dos bobos da corte. As razões da nossa desgrama vêm sempre “dos otros”, numa equação que, se desdobrada, acabaria por concluir que os verdadeiros culpados das desgraceiras são, na verdade, os habitantes de um outro planeta. Assim caminha a humanidade. E como sofre por caminhar assim! Rindo e choramingando, preguiçosa e complacente, se arrasta, de sol a sol, há milênios, esta desgraçada, sonhando com a felicidade plena e o gozo sem máculas. Mas pouco faz para que aconteça o milagre da multiplicação da alegria, através da compaixão, da amizade, do amor, do perdão, da fraternidade e outras coisas boas da vida. Daria até pra rir, se não fosse trágico. Daria até pra chorar, se não fosse cômico.


Choros e risos secretos

1. Chorar
Os que choram pouco,
ou não choram nunca,
acabarão apodrecendo em vida.

2. Rir
Nada pior e mais abjeto do que o riso.
E acrescento: nada mais atentatório.
E, eu quase dizia, ginecológico.
O sujeito só devia rir, às escondidas,
num sigilo de alcova.

Nelson Rodrigues (1912-1980)


Rir e chorar, do livro 234

74
A filha revoltada:
- Minha mãe ali no caixão. E o pai, em lágrimas: “Vai, minha querida. Vai, vai...Faz a nossa casinha no céu. Já vou te encontrar.” E, no carnaval, cantando, aos pulos com a nova querida, em nossa casinha aqui na terra.

93
O anjinho embebe de gasolina um, dois, três sapos dos grandes. Risca um fósforo. E baba-se de gozo com as bolas de fogo saltadoras.

Dalton Trevisan

Planeta Leminski

existe um planeta perdido
numa dobra do sistema solar

ali é fácil confundir
sorrir com chorar

difícil é distinguir
este planeta de sonhar

Paulo Leminski

Eu morro

as cordas do meu cavaquinho me disseram
que um pandeiro havia me deixado na mão
sinto saudades do corpo do meu violão
samba, bata em mim, não pare agora
sou um apito que ri
e uma cuíca que chora
nesta cozinha que hoje é um salão

Marcos Prado e Édson de Vulcanis


Rir e chorar

eu quero me afogar
na salmoura
dormir
na manjedoura
ser um monge
de outrora

o dia inteiro
fazendo hora
cortar o mal
com tesoura
eu quero o mal
mal quero
e tudo me apavora
o povo
o polvo
a pólvora

tudo enfim
que meu cavalo sente
quando me senta
espora

Luiz Antônio Solda e Paulo Leminski

À sombra dos chorões

choro por vós
que chorais tão baixinho
que às vezes até nós
seus risonhos adivinhos
deixamos a chorar
sozinhos

Roberto Prado


Rusga de rugas

Tenho duas rugas
que fogem à regra.
Uma delas
marca melhor com o riso.
A outra
marca melhor com a raiva.

As duas
- uma para cada olho –
estão dente
por dente. Disputando
qual tem mais sabedoria.

Como sabedoria
não é nenhuma ciência
e vai aparecendo –
claro! – com a experiência,
minhas duas rugas
usam a régua
pra medir qual
tem a maior saliência!
Eu sou apenas
o cara da cara
e sei que rugas
vêm com o tempo
que as imprime
inevitavelmente.

Apenas espero
que essa rusga não perdure, pois
está sugando – em sulcos -
minha tenra idade.

De rusga em rusga
minhas rugas ainda rasgam a minha cara!

Ricardo Corona


Certamente não sabias
que nos fazes sofrer.

É difícil de explicar
esse sofrimento seco,
sem qualquer lágrima de amor,
sentimento de homens juntos,
que se comunicam sem gesto
e sem palavras se invadem,
se aproximam, se compreendem
e se calam sem orgulho.

Carlos Drummond de Andrade

Poesi
Solange chora
Solange ri

Edson de Vulcanis

Arco-íris
Arco-íris no céu.
Está sorrindo o menino
Que há pouco chorou.

Helena Kolody

Consolo
a noite chorou
a bolha em que, sobre a folha,
o sol despertou

Guilherme de Almeida

Pignataria

na lágrima não interessa o que não é olhos
no riso não interessa o que não é dentes

Variação sobre fórmula poética de Décio Pignatari.

Epílogo do carnaval e da vida

(...)
É preciso um pierrô a chorar.
Um desses que chora rindo, no fim.
Que chora a cantar
De braços abertos no meio do salão
Quando as luzes já se se apagaram.
(...)

