MORTE
“A última coisa que eu quero fazer na vida é morrer.”
Solda
dia de finados/ do jeito que estão/ dedico as flores
Bashô
. Ninguém é peru pra morrer de véspera, portanto, a preocupação com dia, hora e local é total falta de presença de espírito. Viver, sim, é perigoso, como dizia Guimarães, ou, viver é prejudicial à saúde, como completa de sem-pulo Jamil Snege. “Quando eu passo perto das flores/ Quase elas dizem assim/ Vai que amanhã enfeitaremos o seu fim”, já cantou Nelson Cavaquinho, outro aficionado.
A morte sempre foi uma idéia viva em todos nós, poetas ou não.
Augusto dos Anjos encarnou como ninguém a beleza do tema e merece ser o homenageado desta página de morte. Muitas vezes morrer pode ser apenas um medo de viver. O que vem depois da morte causa pavor aos materialistas, pelo vácuo; aos malvados, pelo castigo; aos cains, pela dor do remorso.
Mas, nós e você, vivo leitor(a), sabemos que a morte é um mero somenos.
Vamos lá, hoje tem festa nos céus.
POEMA NEGRO
(Fragmento)
Surpreendo-me, sozinho, numa cova.
Então meu desvario se renova...
Como que, abrindo todos os jazigos,
A Morte, em trajos pretos e amarelos,
Levanta contra mim grandes cutelos
E as baionetas dos dragões antigos!
E quando vi que aquilo vinha vindo
Eu fui caindo como um sol caindo
De declínio em declínio; e de declínio
Em declínio, com a gula de uma fera,
Quis ver o que era, e quando vi o que era,
Vi que era pó, vi que era esterquilínio!
Augusto dos Anjos (1884/1913)
três mortes de Dalton Trevisan
1.
A velhinha meio cega, trêmula e desdentada:
- Assim que ele morra eu começo a viver.
2.
O menino estende os bracinhos para o alto:
- Colvo, me leva.
3.
Aparou o bigodinho e escolheu a camisa florida.
- Ele se enfeitava para a morte e não sabia.
Dalton Trevisan
amplo espectro
só depois de morto você me entenderá
vivo, primo demais pela complicação
não sou mesmo desse mundo
debaixo de sete palmos você verá como sou
profundo
Roberto Prado e José Alberto Trindade
morte artificial
Ninguém mais morre de fato,
a morte perdeu seu antigo status.
A vida ocupou todo o espaço
assim como nos desertos os cactus.
Foi-se pra sempre a negra figura da morte,
decretamos nossa eternidade à revelia.
Doações de órgãos de toda sorte:
um olho pra fulano, outro pra beltrano, alegria
pra sicrano e o coração pra qualquer uma.
Aos pedaços, algum incauto há de dizer:
isso é vida? uma duna que se avoluma?
Só sei que foi tudo que pude morrer.
Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos
poema para Paulo Leminski
vai
meu amigo
desta vez
não vou contigo
a morte
é um vício
muito antigo
só que nunca
aconteceu
comigo
pode ir
que eu não ligo
eu fico por aqui
separando
tijolo do trigo
Solda
begônias silvestres
o sumiço da sua silhueta amiga
fez meu perfil baixar a cabeça
as cores da tarde, cinzas cinzas
as luzes da noite, negras negras
desaparecer não é pra qualquer um
só você, misto de mistério e dúvida
pode estar em lugar nenhum
e ainda me tocar, por música
Marcos Prado (1961/1996)
agora depois
o poeta
quando morre
onde vai?
irá para a lua
onde não há ninguém
para olhá-lo?
ou para a China
chorar cantando
entre tantos iguais?
sumir ou sofrer?
ninguém ou bilhões?
melhor não morrer
Roberto Prado
é de morte
em cada cara
uma tara
encara
minha morte
tremendo corte
eu grito
do caixão:
boa sorte
Antonio Thadeu Wojciechowski
anjo da morte
a morte é o último mistério da vida
quando você morre e não esquece de deitar
vira uma forma nebulosa na subida
que vive suspensa em qualquer lugar
além túmulo, existirá vida possível ?
