polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

quarta-feira, setembro 07, 2005

Silêncio, por favor

SILÊNCIO


O homem é senhor do que silencia
E escravo das palavras que pronuncia.

Sabedoria popular


muitos são os silêncios
poucos serão ouvidos

Paulo Leminski


Nesta página, resolvemos poupar os leitores de nossa costumeira ladainha para, em silêncio, ouvir o silêncio do Leminski, em suas “variações para silêncio e iluminação”, uma das mais belas páginas do livro Ensaios e Anseios Crípticos. Quem tem ouvidos de ouvir, ouça-o: “1) O silêncio de Buda: O cristianismo nasceu das palavras de Jesus. O zen, de um silêncio de Buda. Um dia, o Iluminado, em lugar do sermão, apresentou aos discípulos uma flor, sem dizer palavra. Um único discípulo entendeu: Mahakasyapa, primeiro patriarca do zen, a doutrina da meditação silenciosa, da concentração descontraída, da dança não dançada, da voz sem voz, da iluminação súbita, da luz interior, da superação dialética dos contrários na vida diária. 2) O silêncio de Pitágoras: para Pitágoras tudo é número, tudo é harmonia, tudo é música. Os astros obedecem a uma matemática, essa matemática é uma música. Não ouvimos a música das estrelas porque nossos ouvidos são impuros. A culminância da experiência pitagórica de purificação e ascensão de espírito era ouvir, nas noites estreladas, a sinfonia vinda das esferas. O silêncio dos astros nasce da nossa surdez.” Mas Leminski escutou outros silêncios. Por exemplo: o silêncio de Pascal, que é o silêncio dos espaços infinitos que o apavorava. O silêncio hermético de Hermes, o silêncio dos sinais difíceis de ler. O silêncio de Hitler¸o silêncio dos tiranos, ditado pelo medo, pela tortura, pela prisão. O silêncio de Graciliano e suas memórias do cárcere, o silêncio Sibéria, o silêncio Gulag. O silêncio de Werberm é o mesmo de João Gilberto, é o samba de um silêncio só. O silêncio de Spengler é a forma mais completa de comunicação, como um casal de velhos camponeses contemplando o pôr-do-sol em absoluto silêncio, o silêncio depois que tudo já foi dito. E, finalmente, o silêncio da maioria, que é silêncio cúmplice, de quem compactua com o silêncio de Hitler e deixa prosseguir o silêncio de Graciliano, o silêncio dos que fazem de conta que não têm nada com isso, o silêncio comprado com a boa vida, o silêncio dos que dizem viva e deixe viver. E agora, uma leitura silenciosa, por favor.



O rio

Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas no céu, refleti-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoas
Nas profundidades tranqüilas.

Manuel Bandeira (1886-1968)



O silêncio em Pessoa

Não, não digas nada.
Supor o que dirá
a tua boca velada
é ouvi-lo já.

É ouvi-lo melhor
do que dirias.
O que és não vem à flor
das frases e dos dias.

És melhor do que tu,
não digas nada, sê!
Graça do corpo nu
que invisível se vê.

Fernando Pessoa (1888-1935)



Marcos silenciosos

tudo imóvel - as horas nem respiram
num segundo a humanidade toda cala a boca
como se vendo através de vidraça fosca
o olhar de olhos que nunca viram

tudo em silêncio - o tempo parou para ouvir-se
perdida a memória, o real fica absurdo
qualquer coisa é a conclusão de tudo
o que se disse e o que não, agora diz-se

Marcos Prado (1961-1996)


psiu!

ninguém diz palavra
nem anfitrião nem hóspede
nem a samambaia

(Oshima Ryota, Japão, 1718-1787, versão de Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado )


Uma letra

puxe um silêncio do estoque
e deixe a letra bater
chame um batuque exato
para o silêncio dançar

puxe
chame
dance
e deixe

evoque que vem
no espírito da letra
todas as letras
que o silêncio tem

Roberto Prado


Elogio do silêncio

A expressão do ser profundo
transcende a linguagem.

Falar é traçar limites
ao ilimitado.

Espelho do intransitivo.
Somente o silêncio
reflete o indizível.

Helena Kolody


por quem os silêncios dobram?

de som a som
ensino o silêncio
a ser sibilino

de sino em sino
o silêncio ao som
ensino

Paulo Leminski



Silêncio plúmbeo

Herdades noturnas, gengiscantem!
Crepitai, bétulas azuis!
Albas da noite, zaraturvem
Ao céu cerúleo mozarteante!
...
Como cains do silêncio
Palavras santas se abatem.
Passo tardo, cercado de tropas,
Asdrúbal azul vai ao baile das rochas.

Vielimir Khlébnikov (1885-1922)
(tradução de Haroldo de Campos)




tom menor

não sei se estou louco
ou só falando pouco
ainda suporto falar comigo mesmo
mordo a língua se alguém me diz bom dia
mas de mim não vão sair palavras ao vento
nem rimas que desperdiçam poesia

em criança, engoli um caroço
até hoje atravessado no gogó do pescoço
a voz não me fará de instrumento
o único som que me extasia
é o minuto de silêncio
se propagando na alma vazia

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos



Silêncios, do livro 234.

34

De repente ei-lo de olhos marejados. E, sem querer, também eu comovido. Diante de mim o feroz tirano da família? Ditador da verdade, dono da palavra final? Primeira vez, em tantos anos, vejo um senhor muito antigo. Um pobre velhinho solitário. Merda, o trem não parte. Meu pai saca o relógio do colete, dois giros na corda. Pressuroso, digo que se vá. Doente, não apanhe friagem. E ele sem escutar.

36

E ele sem escutar. Olha de novo o relógio. Aceno que pode ir, não espere a partida. Quero ver a hora? Exibe o patacão na ponta da corrente dourada. Nosso último encontro, sei lá. E, ainda na despedida, o eterno equívoco entre nós. Maldita vidraça de silêncio a nos separar. Desta vez para sempre.

Dalton Trevisan



Conferência sobre o nada

Estou aqui e não há nada a dizer.
Se algum de vocês
quiser ir a algum lugar
pode sair a qualquer momento.
O que nós requeremos é silêncio.
Mas o que o silêncio requer
é que eu continue falando.

Dê ao pensamento de alguém
um empurrão: ele cai logo.
Mas o que empurra e o empurrado
produzem esse entretenimento
chamado discussão.
Vamos ter uma daqui a pouco?

Ou, podemos decidir não ter uma discussão.
Como vocês quiserem. Mas agora
há silêncios e as palavras fazem,
ajudam a fazer, os silêncios.

Eu não tenho nada a dizer
e estou dizendo
e isto é poesia
como eu quero.

John Cage (EUA, 1912-1992)
(Tradução de Augusto de Campos)

3 Comentários:

Às 07 setembro, 2005 , Blogger Ivan disse...

O diálogo entre esses textos é emudecedor.

 
Às 07 setembro, 2005 , Blogger Unknown disse...

É sempre legal, Ivan, ver como as coisas se repetem eternamente, mas tão diferentes entre si.

 
Às 09 setembro, 2005 , Blogger Unknown disse...

Falou, Josnei, mesmo que nos tenha custado o silêncio.

Abraço

Seja benvindo.

 

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