polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

quarta-feira, novembro 02, 2005

MORTE


“A última coisa que eu quero fazer na vida é morrer.”

Solda

dia de finados/ do jeito que estão/ dedico as flores

Bashô


. Ninguém é peru pra morrer de véspera, portanto, a preocupação com dia, hora e local é total falta de presença de espírito. Viver, sim, é perigoso, como dizia Guimarães, ou, viver é prejudicial à saúde, como completa de sem-pulo Jamil Snege. “Quando eu passo perto das flores/ Quase elas dizem assim/ Vai que amanhã enfeitaremos o seu fim”, já cantou Nelson Cavaquinho, outro aficionado.
A morte sempre foi uma idéia viva em todos nós, poetas ou não.
Augusto dos Anjos encarnou como ninguém a beleza do tema e merece ser o homenageado desta página de morte. Muitas vezes morrer pode ser apenas um medo de viver. O que vem depois da morte causa pavor aos materialistas, pelo vácuo; aos malvados, pelo castigo; aos cains, pela dor do remorso.
Mas, nós e você, vivo leitor(a), sabemos que a morte é um mero somenos.
Vamos lá, hoje tem festa nos céus.



POEMA NEGRO

(Fragmento)

Surpreendo-me, sozinho, numa cova.
Então meu desvario se renova...
Como que, abrindo todos os jazigos,
A Morte, em trajos pretos e amarelos,
Levanta contra mim grandes cutelos
E as baionetas dos dragões antigos!

E quando vi que aquilo vinha vindo
Eu fui caindo como um sol caindo
De declínio em declínio; e de declínio
Em declínio, com a gula de uma fera,
Quis ver o que era, e quando vi o que era,
Vi que era pó, vi que era esterquilínio!

Augusto dos Anjos (1884/1913)

três mortes de Dalton Trevisan

1.
A velhinha meio cega, trêmula e desdentada:
- Assim que ele morra eu começo a viver.

2.
O menino estende os bracinhos para o alto:
- Colvo, me leva.

3.
Aparou o bigodinho e escolheu a camisa florida.
- Ele se enfeitava para a morte e não sabia.


Dalton Trevisan

amplo espectro

só depois de morto você me entenderá
vivo, primo demais pela complicação
não sou mesmo desse mundo
debaixo de sete palmos você verá como sou
profundo

Roberto Prado e José Alberto Trindade


morte artificial

Ninguém mais morre de fato,
a morte perdeu seu antigo status.
A vida ocupou todo o espaço
assim como nos desertos os cactus.
Foi-se pra sempre a negra figura da morte,
decretamos nossa eternidade à revelia.
Doações de órgãos de toda sorte:
um olho pra fulano, outro pra beltrano, alegria
pra sicrano e o coração pra qualquer uma.
Aos pedaços, algum incauto há de dizer:
isso é vida? uma duna que se avoluma?

Só sei que foi tudo que pude morrer.

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos

poema para Paulo Leminski

vai
meu amigo
desta vez
não vou contigo

a morte
é um vício
muito antigo
só que nunca
aconteceu
comigo

pode ir
que eu não ligo
eu fico por aqui
separando
tijolo do trigo

Solda


begônias silvestres

o sumiço da sua silhueta amiga
fez meu perfil baixar a cabeça
as cores da tarde, cinzas cinzas
as luzes da noite, negras negras

desaparecer não é pra qualquer um
só você, misto de mistério e dúvida
pode estar em lugar nenhum
e ainda me tocar, por música

Marcos Prado (1961/1996)


agora depois

o poeta
quando morre
onde vai?

irá para a lua
onde não há ninguém
para olhá-lo?

ou para a China
chorar cantando
entre tantos iguais?

sumir ou sofrer?
ninguém ou bilhões?
melhor não morrer

Roberto Prado

é de morte

em cada cara
uma tara
encara
minha morte

tremendo corte

eu grito
do caixão:
boa sorte

Antonio Thadeu Wojciechowski

anjo da morte

a morte é o último mistério da vida
quando você morre e não esquece de deitar
vira uma forma nebulosa na subida
que vive suspensa em qualquer lugar

além túmulo, existirá vida possível ?
zumbem como moscas respostas amorfas
tem muita gente que ainda crê no incrível
dormem acordadas, sonham consigo, levantam mortas

assombrado de estar vivo
a morte é um estado de espírito
sou o ser que quer ser redivivo
sozinho, morto, morto, morto, não consigo

Marcos Prado e Édson De Vulcanis

é tudo ou nada

essa vida é de morte a esmo
quando você menos espera
terá passado pra outra esfera
e nunca mais será o mesmo

do que você era, nem sombra
é como se evaporasse no ar
apenas sua lápide a indicar
a presença que agora assombra.

mas em mais ou menos um século
não restará de você nem o túmulo
removido pelo grande acúmulo
de ossos, alças, sem nenhum nexo

sobre você o silêncio da história
nem uma linha, adjetivo, saudade,
também terão ido para a eternidade
os que te guardavam na memória

e a terra, sob este sol que chamusca,
na primavera florirá espetacularmente
só então você, fruto da própria semente,
há de ser, afinal, a essência que busca!

Antonio Thadeu Wojciechowski



O dia em que morreu o Marcos Prado

nós aqui sozinhos
queremos dizer good bye
eu sei o quanto isso dói
eu sei o quanto isso ai

velas são acesas
flores pelo chão
meu coração é só tristeza
onde andará a sua mão?

deixa de ausência
volta agora pra ficar
se dormir cá do meu lado
se prepare pra sonhar

Antonio Thadeu Wojciechowski e Carlos Careqa


4 Comentários:

Às 02 novembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Chocante.

BB

 
Às 02 novembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Emocionante e sentimental, mas sem deixar de ser irreverente. A vida não é tão importante assim para ser levada a sério. A morte menos ainda. Mais uma vez está irrepreensível a escolha dos textos. Parabéns, polaco.

Roberto Trompowski

 
Às 03 novembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Tá tudo pela hora da morte, morte em vida, viver melhor que morrer.

Querotudo

 
Às 09 fevereiro, 2010 , Blogger FOGUS disse...

"Suprema retirada. Esperei tanto tempo que nunca esqueço. Com medo e sofrimento para o céu se pica a sede maldita por veias escurecidas"

Arthur Rimbaud.
Tradução. Sérgio e Prado.
( após o porre eu guardei)

Fogus.

 

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