polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

segunda-feira, março 13, 2006


Ultralyrics pela Travessa dos Editores.
A poesia de Marcos Prado
sob a direção de Felipe Hirsch.



O Felipe Hirsch é fã de carteirinha do Beijo AA Força e não é de hoje. Uma admiração que acabou se transformando em prova de amor a um dos grandes letristas da banda: Marcos Prado. Graças ao Fábio Campana e ao admirável trabalho que vem realizando na Travessa dos Editores, o livro está aí. Belíssimo. Graficamente o livro é um primor. Mas tudo recebeu o mesmo esmero máximo. Apresentação de Roberto Prado, contracapa de Mário Bortoloto, texto do Solda emocionantemente sincero, e a declaração do Felipe Hirsch, todos unanimemente adoradores da poesia de Marcos Prado.
A escolha dos poemas é do Felipe, que, fã incondicional do Beijo AA Força, estabelece como critério o lado mais punk do poeta. Sérgio Viralobos, principal parceiro do poeta, e da parte mais contundente de sua obra, deveria ter recebido um pouco mais de destaque, mas, enfim, critérios são critérios. A ausência dos nomes dos parceiros junto aos poemas também atrapalha um pouco a leitura e provoca erros de interpretação da obra do poeta, no leitor menos criterioso.
O livro, como o próprio Roberto Prado diz, é um sonho antigo de parceria dos dois irmãos. Ficou no meio do caminho, o Marcos sempre foi meio apressadinho. E deixou tudo desarrumado para o Roberto Prado arrumar. Mas o resultado final é simplesmente genial, um livro pra ser lido, decorado, copiado, plagiado e muito, mas muito amado.

.

todo dia encontro um artista novo
eu escrevo, eu pinto, eu desenho, eu canto
mas todos têm aquela cara de ovo
trato-os humildemente mas com espanto
isso não está escrito na cara deles
não vejo em nenhum o ar de sua graça
nem o trato nobre ou o ímpeto reles
raro o dono da própria desgraça

tenho por eles, porém, um amor triste
um amorzinho vagabundo, menos que inho
que de tão diáfano não sei como resiste
um dia pego um deles pelo colarinho
estrangulo no balcão aos gritos: despiste
não fique roxo, não obre, isso é um carinho


.

o alegre recebeu o triste
certa tarde em seu casebre
o triste pouca coisa disse
o alegre usou de formas breves

ficaram amigos dessa forma
o triste silenciou a amargura
o alegre usou a ternura como norma
entre os dois, a mesa e a noite escura

amanheceu, acabou a noite, o vinho
e, sozinho, ficou o alegre à mesa
enquanto o triste saía sem destino
sem nenhum resquício de tristeza



.


no espelho
não vejo
meu guarda-costas

.



amor ao bar

uma pessoa, agora sua íntima
foi parar um dia no hospício
não por uma obsessão legítima
nem por doença ou vício
ele foi por estar claro
que o álcool fazia-lhe mal
e porque o bar o
lembrava um hospital
essa pessoa, que sou eu
percebeu de si a manobra
o que de mim o álcool bebeu
dele ele fez sua obra



.



com quem andas


sou um abutre, confesso
comedor de carniça confesso
um anjo que quis vir à terra à qualquer preço
e que encarou o diabo já no berço

convivo com o demo
há trinta e um anos
a ele, meus amigos, não temo
mas àqueles que eu e ele acompanhamos


.


amor de uma figa

estreito como é estreito
o que você sente
o mesmo mesmo
que eu mesmo sinto
é igual ao que você acha diferente
em verdade eu na verdade
também minto

súbito soube:
estava ali longe
o que percebi lá perto
e aquilo que hoje houve
anteontem
errei ao duvidar
que estava certo

.


MERDA
DREAM



.


estranho
esse sujeito
que vi
na rua

não existiria
se eu
não o tivesse
visto

engraçado
esse sonho

eu só
existir
aos olhos
daquele
sujeito
estranho


.



síndrome de d juan

ele te olha de lado
você o olha da esquina
no seu olhar uma cisma
no dele muito pouco caso

de repente se aproxima
com o freio-de-mão puxado
e vai apertando o passo
enquanto sobe adrenalina

você vai se sentir mais bonita
ele vai perceber no ato
é quando d juan já não despista
parte para o contato imediato

mas se no dia seguinte você liga
ouve uma voz do outro lado
ele saiu com uma cara esquisita
e não deixou nenhum recado

.



