polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

segunda-feira, outubro 10, 2005

Ódio.
Sentimento de anjos ou demônios?


O homem é muito mais fiel ao seu ódio do que ao seu amor.
( Nelson Rodrigues)


Ódio que é ódio não perdoa e nem desocupa a alma. Julga sem provas. Condena sem crime. Pune sem pena. Mata sem arma. O ódio só é tão popular porque amar dá mais trabalho. Mas, assim como o amor, é imortal enquanto dura. Tem gente aqui na Terra que se mantém de pé apenas nutrido a ódio; morto, vira assombração. Tem ódio que faz o que odeia se aproximar do odiado fingindo perdão, mas, na verdade, quer apenas “garrar” mais ódio. O objeto odiado muitas vezes nem é mais daquele jeito, mas aquele que odeia está cego para o presente. E arrasta o passado como uma carniça, cujo sangue, ele, sedento, sonha beber até a última gota. A coisa mais comum na vida de um cidadão é a transferência desse sentimento. Por exemplo: o cara leva um carão do chefe, chega em casa e distribui bordoada a torto e a direito justamente naqueles que o amam ou tentam. Mas nem todo ódio é odioso. Existe, graças a Deus, a ira santa. Ódio à guerra, à violência. Ódio aos que odeiam. Tem gente que aponta na rua o ódio alheio, mas ao próprio ódio chama “fazer justiça”. É que ódio no lombo dos outros é refrigério. Uma coisa é certa: o ódio não é peça original do ser humano. É um acessório opcional que você adquire gratuitamente e, fatalmente, vai pagar muito caro por ele. O engraçado é que tem gente que não tendo uma boa desculpa para odiar alguém, odeia a si mesmo. E é exatamente esse tipo que dá um ódio na gente!


Ódio

Nunca fui com a sua cara mesmo
se suportei até hoje
é porque pagava todas.
A comida que eu servia era temperada a cuspe.
A bebida da boa só eu bebia.
A cada aperto de mão vinha a vontade de esmigalhar seus dedos.
Como eu ficava sem graça ao rir de suas piadas bestas.
Sua voz de matraca trincava meus ovos e meus ouvidos.
Não é à toa que nunca consegui olhá-lo nos olhos;
se sim, tinha mais um ceguinho no mundo.
Só não lhe dei um tiro porque pra você nunca dei nada.
A única coisa que fiz na vida pra você foi um boneco vodu,
mas como nada é perfeito, faltou agulha pra mandar bala no cão.
E agora que você está aí, duro, espichado, algodão nas narinas,
Me dá ódio não ter o que fazer com este ódio todo.

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos


Ódio Sagrado

Ó meu ódio, meu ódio majestoso,
Meu ódio santo e puro e benfazefo,
Unge-me a fronte com teu grande beijo,
Torna-me humilde e torna-me orgulhoso.

Humilde, com os humildes generoso,
Orgulhoso com os seres sem Desejo,
Sem bondade, sem Fé e sem lampejo
De sol fecundador e carinhoso.

Ó meu ódio, meu lábaro bendito,
De minh’alma agitada no infinito,
Através de outros lábaros sagrados,

Ódio são, ódio bom!, sê meu escudo
Contra os vilões do Amor, que infamam tudo,
Das sete torres dos mortais pecados!

Cruz e Souza ( 1863-1898)




Este, que um deus cruel arremessou à vida,
Marcando-o com o sinal da sua maldição.
Este desabrochou como a erva má, nascida
Apenas para aos pés ser calcada no chão.

De motejo em motejo arrasta a alma ferida...
Sem constância no amor, dentro do coração
Sente, crespa, crescer a selva retorcida
Dos pensamentos maus, filhos da solidão.

Longos dias sem sol! Noites de eterno luto!
Alma cega, perdida à toa no caminho!
Roto casco de nau, desprezado no mar!

E árvore, acabará sem nunca dar um fruto;
E homem, há de morrer como viveu: sozinho!
Sem ar! Sem luz! Sem Deus! Sem fé! Sem pão! Sem Lar!

Olavo Bilac (1865-1918)


ódio mental


meu cérebro é um vulcão em erupção
coitados dos moradores da encosta
desci ao fundo do poço
pela corda amarrada na garganta

por comer entranha de caranguejo
meus miolos afundaram no lodo negro
de tanto pensar me dói a cachola
onde foi parar aquela boa idéia?

não dá pra disfarçar, sou gira
de vez em quando me amasio com uma psicopata
meu pescoço sustenta o coco oco
tenho que tirar o chapéu pros caçadores de cabeça

Antonio Thadeu Wojciechowski, Edilson Del Grossi,
Marcos Prado, Sérgio Viralobos.



