polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

segunda-feira, novembro 28, 2005

Essa cena da guerra do Vietnam, com certeza, é uma das que mais choca a humanidade.
A expressão de dor, medo e sofrimento das crianças é de tirar lágrimas de pedra.
Dor

pelo som risal
indícios de melhoral

( Thadeu )

Um homem com sapiência de outro mundo nos ensinou que 99% de nosso sofrimento é perder tempo e felicidade sofrendo de véspera, imaginando desgraceiras que jamais vão acontecer. Eis aí, com vocês, a dor: um aviso de que aquilo que hoje somos e fazemos ainda está entalado na garganta de Deus. Todos disfarçam como podem, mas sabem exatamente onde aperta o calo. No entanto insistimos em querer ficar só no sapatinho. Existe pior dor do que ver a dor do próximo e não saber fazer nada além de sentir muito? A individualidade de nossa dor vem de uma multidão de erros. Talvez seja por isso que viver dói. E como dói. Dor aguda, dor crônica, doendo até cansar. Mamãe e papai têm razão de dizer que certas dores não dóem nada: tombo, corte, queimadura, arranhão, pancada, entorse, quebradura, ui ui uis e outros ai ai ais. Mas você só vai entender depois, quando sente um sofrimento que não tem causa física visível. Dor pode se manifestar sozinha ou vir em manada, atropelando o infeliz. Afinal, dizem os antigos, em sua dolorida sabedoria, que a grande dor cai sempre sobre o sofredor maior. Tem alminha apenada que gosta de sofrer. A que sofre de "amor", por exemplo, transforma o ego machucado em dor numerosa que, expandida ao infinito, ainda dói além. É a dor na qual o cérebro fala pelos cotovelos feridos. Dizem que os humanos do sexo masculino não sabem o que é a dor de verdade, a famosa dor do parto. Nascer dói? Por outro lado, dizem os espíritos, morrer não dói nada. Aqui, pra nós, tudo faz dodói. Tem sofredor radical que, diante de uma maravilha, morre de dor por saber que ela vai acabar. As mulheres que nos perdoem, mas o que mais dói, de verdade mesmo, nesta vida, ainda, é a nossa burrice. Portanto, doa a quem doer, vamos ter de aprender a ver com outros olhos a dor alheia. Alheia?

Dores São Marcos

isso que o que chamam de amor vem
e quando vem não convém fugir
não convém destruir
nem se arrepender também

há os que procuram e acham
metendo o amor em qualquer buraco
outros capotam de paixão
e ainda os que são maus de taco

existem os que imitam o seu destino
os galinhas-mortas-de-despacho
tudo banha do mesmo tacho
que arrotam grosso e falam fino

os sofredores têm preferências várias:
uns querem que a dor os afogue em lágrimas
uns querem que a dor se crispe em raiva
uns vêm na dor apenas uma ação nevrálgica

Marcos Prado (1961-1996)

Esse incrível Leminski e sua dor maravilhosa

um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chagando atrasado
andasse mais adiante

carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisas que os valha

ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser a minha última obra

Paulo Leminski (1944-1989)

Isso é dor

para o mosquito
também a noite é longa
longa e solitária

Kobayashi Issa (1763-1827)

Elegia sobre a morte de Gandhi

Aqui se detêm as sereias azuis e os cavalos de asas.
Aqui renuncio às flores alegres do meu íntimo sonho.
Eis os jornais desdobrados ao vento em cada esquina:
"Assassinado quando abençoava o povo."

Cecília Meireles (1901-1964)

Oferta a Maiakóvski

Perdão, Vladimir,
a tua irmã se feriu no dedo.
Para mim todas as dores têm tamanho.
Experimenta se as minhas mãos são leves
para fazer um penso.

Jorge de Lima (1893-1953)

O Homem Negro

Meu amigo, meu amigo,
Estou muito, muito doente.
De onde veio esta dor, nem mesmo eu lembro.
Seria o vento que assobia
No campo árido e deserto,
Ou talvez como os bosques em setembro
O álcool desfolha o meu cérebro?

Sierguéi Iessiênim (Rússia, 1895-1925)

Queixas noturnas

Quem foi que viu a minha dor chorando?!
Saio. Minh'alma sai agoniada.
Andam monstros sombrios pela estrada
E pela estrada, entre estes monstros, ando!

Não trago sobre a túnica fingida
As insígnias medonhas do infeliz
Como os falsos mendigos de Paris
na atra rua de Santa Margarida.

O quadro de aflições que me consomem
O próprio Pedro Américo não pinta...
Para pintá-lo, era preciso a tinta
Feita de todos os tormentos do homem!

Augusto dos Anjos (1884-1914)

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

Fernando Pessoa (1888-1935)

A grande dor não se assoa.

Acaba de me ocorrer uma outra verdade:
a grande dor não só não se assoa,
como é humorística.

A grande dor,
aquela que não tem nenhum consolo terreno,
dança mambo.

A pessoa pula, chocalha
e tem espasmos
de mambo.

Nelson Rodrigues (1912-1980)

A dor no Dalton

Texto 23 do livro Ah, é?


Com a morfina seu João esmorece, aliviado.
- Agora está melhor. Chegando o fim.
À sombra da laranjeira trina o canarinho. A velha espia da porta, sem coragem de entrar. Ele geme.
- Puxa, como dói.
Num longo suspiro:
- Agora me vire. Bem deva...
No meio da palavra, se foi. A velha pára o relógio da sala - cinco e dez em ponto. Pintassilgo, canário, sabiá começam a cantar. Bem o velho tinha razão:
- Quando está pra chover eles fazem música.

Dalton Trevisan

doa, dor!

essa dor que me dói
e dói tanto que deus me perdoe
já passou desta pra melhor
sabe-se lá quantas vezes
milênios séculos anos meses
de um dia para outro bem pior
essa dor não quer que eu me doe
até que eu sinta o quanto dói a bondade
de escrever sem dó nem piedade

Antonio Thadeu Wojciechowski

A minha dor

A minha dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas de um requinte escultural.

Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal.
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias.

A minha dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve...ninguém vê...ninguém...

Florbela Espanca (1895 - 1930)

De repentes

vôos repentinos
poemas
tristes pétalas

desfaça as malas

belezas doem
se você quer
levá-las

Roberto Prado

Espinho

Não sei se tiro o espinho
ou cutuco mais a dor
Quem foi o gênio maluco
que inventou o tal amor?

Não sei se pego meu rumo
ou me arrumo como for
sem saber se tiro o espinho
ou enfio mais a dor

Não há de ser nada, não
vai passar, diz o amigo
Imagine o que então
não dirão os inimigos
da tua cara de tonto
até gostando da dor
em vez de tirar o espinho
só tirar o espinho e pronto

Nem sei como tiro o espinho
se tiro bem devagar
ou tiro devagarinho
vendo a dor me deixar

Não sei se tiro o espinho
não sei se vou agüentar
a falta da minha dor
em troca do teu carinho
Quem foi o gênio maluco
que inventou o tal amor?
Domingos Pellegrini Jr.