Saudade não tem idade
Saudade.
Eis aí uma coisa que você só tem quando não tem. E vem quando você vai do presente para algum lugar do passado. Um saudoso poeta nos disse, um dia desses, que tinha saudades do futuro. Isso é fácil de entender, é só ver o caos, a ladroagem, a deselegância e predação que hoje infestam a Terra. Mas o tempo vai passar e muita gente vai acabar sentindo saudades e dizendo “bons tempos aqueles”. Uma só pazada de saudade enterra mais de um. E “morrer de saudades” não é só maneira de dizer. “Banzo” foi o nome da doença da saudade que entre os escravos fez muitos estragos, no Brasil colonial, quando enlouqueceu e matou milhares deles. Nos EUA, o mesmo banzo deu origem ao rhythm-and-blues, que gerou os vários rocks, que também são de morte. O “spleen” era a nostalgia importada pelos ultra-românticos brasileiros e que matava de tuberculose antes dos poetas terem do que sentir saudades de verdade. Que saudades dá da professorinha do Ataulfo Alves quando escutamos as letras de música que estão na mídia de hoje em dia, onde “saudade” virou sinônimo de desilusão amorosa infanto-juvenil em seu estado mais bruto. Por não ter tradução em outros idiomas, a palavra saudade é só do Brasil e de nós, pobres brasileiros que, talvez por isso mesmo, sempre ficamos mesmo na saudade.
Perdi-me dentro de mim/ Porque eu era labirinto,/ E hoje, quando me sinto,/ É com saudades de mim.
Eis aí uma coisa que você só tem quando não tem. E vem quando você vai do presente para algum lugar do passado. Um saudoso poeta nos disse, um dia desses, que tinha saudades do futuro. Isso é fácil de entender, é só ver o caos, a ladroagem, a deselegância e predação que hoje infestam a Terra. Mas o tempo vai passar e muita gente vai acabar sentindo saudades e dizendo “bons tempos aqueles”. Uma só pazada de saudade enterra mais de um. E “morrer de saudades” não é só maneira de dizer. “Banzo” foi o nome da doença da saudade que entre os escravos fez muitos estragos, no Brasil colonial, quando enlouqueceu e matou milhares deles. Nos EUA, o mesmo banzo deu origem ao rhythm-and-blues, que gerou os vários rocks, que também são de morte. O “spleen” era a nostalgia importada pelos ultra-românticos brasileiros e que matava de tuberculose antes dos poetas terem do que sentir saudades de verdade. Que saudades dá da professorinha do Ataulfo Alves quando escutamos as letras de música que estão na mídia de hoje em dia, onde “saudade” virou sinônimo de desilusão amorosa infanto-juvenil em seu estado mais bruto. Por não ter tradução em outros idiomas, a palavra saudade é só do Brasil e de nós, pobres brasileiros que, talvez por isso mesmo, sempre ficamos mesmo na saudade.
Perdi-me dentro de mim/ Porque eu era labirinto,/ E hoje, quando me sinto,/ É com saudades de mim.
Mário de Sá Carneiro (1890-1916)
Meus oito anos
Oh! Que saudades que tenho/ Da aurora da minha vida,/ Da minha infância querida/ Que os anos não trazem mais!/ Que amor, que sonhos, que flores,/ Naquelas tardes fagueiras/ À sombra das bananeiras,/Debaixo dos laranjais!
Casimiro de Abreu (1839-1860)
enquanto o quando não vem
quando teus olhos
retornarem
eu quero a impressão
de tuas estrelas
em minha mão
quando teus ouvidos
regressarem
eu quero a intenção
de minhas estrelas
em tua mão
quando teus lábios
falarem
com os meus
eu quero a constelação
uma única estrela
em nossa mão
Antonio Thadeu Wojciechowski
Uma saudade a la Paulo Leminski
tão longe eu lhe disse até logo
um pouco de tudo passou-se outra vez
e foi uma vez toda feita de jogos
aquela outra vez que não soube ser vez
pois voltou e voltou e voltou
sem saber que de duas uma
nunca são três
Paulo Leminski ( 1944-1989)
saudades da lancheira
onde andam vocês, bolachas maria ?
amiguinhos toddys
cream crackers piraquê
por que me abandonaram ?
venham, duchens
voltem, zequinhas
bidu-cola, crush e mirinda
apareçam antes que eu morra pela boca cheia de formiga
Marcos Prado e Édson de Vulcanis
Saudade do Chapéu
meu chapéu dormiu triste
ouvindo Cartola
acho que o Cardoso ainda existe
(Obs.: Alberto Cardoso: poeta falecido em 1994 e que, como Marcos, usava chapéu)
Marcos Prado (1961-1996)
20 anos em 2 fragmentos de saudade
Poema de 1999
(...)
