polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

quinta-feira, outubro 27, 2005

Solidão

“Um homem sozinho não tem chance.”

Ernest Hemingway



A solidão é grande mas não é duas. Porque se não ela teria companhia. Solidão não é estar só. Solidão é quando não tem ninguém dentro de você. E não estamos aqui falando do vazio zen. A solidão a que nos referimos é aquela que todos sentimos quando o que nos completa está em falta. Solidão não é pra qualquer psicopata ou esquisofrênico. Ela é um tipo de vírus, bactéria, micróbio, sei lá, só sei que quando te pega de jeito só resta chorar. Como bem dizia o poeta “antes solidão do que mal acompanhadão”. Solidão é o que você sente quando você rompe com seus amigos traíras. Ninguém está livre de se encontrar consigo mesmo sozinho na montanha e você estar por baixo. Até Jesus que era Jesus teve que se refugiar no deserto para, livre, das gracinhas e zoeiras de seus apóstolos, poder pensar em Deus. Bodishatawa parou de frente a um muro, fixou o olhar e durante 12 anos, se preparou para uma longa vida de convívios e chateações, neste mundo de 5 bilhões de falsários. Holderlim, um dos grandes poetas alemães, foi mais esperto, se apaixonou pela impossível, só pra depois subir numa torre e passar de papo pro ar o resto da vida, bem guardado por um fiel carroceiro, que dizia para todos os visitantes que era melhor não mexer com o louco. Assim pode reescrever toda a poesia clássica. A maior solidão é a companhia errada: a mulher que não se ama, o amigo que se detesta, o patrão que se prevalece, o policial que abusa do poder. Mas a solidão que mais dói é estar com um ignorante, no sentindo burro da palavra. No mundo vip do convívio social, quanto mais gente maior a solidão. Ela é diretamente responsável pelos estranhos seres que aparecem na tua cama, mesa e banho. Deus antes de criar o mundo não sentia solidão, depois sim.


solitário

Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta
Por trás dos ermos túmulos um dia
Eu fui refugiar-me à tua porta

Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta

Mas tu não vieste ver minha desgraça
E eu saí como quem tudo repele
Velho caixão a carregar destroços

Levando apenas na tumbal carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!

Augusto dos Anjos ( 1886-1914)


redoma à prova de nada

o ato foi, como direi, exorbitante
onda de espinhos num mar de rosas
crítica não é arma de amante
causam-me alergia as más novas
bastam meus problemas de solução errante

não fui criado pra enfrentar uma crise
durmo com panos quentes por coberta
a vida não é mais animada por walt disney
ficou esta multidão de estraga-festa
o canto de galo foi o canto de cisne

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos

vencido pelo cansaço

os dias se foram
você não voltou
a dor que senti
não está no gibi

corro o dia inteiro
não paro pra pensar
destino tão maneiro
não dá pra acreditar

a terra onde navega
tão longe assim do mar
pelas barbas do profeta
não dá pra acreditar

Antonio Thadeu Wojciechowski

declaração do criminoso na solitária

Matei minha mulher.
Matei.
O ódio com que a odiava
era maior que o amor que a odiava.
Mas não matei a mãe de meus filhos.
É por isso que o retrato dela está sempre comigo.

Murilo Mendes (1901-1975)


solidão sem dor

“Nenhuma garota apareceu naquela noite, o rádio não tocou nenhuma música legal. Matei todo o garrafão, vomitei na beirada da cama e dormi. Não me senti sozinho, nem muito triste. Na verdade mesmo, não senti nada. Só aquele gosto acre e o velho fantasma querendo sair de dentro do estômago.”

Mário Bortolotto
(trecho do Mamãe não Voltou do Supermercado).


“Eu cá quando escrevo
pra um amigo distante
me sento
me sinto
nostálgico, tanto.

Quem sabe eu também
quisesse estar
distante de mim.”

Domingos Pellegrini Jr.

menino chorando na noite

Na noite lenta e morna,
morta noite sem ruído,
um menino chora.
O choro atrás da parede,
a luz atrás da vidraça
perdem-se na sombra dos passos abafados,
das vozes extenuadas,
e, no entanto,
se ouve até o rumor da gota de remédio
caindo na colher.

Um menino chora na noite,
atrás da parede, atrás da rua,
longe um menino chora,
em outra cidade talvez,
talvez em outro mundo.

E vejo a mão que levanta a colher,
enquanto a outra sustenta a cabeça
e vejo o fio oleoso
que escorre pelo queixo do menino,
escorre pela rua, escorre pela cidade,
um fio apenas.
E não há mais ninguém no mundo
A não esse menino chorando.

