polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

segunda-feira, março 06, 2006

Uma singela homenagem a um bom texto

Vale quanto sopesa

Do alto da minha falta de autoridade em assunto nenhum, eis-me:
preparadaço para dar conta do que ninguém quer ler por estes dias amorfos. Preencher este espaço requer apenas um requisito comigo mesmo: deixá-lo mais vazio do que quando o recebi. Digo, a parte que me cabe do lúmen desta tela. Afinal, com tamanho conteúdo essencial ao redor, reconheço o desafio – é daqueles em que só a tangente nos livra. O que me obriga a ser menos claro do que estou
sendo. Sou? Ignoro. Bão, na ignorância me situo. Daí, seguinte.

O ser mais importante que existe no mundo é o ignorante. Sem ele, qualquer sistema de ensino desmorona. Com ele, todo conhecimento se justifica. O valor do ignorante é esse: não sabendo neca de nadicas, serve de base à uma sociedade construída através da supressão das lacunas, vá lá, intelectuais. Melhor moto perpétuo evolutivo nem imagino.

Por isso os bebês nascem analfabetos (pode soar bobagem – não minha, que sei dizer melhores, mas da natureza, que é infinitamente mais sabidona que este seu filho aqui) porém essa pode muito bem ser a salvaguarda primordial da espécie, a que protege a continuidade. Se nascêssemos sabendo, evoluir ia ser um parto.

Não importam os pais – quão inteligentes e letrados sejam. Cada bebê que chega vem para reforçar o pressuposto básico da linhagem ignara: se tudo lhe é alheio, será um aliado do sistema. Aquele berço, onde a humanidade incônscia – inventou essa palavra agora, Fraga? – balouça, é o da civilização. O que balbucia um bebê é um bulício que não causa reboliço no aparato que o espera. Se nem falar sabe, bem-vindo seja.Assim que cresce, das duazuma: ou o ignorante vira promessa ou a mesa vira o ignorante. Se tudo assimila, nada mais há a fazer. Nuns 10 anos está pronto para não mais aprender a aprender. Deixou de ser ignorante nato. Já sabe que sabe saber, e pior: já acha que sabe que sabe o que sabe. Aí, em plena imaturidade mental, amadurece precocemente. Vai e veste o impermeável que o impedirá de se encharcar no insabido. De se surpreender surpreendido. Nem uma gota do só-sei-que-nada-
sei o umedecerá. (Ih, Fraga, filosofia num parágrafo inconcluso?)

Mas, mas: esperança hay. Se o ignorante aperfeiçoa a sua própria ignorância, ele se torna peculiarmente mais útil (sem o perdão das más palavra antes e depois dos parênteses) à sociedade. Na vastidão do seu não-saber, instintivamente preservado por uma resistência inculta, ele busca mais. Quer dizer, em vez de mais do mesmo (o sabido pré-sabível) ele procura por menos do mesmo (do insabível
ao indizível, tudo, aliás, intransferível!). Ao se manter nesse limiar, o ignorante pode aprender o que quiser. Pode continuar aprendiz.

Esse é o ignorante que interessa, o que enriquece o sistema, o que mexe com a estrutura. Ele não está atrás da nota que o envaidece, do diploma arranjadamente qualificador, da aprovação previamente acordada entre mestres e discípulos. Da faixa de chegada que corre ao encontro do corredor. Esse é o ignorante não ideal para um sistema que idealiza demais.

Não, não puxo brasa para a minha sardinha. Minha ignorância mal deu para chegar ao fim desta tese, que tirei do nariz aos 8 anos.

Fraga

2 Comentários:

Às 06 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Brilhante.

BB

 
Às 07 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Realmente muito bom. Apesar da ironia e do deboche, o texto se mantém inteligente e persuasivo.
E o que é mais importante: faz com que a gente pare para refletir.

Meus parabéns, Fraga

Ivan Mesquita

 

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