polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

quarta-feira, março 08, 2006

Para minha mãe

Alua (filha) , Thadeu, Catarina e Paola (filha).

Mulher melhor

Não sou apegado a datas e comemorações, primeiro porque tenho uma memória péssima para tudo que não está em verso; segundo, porque este tipo de raciocínio leva a gente a acreditar que toda a nossa responsabilidade se resume a fazer um bom papel com hora e data marcadas; e, finalmente, porque amor é a responsabilidade maior do dia nosso de cada dia. E acho que aqui tem sido assim, desde a primeira postagem. Um espaço de reflexão, bom humor, criatividade e alegria, destinado a todos aqueles, homens e mulheres, que trazem poesia na alma e amor no coração. Mas em todo caso aí vai uma seleção de poetas de primeiríssima grandeza.


8 de março

Boa ou má,
bela ou fera,
fértil ou estéril,
jovem ou anciã:
mulher,
é
mulher
todos os dias
e não fêmea efêmera
de um oito de março qualquer

Marilda Confortin


Se recordar fosse esquecer,
Eu não me lembraria.
Se esquecer, recordar,
Eu logo esqueceria.

Se quem perde é feliz
E contente é quem chora,
Que alegres são os dedos
Que colhem isso agora!

....


Não sou ninguém. Quem é você?
Ninguém – Também?
Então somos um par?
Não conte! Podem espalhar.

Que triste ser alguém!
Que pública a fama!
Dizer seu nome como a rã
Para as palmas da lama!

....


Tive uma jóia nos meus dedos
E adormeci –
Quente era o dia, tédio os ventos –
“É minha”, eu disse –

Acordo – e os meus honestos dedos
(Foi-se a gema) censuro –
Uma saudade de ametista
É o que eu possuo.

Emily Dickinson
(tradução de Augusto de Campos )




pombos que voam
ou palmas que me chamam
pombos que voam

....


enchemos a vida
de filhos
que nos enchem a vida

um me enche de lembranças
que me enchem
de lágrimas

uma me enche de alegrias
que enchem minhas noites
de dias

outro me enche de esperanças
e receios
enquanto me incham
os seios


Alice Ruiz


Flores do mais

devagar escreva
uma primeira letra
escrava
nas imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro
olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais

Ana Cristina César


Eu dou pra isso?

Não gosta mais de mim.
Chama de cadela, vaca.

- O que esperava, piranha?
Ele tentando ver os golos
E eu enchendo o seu saco.

Agora dei pra escrever.
Perdi o último pinguinho de vergonha na cara.

Leia Leite



Elogio do Silêncio

A expressão do ser profundo
Transcende a linguagem.

Falar é traçar limites
Ao ilimitado.

Espelho do intransitivo,
Somente o silêncio
Reflete o indizível.

Helena Kolody


Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil;
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Cecília Meireles


Parece que o poema andou bebendo

Incrível como sobram reticências nos vãos destes lençóis roucos
como sobra espaço em nós
no meio desse laço frouxo
desse traço pouco

Incrível como me falta o ar
entre os hífens
vou sorvendo desse copo
um jazz tristíssimo
inventando
amores sísmicos

Por isso
sempre acabo arrebentada na mesa de um bar
indício de um coração na mão
e um Jackie Daniels na garganta.

Jackie parece nome de puta.

Luana Vignon

7 Comentários:

Às 08 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Obrigada pela homenagem e pela bela seleção de poetisas.

Maria Luíza

 
Às 08 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Gostei muito. Beijão.

BB

 
Às 08 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Bom e doce como todo dia.

BB

 
Às 08 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Ei, põe os poetas falando da mulher.

Bocudo

 
Às 08 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

no traço
que faço
abro espaço
para o amor
carinho
e abraço

toda mulher merece
alguém que lhe parece
todo homem que tem, cresce
mas, sem , esquece

Henriquesgoto

 
Às 08 março, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Thadeu,
Enquanto o pacotaço não segue,
os elogios pelos temas de sempre
e um mimo pelo tema de hoje.
Adélia, você vê, nunca é dèjá vu.
Abração.



Casamento/Adélia Prado


Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

 
Às 09 março, 2006 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Uma amiga tentou ontem postar um comentário e não conseguiu, daí me mandou um e-mail. Parte dele aí está, já que é pertinente ao tema.


"Tentei ontem contribuir com a discussão das poetas - aliás gostei mto da seleção, mas não deu, o blog mudou e juro que não levo jeito para este mundo online. Vc sabe que o ano passado, junho de 2005, eu e a Regina da UFPR organizamos um evento com uma seleção de poetas do século XX - Hilda Hilst, Ana Cristina César, Gertrude Stein, Laura Riding, Sylvia Plath, Alfonsina Storni, Else Lasker-Schuler, Wislava Szymborska e Marina Tsvietaieva - (esta última, russa, recentemente traduzida por Pignatari pela Travessa). Os estudiosos, inclusive o Rodrigo, mandaram textos e deve sair a publicação ainda este ano, sob a nossa organização - são poetas de altíssima qualidade e mtas vezes desconhecidas no Brasil."

Cleusa

 

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