120 minutos

espero que amanheça, não pelo sol, mas pelo ônibus
a cidade está atenta caso eu durma na praça
pra roubar minha jaqueta bota cigarro e o vale-transporte

quero que amanheça, não para acordar, mas para dormir
o primeiro ônibus passa às seis e são quatro
escrever para ficar acordado, única alternativa

peço que amanheça, não pela manhã, mas pela noite
que eu passei bebendo e esperando o primeiro ônibus
e me fez escrever até agora que ele está chegando



.



este traste que você está vendo
percebe todos os teus defeitos
você diz “triste”, eu digo “é jeito”
você diz “morrendo”, eu digo “sendo”

vivo até a morte do meu raciocínio
um mal que herdei não sei de quem
bem, nunca o mal do suicídio
me fez pular do prédio em fren

te e nem sempre se considerar diferente
de quem quis a vida como não quis
foi o que fiz, mas paralelamente
tentei de todo jeito e forma ser feliz

.


poesia e leitor

fim de feira pra mim é início de festa
lixo cai do céu e eu cato este maná
com ele faço lauta refeição modesta
o resto eu dou aos pobres do lugar

os miseráveis reclamam da qualidade
os mendigos, do cheiro e paladar
os indigentes, do prazo de validade
a todos respondo “vão se catar!”


.

santo drummond

vou comprar cigarros e já volto, vida
sou um poeta mortal, putarada
depois que eu morrer, pisem na minha língua
podem matar à ripada
até que ela diga, quieta, estou viva
e dê com os dentes na polpa deliciosíssima do nada

.



assim que eu deixei de te querer, minha vida
de uma hora para outra, puro acaso,
fui olhar a flor e só havia vaso
a de plástico olhei e derretida

a verdade é que errei em tudo mesmo
mentira dizer que fui feliz um dia
se até agora cheguei a um bom termo
foi pelos olhos de quem me amou um dia


.
begônias silvestres

o sumiço da sua silhueta amiga
fez meu perfil baixar a cabeça
as cores da tarde, cinzas cinzas
as luzes da noite, negras negras

desaparecer não é pra qualquer um
só você, misto de mistério e dúvida
pode estar em lugar nenhum
e ainda me tocar, por música



.


deus me encontrou num fim de mundo
à noite e a céu aberto
pensei "estou com tudo"
surdo, ele olhava, quieto

eu tinha muitas perguntas
que podia fazer agora
perguntei: você chora?
ele, sem falar: às vezes, muitas...

o céu caiu sobre nossas cabeças e a rua
"eu acredito em você", eu disse
ele: "ainda tenho dúvida"
e nem a chuva impediu que ele subisse


.


tristes homens azuis


não é blues, tristes, não é mesmo
a tristeza não faz um homem azul
o branco é branco, o negro é negro
ninguém é triste, não há blues
só existem, tristes, os tristes homens azuis

eles se vestem de branco e de negro
e os outros vêem azul
porque não são brancos nem negros
os tristes homens azuis

ninguém nasce azul
não se põe no mundo
alguém azul
mas quando a noite baixa
se levantam
os tristes homens azuis


.



se estes versos resistirem à minha tentação/ faça-os em pedaços agora mesmo/ cada fragmento desses caídos no chão/ terá começo e fim no seu meio


joguei fora tudo que escrevi três vezes
e trinta e três vezes rescrevi
sempre o mesmo sobre o mesmo há meses
desejo de estraçalhar o que escrevi

não entendo, eu até levo jeito
sempre tenho comigo uns versinhos
tão bonitinhos, tão engraçadinhos
que dão até um nozinho no peito

se eu fosse suicida, já teria feito
o que, no fundo, todo mundo sempre quis
assim me transformaria em perfeito
e deus e diabo: todo mundo feliz

quando a poesia se transforma em papel
sempre um trouxa transforma em roupa suja
talvez eu queira transformar a merda em céu
e, com mel, não me alimentar da dita cuja

se nasceu pó, volte logo ao pó que é
e a noite, como o poema, vire cinza
ninguém nesta terra é o que quer
aqui, aquele que é bom, não vinga

pode também que eu seja apenas vagabundo
ou um solitário que aprendeu no verso
que isso a que chamam de mundo
não é o centro das atenções do universo


