Capítulo 7
Do inferno ao céu
Gargalhadas retumbantes por toda parte,
Comida em abundância e bebida da boa,
Viver bem é verdadeiramente uma arte,
Digo pra mim, sem perceber que o tempo voa.
No céu, as primeiras estrelas tremelicam,
Pipocam aqui e ali inventando ritmos,
Para delírio dos meus olhos que nem piscam.
É tão grande o universo e tão frágeis os signos,
Diante do mistério da vida, que percebo
Emocionado minha infinita miséria.
A verdade, alma gêmea do belo, é enlevo,
Que se perde na treda ilusão da matéria.
Ah! Os espíritos elevados, os santos,
Os poetas, os amantes do saber, artistas,
Estão aí espalhados pelos quatro cantos,
Se equilibrando, como os malabaristas
Se equilibram, no fino fio da esperança
De que tudo um belo dia será bem melhor.
Uma estrela cadente, riscando, avança
E faz eu lembrar de uma canção do Belchior.
Ninguém na Terra está tão só como eu agora.
A abóboda celeste, de um azul profundo,
Já acendeu todas as suas luzes lá de fora
E eu vejo então toda a beleza desse mundo.
Meu olhar vai de constelação a constelação
E de constelação em constelação vou,
Como vai a emoção, de coração a coração,
Perguntando de onde vim, onde estou, quem sou.
Uma lágrima cai do meu rosto e orvalha
Uma pequena folha que, distraidamente.
Quase esmago. Mas meu peito todo se cala
Diante do milagre que está à minha frente.
Pra que saber? Por quê? Os séculos futuros
Terão o mesmo véu de mistério, o mesmo
Enigma devorando o indecifrável medo
Do homem, que, por pura ambição, vive em apuros.
A hipótese bestial do apocalipse é triste,
Transforma nosso destino e nos acomoda,
Não nos dando a opção de agir sobre o que existe
E o meu vizinho fosse só alguém que incomoda.
É o mundo dos solitários, dos lunáticos;
Estes vivem à parte, aqueles, a chorar
Por si mesmos. E eu vejo a dor desses fanáticos,
Como um aviso aos navegantes de outro mar,
Outra vida, onde o amor e a compaixão andam
De mãos dadas, como eu e Beatriz, há pouco
Andávamos.Sei bem que as emoções é que mandam
No coração, foi o que aconteceu conosco.
Bah! Estou podre de bêbado, muito mais
Do que eu estava quando cheguei aqui ontem.
Mas minha embriaguez é lúcida demais
E a história escrevo, não espero que me contem.
“Vai um leitãzinho à pururuca, polaco?”
O Jair chega com um pedaço abençoado,
Que aceito com um sorriso de lado a lado
E devoro à tripa forra o enorme naco.
Vou até o Nestor e descolo uma cerveja,
Os punks mais berram do que cantam, mas todos
Repetem o refrão simples: “Tudo besteira,
Vamos morrer de qualquer maneira!” São tolos
E pueris os versos seguintes, mas povão
É povão e a turba feliz da vida canta.
Até eu entro na dança e arrisco uma canção.
Bem que dizem, quem canta seus males espanta.
Tive que tocar mais do que queria, pois bis
É compromisso sagrado para o artista.
Nos divertimos a valer, fiquei feliz,
O talento da moçada saltou à vista.
Entrego o violão pra punkarada e me mando,
Levo o copo e o vinho, presente do Jair
E sento novamente no mesmo lugar, quando,
Como um anjo vindo do céu, chega Beatriz!
O vestido branco que veste, simplesmente
É deslumbrante, dele saltam os quadris
Mais generosos que eu já vi. O tecido rente
Ao corpo realça os seios e eu amo Beatriz
Pela segunda vez no mesmo dia. Os punks
Ficaram de cabelo em pé para saudá-la.
Os demais fazem as poses mais elegantes
E sorriem como se não quisessem nada,
Além de servi-la, como o mais servil escravo.
Me sinto assim por um momento, mas, ágil,
Ajeito a cadeira pra que ela fique ao meu lado
E chego à conclusão de que tudo é mais fácil,
Quando a gente está com a melhor companhia.
Bebemos o vinho no mesmo copo. Beijo
Por tabela, ela diz e eu, cheio de alegria
E amor pra dar, vender, emprestar, só desejo
Que este momento lindo não acabe nunca.
A cada toque seu, meu corpo todo pensa
E ela percebendo meu prazer mais se junta.
O seu gesto é minha mais doce recompensa.
O violão, acompanhado de mesas, litros,
Cadeiras e copos, chegou até nós dois.
Fomos cercados pela multidão de espíritos,
A cantoria ninguém deixou pra depois.
E novas canções alegremente felizes
Uniram céu e terra, os homens e as mulheres.
Não demorou para nos servirem perdizes
Ao vinho, nos melhores pratos e talheres.
Beatriz se sentiu rainha com tantos cuidados
E eu, claro, seu rei, lhe ordenei então: “Pois não?!"
Rimos pra valer e fomos tão bem tratados,
Que cheguei a pensar em reencarnação!
Fim do capítulo 7
19 Comentários:
magavilhoso
rodrigo
Já ví tudo;
Vai acabar abraçado com o Cobaia,
declamando Mario Lago:
"Aquilo sim é que era mulher"
Maringas
Nem sei o que dizer.
Bj
BB
Amei.
Leila
A divagação foi uma loucura simplesmente genial.
Flávio
Tem versos neste capítulo que merecem estátua em praça pública.
Uma viagem longa e especulativa, me senti um guri lendo Robinson Crusoé.
JJ
Mesmo quando você enlouquece, polaco, você é genial.
Abração
Fabiano
Aquela da lágrima se transformar em orvalho é do caralho, Thadeu.
Vamos tomar todas um dia
Gérson
Vc me faz pensar em tanta coisa que às vezes me perco. Mas entendo o que vc quer dizer. Aliás essa é a razão mais forte para eu vir aqui todos os dias.
BJ
Fernanda
Mais mais mais mais!!!!!!!!!!!!
Beto
Hombre tu es mui loco.
Pancho Vila
Estou aqui quase louco.
Júlio
Esse foi de chorar
de tão lindo.
Mariana
Me senti um ser humano melhor depois de ler esse capítulo.
Sério mesmo.
Você me convenceu a ser do bem.
Te agraço
Guilherme Esmackovic
È o que eu sempre falei aqui, coisa de gênio.
Roberto Trompowski
Cadê o oito?
Não me faça sofrer eu odeio esperar.
Myrian Maria
oito? não acabava no sete??
Ruga
mistério da vida
infinita miséria
ilusão da matéria
é isso aí thadeu
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