polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

domingo, maio 07, 2006







Revistas Culturais
Inteligência, pedantismo ou mistificação?



“Sábio não tem opinião nem sentimento.
Nem por isso deixa de saber o que o povo acha
E de sentir muito o que o povo sente”.


Lao Tse – Livro de TAO


Minha alma calafria só de ouvir alguém dizer: - é uma revista cultural. Em meio a raras exceções, já li tanto embuste, tanta mistificação, que resolvi tirar esse assunto a limpo, com uma pequena ajuda dos amigos. Uma das coisas que mais me incomoda neste mundão de fariseus e sacripantas, juro, é a tentativa que alguns grupos fazem de provar que só eles estão certos. Formam verdadeiras quadrilhas e tomam de assalto cadernos 2, publicações de arte e literatura, universidades e, é claro, as revistas culturais, onde sem dó nem piedade se utilizam de um dialeto intelectualóide para bestificar a humanidade. A poesia concreta que o diga, seus criadores fizeram uma valiosa e necessária revolução e há cinco décadas aproximadamente, em vez de continuarem a fazer poesia, estão se explicando, teorizando, mistificando, dizendo o que não se diz nem prum cachorro. E essa defesa, de certa forma, incorporou-se à arte em todas as suas manifestações gerando algumas obras primas, é verdade, mas também milhares de aberrações e, no mínimo, um milhão de teses sem tesão, tentando justificar o festival de besteiras que meia-solou o país. Em 1978, imagine hoje em dia, cansado dessa discussão estéril, escrevi:

Como é que vão as coisas?

Cala a boca, coisa ruim! Você não está falando coisa com coisa. A coisa não está preta coisíssima nenhuma. Você está com muita coisa pra cima de mim, mas eu lhe peço só uma coisa: deixe a coisa em paz pra ver como é que a coisa fica. Alguma coisa me diz que por uma coisinha de nada eu deixei de lhe dizer uma porção de coisas. Outra coisa: baixe neste centro mas com o espírito da coisa. Não precisa ser aquela coisa, mas, pelo menos, uma coisa muito louca. Ou, ainda, uma coisa tão estranha que, mesmo que pareça sempre a mesma coisa, seja coisa do outro mundo. Pois de todas as coisas, no fim, sempre resta pouca coisa. Ah, só mais uma coisa: a vida tem dessas coisas. E coisa que não acaba mais. Se você não concorda, o que não é lá grande coisa, escreva, pinte, cante, dance, faça qualquer coisa. Só não me deixe coisando sozinho!

*****
Como não tenho vocação pra dono da verdade, peguei o telefone, passei e-mails, pesquisei, fui à casa de alguns amigos poetas e escritores para saber o que eles pensavam sobre as chamadas revistas culturais e como eles gostariam que elas fossem.
Com vocês, algumas coisas para se pensar.


Gostaria que revistas e suplementos culturais fossem editados não para iniciados, mas para iniciantes, de forma a formar público leitor/cultor, pois iniciados e panelinhas já temos demais. Vejo uma mistura de Super Interessante com Seleções, mais ou menos na linha do que tenta fazer a Discutindo Literatura.

Domingos Pellegrini Jr., poeta e romancista


“Primeiro, gostaria que fossem muitas, bem mais do que as que temos hoje no Brasil. Se pegarmos um país como os EUA, onde há cerca de 7 mil revistas, entre marginais, acadêmicas e o escambau, fica evidente que ainda temos muito chão pra caminhar. Mas com a internet, os blogues, as revistas culturais estão passando a ser eletrônicas, isso abre um outro campo totalmente novo de difusão e circulação de informação cultural. Entre as eletrônicas, posso citar a Zunái, a Mneumozine, a Capitu, a Agulha, Cronópios, entre outras. Entre as revistas de papel, entre as que temos, acho que cada uma tem um perfil, uma proposta. Na Coyote, que já está no número 12, já publicamos mais de 130 autores nesses dois anos. É uma revista de criação, basicamente, e abre espaço para ensaios kamikaze, fotografia, quadrinhos e textos criativos de prosa e poesia, tentando abarcar várias vertentes. Perguntado sobre qual é nosso critério editorial, um dos editores, Ademir Assunção (o outro é Marcos Losnak), respondeu que publicamos coisas que gostaríamos de ler numa revista. Acho que ele matou a pau a questão. Na Coyote, felizmente, temos tido a sorte de lançar em primeira mão autores que depois foram descobertos por editores, e publicados, como Micheliny Verunschk, Nilo Oliveira, Jorge Cardoso, João Filho, entre tantos outros. Essa é uma das funções de uma revista, no nosso ver. Nossa sorte é que os três editores são amigos há 20 anos, o que facilita pra caralho o processo. Sem stress nem paranóias, o que acontece muito em projetos coletivos deste tipo”

