polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

domingo, outubro 02, 2005


ESTRELAS

"mas essa mesma algema de amargura
mas essa mesma desventura extrema
faz que tua alma suplicando gema
e rebente em estrelas de ternura"


Cruz e Sousa

“Lírio do vale oriental, brilhante/ Estrela Vésper do pastor errante.”

Antônio de Castro Alves

Um dos maiores sonhos da raça humana é ir às estrelas. Mas elas, desgracidas, ao que parece, estão dando no pé. Todas, absolutamente todas as estrelas já captadas, para qualquer lado que se olhe, estão se afastando de nós. É um eterno adeus coletivo. Imagine só, estelífero leitor, 20 milhões de galáxias, cerca de 400 quintilhões de estrelas como o nosso sol (número ainda limitado pela incapacidade dos intrumentos atuais). Todas em desabalada carreira para o longe, para o não se sabe. Mas, mais importante que estas ingratas criaturas fujonas, é a sua simbologia. Está escrito nas estrelas que, para chegar lá, o único caminho é o pensamento. Com as estrelas a gente fez mapas, pirâmides, cidades, cabeças pascoais, planícies nazcas, cruzou os mares, para agora, finalmente, tudo ir para o espaço. Outra rota para as estrelas é o sentimento, a busca de uma luz que faz a gente ver estrelas em toda parte. Se o seu olho é bom, o seu corpo é estelar. Estrelas no olhar do amor. Verdadeiras constelações de estrelas guias, espalhando luz, calor, energia e ordem no nosso caos ancestral. Estrela é destino, sorte, fado. Quem tem estrela pode, até, cadente, rolar na lama da Sarjeta da Fama. Um dia a luz volta e a invencível força dos astros, onde o estrelado pisava distraído, o arrastará para a glória e aplausos dos quasares e pulsares. Aproveite a escuridão, querido leitor, e olhe bem para o céu. Você verá que existem incontilhões de motivos de sobra pra sair das trevas e ser muito, mas muito bonzinho, abraçado à luz de todas as estrelas.



Brinde

Brindo
a Deus
ao dia findo
à manhã de amanhã
a tarde que foi indo
o céu que anoiteceu
e as duas estrelas
nos teus olhos lindas

Domingos Pellegrini



Com quantas pauladas se faz uma alma boa

Minha nossa,
perdoa a dor
em nossa alminha.

A gente é gente simples, senhora.
Gente que depois de uma boa paulada
já é bem capaz de ver estrelinha.

Roberto Prado

3 Marias do Solda

1.
estrela azulada
pipoca no céu
entusiasmada

2.
estrela
tão longe
que nem
existe mais

3.
lua cheia
noite estrelada
não precisa
de mais nada

Luiz Antônio Solda



amor sem viadagem

entendi seus poemas, amigo dileto
também o dialeto do seu amor
palavra a palavra, verso a verso
só não entendi a estrofe acabar em dor

ria, se quiser, da rima paupérrima
e da intenção tão emocionada
abandonei a palavra que fere e é má
por outra num canto abandonada

não estava nas estrelas que tanto cantas
estava também ali olhando estrelas
que piscavam nas noites solitárias fantás
ticas que observávamos mesmo sem vê-las

Marcos Prado (1961-1996)



Solidão estelar

Entre essa estrela e aquela
O lapso de um espaço em branco
Onde nossa noite é mais preta

Imenso infinito desmedido vácuo
De uma estrela solitária
À solidão de outra estrela

Giuseppe Ungaretti (Itália, 1888/1970, tradução de Roberto Prado)



Ainda que seja de dia

A San Juan de la Cruz

Olhando o céu diferente,
o sol, estrela mais perto,
esconde as demais qual ausentes.

Ilusão se sentir penitente,
por força maior sobreposta
às luzes distantes presentes.

Não é essa a dor de quem sente:
a dor é luz de estrelas
às vezes nem mais existentes.

Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado



Pirilampejo

O sapo engoliu
a estrelinha que piscava
no escuro do brejo.
Ficou mais sombria a noite
sem o seu pirilampejo.

Helena Kolody



Leminski e suas estrelas

lá fora e no alto
o céu fazia
todas as estrelas que podia.

na cozinha
debaixo da lâmpada
minha mãe escolhia
feijão e arroz
andrômeda para cá
altair para lá
sírius para cá
estrela dalva para lá

Paulo Leminski (1944/1989)


Ladrão de poesia

estrelas da montanha
iluminem também a mim
o ladrão de flores

Kobayashi Issa (Japão, 1763/1827, tradução de Roberto Prado)




As estrelas do menino impossível

Fim da tarde, boquinha da noite
com as primeiras estrelas
e os derradeiros sinos.

Entre as estrelas e lá detrás da igreja
surge a lua cheia
para chorar com os poetas.

E vão dormir as duas coisas novas desse mundo:
o sol e os meninos.

Jorge de Lima (1893-1953)



A estrela

Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alto luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.

Manuel Bandeira (1886-1968)



Noites de insônia, conto 23

A noite, que já foi de minhas delícias, uma canção de ais e assovios.
Nunca durmo, apenas mudo de posição na cama. Vigio, vigio na cidade o mais furtivo passo. Atento a cada voltinha da Terra. Conto uma por uma as crateras da lua. Dou nome a toda estrela no exército do céu. E o meu gemido no frio eterno dessa noite sem fundo.
Agora o meu acerto final. Entre o vazio e o nada, um salto no escuro. Com o Outro, corpo a corpo. Só acordando pra me livrar.
Ah, o maldito é mais esperto: acordo, sim, dentro do sonho, que continua.

Dalton Trevisan

Estrela azarada

Minha estrela da sorte
caiu num buraco negro.
Quisera que quasar fosse
- observatório secreto –
do quanto quero agir certo,
do quanto podia ser doce
minha ex-estrela da sorte.

Viver não tem mais segredo:
pulsar em código morse,
sem céu, sem guia, sem norte!

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos


Estrela David Inteira

ontem quando você foi
não chorei mais
nem menos

em casa
achei o cisco que neguei
ficou pequeno

meu quarto
com a estrela que eu trazia
ficou pequeno

Antonio Thadeu Wojciechowski

7 Comentários:

Às 02 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

É de tirar o fôlego tanta beleza junta. Um verdadeira constelação.

Maria Clara

 
Às 03 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Obrigado, Thadeu. Tem sido muito bom trabalhar os textos com meus alunos. Você tinha razão, quando disse que eu sentiria o progresso deles em pouco tempo. Alguns já começaram a fazer música e outros a escrever poemas.

Lúcia Sousa Lima

 
Às 04 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Acho que eu sou um bosta. Não levei muito a sério a leitura nem as aulas de literatura. Mas lendo esse blog, quase todo dia eu leio,
acho que a vida fica melhor. Obrigado polaco. Acho que você tem razão, a beleza é nossa maior e melhor emoção.

Grande abraço

Nelson Andrious Filho

 
Às 04 outubro, 2005 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Não se leve tão a sério, Nelson.
O q vc perdeu tem volta, nunca é tarde para aprender a gostar de ler. O que importa é a partir de agora, ler sempre faz bem.

Grande abraço

 
Às 04 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Gostei muito dessa página, todos os textos me agradaram. Continue assim, eu te leio todos os dias.

BB

 
Às 04 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Thadeu, como é possível uma página assim? Cara, ela deveria ser transformada em cartilha e colocada para deleite obrigatório da nação desde o primeiro ano do ensino fundamental.

Roberto Prado

P.S.: Delete estas porqueiras em inglês que estão aparecendo nos comentários.

 
Às 07 outubro, 2005 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Não tem como deletar estes comentários em inglês.
Ou, se tem, não sei como, Beco.

Thadeu

 

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