polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

terça-feira, fevereiro 06, 2007



O DIA QUE MATEI O WILSON MARTINS

Capítulo 8

Pelo amor de Deus, Wilson.

Não é um mezanino do inferno nem porta
A outros planos do Céu. O limbo guarda as almas
De crianças sem batismo, pois Jesus se importa
E defende essa causa e também mantém salvas
As de todos aqueles que morreram antes
Dele morrer na cruz, mas foram bons e justos.
- Aqui não sereis nada. Andarão distantes
De vós significados e sons. Altos custos
E sacrifícios pagareis até que cumprais a pena
De mil anos que, a mim, pareceu bem pequena.

Caminhai em silêncio e em sua direção,
Quando, enfim, vossa mente o encontrar, tereis,
Então, cumprido parte de vossa missão.
Despi-vos da ambição! Sabei que nada sabeis
E podereis cruzar a ponte que separa
A vossa voz do cerne do conhecimento.
Ide em paz, Wilson. Deus vos deu essência rara
Como objetivo claro. Tal alistamento
Seja motivação e alegria à vossa alma.
Andai em linha reta, em frente e sem pausa.

Wilson abriu a boca e nenhum som se ouviu.
- Caminhai em silêncio e para o silêncio,
Se quereis ser artista, no prazo de mil.
A divina mensagem passei por extenso.
Começai já a jornada. Tendes longo trecho
Até o ponto final, onde teus pensamentos
Deixarão de existir. Não tenho outro desfecho
Para nossa conversa. Segui vosso rumo,
Pois eu, pela entrada do inferno, agora, sumo!

Virgílio, por sentença divina ordenado,
Lança-se à travessia que pela vez segunda (1)
Terá que realizar, mas não acompanhado.
Wilson vê à sua frente a estrada que se afunda
E dá o primeiro passo em direção ao nada.
Só, Deus que a tudo assiste, ajoelha-se a rezar
E pede em oração, a Si Mesmo enviada,
Que eles possam ao fim da jornada chegar.
- Vão comigo! E, alçando vôo, Deus deu-se aos céus
De outros cuidados, outros incontáveis réus.

Wilson caminha, grita e nenhum som se escuta.
Tenta uma, duas, três, mil vezes até que, exausto,
Desiste. Gostaria de ter à mão cicuta
Ou o veneno que tão bem preparou Fausto, (2)
Mas está só, sem som, sem sol, sem sombra, sem...
Suas pernas vão levá-lo aonde nunca esteve.
Um lugar muito além da imaginação vem
Ao seu encontro a cada passo. Sente sede
E a sede que sente não é essa que a garganta
Seca; mas, sim, aquela que água não adianta.

Sente no peito as chamas do fogo do inferno
E a angústia de mil e uma noites em claro,
Mas não há nada ali, só o vazio sempiterno
De sua solidão muda, surda, sem olfato,
E sem tato. Seus olhos vêem, porém, enxergam
Apenas a longa estrada, perdida entre a treva
E a luz. A tudo mais, seus mesmos olhos cegam,
Para que o caminhar seja de real entrega,
Nesse lapso de tempo e espaço por Deus criado
E mantido, para que o réu cumpra o seu fado.

Ao final do terceiro dia, Wilson cumpriu
Metade de sua pena. Nos quinhentos anos,
Que passou caminhando sem soltar um pio,
Sofreu todas as dores que estavam nos planos
Divinos, destinados à sua redenção.
Mas, enfim, silenciou sua mente e pode ouvir,
Pela primeira vez, a voz do coração.
O que ouviu não pode entender, mas sentir.
E, sentindo, ganhou sentido o que ouviu:
“O que são quinhentos anos pra quem vai a mil?”

Sorriu, enquanto os sons se repetiam no espaço.
“São rimas”, disse. “Hei de usá-las com rigor,
Sob risco de, em não o fazendo, perder laço
Com o ritmo que ao verso dá alma e vigor.”
Ouvindo tudo, Deus, poeta maior, aplaude
O pequeno progresso: “Nasce um novo artista.
Devolvo-lhe os sentidos, pra que não lhe falte
Nada nesses quinhentos anos pela pista.
Andará bem melhor e aprenderá com quantos
Sofrimentos faço um poeta de mil encantos.”

“Eu vejo, escuto, sinto. O que está acontecendo?
A estrada não é a mesma e nem mesmo sou eu?
Não pode ser, meus olhos mentem. Estou vendo
Leminski e Paulo Francis, um defensor meu, (3)
Vestindo togas gregas e a rir como amigos?
Mas eles não me vêem! Como é possível isso?
Posso ouvi-los tão bem. Eu vou lhes dar ouvidos.
-
O Wilson tinha lá suas razões, mas nem Cristo
Agradou a todos, Francis. Creio que ele sofreu
Muito para manter-se fiel ao que escreveu.

