polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

domingo, março 05, 2006


João Rubinato.
O poeta que foi muitos
para poder ser Adoniran Barbosa.


O menino que nasceu em Valinhos (SP), filho do casal de imigrantes italianos Fernando e Emma Rubinato, em 06 de agosto de 1912 (seu pai o registrou como se ele tivesse nascido em 1910, para que ele pudesse trabalhar mais cedo), tinha tudo para ser apenas mais um operário da grande indústria paulista que lançava suas bases no início do século XX. Tinha tudo, mas, na verdade não queria nada com nada. Na infância, o exímio gazeteiro gostava mesmo é de mergulhar de cabeça no rio Guapeva ou jogar futebol com a turminha que ele conseguia convencer a matar aula. Ficar na sala, só se fosse no cacete. Assim mesmo, conseguiu ser aprovado no primeiro e no segundo ano, mas no terceiro, já com 13 anos, nem fez os exames. A mãe decepcionada com o seu comportamento deu-lhe uma surra daquelas. Anos mais tarde, ele relembraria a tunda até com uma certa nostalgia. “Como é bom a gente ter mãe, mesmo apanhando...Hoje em dia eu apanho do mundo. E como apanho!”

Não quer estudar? Então, vai trabalhar, vagabundo!

Primeiramente, o pai colocou-o como seu auxiliar para levantar lenha, tijolos, paralelepípedos, manilhas e o que aparecesse pela frente. Serviço pesado demais para um magricela de 13 anos que nunca havia feito porra nenhuma. Ficou ali apenas alguns meses. Daí foi ser entregador de marmita do Hotel Central, trabalho que exerceu com um apetite fora do comum, pois apenas uma parte do conteúdo das marmitas chegava ao cliente, o restante ele comia no meio do caminho. “Malandragem é fome”, dizia. Mas o malandro acabou sendo pego e levando um tremendo pé na bunda. Como não queria nada com o batente, João pulava de galho em galho. Trabalhou (se é que se pode dizer assim) como varredor em uma fábrica de tecidos, no carregamento de vagões de trens suburbanos e outros bicos como tecelão, encanador, pintor, garçom, metalúrgico. Acabou em 1928 como mascate, comprava em São Paulo retalhos de tecidos, meias e outros produtos baratinhos e ia vender nos bairros pobres de Santo André.Um fracasso retumbante, pois era um péssimo negociante e um vendedor pior ainda. Mas é, nessa época, que o artista começa a nascer.
O contato com o povo, o caminhar pelas ruas, as diversas faces da cidade, deram-lhe as primeiras inspirações para alguns sambas, bem ruinzinhos, segundo ele mesmo. Mas foi assim que ele acabou adquirindo o hábito de compor andando na rua e que, mais tarde, lhe renderia algumas das jóias mais raras do cancioneiro popular. Como vender meias não deu pé, foi trabalhar como garçom, graças à dica de um amigo. Quando chegou à mansão, foi recebido pela filha do dono da residência:
- Você já trabalhou como garçom?
- Já sim, senhorita, mas faz tanto tempo que eu esqueci.
A moça deve ter se agradado dele, pois pacientemente ensinou-lhe o serviço. João foi aceito e elegantemente trajado foi conhecer o patrão que, para sua surpresa, era o ex-Ministro da Guerra, João Pandiá Calógeras. Dona Emma não parava de alertar o filho: “Olha lá o que você vai fazer, lá é a casa do homem, cuidado, muito cuidado!” Mas João adaptou-se perfeitamente ao ofício e já falava até em ser garçom para sempre, quando, em 1930, seu patrão é chamado para o Rio de Janeiro para apoiar a candidatura de Getúlio. Sem emprego novamente, abriu o bico para conseguir alguns trabalhinhos. Foi então que eclodiu a Revolução Constitucionalista, mas como o João mesmo dizia “O melhor de uma briga é não entrar nela”, não se alistou para lutar como fizeram dois de seus irmãos. Preferiu ficar à sombra e água fresca no dolce far niente. A sua guerra era outra e estava prestes a começar.