Carlos Drummond de Andrade


solidão sideral

daquela estrela até esta outra
a noite é uma camisa de força
em claro adeus à companhia
solidão desta estrela
à solidão daquela lá
tão longe, tão só
cansa até pra falar

Antonio Thadeu Wojciechowski


a solidão

A solidão sempre aparece com beijos e bombons
A solidão faz visitas regulares a seus amigos íntimos
A solidão procura o inverno em pleno verão
A solidão brinca no mar com seus dedos de açúcar
A solidão vive sorrindo para desconhecidos
A solidão ainda se emociona com filmes antigos na televisão
A solidão a solidão tem olhos escuros, a solidão tem olhos azuis
A solidão tem uma cerca branca com rosas e uma bicicleta
A solidão imagina gueixas cujos olhos são borboletas de vidro
A solidão é uma loucura e arrebata concursos de beleza
A solidão bebe em meu corpo seu próprio desespero
A solidão adora esconde-esconde e amarelinha
A solidão coleciona diários e discos do coltrane
A solidão usa pijamas de bolinhas e óculos quebrados
A solidão depois do sexo ainda se sente sozinha
A solidão e eu somos apenas bons amigos
A solidão corta meus pulsos com uma gilete de sal
depois sai chapada pelas ruas
com uma folha de alface na lapela

Rodrigo Garcia Lopes

A minha solidão hoje sorriu diferente,
Ela doeu meu choro contido.
A minha solidão foi surpreendente,
Me mostrou o que eu sou quando estou comigo.
Hoje chorei como quem caminha para casa.
Sou aquele cara interessante,
A viver com a solidão ao lado,
A cumprimentar os outros sentimentos de longe.
A me achar bonito nos outros.
A solidão me machucou,
Revelou sua doença de permanecer para sempre nos meus olhos.
A solidão me falou baixinho no ouvido as minhas dúvidas.
A solidão foi cruel esta noite,
Ela me contou o que eu sou nos mínimos detalhes.
Eu não quero isso pra ninguém.
Não façam como eu,
não levem em consideração o que a solidão fala.
A solidão se diz minha amiga,
Mas me faz dormir num lugar sujo
Com um ser humano solitário.
A solidão mora em quem ela quer.
As pessoas não têm a escolha de rejeitá-la.
A solidão come o nosso melhor pedaço,
Espera os outros comerem a carniça da alma.
A solidão não tem calma, lambe o prato até o suco da vontade.
A solidão que eu tenho, não recomendo pra ninguém,
Até por que fui eu quem a criou.
A solidão não demora em narrar o momento.
A solidão causa sofrimento sem querer.
A solidão adulta permanece acordada,
Mesmo quando dormir é inevitável.

Alexandre França


olhos da solidão

estranho
esse sujeito
que vi
na rua

não existiria
se eu
não o tivesse
visto

engraçado
esse sonho

eu só
existir
aos olhos
daquele
sujeito
estranho

Marcos Prado


quitanda dos quintanares

o poeta silencioso
leva a alma
a passear
pelas alamedas
amarelecidas

são fotografias
que o tempo
mastigou as pontas

Luiz Antonio Solda


pérolas


Buda falou e disse
quando disse
que tudo é ilusão.
Jesus ensinou
que aqui a coisa só anda
a golpes de perdão.
Vazio ou cheio,
o caminho de Tao
é mais no meio.

Foi aí que me vi sozinho,
com essa chuva de pérolas
batendo no meu focinho.

Roberto Prado

11 Comentários:

Às 27 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Maravilhosamente bela.

BB

 
Às 27 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Está demais, clara, precisa e sensível. Uma seleção campeã.

Roberto Trompowski

 
Às 27 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Não tenho palavras, me senti totalmente só. Esse blog é realmente do outro mundo, muito bom mesmo.

Carlos Pagliotto

 
Às 27 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Nunca vi uma solidão tão só. Pelas barbas do profeta! Parabéns pela escolha dos textos.

Rui de Menezes

 
Às 27 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Tá bom demais isso aqui, gente.

Hilton Vergueiro Souza

 
Às 28 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Bah! É de cair o queixo, estudo literatura aqui na Unicamp e esse blog é uma aula e tanto. Estamos fazendo um trabalho sobre blogs, esse aqui vai ser o destaque, com certeza.

Amauri Belliotti

 
Às 28 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Boa, Tadeu! Informação pra moçada mexer com nervos e ossos. Não dá moleza, véio.

Marcos Soldeira Jr.

 
Às 28 outubro, 2005 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Obrigado a todos os professores que estão trabalhando com os textos. Qqr necessidade extra usem o e-mail
thadeudecuritiba@gmail.com

 
Às 28 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Grande, Tadeu. Tá bom, cada vez melhor.

Júlio Okada

 
Às 28 outubro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Nunca me senti tão só e tão bem na companhia de textos tão bons. Tive que por um blus na vitrola pra acompanhar. Valeu, Thadeu.

 
Às 31 outubro, 2005 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Vindo de vc, Marilda, vale, no mínimo, o dobro.
Grande beijo para uma grande poeta.

Thadeu

 

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