polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

quarta-feira, outubro 12, 2005



As lágrimas vão chorar.


“vai, minha alma,
vai sonolenta e lenta
na choridão do verbo ir”


Roberto J. Bittencourt


“Os que choram pouco, ou nunca choram, acabarão apodrecendo em vida.”

Nelson Rodrigues


Um tapa no traseiro, você põe a boca no mundo e, pra felicidade geral da nação, chora na rampa. De lá para hoje, tem choro pra tudo. Um gol, o sonho desfeito, a decepção amarga, a dor, uma alegria tão grande que se reparte em lágrimas. Mas é bom tomar cuidado com as de crocodilo que, geralmente, vêm acompanhadas do beijo de judas. Debaixo do chorão, você pára para escutar seu chorinho. Mas, na Terra, não tem choro e nem vela. Ao perdedor, o direito inalienável do esperneio e do choro até debaixo d’água. Quem já não teve ganas de sentar na calçada e chorar lágrimas de esguicho, por nada disso e por tudo aquilo? Velórios, casamentos, batizados, uma palavra bendita, uma beleza surpreendente, uma atitude inesperada e pronto, lá vêm as caudalosas cachoeiras saltando pelas faces. As lágrimas de amor e separação juntas seriam maior que o Nilo e o Amazonas. Fernando Pessoa perguntou ao mar quanto do seu sal eram lágrimas de Portugal. E o mundo todo chorou de emoção. Ou porque ia ficar sem mamar. De qualquer maneira, choro é sempre uma imagem muito forte. Dá uma vontade de inchar o olho junto. O homem é o único animal que tem lágrimas ou é o único que tem motivos de sobra pra chorar?


Romantismo

- Acorda, menina, acorda!
Dia claro. Cidadezinha.
Ela não se importa,
Parece estar puxando uma linha
costureira das bordas entre o rir e o chorar.
- Você costuma às paredes falar?
Ela não ouve nadinha.

“Há quase dois anos morreu meu amado,
é o que todos têm falado
além de minhas lágrimas pilheriarem.
Ninguém, amor, vê o que eu vejo
através delas: tua mais nítida imagem.
Quantas vezes ainda te darei o primeiro beijo?”

- Ela está louca, continuo sem ver a entidade!
“É que não me interessa servir como lição:
quem vê um milagre revê a verdade,
olha com coração para o coração.”

Adam Mickiewicz
(Poeta polonês – 1798-1855)

Livre adaptação de Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos.


Cálice de silêncio

matei minha saudade a grito
a soco
a pontapé
chute no saco
tacle no pescoço
pontaço no peito
sete tiros da cabeça ao pé

depois da chacina
já sem a gana assassina
chorei atrás da porta
de saudades da morta

mesmo sabendo que ia dar em nada
chorar sobre a lágrima derramada

Antonio Thadeu Wojciechowski


Casamento de Viúva

você não via que eu chorava porque chovia
aquele não sei quê que eu gaguejei
era tudo que eu conseguia

a chuva molhou o que eu quase disse
você teria dito o que eu deveria dizer
se o seu guarda-chuva não abrisse

lembro só da chuva quando caía
me olhava por dentro e havia sol
enquanto aqui fora chovia

Antonio Thadeu Wojciechowski e Marcos Prado


Que mal que o dia passasse!
- Vê se as lágrimas estancas -
Levava-te a cor da face
Na curva das asas brancas.

Depois e qual si temesse,
Arrasta-se a asa do dia
Rosada, mas empalece
À tua lágrima fria.

Pedro Kilkerry
(1885 – 1917)


Três lágrimas.

1.

- Chorei a última lágrima. Chorei o terceiro olho da cara.

2.

O nenê chora e a mãe liga o rádio bem alto.
- Qual dos dois cansa primeiro?

3.

- Desde que nasceu ela chorava muito. Dor de barriga, sei lá. O João não podia dormir e lhe deu uma surra. Tinha quatro meses e daí não voltou a chorar. O pai diz que ela entendeu a lição, agora é obediente. Olha essa menina de seis anos, meu Deus. E nunca mais chorou.

Dalton Trevisan.

Poesia Brasileira

Casimiro de Abreu chorava tanto
que não cabia em si de descontente.
Suas lágrimas
escorrem até agora pelas vidraças
pelas calçadas
pelas sarjetas
e só vão deter-se ante o coreto da praça pública,
onde,
sob os mais inconfessáveis disfarces,
Castro Alves ainda discursa!

Mário Quintana


gotas
caem em golpes
a terra sorve
em grandes goles

chuva
que a pele não enxuga
lágrima
a caminho da ruga

água viva
água vulva

Alice Ruiz


O vendedor de alho e cebola

A insipidez da visita
Com alho posso depô-la.
A elegia ao choro hesita
Pouco se eu corto a cebola.

Mallarmé – tradução de Augusto de Campos.



A Avenida das Lágrimas


Quando a primeira vez a harmonia secreta
De uma lira acordou, gemendo, a terra inteira,
- Dentro do coração do primeiro poeta
Desabrochou a flor da lágrima primeira.

...............................................

O aroma dessa flor, que o teu martírio encerra,
Se imortalizará, pelas almas disperso:
- Porque purificou a torpeza da terra
Quem deixou sobre ela uma lágrima e um verso.

Olavo Bilac



primavera, não nos deixe
pássaros choram
lágrimas no olho do peixe

Matsuó Bashô

6 Comentários:

Às 12 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Gosto demais do modo como você apresenta o assunto. Os poemas então nem se fala. Esse do Bashô é de arrepiar todos os pelinhos.

Ricardo Santana

 
Às 12 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Que delícia é esse blog!

BB

 
Às 12 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Maravilha, fui às lágrimas de tanta felicidade.

Profa. Lúcia

 
Às 12 outubro, 2005 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Obrigado, Prof. Lúcia! Como estão os trabalhos de poesia com os alunos?
É sempre uma alegria encontrá-la por aqui.

Abraço

Thadeu

 
Às 18 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Maravilha!

Wagner Ribeiro

 
Às 15 abril, 2006 , Blogger Vitor Hugo disse...

Olá,
Me chamo Vitor Hugo. Gostaria de solicitar a sua permissão para a publicação de uma posia, que retirei do seu site, para ilustrar uma de minhas fotos.
Você pode conferir em:
www.flickr.com/photos/formiga_atomica
é sobre o vendedor de alho e cebola.
Se tiver algo contra, me informe que retiro sua poesia.

Obrigado.

 

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