zumbem como moscas respostas amorfas
tem muita gente que ainda crê no incrível
dormem acordadas, sonham consigo, levantam mortas
assombrado de estar vivo
a morte é um estado de espírito
sou o ser que quer ser redivivo
sozinho, morto, morto, morto, não consigo
Marcos Prado e Édson De Vulcanis
é tudo ou nada
essa vida é de morte a esmo
quando você menos espera
terá passado pra outra esfera
e nunca mais será o mesmo
do que você era, nem sombra
é como se evaporasse no ar
apenas sua lápide a indicar
a presença que agora assombra.
mas em mais ou menos um século
não restará de você nem o túmulo
removido pelo grande acúmulo
de ossos, alças, sem nenhum nexo
sobre você o silêncio da história
nem uma linha, adjetivo, saudade,
também terão ido para a eternidade
os que te guardavam na memória
e a terra, sob este sol que chamusca,
na primavera florirá espetacularmente
só então você, fruto da própria semente,
há de ser, afinal, a essência que busca!
Antonio Thadeu Wojciechowski
O dia em que morreu o Marcos Prado
nós aqui sozinhos
queremos dizer good bye
eu sei o quanto isso dói
eu sei o quanto isso ai
velas são acesas
flores pelo chão
meu coração é só tristeza
onde andará a sua mão?
deixa de ausência
volta agora pra ficar
se dormir cá do meu lado
se prepare pra sonhar
Antonio Thadeu Wojciechowski e Carlos Careqa
“A última coisa que eu quero fazer na vida é morrer.”
Solda
dia de finados/ do jeito que estão/ dedico as flores
Bashô
. Ninguém é peru pra morrer de véspera, portanto, a preocupação com dia, hora e local é total falta de presença de espírito. Viver, sim, é perigoso, como dizia Guimarães, ou, viver é prejudicial à saúde, como completa de sem-pulo Jamil Snege. “Quando eu passo perto das flores/ Quase elas dizem assim/ Vai que amanhã enfeitaremos o seu fim”, já cantou Nelson Cavaquinho, outro aficionado.
A morte sempre foi uma idéia viva em todos nós, poetas ou não.
Augusto dos Anjos encarnou como ninguém a beleza do tema e merece ser o homenageado desta página de morte. Muitas vezes morrer pode ser apenas um medo de viver. O que vem depois da morte causa pavor aos materialistas, pelo vácuo; aos malvados, pelo castigo; aos cains, pela dor do remorso.
Mas, nós e você, vivo leitor(a), sabemos que a morte é um mero somenos.
Vamos lá, hoje tem festa nos céus.
POEMA NEGRO
(Fragmento)
Surpreendo-me, sozinho, numa cova.
Então meu desvario se renova...
Como que, abrindo todos os jazigos,
A Morte, em trajos pretos e amarelos,
Levanta contra mim grandes cutelos
E as baionetas dos dragões antigos!
E quando vi que aquilo vinha vindo
Eu fui caindo como um sol caindo
De declínio em declínio; e de declínio
Em declínio, com a gula de uma fera,
Quis ver o que era, e quando vi o que era,
Vi que era pó, vi que era esterquilínio!
Augusto dos Anjos (1884/1913)
três mortes de Dalton Trevisan
1.
A velhinha meio cega, trêmula e desdentada:
- Assim que ele morra eu começo a viver.
2.
O menino estende os bracinhos para o alto:
- Colvo, me leva.
3.
Aparou o bigodinho e escolheu a camisa florida.
- Ele se enfeitava para a morte e não sabia.
Dalton Trevisan
amplo espectro
só depois de morto você me entenderá
vivo, primo demais pela complicação
não sou mesmo desse mundo
debaixo de sete palmos você verá como sou
profundo
Roberto Prado e José Alberto Trindade
morte artificial
Ninguém mais morre de fato,
a morte perdeu seu antigo status.
