polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

segunda-feira, abril 07, 2008


De como, depois de acertados os termos do negócio,

coube ao poeta bisbilhotar Fausto,

o desgraçado e infeliz objeto da aposta.



TRAGÉDIA

(noite)

FAUSTO (só)

Eta, vida de merda de cachorro !
Filosofia, direito, medicina,
até com teologia gastei o meu latim.
Pra que saber a anatomia do piolho,
a composição química da estricnina,
se tudo labirinta dentro de mim ?

Mestres, padres, escritores, nada mais absorvo,
crenças, receios, escrúpulos, desceram pela latrina.
Já não sinalizo a cruz contra o coisa ruim,
jamais tive um riso que não nascesse morto.
Todos sabem nada, ainda menos quem ensina,
por isso e pela magia deixei de ser um Dr. chinfrim.

Hoje conheço da verdade o invólucro e seu forro,
tecidos pela força demoníaca-divina,
mas a palavra humana não descostura esse interim.
Só, tu, lua, foste clara testemunha do meu esforço,
pudera brotar como a luz que sai de tua mina,
mas aqui estou, pregado à cruz da minha vida de festim.

Troco minha ciência eterna por um momentâneo prazer,
vendo meus livros e aparelhos toscos a preço de doador.
No final do inventário de meus trastes me resta uma taça,
cuja cristalina pele me chama ao derradeiro dever.
Tu, que conténs o veneno, tão oportuno ao meu humor,
da morte bem que podes me conceder a graça.

Meu olhar deságua em tua boca ao te ver
e como por encanto, dentro de mim, se apaga a dor.
Vejo um estranho carro em chamas à minha caça,
será que chegou a minha hora ? Vão me adiantar este prazer ?
Oh vida, ó céu, ó dia, ó azar de ser doutor!
Sendo verme não posso ver-me com Deus cara à cara.


Tomo nas mãos o copo que há de me dar de beber.
Nos bons tempos, de boca em boca, teu alcóolico teor
mostrou, a mim e meus convivas, orgias pela vidraça.
Enfim sós! A ninguém mais te posso oferecer,
não é pra qualquer paladar saber da morte o sabor.
No último brinde, o último pedido: que a luz se desfaça!


POETA


O Dr. Fausto está bem disposto ao ato extremo,
quando soam, nítidos, um canto pascoal e um sino terreno,
anunciando a ressurreição de alguém proscrito
pelos que não entendem bem o espírito do que está escrito.
A música foi antídoto para o gesto cheio de veneno.
Aqui pra nós, o nosso amiguinho não estava tão convicto.

Pra esquecer o seu ato extremamente caloteiro,
o Dr. Fausto dá uma volta em volta da aldeia
e na volta é seguido por um cão negro de mau-cheiro,
ao que parece louco pra vestir uma coleira.



FAUSTO

Cão negro, passa já pra dentro !
Não me arrependa por te abrigar, pulguento,
seus aposentos são logo ali atrás do fogão
e já já meu afago te deixa o mundo menos cão.

Se você não rosnasse seria melhor pra nós dois,
os homens também rosnam para o que só vão entender depois !
Teu fedor me traz o inferno de um livro que li faz tempo,
mas de mim espere no mínimo um novo testamento.

Na minha língua a Bíblia é outra coisa,
a primeira idéia sempre é a mais doida:
"No princípio era o verbo!"
Não se conjuga assim tão elevado o verbo.

E se eu melhorasse um pouco essa sentença?:
"No princípio era a inteligência!"
Não, não é isso, quem sabe a sabedoria, um dia, morra:
"No princípio era a força!"

Acho que finalmente me veio a inspiração:
"No princípio era a ação!"

Portanto, fora cão !


POETA

Foi o Fausto falar e o bicho virar monstro,
uma espécie de hipopótamo bem diante do seu rosto.
E virou um elefante. Virou um nevoeiro. Virou um estudante.
Finalmente como Mefistófeles saiu do canto enevoante.

(continua)

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos





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