Rui Werneck de Capistrano

Sorri-se

quando disse, na saída,
deixo meu sorriso,
disse bem,
até sorrir pra você
não vou sorrir pra mais ninguém

também disse,
o que se deixa é o que permanece
não esqueca, essa sou eu
que agora desapareceu

e se mais não disse
é que sorria
um sorriso que ficasse
para depois de ter ido
como se nunca partisse
como se tudo existisse

ah se eu soubesse
ah se você me visse

Alice Ruiz

O ser duplo dentro do poeta

Chorava e ria em mim, dizia em mim,
chorava-me, brandia-me, sonhava-me.
O ser intransitivo me acenava
e ouvíamos-nos. Verbos vivos. Verbos.

Jorge de Lima (1893-1953)

Toante

Molha em teu pranto de aurora as minhas mãos pálidas,
O espasmo é como um êxtase religioso
E o teu amor tem o sabor das tuas lágrimas.

Manuel Bandeira (1886-1968)


Queixas noturnas

Quem foi que viu a minha Dor chorando?
Saio. Minha alma sai agoniada.
Andam monstros sombrios pela estrada
E pela estrada, entre estes monstros, ando!

Não trago sobre a túnica fingida
As insígnias medonhas do infeliz
Como os falsos mendigos de Paris
Na atra rua de Santa Margarida.
(...)
Como um ladrão sentado numa ponte
Espera alguém, armado de arcabuz,
na ânsia incoercível de roubar a luz,
Estou à espera de que o sol desponte.

Bati nas pedras dum tormento rude
E a minha mágoa de hoje é tão intensa
Que eu penso que a Alegria é uma doença
E a Tristeza é a minha única saúde!
(...)

Augusto dos Anjos (1884-1913)

Tudo pode ser

Sempre que olho para este homem
(Ele não bebeu e tem a mesma risada)
Eu penso: as coisas melhoram
Aquele tempo pode voltar
O amor começa novamente
Breve tudo será como antes

Sempre depois de conversar e rir
(Ele comeu e não vai embora)
Fala comigo e está sem o chapéu
Eu penso: tudo é bom
O tempo de falar sozinho terminou
Dá pra conversar com um sujeito, ele ouve!
O amor começa novamente
Breve tudo será como antes

Bertold Brecht (Alemanha, 1898-1956, versão de Roberto Prado)



chorei, chorei tudo e mais um pouco
ri, ri de estufar a veia do pescoço
lágrimas de balde, debalde,
ofereceram a outra face para o meu rosto

Antonio Thadeu Wojciechowski

12 Comentários:

Às 17 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

sem tempo
como todo mundo
contemplo
o fim do mundo

 
Às 17 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Puta que o pariu, Thadeu!
Esse tema tá de fuder. Da ontde saem essa idéias, cara?
Eu acho isso aqui o fim do mundo ou o começo, sei lá.
Só sei que me divirto muito por aqui. Abraçaço do Mirandão.

 
Às 17 outubro, 2005 , Blogger Projeto Miolo Mole disse...

Chora a chuva
ao cair bruta
no delicado asfalto

 
Às 18 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Poooorrra, meu!
Poucas coisas no mundo me tocaram tanto.
A tua turma é simplesmente o máximo.

Theodoro de Alencar

 
Às 18 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Tadeu, o teu poema é demais, meu amigo, poucas vezes na vida cheguei onde você me fez chegar.
Beijo.
Julio Okada

 
Às 18 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Todos vcs são muito gentis.
Eu assim dessa maneira só pooso ser feliz

 
Às 18 outubro, 2005 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Isso não tem tanta importância, amigo. Fique frio que vc não arruma pra cabecinha.

 
Às 18 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Boa, polaco, tem uns comentários aí que merecem uma cutucada.

Hélio Miranguetti

 
Às 18 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Adorei.

BB

 
Às 18 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Vim, vi e amei. Foi tudo que me disseram e mais um pouco.

Camila Sampaio

 
Às 18 outubro, 2005 , Blogger Ivan disse...

Essa foi uma postagem pra reabastecer reservatórios...
.........
..foi de alagar teclados....... resolveria a seca em Minas Gerais...

.... (não, não são reticências...
................................................. ......... ..... ................. ... ..... .... . .. . . ...........

 
Às 27 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Não sei se rio, não sei se choro.
10 pra todos esses poetas.

Carlos Luiz Cruz

 

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