.



isso que o que chamam de amor vem
e quando vem não convém fugir
não convém destruir
nem se arrepender também

há os que procuram e acham
metendo o amor em qualquer buraco
outros capotam de paixão
e ainda os que são maus de taco

existem os que imitam o seu destino
os galinhas-mortas-de-despacho
tudo banha do mesmo tacho
que arrotam grosso e falam fino

os sofredores têm preferências várias:
uns querem que a dor os afogue em lágrimas
uns querem que a dor se crispe em raiva
uns vêm na dor apenas uma ação nevrálgica



.



assim que se fizer
o que já deveria estar feito
qualquer um qualquer
poderá ser perfeito

o mundo é as voltas que dá
a pessoa, do que foi sujeito
predicado, garanto, não há
a vida que não é verbo, é jeito

o objeto perdido no caminho
sempre se encontra num labirinto
onde todo raciocínio mesquinho
o distancia dele e dele é distinto

a linguagem é a verdadeira causa
de eu querer ser bom com minha moléstia?
a palavra não me trouxe ainda roupa ou casa
mas a falsa me trouxe a maldita modéstia

29 Comentários:

Às 14 março, 2006 , Blogger fmaatz disse...

PORRA! JÁ TENTEI ME COMUNICAR COM VOCÊ, MAS SEMPRE DEMORA DEMAIS! LEIO SEMPRE TEU BLOGUE E SOU DE CURTIBA E LI AS MERDAS DE UM LIVRO SEUS!!!QUAL TEU EMAIL QUE LÊ? QUE RESPONDE?
ABRAÇO
FERNANDO.
MARCOS PRADO APRENDI A GOSTAR AQUI E NO NO BORTOLOTTO.

 
Às 14 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Palavras são moedas;
com elas compramos pessoas.
Mais uma vez fui adquirido
por vocês: notável esse
Marcos Prado, todo ele.
Reservem meu exemplar.

 
Às 14 março, 2006 , Blogger Roberto Prado disse...

Thadeu, acho que a idéia do Felipe foi deixar as páginas limpas, sem uma montoeira de letrinhas abaixo de cada poema.

Ele colocou tudo na ficha técnica do final, aliás, exatamente como o Sérgio Viralobos e o próprio Marcos fizeram, por exemplo, no livro Dois mais dois são três em um.

Cara, esse problema de créditos em poemas é um problema novo, criado por nós, que inventamos esse negócio de parcerias poéticas.

Mas o bom mesmo é que o livro ficou bem legal.

Viva o Felipe!

 
Às 14 março, 2006 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Ô, Fernando, respondi a todos os seus emails? Pelo menos aos que eu recebi. thadeupoeta@yahoo.com.br

Abraço

Thadeu

 
Às 14 março, 2006 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Fraga, já deve ter o livro em Porto Alegre. Mas se não tiver, consulte a www.travessadoseditores.com.br
Grande abraço

Thadeu

 
Às 14 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

O beco sempre sábio!!!

mas concordo com o thadeu sobre um pequeno destaque para o sergio na obra do mprado ... que com as outras publicaçoes tem quase toda sua poesia editada!!!

viva o marcos, viva você , viva tu
e viva o rabo do tatu!!!

Rodrigo


P.S. tô postando pela segunda vez e o robozinho do blog naum reconhece a senha...
Tira essa merda da postagem, thadeu!!!

 
Às 14 março, 2006 , Blogger polacodabarreirinha disse...

É verdade, Beco, criamos um problema sério, vi isso agora na publicação do CD Wojciechowski, onde o espaço é muito menor. Mas também é verdade que um bom diretor de arte resolve qualquer problema. Talvez se o livro fosse dividido entre os poemas do Marcos e poemas em parceria já resolvesse o problema. Claro que isso não tira a genialidade da seleção do Felipe nem do livro, que merece nota 10 com todos os louvores. Ou como eu mesmo coloquei no texto de abertura "Um livro para ser muito, mas muito amado."

 
Às 14 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Um poeta na total acepção da palavra.

BB

 
Às 14 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Tadeu, esees poemas são os melhores que já li. Cruz credo o Marcos não era desse mundo.

Hélton Medeiros

 
Às 14 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Alguém aí ainda duvida?
Ele e o Leminski são sangue azul.

