polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

domingo, setembro 11, 2005

Coragem

Coragem

“Deus teve coragem para criar o medo.”

Thadeu, Marcos e Sérgio na tradução do Inferno de Dante.

“Nada nos humilha mais que a coragem alheia.”

Nelson Rodrigues

Para despertar a coragem (ou amortecer a meda) existem o rufar dos tambores, as bandeiras, os talismãs, os patuás, os heróis. Covarde é o mundo que precisa de heróis. Maus exemplos é o que não nos faltam. O ato da coragem, isolado, não diz muito. Basta lembrar quanta gente boa foi para o sacrifício a troco de nada: malévolas causas, idiotas ideologias e deuses de pouca fé. A verdadeira coragem, a mais difícil, silenciosa e sem público, pessoal e intransferível, guerra dentro de nós mesmos, essa, pouca gente vê. Mas sobre isso dá medo até de falar.
O herói é sempre um mártir, já que a maioria admiradora, com os pés atolados na lama até o gorgomilo, agarra com unhas e dentes o pé do mito e tenta puxá-lo para a vala comum da lavagem imunda. Como nosso herói não quer ir, vai aos pedaços. É essa coragem alheia, que tem medo do combate, mas é intrépida na hora do saque, que me mete medo. A genuína coragem desperta onde, quando e de quem menos se imagina. Quem já não viu auto-proclamados machões saindo com as calças borradas nas mãos quando o bicho pega? A audácia, ao arrebatar, torna a pessoa capaz de qualquer loucura: façanhas tão desmedidas quanto tresloucadas. Se você parar pra pensar, não vê nem a cor da coragem.
O que lança a pessoa em total ousadia? É a volta da besta fera acuada, o medo medonho que dá a outra face ou mera adrenalina da boa? Que forças seremos capazes de arregimentar para superar os obstáculos que se a vida nos antepõe, sem apelar para a santa ignorância? Em verdade, em verdade, o medo da solidão é o que mais nos separa da maior coragem, a de desfilar no Bloco do Eu Sozinho, longe do eterno carnaval dos Unidos dos Nós Juntinhos. Ter coerência, opinião própria e desafiar o coro da unanimidade continua sendo o que mais atrai a ira pagã das coletividades covardes, vendilhonas, parasitárias e sofredoras, verdadeiros Dragões da Dependência. Para enfrentar-se e enfrentá-las, quem se habilita?


Recado aos peixes

Eu mandei um recado aos peixes.
Disse-lhes: - Este é o meu desejo.

E eis que os peixinhos lá no mar
Me responderam sem tardar.

A resposta dos peixes foi:
Impossível, meu caro, pois...

Eu lhes mandei então dizer:
- Será melhor me obedecer.

A resposta veio a seguir:
- Ora, é favor não insistir.

Disse-lhes uma, duas, três,
Mas empacaram de uma vez.

Peguei uma chaleira quente,
Própria para o que eu tinha em mente.

Meu coração batia à louca,
Enchi a chaleira até a boca.

Então alguém disse sorrindo:
- Os peixes já estão dormindo.

Eu respondi em termos claros:
- Pois então trate de acordá-los.

Eu disse firme e decidido,
Eu fui e lhe gritei no ouvido.

Mas ele era corajoso e incauto
E disse: - Não grite tão alto!

E ele era tão cheio de si
Que disse: - Eu vou buscá-los, se...

Saquei então de um saca-rolhas
E fui eu mesmo atrás das bolhas.

E ao ver a porta já fechada,
Bati, toquei, topei – que nada!

E ao ver a porta ali, zás-trás,
Girei a maçaneta, mas...


Lewis Carrol
(Inglaterra, 1832 – 1898, tradução de Augusto de Campos )



Presença

Coragem de andar
sobre os precipícios
sem desfalecer,
entre labaredas,
mas não se queimar,
com os violentos
e os indiferentes,
no mundo inimigo,
sem deixar de amar.

