polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

segunda-feira, junho 04, 2007







A VINGANÇA DO POVÃO

Capítulo 6

Para onde vão os sonhos quando, enfim, morrem?


Há um desenho sobre a mesa, há uma toalha
Branca e muito papel. Em seus sonhos trabalha
Gilberto. São pequenos, simples, como podem
Ser os sonhos de um homem que vive dos parcos
Frutos de seu trabalho. “Artistas são arcos
De onde saem flechas vivas que no alvo explodem.”
Giba, como é chamado pela turma, tem
Um dom muito especial, que já veio em seu gen.

Exímio dos mais hábeis na marcenaria,
Giba é admirado pela arte que cria,
Dando a tudo que faz, originalidade
E graça. “A madeira é uma grande amiga,
Dela só tiro as sobras. O que mais me intriga
É o fato de eu nunca saber de verdade
Quem fez o quê. Se a peça já estava pronta,
Meus méritos são poucos, não os levo em conta.

Filho de marceneiro, marceneiro é.”
Repete sempre esse jargão, em sua boa fé.
Pra não ser caricato e nem piegas, afirmo,
Sem medo de errar: Giba é um cara feliz.
É certo que é simplório e certo quem diz
Que ele também adora cair num abismo.
Profundas depressões às quais, de quando em quando,
Sucumbe sua alma sensível, aluando-o.

Foi num desses buracos negros que encontrou
Ana pela primeira vez. Ela tomou
Assento no banco, ao seu lado, no Ligeirinho
São José-Barreirinha e, ao ver escorrerem
Lágrimas, puxou papo, antes de descerem.
- Puxa vida! Por que você está tão tristinho?
A vida é boa, sorria. Isso! Assim é melhor.
Seu rosto ficou lindo e já passou o pior.

“Obrigado. Nem sei por que estou me sentindo
Tão mal. Mas, muitas vezes, penso que estou indo
Na contramão da vida, como se daqui
A pouco fosse dar de cara com um muro
A duzentos quilômetros por hora. Juro.”
- O número do meu telefone está aqui.
Ligue pra mim à noite, desço neste ponto.
Desce e Giba já sonha c’um novo encontro.

Às dezenove e trinta, com o coração
Na mão, liga. Dá certo. Ao ouvir “Pois não?”,
Suas pernas começaram a tremer; e a voz,
A gaguejar: “Sou eu, Gilberto. Des-desculpe,
Mas vo-você pediu pra eu ligar. Escute,
Se eu estiver te incomodando...então...nós
Poderemos falar quando você puder.”
- Não, não. Calma, pois não se apressa uma mulher!

“Perdão, perdão. Estou nervoso em demasia.
Meu estômago está dando pulos. Azia
É um refresco perto do que estou sentindo.”
- Que bom!, fiquei em dúvida, achei que não
Iria ligar pra mim. Não jogava um tostão,
Se fosse pra apostar. Eu só perco no bingo.
Acho que estou te enchendo com todo esse papo...
“Ao contrário, minha conversa é que é um saco.

Por mim, eu fico aqui até minha orelha inchar.”
-Vejo que seu humor mudou. Quer me agradar
Ou está se sentindo melhor, de verdade?
“Você nem imagina o bem que me fez.
Desde que nos falamos, um segundo é um mês,
Cada minuto, bem mais que uma eternidade.”
- Uau, tenho um poeta no meu telefone.
Você não disse ainda se gostou do meu nome.

Essas amenidades, ditas via Gran Bell,
Em pouquíssimo tempo, levou-os ao céu.
Uma paixão devastadora, dessas fúrias
Que só a natureza é capaz de criar,
Com dois corpos ocupando um só lugar.
O noivado chegou pondo fim às lamúrias
Do pai de Ana, que via nos amassos sem fim
Um projeto de neto e não é bom assim.

Ele queria que a filha casasse de véu
E grinalda ou faria o maior escarcéu.
Gilberto passa as horas de folga fazendo
Planos ou desenhando sua nova casa.
Sem grana, vai ao chão, perdendo vôo e asa.
Adaptou o projeto, mesmo entristecendo
Ana, pois eram dela as idéias cortadas,
Por serem muito caras e inapropriadas.

Prevaleceu o bom senso de Giba e sogro,
Que cedeu ao casal, do seu terreno, o dobro
Da área que ocupava sua residência.
“Trezentos e dez metros quadrados, amor!
Seu pai é demais mesmo. Nos fez um favor
Tão grande que nem sei o que dizer. Paciência
É só o que precisamos agora, querida.
E então construir o ninho para a nossa vida.”

Ana não disse nada. Mas nem bem Gilberto
Sai, cai num choro só, triste, de peito aberto.
No céu, estrelas piscam para o infinito
Se desfazendo em luz e vida para os poetas.
Giba se sente um deles, pois todas as setas
Apontam a um futuro em paz e tão bonito.
“Ana é a melhor coisa que já me aconteceu.
Deus teve um belo dia, sorriu e ela nasceu.”

Fim do Capítulo 6





12 Comentários:

Às 04 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Puta merda, Thadeu, que elegância!
Parabéns, cara, vc escreve de uma forma admirável. Sou cada vez mais teu fã.

 
Às 04 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Adorei e estou adorando. Mas não tinha entendido a brutalidade dos primeiros capítulos. Desculpe. Beijos.

BB

 
Às 04 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Tá uma delícia o enredo.

Ab

Nelson

 
Às 05 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Todo corno em potencial se apaixona fácil; basta uma lágrima prá ficar de quatro.

Maringas, amando a bagaça...

 
Às 05 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Que delicadeza maravilhosa. Teu texto é de um encanto só.

Beijo

Leila

 
Às 05 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Realmente, polaco, você é o cara.

Fabiano

 
Às 05 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

A simplicidade é a sua arma mais letal. O enredo ganha colorido e as idéias contornos geniais. Está tudo na cara, óbvio, mas só vc escreve assim.

Tua fã

Maria Luíza

 
Às 05 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Venho todos os dias no seu blog, quando não tem nada novo vou aos arquivos, onde tem um mundo instigante e genial. Ainda não li tudo, confesso. Mas não tenho pressa nenhuma. Estou curtindo esta novela pra caramba. Esse pessoal que comentou sabe o que está falando, eu também penso assim. Estou começando a escrever e aqui é uma universidade.

Parabéns sinceros

Rubens Savioglio

 
Às 05 junho, 2007 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Maringas, precisamos uma horas dessas tomar umas cervas e botar conversa fora. Vc ainda não veio aqui em casa, se faltava convite, agora, não falta mais.

 
Às 05 junho, 2007 , Blogger bertol disse...

dá gosto ler os textos.
mesmo nos momentos mais cruéis (como no começo), tudo tem uma fluidez simplesmente do caralho.
e não é só essa novelha, mas as outras duas que li.
muito legal cara. com certeza vc está entre os melhores

 
Às 05 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Thadeu, por que vc parou de escrever como Comedor de Ranho? Eu gostava tanto.


Aninha.

 
Às 06 junho, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

ele parou porque esqueceu a senha do blog....é a idade...


ruga

 

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