polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

terça-feira, novembro 08, 2005

Natureza
Procura-se viva ou morta.


Milagre da natureza é sermos tratados assim, vivermos desse jeito
e ainda estarmos aqui, eretos e elegantes, quais araucárias descabeladas ao vento. Como é que um neo-liberal selvagem globalizado qualquer ainda não teve a idéia de nos derrubar para construir um shopping center em cima? Vade retro! E para espantar os demônios da ignorância, nada melhor que invocar a palavra de um santo, S. Antônio de Pádua, em texto escrito no século XIII e trazido à luz por Ione Prado, na sua peça Mãe Terra:“Que os egoístas se tornem humildes e operosos como aquele campo de trigo. Que a consciência dos avarentos possa se abrir como as flores do campo e refletir o céu com limpidez e pureza. Que o homem, por mais que se desvie do seu caminho, jamais possa destruir a natureza, que é de todos. Pai, eu acredito firmemente que a verdade, quando praticada em sua essência, pode libertar a todos, libertar das cadeias das próprias imperfeições. Desejo ardentemente que toda Tua obra seja respeitada. Desde a mais humilde erva do campo até os homens, as mulheres, as crianças! Até o último instante que me reste, eu lutarei por isto!”
Só por um capricho da natureza e de caras como o que escreveu essas benditas palavras há 700 anos (no tempo em que a terra ainda era quadrada) é que chegamos até aqui. No pau da goiabeira. Daqui pra frente o buraco é mais embaixo, que tal irmos à luta?

dez mandamentos

delire na criança
não bula na flor
pense estrelas
não rele no bicho
gire o sol
não zombe do bem
sofra uma lua
não duvide do amor
acredite nos amigos
e não saia da sua

Roberto Prado

os dois lados do mesmo buraco

1. Buraco quente, Brasil

Falta apenas um ano e meio pro ano do dragão
Como diz o chinês
Não vai ser mole
Não vai ser mole não
Muito mais automóveis
Muito mais poluição
Diga adeus à sua praia
Nunca mais sob o sol de calção
Câncer de pele vai matar até o negão
Nunca mais teu bronze na minha mão

2. Buraco frio, Inglaterra

Mais buracos na camada de ozônio, por favor
O inferno é um lugar frio
Paraíso é onde rola calor
Deixe que a antártida derreta
Que toda a população da Terra seja preta
Neve é pra masoquista
Finlandês metido a macho
Gelo só é bom goela abaixo

José Alberto Trindade

terrapia

Lá se vai o velho julho
chega um novo agosto:
o verde virando palha
enquanto crescem os brotos

E o céu fica assim cinza
devido à queima dos sonhos
e a fumaça dos neurônios
de tanta gente ranzinza

Domingos Pellegrini Jr.
terra nostra

Fora essa estrelinha apagada,
Acho que não temos mais nada
E ela está toda suja e devastada
Ela é nossa casa, nossa única casa
E olhe só o estado da coitada.

Bertold Brecht (Alemanha, 1898-1956, tradução de Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado)

a 365 rotações por ano

A Terra faz mais uma revolução
E eu me viro
Sem entrar nos eixos.

Alberto Centurião

perfume

Ao olfato cabe o específico
detectar do aroma exato.
Na memória, um objeto explícito
ganha cor, gosto, som e tato.

Se na mente o odor não está contido
é natural que gere uma química fascinante
e o organismo vibre em busca do sentido
que, fluido, foge à razão volatizante.

Mais do que esse poema, o perfumista diz:
“Do profundo abismo ao inacessível penhasco,
colhi o que está bem debaixo do seu nariz:
a natureza, corpo e alma, neste frasco.”

Antonio Thadeu Wojciechowski e Marcos Prado

mundo em mudança

perder tempo
com
rosas
óperas
relógios

muda
a rosa
mudo
o relógio
mudam
as óperas
e eu aqui
surdo
mudo
perdendo tempo
com o mundo

Luís Antônio Solda


duas naturezas inéditas

1.
O velhote, bem tristonho:
- Ainda fica duro, o carinha.
Só que não trava.

2.
O tiquinho de gente se inicia
nas artes do lápis de cor.
- Esse desenho tão bonito, minha filha, o que é?
- Ai, mãezinha. Você não vê?
Uma floração psicodélica de riscos e rabiscos.
- É o barulho do sol acordando.

Dalton Trevisan

a árvore da serra

- As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!

- Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros...no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minha alma!...

- Disse - e ajoelhou-se, numa rogativa:
“Não mate a árvore, pai, para que eu viva!”
E quando a árvore, olhando a pátria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!

Augusto dos Anjos (1884-1914)

na casa errada

O mundo é a casa errada do homem. Um simples resfriado que a gente tem,
um golpe de ar, provam que o mundo é um péssimo anfitrião. O mundo não quer nada com o homem, daí as chuvas, o calor, as enchentes e toda sorte de problemas que o homem encontra para a sua acomodação, que, aliás, nunca se verificou. O homem deveria ter nascido no Paraíso.

Nelson Rodrigues (1912-1980)

a natureza da neura

grande dia, nuvens, vai chover, ainda bem.
moro no caminho dos bombeiros e das ambulâncias.
aqui nunca há silêncio.
os lixeiros fazem toda a operação de estraçalhamento do lixo
em frente ao prédio.

Marcos Prado (1961-1996)

DNA NDA

células vivas
uma
duas
bilhões de belas libélulas

visões do fundo
do poço:
medula
carne e osso

Antonio Thadeu Wojciechowski

o paraíso perdido

meu avô macaco
aquele que darwin buscou
me olha do galho:
busca a força dos caninos
o vigor dos pulsos
o arfar do peito
o menear da cabeça
o trabalho

tudo se foi

nada mais resta
do fulgor primata
da força de boi

saber
saber mata

Paulo Leminski
(1944-1989)



a natureza do eterno

que flor é esta?
finge que morre
e quando menos se espera
é flor indo, flor vindo, floresta em festa

que flor é esta
que sempre resta?

Alice Ruiz

as árvores

As árvores são fáceis de achar. Ficam plantadas no chão. Mamam do sol pelas
folhas e pela terra bebem água. Cantam no vento e recebem a chuva de galhos abertos. Há as que dão frutas e as que dão frutos. As de copa larga e as que habitam esquilos. As que chovem depois da chuva, as cabeludas. As mais jovens; mudas. As árvores ficam paradas. Uma a uma enfileiradas na alameda.
Crescem para cima, como as pessoas. Mas nunca se deitam. O céu aceitam.
Crescem como as pessoas, mas não são soltas nos passos. São maiores mas
ocupam menos espaço.

Arnaldo Antunes


a vida é terra

como é bom estar vivo
e participar dessa maravilhosa aventura
que é estar sobre o planeta terra
dois terços de água e ainda sobra espaço
pra tanta gente tão bela
oxigênio pra abrir os pulmões das algas dos sete mares da terra
a terra manda no céu e o céu é da cor azul do planeta terra
às vezes fico basbaque com o show de vulcões
expelindo magma pra fora dela
os espíritos adoram rodar a bolsinha em nossa esfera
ainda por cima a aurora boreal
que desgraçadamente não posso ver desse ponto da terra
e nela vamos girando e torcendo pra nos seja leve, ela, que nos leva
sagrado torrão do espaço, todos,
desde os que em ti estão enterrados,
te desejam eterna,
Terra.

Antonio Thadeu Wojciechowski, Sérgio Viralobos e Walmor Goes

6 Comentários:

Às 08 novembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Notem que o Trindade, já naquela época, previa o vôo do dragão do consumismo chinês. E olha que isso é só um detalhe dentro das maravilhas aqui reunidas...

Roberto Prado

 
Às 08 novembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Maravilhosa essa página da Natureza. É sempre um prazer pintar por aqui.

BB

 
Às 09 novembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

A turma adorou, professor, esse tema gerou muitos comentários, contos e poemas. Aguardamos uma nova visita.

Profa. Maria Luíza

 
Às 09 novembro, 2005 , Blogger polacodabarreirinha disse...

É só convidar, professora, fiquei encantado com a semana de literatura que vcs promoveram. Gostei da interpretação dos alunos e do envolvimento dos professores com o evento.

Grande abraço a todos

Thadeu

 
Às 09 novembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Isso que eu chamo de um cacete bem dado. Ninguém faz porra nenhuma pelo meio-ambiente, acho que vocês vão pregar no deserto.

Roberto Siqueira Ramos

 
Às 09 novembro, 2005 , Anonymous Anônimo disse...

Muito bom mesmo. cada vez gosto mais desse blogue.

Abraço

Ivan Siqueira

 

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