3 ódios do livro 234.

3

O marido com dores e a mulher liga o rádio a todo o volume.
- Quero ver quem grita mais alto.

19

- Arre, que eu rasgo esta criança pelo meio!
- Tem dó, João.
- Ah, não pára de chorar? – e mais pinga na boca do anjinho.

98

Em cada esquina de Curitiba um Raskolnikov te saúda, a mão na machadinha sob o paletó.

Dalton Trevisan


Quem ama e quem odeia


um homem caminha rumo ao horizonte
com uma calma que o faz driblar o passo
isento de pensamentos e de cansaço
sem com quem falar nem com quem conte

outro, sobe apressadamente um monte
pensando em como é deprimente céu abaixo
sentindo-se infeliz e cabisbaixo
porque subir não o leva além de ontem

os dois se encontram um dia num deserto:
- isso um dia já foi uma floresta
- em qualquer direção que eu vá, fico mais perto

e se despediram, um com aceno de dor, o outro de festa
você que é sábio, se diz bom e esperto
diga qual o que ama e qual detesta

Marcos Prado


declaração de ódio

vou mijar na cara de todos os meus inimigos
e soltar os cachorros sarnentos
em cima de qualquer suspeito de traição
vou descarregar a metralhadora
em todos os que se fingem de bonzinhos
só pra agradar a gregos e curitibanos
vou embora pra Itararé
levando as esfinges que me decifram
e todas as ruas cheias de fantasmas
que me incomodam e enchem de ódio
meu triste coração que já foi repartido
entre os leões que estavam na arena

Luís Antônio Solda


endoódiocentrismo

um pouco de fome eu recomendo
o frio vai te deixar tremendo
traição, sim, ia esquecendo
violência, só pra ficar doendo
desilusão é bom nascer sabendo
portanto comece sempre crendo
doença? eu vou ficar devendo
esse atalho de dizer me rendo
incompreensão eu já nem vendo
humilhação, bem, disso eu entendo
uma pá de ódio raso fervendo
caldo de solidão frio escorrendo
leve um doce pra continuar sendo
volte cedo, filho, sem remendo
não há morte se assim sofrendo
agora sim - já pra dentro! -
nascendo

Roberto Prado


Ódio Brasil

ó senhor dos pratos e das pratas
lembrai que nem só de pão vive o homem
mas arroz, feijão, ovo frito e batatas
que fazem mais mal que bem e nem isso tem

ó senhor das sobras e das farturas
transformai a miséria em artigo de exportação
há países medíocres que vivem nas alturas
e por fome de conhecimento pagariam a lição

ó senhor das agiotagens e das especulações
mandai aos mortos antes de um ano lembrancinhas
por serem pele, osso, carne-seca e anões
os ex-comunistas recusarão nossas criancinhas

ó senhor dos agrotóxicos e dos pesticidas
pulverizai a história da carochinha
famintos, bêbados, drogados, analfas, suicidas
não resistirão ao exército, aeronáutica e marinha

ó senhor dos boatos e das ameaças
lançai rumores sobre uma nova ditadura
enquanto as velhas doentes, famintas e descalças
sonham apenas com uma nova dentadura

ó senhor dos coronéis e fundos de pensões
aposentai vossos pecados por peculatos
quem teve trinta e cinco anos de doces ilusões
vê que os iludidos de hoje são bem mais baratos

ó senhor das universidades e dos doutores
ensinai a aprenderem muito bem o mal
pois às custas da nação e seus horrores
se formam, dão a bênção, picam a mula e tchau

Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado

5 Comentários:

Às 10 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Que ódio!

BB

 
Às 10 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Lendo o poema Ódio Brasil me deu uma baita dor de cabeça, cara. Vocês são foda mesmo, isso sim é poesia.

Grande abraço

Julio Okada

 
Às 11 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Putz: o de Cruz e Sousa ratificou tudo!

 
Às 12 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Me falaram, eu vim conferir. Realmente, esse blog é o que de melhor tem no Brasil hoje.

Ricardo Santana

 
Às 28 novembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Parabéns, expressou tudo nisso, adorei...

 

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