Rodrigo Garcia Lopes, poeta, tradutor e compositor


Gostaria que fosse como a revista Nossa História. Como é a revista Cult. Como foi a revista Radar. Como é a revista História Viva. Como era a revista gaúcha Aplauso, hoje está ruim. Como é a revista Grandes Líderes da História. Como era a revista Paratodos. Como era a revista carioca O Cruzeiro. Como é a revista Bravo.

Valêncio Xavier, jornalista e escritor



Quando ouço falar em cultura, saco logo a minha piroca. Mando bala. Bala
Zequinha, que é cultura. A bala, não as figurinhas. Figurinhas manjadas
também não são. A Cicarelli é cultura inútil, mas ninguém vai exigir isso
dela. Ela tem micose no pé, micose é cultura. Ou exige exame de.
Como a próstata do deputado. Esfíncter é cultura, assim também a TV. TV
Cultura - Canal 2, as outras não. Big Brother é cultura, na versão
orwelliana. Borduna é cultura. Depois de acertar a cabeça de outro, só cultura
jurídica salva. Paulo Coelho é cultura e auto-ajuda. Seus livros o
auto-ajudaram a ficar milionário. Todo milionário é cultura, na parede. Conheci uma dona cheia da grana que tinha um Picasso no banheiro. Morava no Rio, a cidade mais cultural do Brasil. Lá tem cultura em todo canto, na academia anda em falta, isso eu sei. Só não sei se falta uma revista cultural.

Ernani Buchmann, escritor e publicitário


Vivemos numa era de excesso de informação, de muita variedade e pouco aprofundamento. Num veículo de informação cultural, penso que as matérias devem ser generosas com os assuntos que tratam e não um depositário de idéias e informações repetitivas. Falar sobre cultura é uma forma de extensão da própria arte, o que explica minha aversão à superficialidade. Para quem gosta de milhares de notinhas, que vá ler partitura de piano...

Pryscila Maran Vieira, cartunista


Eu não gostaria que elas fossem, pois há muito não as leio. Revistas culturais me parecem pedantes, turbinadas e tediosas, por isso deixei de lê-las. Quando muito folheio, vejo umas ilustrações, leio um-que-outro poema e deixo-as de lado, cansado de seus ensaios maçantes, seus críticos frustrados destilando veneno e vanidades, cagando sapiência em meio a textos xoxos e poemetos tíbios, entremeados por figuras rococó-futuristas em que design se traveste em desenho. Falta-lhes alma, espírito, o sopro de uma idéia renovadora e reveladora, onde o leitor se reconheça. Mais parecem revistas de bordo, impressos de luxo em papel couché, “caras”, cults, leitura anestésica para a sala de espera do dentista, espelhos burgueses para egos inflácidos. Diga-me que tem uma idéia nova, que existe uma revolução em marcha, que há críticos engajados em uma proposta renovadora e autores dispostos a romper padrões, poetas e desenhistas dispostos a voar sem parapente numa utopia, e acreditarei numa publicação que valha o papel em que se imprime. Não há sentido em discutir forma sem idéias, havendo um conteúdo a forma existirá. Tu o disseste, Thadeu: “novo é o ovo que a galinha não bota de novo.

Alberto Centurião, poeta e dramaturgo



Acredito que os antepassados das revistas culturais tenham sido os fanzines literários. Alguns caras em Londrina faziam isso. Editavam e xerocavam fanzines de alta qualidade literária e estética. Descobri grandes autores nesses fanzines e sou muito grato aos caras que tiveram a manha de fazer esse trampo. Hoje em dia há ótimas revistas culturais. Eu destacaria a "Coyote" dos amigos Ademir Assunção, Rodrigo
Garcia Lopes, Marcos Losnak e Joca Terron.

Mário Bortolotto, escritor e dramaturgo



Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,/ Abranda as rochas rígidas, torna água/ todo o fogo telúrico profundo/ E reduz, sem que, entanto, a desintegre,/ À condição de uma planície alegre/ a aspereza orográfica do mundo!

