polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Morte - e lá vamos nós outra vez




MORTE


“A última coisa que eu quero fazer na vida é morrer.”

(Solda)


Ninguém é peru pra morrer de véspera, portanto, a preocupação com dia, hora e local é total falta de presença de espírito. Viver, sim, é perigoso, como dizia Guimarães, ou, viver é prejudicial à saúde, como completa de sem-pulo Jamil Snege. “Quando eu passo perto das flores/ Quase elas dizem assim/ Vai que amanhã enfeitaremos o seu fim”, já cantou Nelson Cavaquinho, outro aficionado. A morte sempre foi uma idéia viva em todos nós, poetas ou não. Augusto dos Anjos encarnou como ninguém a beleza do tema e merece ser o homenageado desta página de morte. Muitas vezes morrer pode ser apenas um medo de viver. O que vem depois da morte causa pavor aos materialistas, pelo vácuo; aos malvados, pelo castigo; aos cains, pela dor do remorso. Mas, nós e você, vivo leitor(a), sabemos que a morte é um mero somenos. Vamos lá, hoje tem festa nos céus.



POEMA NEGRO

(Fragmento)

Surpreendo-me, sozinho, numa cova.
Então meu desvario se renova...
Como que, abrindo todos os jazigos,
A Morte, em trajos pretos e amarelos,
Levanta contra mim grandes cutelos
E as baionetas dos dragões antigos!

E quando vi que aquilo vinha vindo
Eu fui caindo como um sol caindo
De declínio em declínio; e de declínio
Em declínio, com a gula de uma fera,
Quis ver o que era, e quando vi o que era,
Vi que era pó, vi que era esterquilínio!


Augusto dos Anjos (1884/1913)


Três textos de morte

1.
A velhinha meio cega, trêmula e desdentada:
- Assim que ele morra eu começo a viver.

2.
O menino estende os bracinhos para o alto:
- Colvo, me leva.

3.
Aparou o bigodinho e escolheu a camisa florida.
- Ele se enfeitava para a morte e não sabia.


Dalton Trevisan



Amplo espectro


só depois de morto você me entenderá
vivo, primo demais pela complicação
não sou mesmo desse mundo
debaixo de sete palmos você verá como sou profundo

Roberto Prado e José Alberto Trindade


Morte artificial

Ninguém mais morre de fato,
a morte perdeu seu antigo status.
A vida ocupou todo o espaço
assim como nos desertos os cactus.
Foi-se pra sempre a negra figura da morte,
decretamos nossa eternidade à revelia.
Doações de órgãos de toda sorte:
um olho pra fulano, outro pra beltrano, alegria
pra sicrano e o coração pra qualquer uma.
Aos pedaços, algum incauto há de dizer:
isso é vida? uma duna que se avoluma?

Só sei que foi tudo que pude morrer.


Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos


Poema Para Paulo Leminski


vai
meu amigo
desta vez
não vou contigo

a morte
é um vício
muito antigo
só que nunca
aconteceu
comigo

pode ir
que eu não ligo
eu fico por aqui
separando
tijolo do trigo

Solda


begônias silvestres

o sumiço da sua silhueta amiga
fez meu perfil baixar a cabeça
as cores da tarde, cinzas cinzas
as luzes da noite, negras negras

desaparecer não é pra qualquer um
só você, misto de mistério e dúvida
pode estar em lugar nenhum
e ainda me tocar, por música


Marcos Prado (1961/1996)


Agora depois

o poeta
quando morre
onde vai?

irá para a lua
onde não há ninguém
para olhá-lo?

ou para a China
chorar cantando
entre tantos iguais?