18 Comentários:

Às 05 março, 2006 , Blogger Roberto Prado disse...

Grande, Thadeu. Uma volta triunfal, provando que esses raiozinhos que derretem nossos HDs não são de nada. O Adoniram merece o carinho. Lembrei de uma que acho que só o Itamar Assumpção gravou, que é um bilhete a um benfeitor e que termina com um verso assim: "mas não repare a letra/ a letra é da minha mulher/ vide verso meu endereço/ apareça quando quiser". O legal é que colocando no ar a história e a importância da vida do cara mais gente vai se lembrar de gravar coisas dele. Incrível ter coisas inéditas ainda! Abração e parabéns!

 
Às 05 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Amo o Adoniran. Adorei a homenagem.

BB

 
Às 05 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

uma página que fica
outra que vai
tudo que se edifica
um dia cai

mas se a obra é de adoniran
então sai da frente
que eu quero sambar
até ficar tantã

Henriquesgoto

 
Às 05 março, 2006 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Obrigadão, Beco.
Tenho ido todos os dias ao seu blog. Vc, como eu já previa, está arrebentando. Espero que todos os meus leitores aproveitem também a sua inteligência e sensibilidade.

Abração

 
Às 05 março, 2006 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Obrigado à Bia e ao Henriquesgoto também.

Grande abraço aos dois assíduos leitores deste blog.

 
Às 05 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Você me proporcionou um ótimo final de domingo. Amo de paixão o Adoniran e você o retratou maravilhosamente bem. Parabéns.

Maria da Luz Arruda

 
Às 05 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Matadora essa matéria, brother.

Grande abraço

Belo campos

 
Às 05 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Já estava sentindo falta de suas loucuras, poeta. Mas valeu a pena esperar. Isso sim é um domingo legal.

Helton Medeiros

 
Às 05 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Boa, seu polaco da nhanha!!!!
Esplêndido o texto. Sempre tive curiosidades sobre o véio, você matou a pau.

Saudações atleticanas

Fabiano Marcondes

 
Às 05 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Cais cais cais
esse blog é mesmo demais!!!!
Viva o Adoniran.

Valeu, polacão.

Ivan Mesquita

 
Às 06 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Sensacional, mestre. Uma homenagem cativante, digna desse outro grande mestre Adoniran.

Um grande abraço.

Dalton L. Cunha

 
Às 06 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Muito bom mesmo, Thadeu. Material de primeira linha. O Adoniran é o brasileiro legítimo, nasce pobre, morre pobre e esquecido, depois de todo sucesso que fez. Estive ausente e adoentado. Mas estou de volta pra incomodar.

Roberto Trompowski

 
Às 06 março, 2006 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Bom vê-lo por aqui novamente, polaco! Percebi sua ausência, não imaginava que fosse por doença. Bom também saber que vc está bem.
Roberto, será que vc poderia me enviar o e-mail do Helton Medeiros?
Grande abraço

Thadeu

 
Às 06 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

As injustiças que a falta de memória do brasileiro produz são de arrepiar. Que tristeza que me dá na alma!

Salvador

 
Às 06 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Tadeu, fizemos uma homeagem para ele ano passado na faculdade e todo mundo cantou Saudosa Maloca e Trem das Onze, foi muito emocionante saber que quase todo mundo sabe suas músicas de cor.

Ângelo Muniz

 
Às 06 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Dói saber que o brasileiro não valoriza nada, parece que tudo é descartável. Ainda bem que existem pessoas como você que sabem preservar o que é bom.

Sandra R. Carvalho

 
Às 06 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Estive no Japão duas vezes, e dá orgulho na gente saber que o Adoniran também é amado lá. Tem até um grupo ( não lembro o nome) que canta os principais sucessos do Adoniran. Grande abraço e parabéns.

Júlio Okada

 
Às 06 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Sensacional, prof. Thadeu!
Justa, verdadeira e nobre homenagem.

Maria Luíza

 

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