Causar saudade é próprio de quem parte
para viver além deste mundo
ou no Alto da Glória esconder-se,
onde tua poesia é mensagem de marte
que apesar do traço fecundo
em vão aspira com a vida entender-se.
Poema de 1979
(...)
menos que foi
mais que é
mais que menos que foi
nada mais
Roberto J. Bittencourt
Saudade Rastafari
Jah, rei dos reis e de todos os reinos
jah criou e fez nossos caminhos
o homem branco chegou
e me levou embora da minha terra querida
me levou para uma terra de exílio
e tirou de mim até minha alma
não vou mais cantar canção nenhuma
nesta terra medonha
e se eu quiser esquecer esta agonia
é melhor esquecer que vim pra cá
Canção foclórica da Jamaica (Versão de Luís Antônio Solda)
o que tanto você lembra?
Lembra? Claro que lembra, era aquela,
aquela mesmo, lembrou?
Ah! Não!
Vai dizer que esqueceu
justo aquela uma
que praticamente a gente morou?
Aquela uma lá, que representa o tipo
de uma estradinha,
aquela lá lá, perto do armazém da Dona Coisinha,
logo ali,
que antes era tão longe.
Roberto Prado
Acalanto para as mães que perderam o seu menino
Dorme, dorme, dorme...
Quem te alisa a testa
Não é Malatesta,
Nem Pantagruel
- O poeta enorme.
Quem te alisa a testa
É aquele que vive
Sempre adolescente
Nos oásis mais frescos
De tua lembrança.
Dorme, ele te nina.
Te nina,. te conta
Sabes como é –
Te conta a experiência
Do vário passado,
Das várias idades.
Te oferece a aurora
Do primeiro riso.
Te oferece o esmalte
Do primeiro dente.
A dor passará,
Como antigamente
Quando ele chegava.
Dorme...Ele te nina
Como se hoje fosses
A sua menina.
Manuel Bandeira (1886-1968)
Confidência do Itabirano
(...)
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói.
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
Maikóvski: uma saudade aos pedaços
Uma da madruga, você deve estar na cama.
Daqui, a Via Láctea é um rio de prata.
Não tenho pressa. Para que acordá-la
com o relâmpago de mais um telegrama?
Como se diz: o caso está encerrado.
A canoa do amor encalhou no cotidiano.
Estamos quites, inútil o apanhado.
Da mútua dor, mútua cota de dano.
Vê como tudo agora emudeceu?
Que tributo de estrelas a noite impôs ao céu!
Em horas como esta eu me ergo e converso
com os séculos, a história, o universo.
Wladímir Maiakóvski
Que saudade de Emily Dickinson!
Tive uma Jóia nos meus dedos
E adormeci.
Quente era o dia, tédio os ventos.
“- É minha”, eu disse.
Acordo e os meus honestos dedos
(Foi-se a gema) censuro.
Uma saudade de ametista
É o que possuo.
Emily Dickinson ( EUA, 1830-1886)
Saudade por Dalton Trevisan
61 do livro 234.
Saudade. O aperto da mão de uma sombra na parede.
104 do livro 234.
Velho: uma caneca trincada de louça, o nome Saudade quase apagado.
Infância
Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se “Agora”.
Guilherme de Almeida (1890-1969)
Meus oito anos
Oh! Que saudades que tenho/ Da aurora da minha vida,/ Da minha infância querida/ Que os anos não trazem mais!/ Que amor, que sonhos, que flores,/ Naquelas tardes fagueiras/ À sombra das bananeiras,/Debaixo dos laranjais!
Casimiro de Abreu (1839-1860)
enquanto o quando não vem
quando teus olhos
retornarem
eu quero a impressão
de tuas estrelas
em minha mão
quando teus ouvidos
regressarem
eu quero a intenção
de minhas estrelas
em tua mão
quando teus lábios
falarem
com os meus
eu quero a constelação
uma única estrela
em nossa mão
Antonio Thadeu Wojciechowski
Uma saudade a la Paulo Leminski
tão longe eu lhe disse até logo
um pouco de tudo passou-se outra vez
e foi uma vez toda feita de jogos
aquela outra vez que não soube ser vez
pois voltou e voltou e voltou
sem saber que de duas uma
nunca são três
Paulo Leminski ( 1944-1989)
saudades da lancheira
onde andam vocês, bolachas maria ?
amiguinhos toddys
cream crackers piraquê
por que me abandonaram ?
venham, duchens
voltem, zequinhas
bidu-cola, crush e mirinda
apareçam antes que eu morra pela boca cheia de formiga
Marcos Prado e Édson de Vulcanis
Saudade do Chapéu
meu chapéu dormiu triste
ouvindo Cartola
acho que o Cardoso ainda existe
(Obs.: Alberto Cardoso: poeta falecido em 1994 e que, como Marcos, usava chapéu)
Marcos Prado (1961-1996)
20 anos em 2 fragmentos de saudade
Poema de 1999
(...)
