Bem-me-quer, mal-me-quer.
Poesia, pelo menos para mim e para o Roberto Prado, às vezes pode apenas ser, como tantas coisas são: árvore, flor, vento, chuva, tristeza ou, se preferir, um gol de placa. Poesia é. Objeto só, realidade em si, algo a mais no mundo. Som, imagem, movimento, gosto, cheiro, lembrança, anseio. E o que mais mesmo? Se o poeta conseguir assim, já está bom. Mas se o cabra é cobra mesmo, ah, meu deus do céu!, dentro do arcabouço da beleza cabe muito mais que a materialidade do poema. Poesia em parceria com o leitor. Aventura do espírito pela alma de todas as coisas. Quando a pura música consegue se encharcar de grandes e pequenos sentimentos humanos, se endeusa. Surge diante dos olhos a epopéia, agonia e êxtase, da imensa aventura que é o caminhar da humanidade pela face divina do universo. Estes poetas que estão aqui, todos os dias, no Polaco da Barreirinha têm, ao menos, a coragem (ou imprudência?) de impregnar a chama eterna da poesia que tanto amam com os fragmentos descartáveis da vida. Clássicos contemporâneos, líricos cibernéticos, épicos barrocos. Ei-los, poetas que absorveram todo o bem e o mal-querer destes séculos e, em vez de expressar desencanto, cinismo, morbidez e tristeza, conseguiram nos brindar com os frutos vivos dessa incompatibilidade genial.
O assinalado
Tu és o louco da imortal loucura,
o louco da loucura mais suprema,
a Terra é tua negra algema,
prende-te nela a extrema desventura.
Mas essa mesma algema de amargura
mas essa mesma Desventura extrema
faz que tu’alma suplicando gema
e rebente em estrelas de ternura.
Tu és o poeta, o grande Assinalado
que povoas o mundo despovoado,
de belezas eternas, pouco a pouco.
Na Natureza prodigiosa e rica
toda a audácia dos nervos justifica
os teus espasmos imortais de louco!
Cruz e Souza
Morte Morrida Diária
Escrever palavras no ritmo
e/ou rimadas é um vício
de linguagem bárbara.
É uma escavação de íntimo
em busca da gema do suplício
pra vendê-la à gente avara
de emoções ou o que valha.
É chafurdar na própria lama
para os porcos se acharem mais humanos
e eu mesmo me ache mais canalha.
Escrevo como quem está de cama
com doença terminal, soro nos canos.
Sinto que estou nas últimas
palavras do melhor verso.
Não sei como será sua rima,
sei que herdará minhas pústulas
e meu sangue perverso.
Morrerei de parto da obra-prima.
Sérgio Viralobos
luz em mar de lágrimas
Vai, ave eva, águia da mágoa,
dona da nódoa.
E aí, então, olhe, olhe bem,
abra fundos olhos de treva,
e veja com quantas fontes de sal-luz
se leva a vela ardente,
o pingo oceânico,
o gole que, gota a gota,
rola do meu olho d’água.
Roberto Prado
Dou minhas palavras
Vão, palavras, vão!
E não é querer dizer
mas já vão tarde.
Cansei de falá-las
aos gritos de alarde
ou de silenciá-las
por nem querer saber.
Vão, palavras, vão!
Fica o dito pelo não,
pelo sim, pelo menos.
Quem sabe, um dia,
sabê-las aos centos
me valha uma sinfonia
entre pausas e acentos.
Vão, palavras, vão!
Significá-las em mim
não pega bem o espírito
de minha alma querubim.
A grande alegria do circo
é o palhaço pegar fogo
e incendiar o público todo.
Vão, palavras, vão.
E se esparramem pelo chão.
Para que nunca mais
nenhum de seus radicais
venham a perder o latim
como se falassem grego
e o resto fosse segredo.
Antonio Thadeu Wojciechowski
me tirem as algemas
esses inúteis telefonemas
me libertem
de mim mesmo
o mal que o meu coração
blasfema
ultrapassa essa covardia
porque nesse poema
tudo acaba em tragédia
habilidade suprema
em dizer nada
sem que haja algum problema
e nenhum sinal de comédia
ou dilema
Solda
se estes versos resistirem à minha tentação/ faça-os em pedaços agora mesmo/ cada fragmento desses caídos no chão/
terá começo e fim no seu meio
joguei fora tudo que escrevi três vezes
e trinta e três vezes reescrevi
sempre o mesmo sobre o mesmo há meses
desejo de estraçalhar o que escrevi
não entendo, eu até levo jeito
sempre tenho comigo uns versinhos
tão bonitinhos, tão engraçadinhos
que dão até um nozinho no peito
se eu fosse suicida, já teria feito
o que, no fundo, todo mundo sempre quis
assim me transformaria em perfeito
e deus e diabo: todo mundo feliz
quando a poesia se transforma em papel
sempre um trouxa transforma em roupa suja
talvez eu queira transformar a merda em céu
e, com mel, não me alimentar da dita cuja
se nasceu pó, volte logo ao pó que é
e a noite, como o poema, vire cinza
ninguém nesta terra é o que quer
aqui, aquele que é bom, não vinga
pode também que eu seja apenas vagabundo
ou um solitário que aprendeu no verso
que isso a que chamam de mundo
não é o centro das atenções do universo
marcos prado
joguei fora tudo que escrevi três vezes
e trinta e três vezes reescrevi
sempre o mesmo sobre o mesmo há meses
desejo de estraçalhar o que escrevi
não entendo, eu até levo jeito
sempre tenho comigo uns versinhos
tão bonitinhos, tão engraçadinhos
que dão até um nozinho no peito
se eu fosse suicida, já teria feito
o que, no fundo, todo mundo sempre quis
assim me transformaria em perfeito
e deus e diabo: todo mundo feliz
quando a poesia se transforma em papel
sempre um trouxa transforma em roupa suja
talvez eu queira transformar a merda em céu
e, com mel, não me alimentar da dita cuja
se nasceu pó, volte logo ao pó que é
e a noite, como o poema, vire cinza
ninguém nesta terra é o que quer
aqui, aquele que é bom, não vinga
pode também que eu seja apenas vagabundo
ou um solitário que aprendeu no verso
que isso a que chamam de mundo
não é o centro das atenções do universo
marcos prado
8 Comentários:
Maravilhosos todos os poemas. Mas o do Cruz e Souza é de arrepiar os cabelinhos da nuca.
Flávio Dalacqua
Nota 10 com 3 estrelinhas.
Rsrsrsrs...
Profa. Maria Luíza
Ah, ia me esquecendo...pra entrevista com a Helena também.
Seleção digna de constar em qualquer livro do mundo.
Roberto Trompowski
Sensacional mesmo.
Igor Volcov
Tudo muito tudo.
Isso é tudo bem, tudo como manda o figurino. Meus mais calorosos cumprimentos.
Flávio Santana
Eu fico impressionado com a beleza dos textos. P q a gente não estuda coisas assim? Na escola só mostram o q não tem nada haver.
Júlio Diógenes Souza
O Marcos Prado merece mesmo toda a notoriedade que você dá a ele. Foi um gênio maldito, mas doce como mel.
Flávio Lopes de Sousa
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