Helena Kolody


Soneto inglês nº 2

Aceitar o castigo imerecido,
Não por fraqueza, mas por altivez.
No tormento mais fundo o teu gemido
Trocar num grito de ódio a quem o fez.
As delícias da carne e pensamento
Com que o instinto da espécie nos engana
Sobpor ao generoso sentimento
De uma afeição mais simplesmente humana.
Não tremer de esperança nem de espanto.
Nada pedir nem desejar, senão
A coragem de ser um novo santo
Sem fé num mundo além do mundo. E então,
Morrer sem uma lágrima, que a vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida.

Manuel Bandeira
(1886 – 1968)


Poema Negro
...

Chegou a tua vez, oh! Natureza!
Eu desafio agora essa grandeza,
Perante a qual meus olhos se extasiam...
Eu desafio, desta cova escura,
No histerismo danado da tortura
Todos os monstros que os teus peitos criam.

Tu não és minha mãe, velha nefasta!
Com o teu chicote frio de madrasta
Tu me açoitaste vinte e duas vezes...
Por tua causa apodreci nas cruzes,
Em que pregas os filhos que produzes
Durante os desgraçados nove meses!

Semeadora terrível de defuntos,
Contra a agressão dos teus contrastes juntos
A besta, que em mim dorme, acorda aos berros;
Acorda, e após gritar a última injúria,
Chocalha os dentes com medonha fúria
Como se fosse o atrito de dois ferros!

Pois bem! Chegou minha hora de vingança.
Tu mataste meu tempo de criança
E de segunda-feira até domingo,
Amarrado no horror de tua rede,
Deste-me fogo quando eu tinha sede...
Deixa-te estar, canalha, que eu me vingo!
...

Augusto dos Anjos
(1884 –1914)


nunca quis ser
freguês distinto
pedindo isso e aquilo
vinho tinto
obrigado
hasta la vista

queria entrar
com os dois pés
no peito dos porteiros
dizendo pro espelho
- cala a boca
e pro relógio
- abaixo os ponteiros

Paulo Leminski
(1944-1989)


Observações sobre “Asterix entre os bretões”

Yahuuu! Ipipurax!
Bretões versus gália
Druidas floresta que mata
Fogus és palha
Yahuuu! Ipipurarx!
Tchac! Tchoc! Patchoc!
3 tribos lutanto até a morte
Yahuuu! Ipipurax!

Marcos Prado e Sérgio Viralobos



medo de monstro

ai que meda
que eu tenho de monstro
se apaga a luz
eu vejo o bicho papão
só lembro de bruxa
e assombração
mas meu medo eu não demonstro
pois o verdadeiro monstro
está dentro de mim

antonio thadeu wojciechowski



no espelho
não vejo
meu guarda-costas

Marcos Prado
(1961-1996)


entre o sim e o não, coragem

os problemas ficaram pequenos
penderam entre o sim e o não
quando tudo era mais ou menos

a dúvida nunca foi o meu cruel
há muito perdi a conta
de quantos quero ver no céu

certo, errado, cabeça tonta
viva quem coloca a bomba
e viva quem a desmonta

Roberto Prado


Eldorado

Montanhas de lua acima
Vales da sombra abaixo abisma
Cavalgue audaz pelo prado
Se você procura Eldorado

Edgard Allan Poe
(por Marcos Prado e Sérgio Viralobos)

2 Comentários:

Às 13 setembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Pai

Essa página foi um presente para mim... há anos pergunto "Pai onde está aquela página da coragem?" Agora aí está ela...
Reli linha por linha pois quero aguçar cada vez mais a minha coragem para "enfrentar o coro da uninimidade" curitibana. (E quer coro mais desafinado que esse?)

Te amo
Beijos
Paola

 
Às 13 setembro, 2005 , Blogger Unknown disse...

Que bom, diamor, espero que vc extraia dela toda a energia positiva que eu e o Beco tentamos imprimir nela.

Te adoro

Papi

 

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