Causar saudade é próprio de quem parte
para viver além deste mundo
ou no Alto da Glória esconder-se,
onde tua poesia é mensagem de marte
que apesar do traço fecundo
em vão aspira com a vida entender-se.
Poema de 1979
(...)
menos que foi
mais que é
mais que menos que foi
nada mais
Roberto J. Bittencourt
Saudade Rastafari
Jah, rei dos reis e de todos os reinos
jah criou e fez nossos caminhos
o homem branco chegou
e me levou embora da minha terra querida
me levou para uma terra de exílio
e tirou de mim até minha alma
não vou mais cantar canção nenhuma
nesta terra medonha
e se eu quiser esquecer esta agonia
é melhor esquecer que vim pra cá
Canção foclórica da Jamaica (Versão de Luís Antônio Solda)
o que tanto você lembra?
Lembra? Claro que lembra, era aquela,
aquela mesmo, lembrou?
Ah! Não!
Vai dizer que esqueceu
justo aquela uma
que praticamente a gente morou?
Aquela uma lá, que representa o tipo
de uma estradinha,
aquela lá lá, perto do armazém da Dona Coisinha,
logo ali,
que antes era tão longe.
Roberto Prado
Acalanto para as mães que perderam o seu menino
Dorme, dorme, dorme...
Quem te alisa a testa
Não é Malatesta,
Nem Pantagruel
- O poeta enorme.
Quem te alisa a testa
É aquele que vive
Sempre adolescente
Nos oásis mais frescos
De tua lembrança.
Dorme, ele te nina.
Te nina,. te conta
Sabes como é –
Te conta a experiência
Do vário passado,
Das várias idades.
Te oferece a aurora
Do primeiro riso.
Te oferece o esmalte
Do primeiro dente.
A dor passará,
Como antigamente
Quando ele chegava.
Dorme...Ele te nina
Como se hoje fosses
A sua menina.
Manuel Bandeira (1886-1968)
Confidência do Itabirano
(...)
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói.
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
Maikóvski: uma saudade aos pedaços
Uma da madruga, você deve estar na cama.
Daqui, a Via Láctea é um rio de prata.
Não tenho pressa. Para que acordá-la
com o relâmpago de mais um telegrama?
Como se diz: o caso está encerrado.
A canoa do amor encalhou no cotidiano.
Estamos quites, inútil o apanhado.
Da mútua dor, mútua cota de dano.
Vê como tudo agora emudeceu?
Que tributo de estrelas a noite impôs ao céu!
Em horas como esta eu me ergo e converso
com os séculos, a história, o universo.
Wladímir Maiakóvski
Que saudade de Emily Dickinson!
Tive uma Jóia nos meus dedos
E adormeci.
Quente era o dia, tédio os ventos.
“- É minha”, eu disse.
Acordo e os meus honestos dedos
(Foi-se a gema) censuro.
Uma saudade de ametista
É o que possuo.
Emily Dickinson ( EUA, 1830-1886)
Saudade por Dalton Trevisan
61 do livro 234.
Saudade. O aperto da mão de uma sombra na parede.
104 do livro 234.
Velho: uma caneca trincada de louça, o nome Saudade quase apagado.
Infância
Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se “Agora”.
Guilherme de Almeida (1890-1969)
4 Comentários:
É isso mesmo, saudade dá um tranco na alma da gente e empurra o coração pra cima. É como se a gente vivesse o mesmo sentimento várias vezes. Gostei muito dos textos, especialmente o do Tadeu. Muito bonito e verdadeiro.
Saudações
Beto Boqueirão
Ficou na saudade o tradutor de Emily Dickinson: foi você mesmo, Thadeu?
E também do "Maikóvski" (sic): quedê o crédito da tradução?
ou em bom russo: QIDHVRSKRIÉDITCHIDVSTRADSKIANIÊPANIMÁIO?
Não, foi esquecimento mesmo, Ivan. Os tradutores são os irmãos Campos.
Thadeu
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