Augusto dos Anjos, poeta



Acho que uma revista (um meio de comunicação que, como todos os outros meios, está sempre aí na busca de sua fatia de massificação e faturamento, por supuesto) de cultura tem de levar em conta o histórico, as raízes e as conseqüências de todo fenômeno cultural, desde uma receitinha de nhoque de D. Firmina até aquele grupo de funk-rock-hip-hop-ska-pop que estão insistindo com seu barulho infernal ali no... digamos, Xaxim.

Tiago Recchia, cartunista


Acredito que o mais importante para revista cultural é a crítica séria e isenta sobre arte, (novos e esquecidos artistas, uma vez que a imprensa endeusa os pop stars de sempre), divulgar o teatro e a música independente (que será a música do futuro), abrir espaço para os novos poetas e contistas, além dos desenhistas e chargistas desse provinciano Brasil. É isso.

Édson de Vulcanis, poeta e compositor



Uma revista cultural deveria ser um verdadeiro radar do que há de melhor na produção artística/cultural. Deveria ser ousada, bem diagramada, fartamente ilustrada, aberta a participação do público (discussões, etc...). Não tendenciosa, mas independente e aberta a todo tipo de discussão pertinente à prática cultural.

Cláudia Becker, pintora

Uma possível solução para as revistas culturais seria realizar artigos em duplas. Que se promova a união de teóricos-especialistas-pesquisadores e caras que saibam escrever, profissionais da área. Isso já acontece na França, por exemplo, desde que se percebeu que excelentes trabalhos acadêmicos eram ilegíveis por serem redigidos por sujeitos sem o mínimo jeito para a coisa, amadores que passam a vida em laboratórios, muitas vezes semi-analfabetos. Nota-se nas chamadas publicações culturais brasileiras que a imensa maioria dos articulistas não se expressa em bom português. Talvez alguns deles sejam até grandes cientistas, mas não conseguem colocar idéias por escrito.

Roberto Prado, poeta e compositor

Particularmente, tenho a tendência a gostar mais dos veículos culturais que se debrucem sobre a produção criativa. Em particular na área de literatura, que é o que venho acompanhando mais de perto. Acho importante que esses veículos busquem traçar um painel mais próximo ao real daquilo que se produz culturalmente em nosso país, marcado principalmente pela diversidade. Não se pode deixar que essa diversidade seja solapada em conseqüência das igrejinhas ou das tendências que se querem, muitas vezes, representantes únicas da produção cultural de uma sociedade. Trazer à luz novos talentos e o debate através das divergências (não só dos consensos, que parecem hoje ser quase uma regra) entre determinados tipos de produção é também um caminho dos mais instigantes, ao meu ver.

Paulo Sandrini, escritor


Pra finalizar, nada melhor do que um bom poema sobre o assunto. Eu e o Roberto Prado, há alguns anos, fizemos um pequeno desabafo, que, espero, seja de alguma valia para os heróicos editores dessas revistas que, convenhamos, poderiam ser bem melhores.



Reflexões na sala de espera do hospício
cercado de cadernos 2 e revistas culturais por todos os lados.



há os de barbicha de mágico de mafuá
quando entram na entrevista
escrevendo pelos cotovelos

quem lhes decifra os garranchos ?

há os que dão cotoveladas de amor
há os que ajoelhou tem que resenhar
carolas coronários do normal

quem lhes ouve a ladainha ?

há os que se escrevem de bruços
pra justificar o dialeto
de seus amigos diletos

quem lhes aplaude a tolice ?

há os que acertaram um dia
ao pegar de susto
e até hoje tiram o sono dos justos

quem lhes publica a insônia ?

há os zagueiros violentos
que levantam sepulturas com seus podres
sem conseguir abrir mão do osso

quem lhes rói os traumas ?

há, principalmente, os impublicáveis,
hienas aplaudindo a volta da carniça
que dá vida e graça às suas claques

quem lhes fareja a sabujice ?

e há ainda, os balões de ensaio,
egos inflados por prisão de ventre,
digerindo os cheiros do passado heróico

quem lhes conta a verdade ?

Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado


É isso aí. Agora coloque o seu comentário também. Eu preciso saber o que você pensa sobre o assunto.


Antonio Thadeu Wojciechowski




21 Comentários:

Às 07 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Ilegíveis, chatas e sem a menor graça. Raramente um texto se salva. Não compro, não quero, passo longe. Sai, Satanás!

Ivan Mesquita

 
Às 07 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Não leio, acho pedante e sem alma. Estou com você.