sumir ou sofrer?
ninguém ou bilhões?
melhor não morrer

Roberto Prado



em cada cara
uma tara
encara
minha morte

tremendo corte

eu grito
do caixão:
boa sorte

antonio thadeu wojciechowski



anjo da morte

a morte é o último mistério da vida
quando você morre e não esquece de deitar
vira uma forma nebulosa na subida
que vive suspensa em qualquer lugar

além túmulo, existirá vida possível ?
zumbem como moscas respostas amorfas
tem muita gente que ainda crê no incrível
dormem acordadas, sonham consigo, levantam mortas

assombrado de estar vivo
a morte é um estado de espírito
sou o ser que quer ser redivivo
sozinho, morto, morto, morto, não consigo


Marcos Prado e Édson De Vulcanis


saideira assassina

nunca fiz nada na vida
e amanhã vou me casar
amigos armaram barracas
pra eu amar até me acabar

vou ter uma pústula abaixo da barriga
de tanto me esfregar nas novas amigas
vou cometer meu último crime
na minha própria vida

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos

Morte lenta

Morre lentamente quem não troca de idéias,
não troca de discurso,
evita as próprias contradições.
Morre lentamente quem vira escravo
do habito, repetindo todos os dias o mesmo
trajeto e as mesmas compras no supermercado.

Quem não troca de marca,
não arrisca vestir uma cor nova,
não dá papo para quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da TV
o seu guru e seu parceiro diário.
Como pode algumas polegadas ocupar
tanto espaço em uma vida?.

Morre lentamente quem evita
uma paixão, quem prefere
o "preto no branco"
e os "pingos nos is"
a um turbilhão de emoções indomáveis,
justamente as que resgatam
brilho nos olhos, sorrisos e
soluços, coração aos tropeços, sentimentos.

Morre lentamente quem
não vira a mesa quando está infeliz no trabalho,
quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho,
quem não se permite, uma vez na vida,
fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente quem
não viaja, quem não lê,
quem não ouve musica,
quem não acha graça de si mesmo.

Morre lentamente quem
destrói seu amor próprio,
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente
quem passa os dias queixando-se da má sorte
ou da chuva incessante,
desistindo de um projeto
antes de iniciá-lo, não perguntando
sobre um assunto que
desconhece e não respondendo quando lhe indagam o que sabe.

Evitemos a morte em suaves prestações,
lembrando sempre que estar vivo exige um esforço bem maior
do que simplesmente respirar!

João Gilberto

9 Comentários:

Às 03 fevereiro, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Demaaiiiiiis!!!!!!!!!!

BB

 
Às 03 fevereiro, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Acho que aquele texto do João Gilberto é muito piegas. O resto é muito bom.

Adão Danckz

 
Às 03 fevereiro, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Boa, polacão!

Gde abraço

Peste Branca

 
Às 04 fevereiro, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

É, Polaco, é difícil não gostar de você e do que você faz. Fiquei profundamente emocionado com esses poemas, é que meu pai faleceu semana passada. Parabéns e obrigado, você não imagina o bem que me fez.

Júlio Okada

 
Às 04 fevereiro, 2006 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Que pena, Júlio. Sinto por você.

Grandessíssimo abraço.

Thadeu

 
Às 06 fevereiro, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Ok, isso é poesia da boa. Vim conferir, saí satisfeito. Vcs são bons pra caralho.

Henriquesgoto

 
Às 06 fevereiro, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Vou viver até não poder mais, daí dou um jeito de me congelarem até o ano 3000 e daí faço aquela festa on the rocks.

Rubens Smanhotto

 
Às 06 fevereiro, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

A vida é o chão
depois da queda

A morte é a subida

Entre esferas

Outra escalada
entre feras

Subida

ou degrau por degrau
ou voando
se você voou
e não rastejou
durante a vida

É como o piscar dos olhos

Fechados
Os olhos passam
O olhar continua

Mas
Se os seus olhos
Não forem olhos de olhar,
O que será possível enxergar
Se mesmo quando o par de olhos sobrevivia você
mesmo assim
você nada via?

 
Às 07 fevereiro, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Eu quero morrer...
rsrsrsrs


Paula Mendes

 

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