polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

quinta-feira, outubro 23, 2008

Experiências como as do acelerador de partículas sempre
despertaram superstições e medo do fim do mundo.

À beira do buraco negro


Sérgio Augusto - O Estado de S.Paulo

Vocês ainda estão aí?

Estão, sim. Afinal, o Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês) não acabou com o mundo na quarta-feira. Estão todos aí.

Menos Chayyam.

Com medo de ser tragada pelo "buraco negro" artificialmente criado pelo LCH, Chayyam, uma adolescente indiana de 16 anos, tomou pesticida e morreu. Milhares de outros indianos preferiram correr aos templos e rezar. Os indianos são muito religiosos, e o alarmismo de alguns telenoticiários, pintando o LCH como um engenho apocalíptico, só serviu para exacerbar a supersticiosidade da população. Não bastasse, Chayyam morava em Bophal, aquela cidade em que há quase 24 anos 40 toneladas de gases letais vazaram de uma fábrica de pesticidas da Union Carbide, deixando 16 mil mortos e 120 mil contaminados. Chayyam já nasceu predisposta a desconfiar dos estragos causados pela ciência.

Seu pai queixou-se do pânico insuflado pela mídia, embora coubesse a ele tranqüilizar a filha e ensiná-la a distinguir ameaças reais das imaginárias. Até prova em contrário, de resto, absolutamente indesejável, mais perigoso do que a experiência do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern) é atravessar o Eurotúnel, ser acionista do Lehman Brothers e do Opportunity, governar a Bolívia, e ter Sarah Palin dando as ordens na Casa Branca.

Mas não é tarefa fácil demover superstições, inclusive porque elas fazem parte do nosso DNA e em muitas ocasiões, desde o tempo das cavernas, ajudaram a salvar a humanidade, segundo o biólogo evolucionista Kevin Foster, da Universidade Harvard, num estudo divulgado esta semana pelo site da revista New Scientist. A Chayyam, contudo, a superstição só prejudicou, intoxicando-lhe o espírito como se fosse um gás letal.

Entre todas as crendices, apenas a certeza da vida além da morte supera o ibope das paranóias escatológicas. O mundo já esteve para acabar tantas vezes, que perdemos a conta dos falsos alardes. Ora é um asteróide em rota de colisão com a Terra, ora a chegada de um novo século ou a passagem para um novo milênio, ora uma profecia de Nostradamus, ora um segredo de Nossa Senhora de Fátima, ora o presságio de algum charlatão messiânico.

Milhares de protestantes norte-americanos, crentes que o Juízo Final estava agendado para o dia 22 de outubro de 1844, venderam tudo o que tinham e subiram até o cume de morros e montanhas para ficarem mais perto do Salvador - que, como se sabe, nunca se dignou a cumprir o que São João nos prometeu para o final dos tempos (quando? São João não precisou). O picareta evangélico Pat Robertson anunciou em 1976 que o mundo seria destruído em outubro ou novembro de 1982, e nem sequer cumpriu pena num manicômio. No início de 1988, o engenheiro da Nasa Edgar C. Whisenant previu que entre 11 e 13 de setembro daquele ano nosso planeta sumiria para sempre do Sistema Solar. Só Whisenant duraria mais 13 anos.

Mais espertos que a indiana que se matou para não morrer foram o ex-fiscal de segurança nuclear Walter Wagner, o escritor espanhol Luís Sancho e o químico alemão Otto Rössler, que ao suicídio preferiram a ação legal, intimando judicialmente os cientistas do Cern a desligarem o LCH. Do ponto de vista prático, um gesto tão inútil quanto o de Chayyam. Os Papanatas seguiram em frente com a experiência. Que, até agora, não deu chabu.

A chance de uma surpresa praticamente inexiste, asseguram milhares de cientistas, 1 em 1 trilhão, pelo chutômetro dos envolvidos no projeto. Melhor acreditar neles. Até porque não nos resta outra opção, pois desconfio que a Máquina do Universo, um dos apelidos do LCH, não possa, a essa altura, ser desligada.

É um prodígio científico multinacional, um consórcio de mentes e recursos que levou 14 anos para ficar pronto, ao custo de US$ 8 bilhões. Julio Verne não teria imaginado algo mais espantoso: um imenso túnel com 27km de circunferência, montado no subsolo da fronteira da Suíça com a França, onde tentarão reproduzir as condições de pressão e calor semelhantes às que existiram um bilionésimo de segundo após o Big Bang (a explosão primordial que deu origem ao universo, há cerca de 14 bilhões de anos) e comprovar a existência da chamada "partícula de Deus", o bóson de Higgs, uma hipótese do cientista Peter Higgs desde 16 de julho de 1964.

Feixes de partículas subatômicas irão colidir no LCH a uma velocidade 99,9% próxima da velocidade da luz. Por enquanto, o colisor só está fazendo as partículas circularem. Se bem entendi, os choques e a recriação das condições do Big Bang deverão ocorrer ao longo dos próximos dois meses. Os choques, sim; mas a reprodução in vitro (ou melhor, in antro) do Big Bang é tida como tecnicamente impossível por inúmeros físicos, entre os quais o brasileiro Mario Novello, do Instituto de Cosmologia, Relatividade e Astrofísica (Icra). No começo do universo, "as quantidades físicas seriam infinitas, um valor que jamais poderemos atingir", explicou Novello num artigo para o Aliás, publicado no dia 20 de julho deste ano.

O físico Stephen Hawking vai mais longe: ele simplesmente não acredita que o bóson de Higgs exista, e até já apostou US$ 100 em sua tese. Ou Hawking é sovina ou não tem tanta certeza do que diz. Ele e Higgs são rivais e a briga entre os dois é de cachorro grande. O osso em disputa é o Nobel de Física. Se Higgs conseguir provar, no LCH, que a sua partícula existe, o Nobel serão favas contadas. Se o LCH for um sucesso completo, o rap composto pela jornalista científica (e ex-assessora de imprensa do Cern) Kate McAlpine, Large Hadron Rap, aumentará ainda mais sua freqüência nos iPods, no iTunes e no YouTube.

Se o colisor trair as expectativas dos seus criadores, produzindo um bang big o bastante para destruir o planeta do jeito que T.S. Eliot previu, aí, bem, aí só nos restará cantar We?ll Meet Again, como no final do Dr. Fantástico. Mas talvez nem dê tempo para isso.





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