Leila Amaral

 
Às 07 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Gastam uma montanha de grana em papel, frescuras e conseguem ser pior que Seleções Readers Digest.
Umas bostas que não servem nem pra limpar o c...

Beto

 
Às 07 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Já me passaram algumas dezenas pela mão, uma pior do que a outra.

Fabiano

 
Às 07 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Concordo plenamente com tua posição, e gostei muito da do Rechia. Dali do Seminário com Vila Isabel com Agua Verde tentei mandar uns haikais p uma dessas "revistas culturais". Haikais feitos com todo o carinho do mundo, ou seja, daqueles que aparecem mesmo, irrompem, são acontecimento, sem elaboração prévia, e vc nem imagina como sairam todos bonitinhos, com 5-7-5, kigo, repouso e movimento, e tudo o mais que poderia deixar um analista de haikai feliz, mas principalmente um leitor.

Mas tudo bem. A revista não aceitou - publicou apenas os poemas da panelinha -, e deixei a felicidade p mim. Como já dizia o Bashô, a gente só deve mostrar os haikais quando pedirem, mesmo. ;)

 
Às 08 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Creio que haja dois problemas com as revistas culturais. Um com aquelas voltadas à crítica, que muitas vezes se põe a dissecar uma obra a perder de vista o tesão pela mesma. E aí vai falar de incentivar novas gerações à leitura...

Uma revista que tentou fugir disso, e com sucesso, foi a Azougue, que preferiu dar voz aos artistas, deixando um espaço para que eles falassem sobre a própria obra. Acho essa proposta mais interessante, abre caminho pra você perceber de onde veio aquela centelha para os caras produzirem. Só que a revista caiu no segundo erro, a meu ponto de vista, que é o dos guruatos.

Os editores têm obviamente suas preferências, e na maior parte das vezes é um grupo de preferência (quando não referência)que se torna figura hegemônica nas páginas da revista, ocupando um espaço que deveria estar aberto a coisas novas ou pouco conhecidas. Aí a revista perde muito de sua função.

Gerson

 
Às 08 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Buahhhh, argh, não entendo o que eles escrevem. Não sou analfabeta e me considero uma pessoa inteligente. Entendo tudo que me dizem e sou considerada uma excelente professora de literatura, mas sinceramente às vezes me sinto burra diante de certas publicações. Será que sou eu mesma que tenho dificuldades ou como o Roberto Prado falou está faltando redator?

Bj

BB

 
Às 08 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Acho que o Roberto foi muito feliz na colocação que fez. O cara pode ser inteligente e até ter algo de bom para dizer mas não sabe escrever e daí põe tudo a perder.
No mais, estou com todos vocês, realmente é uma chatice, não vale perder tempo com elas. Parabéns pela iniciativa.

Dalton L. Cunha

 
Às 08 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Eu quero mais é que esses editorezinhos de meia pataca morram tudo com a boca cheia de formiga. Se dependerem de mim ou da minha grana estão literalmente fudidos.

Júlio Okada

 
Às 08 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

também concordo com o Roberto Prado.
Tudo depende de uma boa tradução.
Abraço.
Ferreira.

 
Às 08 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Muito boa essa discussão. Não vou tirar o mérito de todas e de tudo que já publicaram, mas que o saldo é negativo, isso eu não tenho a menor dúvida. Muito papel jogado fora. Uma lástima.

Maria Luíza

 
Às 08 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Não quero saber e tenho raiva de quem sabe.

Bocudo

 
Às 08 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Tô com você, Thadeu, esses caras deviam é calar a boca.

Grande abraço

Renato

 
Às 08 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Pura perda de tempo essa discussão, p q vcs não publicam uma boa então?
Fodam-se.

Ruga

 
Às 08 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

O Centurião pra mim foi o que deu a opinião mais sensata. Não dá pra perder tempo com merda.

Felipe

 
Às 08 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Revista de cultura tem que ser leve e engraçada, sem deixar de ser bonita, pretigiosa e muito, mas muiiiito barata.

Rodrigo

 
Às 08 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

às vezes dou uma que outra olhada numa dessas revistas, pra me manter informado. gosto da bravo.

 
Às 08 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

E as revistas "Bravo" e a "Caros Amigos"?não são tão ruins assim...

 
Às 10 maio, 2006 , Blogger Projeto Miolo Mole disse...

palmas pro ernani! e essa da coisa vc sabe que eu gosto, né? beijo.

 
Às 21 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Very best site. Keep working. Will return in the near future.
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Às 21 maio, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

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