A vida ocupou todo o espaço
assim como nos desertos os cactus.
Foi-se pra sempre a negra figura da morte,
decretamos nossa eternidade à revelia.
Doações de órgãos de toda sorte:
um olho pra fulano, outro pra beltrano, alegria
pra sicrano e o coração pra qualquer uma.
Aos pedaços, algum incauto há de dizer:
isso é vida? uma duna que se avoluma?
Só sei que foi tudo que pude morrer.
Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos
poema para Paulo Leminski
vai
meu amigo
desta vez
não vou contigo
a morte
é um vício
muito antigo
só que nunca
aconteceu
comigo
pode ir
que eu não ligo
eu fico por aqui
separando
tijolo do trigo
Solda
begônias silvestres
o sumiço da sua silhueta amiga
fez meu perfil baixar a cabeça
as cores da tarde, cinzas cinzas
as luzes da noite, negras negras
desaparecer não é pra qualquer um
só você, misto de mistério e dúvida
pode estar em lugar nenhum
e ainda me tocar, por música
Marcos Prado (1961/1996)
agora depois
o poeta
quando morre
onde vai?
irá para a lua
onde não há ninguém
para olhá-lo?
ou para a China
chorar cantando
entre tantos iguais?
sumir ou sofrer?
ninguém ou bilhões?
melhor não morrer
Roberto Prado
é de morte
em cada cara
uma tara
encara
minha morte
tremendo corte
eu grito
do caixão:
boa sorte
Antonio Thadeu Wojciechowski
anjo da morte
a morte é o último mistério da vida
quando você morre e não esquece de deitar
vira uma forma nebulosa na subida
que vive suspensa em qualquer lugar
além túmulo, existirá vida possível ?
zumbem como moscas respostas amorfas
tem muita gente que ainda crê no incrível
dormem acordadas, sonham consigo, levantam mortas
assombrado de estar vivo
a morte é um estado de espírito
sou o ser que quer ser redivivo
sozinho, morto, morto, morto, não consigo
Marcos Prado e Édson De Vulcanis
é tudo ou nada
essa vida é de morte a esmo
quando você menos espera
terá passado pra outra esfera
e nunca mais será o mesmo
do que você era, nem sombra
é como se evaporasse no ar
apenas sua lápide a indicar
a presença que agora assombra.
mas em mais ou menos um século
não restará de você nem o túmulo
removido pelo grande acúmulo
de ossos, alças, sem nenhum nexo
sobre você o silêncio da história
nem uma linha, adjetivo, saudade,
também terão ido para a eternidade
os que te guardavam na memória
e a terra, sob este sol que chamusca,
na primavera florirá espetacularmente
só então você, fruto da própria semente,
há de ser, afinal, a essência que busca!
Antonio Thadeu Wojciechowski
O dia em que morreu o Marcos Prado
nós aqui sozinhos
queremos dizer good bye
eu sei o quanto isso dói
eu sei o quanto isso ai
velas são acesas
flores pelo chão
meu coração é só tristeza
onde andará a sua mão?
deixa de ausência
volta agora pra ficar
se dormir cá do meu lado
se prepare pra sonhar
Antonio Thadeu Wojciechowski e Carlos Careqa
4 Comentários:
Chocante.
BB
Emocionante e sentimental, mas sem deixar de ser irreverente. A vida não é tão importante assim para ser levada a sério. A morte menos ainda. Mais uma vez está irrepreensível a escolha dos textos. Parabéns, polaco.
Roberto Trompowski
Tá tudo pela hora da morte, morte em vida, viver melhor que morrer.
Querotudo
"Suprema retirada. Esperei tanto tempo que nunca esqueço. Com medo e sofrimento para o céu se pica a sede maldita por veias escurecidas"
Arthur Rimbaud.
Tradução. Sérgio e Prado.
( após o porre eu guardei)
Fogus.
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