polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

segunda-feira, junho 25, 2007




A VINGANÇA DO POVÃO

Capítulo 9

Peidando para o diabo.


Gilberto, amargurado, coração aos trancos
E barrancos, sem rumo, golpeia c’os tamancos
O barro e com as mãos, a sua própria cabeça.
“Puta, filha da puta! Libertina, pulha,
Meretriz, prostituta! Pensa que me embrulha?
Vou te matar, cadela! Tudo que aconteça
Daqui pra frente vai ser obra do demônio.
Porra, merda de amor, o horror mais medonho!”

Já na oficina, Giba tenta se acalmar.
Mas não dá. Abre um litro e vai até secar.
Bêbado, chora, ri, grita, quebra suas obras,
Tudo que fez com tanto amor, todos os móveis
De seu futuro lar. Depois, braços imóveis,
Deixa-se cair ao chão, pra chorar entre as sobras.
“Ana, Ana, sacana! Pra que fazer isso,
Se era tão bonito o nosso compromisso?

Eu te respeitei, pus nas coxas, gozei fora,
Para você casar de branco, mas agora
Vejo, nítido e claro, o imbecil que sou.
Devia ter feito aquele cu em mil pedaços
E arrombado a buceta. Mas não, os amassos
Do idiota aqui paravam no melhor. Se estou
Nesta merda é porque já engomei muita cueca
Por não entubar a brachola em perereca.

Daí, a puta vai e dá para o primeiro macho
Que aparece e me deixa na mão por um cacho?!
Eu mato essa filha da puta, lazarenta!”
Vai ao armário, pega o revólver e mira
No pôster de Ana, preso à parede. Atira
Sete vezes e sete vezes se lamenta.
“Eu mato ou morro, Deus do Céu? Me ajude, Pai.”
Dois minutos de paz e o corpo morto cai.

Enforca-se e o seu olhar esbugalhado
Se detém no retrato do rosto amado.
Neste exato momento, Ana dava adeus
À virgindade, do outro lado da cidade.
No céu, estrelas flertam com a eternidade,
Querendo intimidades pelo amor de Deus.
Na Terra, o sangue tinge o branco do lençol
Com a tinta da aurora, anunciando o sol.

Ana acorda cercada de rosas vermelhas
E com a voz de Giba soando em suas orelhas.
Olha para o relógio, a manhã se foi.
Lê o bilhete sob a cômoda e se sente
Só, como nunca se sentiu. “Este presente,
Meu anjo, é a prova de que um simples oi
Pode ser o começo de um grande amor.
Pelo primeiro encontro, aceite por favor!

Beijos, Artur.” Relê várias vezes, mas chora
Mais e mais. Está só no apartamento agora.
A voz de Giba vem com o vento e entra
Pelas janelas, bate nas paredes brancas
E ecoa pelos quartos deixando às escâncaras
O balé das cortinas em câmera lenta.
Ana tem um estranho mau pressentimento
E o remorso anuncia que haverá linchamento.

Liga para o seu pai e o que era pesadelo
Faz tremer até o último fio de cabelo.
Tremendo, abre o presente de Artur: um colar
De diamantes, a jóia de seu sonho mais lindo,
Mas que agora, em seus dedos, está consumindo,
Para poder brilhar, a luz de seu olhar.
Ana pede perdão, cai num choro profundo
E, sem Giberto, dá de cara com o mundo.

Levanta-se, respira e resolve viver:
“Tudo isso me custou caro. Pago pra ver.”
Vai à sacada e deixa a brisa envolvê-la.
“Vou ser feliz, mais nada me importa. O amor
Acabou com a minha vida. Mas, se a dor
Começa é porque tem um fim. Reconhecê-la
E combatê-la vai ser tarefa infernal,
Porém nunca corri, em minha vida, do pau!”

E assim os dias se foram. Ana faz de tudo
Para se mostrar bem feliz. Volta ao estudo.
Mantém o apartamento limpo e arrumado.
Mas tem pequenas crises de alheamento mórbido,
Como se entrasse em outro mundo, cruel, sórdido.
Toda vez que faz sexo vai para o lavabo,
Fica horas a fio, lavando e relavando
Seu corpo num ritual tristemente nefando.

Mais se afasta de Artur, mais se apega a Netinho.
A ele dedica amor, atenção e carinho
Maternais, desmedidos, como se o enteado
Fosse realmente cria de suas entranhas, ser
Do seu ser, fruto da paixão que viu nascer
Quando pela primeira vez viu seu amado
Gilberto. Único homem que a fez, acordada,
Sonhar; e, dormindo, sorrir apaixonada.

A pequenina mancha que Netinho tem
No pênis, seus trejeitos, sua alegria sem
Fim, a cada dia, mais se revelavam como
Provas definitivas de que é seu filho.
Em seus delírios vê o parto tão tranqüilo.
Giba à sua cabeceira e, sem nenhum incômodo,
Vendo a boca tomar, esperta, a farta teta
E dela sugar leite, a seiva que sustenta,

Ampara, fortalece, defende e prepara
Netinho para a vida. Às vezes, ela pára,
Completamente absorta em seus delírios crônicos
E acaricia a mancha e a beija e a afaga.
Em tudo vê tristeza, desilusão, mágoa;
Só Netinho provoca-lhe arroubos cômicos.
Por ele vive, morre, acorda e respira.
“O que Deus me deu é pra sempre, ninguém tira.”

“O que você pensa que está fazendo, puta?”
Ela parece não entender o que escuta.
Leva alguns bofetões, ouve gritos, vê a mão
Pronta para agarrar e levar seu filhinho.
Mas não deixa que Artur sequer toque em Netinho.
Corre para a sacada e o seu coração
Salta de encontro à morte, levando o amor,
Todo o amor que um dia não soube onde por.


Fim do capítulo 9


10 Comentários:

Às 25 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Sensacional, du caralho!

 
Às 25 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Vc é um monstro, Thadeu. Parabéns.

Arthur Fialho Netto

 
Às 25 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Porra, que quebra-cabeça você fez polaco. Muito bom mesmo, em todos os detalhes.

Mauro Rister

 
Às 25 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Emocionante.

I juca pirama

 
Às 25 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Thadeu querido, adorei.

Bj

 
Às 25 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Boa! Essa foi no fígado.

Fabiano

 
Às 26 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Pelo jeito o fim vai ser o final dos tempos.

 
Às 26 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Não imaginava que vc pudesse levar a bom termo essas histórias, me enganei. É de tirar o chapéu para o modo como vc montou a teia, nada ficou perdido e tudo se justificou, perfeitamente. Vamos ao Osso e ao Escriba que acabaram ficando para o grande final, o que vem por aí?

Renato Ribeiro
Fã de carteirinha

 
Às 26 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Agora sei porque todo mundo te chama de mestre.

Gafanhoto

 
Às 26 junho, 2007 , Blogger bertol disse...

porra! gostei pra caralho!

sensacional a forma que as estórias se cruzam. não há pontas soltas!!!

t+

 

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