polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

sexta-feira, março 24, 2006


Foi uma loucura!

Quem foi ao Beto Batata, na terça, dia 21, já está com este texto na mão. O Roberto Prado utlizando-se dos versos do livro NÃO TEMOS NADA A PERDER, alinhavou esta pérola para fazer apresentação do livro. Uma obra prima que você vai compreender melhor ainda depois de ler o livro. E por falar em livro, hoje, o Walmor Góes esteve aqui em casa pela manhã e me entregou a edição completa. Ficou um encanto. Portanto já estou iniciando o envio via correio. As instruções estão abaixo. Enquanto isso deliciem-se com essa Apresentação para pós-leitura.


Outro dia eu conversava com o Sérgio e o Thadeu sobre o único assunto. Não será em vão todo esse amor perdido, rodando ao vento, tornado cicatriz pavorosa na alma do poeta, esse aéreo ser que, depois de alguns rounds, perdoa, pois é sempre o primeiro a saber, apesar de marido. E que, falando de coração pra coração, delira ao recuperar, no leitor, o olhar que a amada tinha quando só tinha olhos para olhá-lo. Cupido flecha e mata, mas ele não morre. Nosso herói volta do paraíso que antecede o inferno enfrentando os exércitos de zorba da luxúria, só pelo gostinho de nos contar a história da mesa vizinha. Seu fado é o limbo, atacanhado pelas musas, sempre ricas, televisivamente lindas, cinematograficamente distantes, belos pesadelos. O louco amor demora tanto que quando se realiza é porque o sonho, de quinta mão, já saiu de linha. Mesmo assim o poeta o lava, cuidadosamente, na frente do seu barraco. Outras vezes a musa pula, voraz, intrometida, afogando o chapeuzinho vermelho de quem está no mesmo barco, gozando seu ataque epiléptico até todo mundo morrer abraçado. E os amigos? Ah, os amigos! Os gigolôs da nossa cova só aparecem fazendo arruaça, estragando a festa, nos pondo uma arma na cara e exigindo uma autocrítica que, na verdade, é nosso canto de cisne. Ainda bem que nem sempre a desgrama é tanta: algumas vezes o poeta não precisa mexer em nada, basta apanhar a loucura das coisas feitas, que dão por aí afora na árvore da vida, ocultas e disponíveis como frutos que ninguém quer (ou, melhor, que ninguém reconhece). Noutras, todos concordamos, arde como estar vivo, dói como morrer, mas dá prazer como considerar iguais as duas opções. Daí, cheio de vazio, a doida perseguição à lucidez total, ao extremo comedimento, desabalada carreira em perseguição à inércia. Vez em quando, a poesia, sempre profeta, celebra um futuro feito de minutos de silêncio, onde, sem fim, acabou o amor - essa sutil troca de diferenças que tantas vezes acaba em grossa pancadaria, esse sofrimento que morre de dor, mas sobrevive. Num mundo de imagens e semelhanças, não dá pra ser eremita por mais de um dia: no segundo já haverá seguidores. Daí a necessidade de ser descaradamente desmascarado diante de seu igual - espelho que só mostra matéria. E pensar que tem gente que vive se atracando pra ganhar a vida, vivendo artificialmente a sua morte cerebral, e que, nas horas vagas, vaga em bandos, procurando diversão quente e calor humano no fogo fátuo das metrópoles gélidas do fim do mundo. Homem novo? Quando religião vira vício, nem Jesus sobra pra cristo. Assim, sem Deus, que bicho vai dar? Passou a era romântica dos vendilhões: hoje todo mundo fabrica e vende suas quinquilharias. Verdadeiras preciosidades estão ao alcance dos falsos dólares, já que, no meio de tanta porcaria, pérola e excremento acabam sendo a mesma coisa. Individualismo total faz do ódio o produto acabado, o ícone do novo século. Ele só existe para seu dono e, eliminado o objeto odiado, fica sem valor no troca troca da vida. Não temamos, leitor, esse futuro, e nos preparemos, com muita coragem, para enfrentar tudo aquilo que os amigos ursos ainda estão nos preparando, atolados no lodo do passado. Como vingança, você ainda pode subir, pois pra cima todo santo ajuda. Mas viver nas nuvens também não é fácil, principalmente com a memória cheia dos bons tempos que não voltam mais, em triste contraste com nossa época, onde a marcação incansável dos médios-volantes - que não dão a mínima para as suas brincadeiras - nem ganhar precisam pra te levar para os pênaltis. O negócio, então, é não dar folga ao trabalho e ser sovina por natureza, passando direto pelas primaveras. A cigarra está com formigamento nas pernas de tanto buscar o silêncio, de tanto fugir, a passo de jabuti, dos vexames desta corrida maluca, de tanto falar sozinha para as multidões desertas. Ser vaiado, então, é ter a alma salva da embriaguez das intermináveis conversas e dos estados críticos do aplauso. Mas, às vezes, a sensação de solidão e abandono fica demais e tudo conspira contra, até a natureza, até a lei da gravidade. É preciso ser espirituoso, se desapegando dos bens materiais. Elementar, meu caro leitor: a matéria um dia degringola, na melhor das hipóteses. E, junto com ela, vão os seus amantes, que estão tanto de um lado quanto do outro da sociedade, atrás do vil metal e seus prazeres. Malandro que é malandro, muito pelo contrário, já nasce sem capital, sambando, capaz de acender o fogaréu da felicidade na batucada da vida sem precisar vender a alma ao capeta. Pois tem a malandra inspiração de que fazer acordo e sonhar com os anjos é muito mais negócio. Afinal, eles oferecem um planeta de vantagens, cheio de luz, ar, água, cor, movimento e vida incessante, aqui e além. E, de brinde, uma lua cheia, que inspira os inspirados e desnorteia a baba dos lunáticos. Eu dizia a eles que o que mais entusiasma é a possibilidade de romper as barreiras da relatividade e buscar o futuro até no passado, garimpando, ali, tudo o que na verdade ainda não aconteceu. Por isso o poetinha cuida tanto do seu equipamento: para poder transmitir, sem interferências, a essência vigarista da humanidade sofredora. Por isso ele jejua, por isso ele faz penitência e não tem vergonha de ser chato com todo o carinho. Discutimos, também, que a poesia pode ser um exercício mediúnico, poeta encarnado encarnando poeta desencarnado e lá vão eles, os dependentes do amor, com suas entranhas arreganhadas, botando tudo a perder. Aparecer assim, de alma pelada, é fogo na roupa. Não vale a pena, mas vale. Leu? E mais nós não dissemos, depois que o pau comeu.

Roberto Prado

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