Bocudo

 
Às 14 março, 2006 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Ô, Rodrigão, se acalme aí, meu. Já te falei 1000 vezes (rsrsrs) que ainda vai demorar um pouquinho.

Abraço

Thadeu

 
Às 14 março, 2006 , Blogger Roberto Prado disse...

É isso aí, Rodrigão, acho que devemos a todo momento destacar e divulgar a monumental obra do Sérgio Viralobos.

Aliás, eu, que sou eu, tenho na minha máquina um livro prontinho, dele e do Marcos. É "O livro póstumo de marcos prado e sérgio viralobos". Coisa muito fina. Imagine então o que o próprio Sérgio, que é ele, não terá. Editores, atenção, o Brasil espera que cada um cumpra o seu dever.

Sobre o Marcos ter "quase toda" a obra editada, não é bem assim. O Ultralyrics dá um painel amplo, uma seleção de cada fase, mas tem muita coisa ainda inédita e outras que estavam em livros de pequena tiragem ou esgotados.

Estou com o Thadeu e o Rodrigão, quando falam da necessidade de se divulgar a poesia do Sérgio. E digo mais: façam por ele como se fosse por mim.

 
Às 14 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

o leitor que leia e netenda Thadeu.... quem lê o marcos tira os créditos de letra!!!

Rodrigo

 
Às 14 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Muito bom, poesia pro corpo inteiro.

Ab

Rogério Souto

 
Às 14 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Porraaaaa! Du caralho!!!!!!!!

Marcelo Vianna

 
Às 14 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Absolutamente genial.
Valeu, polaco!!

Dalton L. Cunha

 
Às 14 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Já tinha ouvido falar desse cara, mas não pensei que fosse tanto.
É gênio!

Miguel Aparício Souza

 
Às 14 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Tadeu, que coisa hein!? Que humor fino, que tristeza profunda!!!!

Leila Amaral Mendonça

 
Às 14 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Essa doeu,magistral mesmo, coisa de gente grande, muito grande.

Adalberto Soares

 
Às 14 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

E dae xará? Parabéns, te devo muitas. Poetaço.

Flávio Scoretto

 
Às 14 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Cumé que um cara desses pode morrer tão jovem, que merda.

Sérgio Sampaio

 
Às 14 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Fiquei mais triste que feliz.

Júlio Okada

 
Às 15 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Thadeu,
brinquei com "reservem meu exemplar" porque já havia
passado pelo site da editora.
Tinha nada lá sobre o
Ultralyrics. E na Livraria
Cultura, confiável supermercado
das letras, nada desse título.
Sobre o Marcos Prado, relatam
Jardim Gramacho, da Argumento.
É dele? Bom, vou procurar
em livrariazinhas cults.

 
Às 15 março, 2006 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Não, Fraga, este livro não é do Marcos Prado. Vou ligar hoje para a Travessa pra ver como é que vc consegue o livro.

Abraço

Thadeu

 
Às 15 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

thadeu, meu blog voltou ao ar. www.chfbinconcert.blogger.com.br
abraços.

 
Às 16 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

O Sergio Sampaio também morreu jovem , como o MP... será que ressucitou no blog do Thadica???

Rodrigo, lendo fantasmas

 
Às 16 março, 2006 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Sérgio Sampaio, dos Santos, Souza, até pode ter bastante. Mas Bocudo, Ranho, Ruga, só aparecem aqui.

 
Às 22 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

é ele, é os Marcos. que inveja do meu guarda-chuva preto com rendinhas (fazia uma sombrinha)que deixei, pra nunca mais buscar, naquele apartamento em que morava o trio. comecei a ler esse blog como mangá: lá em cima fiquei triste com a ida sem volta, aqui fico intensa com a eternidade desses escritos. que bom ter conhecido essa via, essa usina,DeNadA, Marcos Prado.

 
Às 22 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

é ele, é os Marcos. que inveja do meu guarda-chuva preto com rendinhas (fazia uma sombrinha)que deixei, pra nunca mais buscar, naquele apartamento em que morava o trio. comecei a ler esse blog como mangá: lá em cima fiquei triste com a ida sem volta, aqui fico intensa com a eternidade desses escritos. que bom ter conhecido essa via, essa usina,DeNadA, Marcos Prado.
andréa schönhofen/ Pelotas/RS

 

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