Acho que ele teria que viver mais quinhentos
Anos pra começar a entender os meus poemas
E outros tantos pro Catatau. Meus sentimentos (4)
Em relação ao Wilson, não foram problemas
Insolúveis. Apenas, lhe deixei bem claro,
Que a poesia que eu fazia não faz a alma vazia.
- Que homenagem ao nosso Augusto, hein, polaco?!(5)
- Esse merece o céu em que está para sempre.
Jamais sua lira soou desafinadamente.

-
Mas, Leminski, voltando ao falecido assunto,
O Wilson me foi útil, durante um bom tempo.
Trocamos elogios. Porém, se pouco é muito
Algumas vezes, lembro, com constrangimento,
Dos meus rompantes quixotescos no jornal.
- Ah, Francis, alguns erros todos cometemos.
Gostaria que ele estivesse neste local,
Agora, pra lhe darmos o que não pudemos
Dar-lhe em vida: Perdão, carinho e compreensão!
- E alguns chutes na bunda, meu querido irmão!


Rindo os dois, a pauladas, matam a saudade,
O assunto e dão no pé, sem deixar nenhum rastro.
Wilson sente-se muito só, pois a verdade,
Que acabara de ouvir, tirou-lhe todo o lastro,
Deixando-o atordoado e bastante confuso.
Uma alcatéia de remorsos uiva, morde
E, mostrando suas garras, como um louco fuso,
Põe-se a desfiar a trama que o passado acolhe.
E Wilson chora lágrimas ininterruptas,
Que, chegando ao chão, se tornam flores múltiplas.


1. Na Divina Comédia, Virgílio é o guia de Dante
na travessia do inferno ao céu.

2. No livro Fausto, de Goethe, o protagonista
tenta se suicidar com o veneno que prepara em
uma taça.

3. Paulo Leminski, genial poeta curitibano que
polemizou com Wilson Martins, e Paulo Francis,
radical pensador, jornalista internacional e escritor
polêmico, um conservador revolucionário.


4. Catatau é a obra mais polêmica de Paulo Leminski.
Está por merecer um estudo menos superficial
do que esses que andam por aí.



5. Leminski homenageou Augusto “parodiando” o seu
magistral verso: “Fazia frio, e o frio que fazia/ não
era esse que a carne nos conforta/...



Fim do capítulo 8

54 Comentários:

Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Que beleza, Thadeu.

Grande abraço

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

O melhor momento da novelha.
Grande, Polaco.

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Vai morrer, cão lazarento.

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Amei.

Bj

BB

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Achei genial essa coisa de histórias dentro de histórias.
Parabéns pela qualidade da narrativa.

Nego Lopes

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

10

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Muito criativo.

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

O Leminski e o Paulo Francis de toga grega é de matar, Polaco. Gostei muito.

Hermes Temproski

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Você é louco de pedra, velhinho.
Tá mil essa tua novíssima novelha.

Paulo Tibério

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

O Wilson Martins vai te beijar na boca quando te encontrar.

Mauro Souza

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Também acho, Polaco. Vc vai transformar ele em santo.

Fernando Schiavonne

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Essa do Leminski e do Paulo Francis dando uma de santo, merece uma estátua, ou melhor duas.

Sidney Cruz

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Os versos estão cada vez mais sonoros, desse jeito vc atinge a perfeição, polaco, antes da morte do Wilson e daí ele é que te canonisa.

Abração

Paulo Lemos

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Vc manda e-mail, pede pra fazer comentário mas não responde ao que gente escreve. Ao menos lê?

Alceu de Andrade

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

muito bem thadeu assim é que se escreve. ensina essa rapaziada.

loreno guimaraens

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Bcana a trama da história e contada em versos fica ainda mais interessante.

Leandro Lima

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Alceu, leio todos os comentários todos os dias. Não os respondo, a não ser que me façam uma pergunta direta. Mas agradeço os comentários sempre.

Abraço

Thadeu

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

achei uma merda essa...

ruga

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Perfeito!
Agora entendi tudo. Achei que ia ficar louco.


Grande abraço

Mário Cunha

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Aposto que é suicídio do Wilson.
Tudo leva a crer.

Reinaldinho

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Novela é fragmento, nasceu da necessidade de prender o leitor, para que pudessse voltar a ler no dia seguinte sem obrigação , mas por curiosidade e prazer. Nasceu popular. Dá-lhe Thadeu. Popular é o Paulo Francis, da zona sul do Rio à ilha de Manhatan. E a novelha é o que?
Zezão.

 
Às 06 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

muito obrigado grande tio
fabiano sponholz araujo

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Vamos ao gran finale. Os dados estão lançados.

Grande abraço

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Bem legal, aposto que o Wilson se fode no final.

Beto

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Quer dizer que o Wilson vai se salvar?
Essa eu quero ver.

Hélio

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Li tudo novamente e acho que já tem pelo menos três cavaleiros do apocalipse prontos para entrar em ação.
Muito bom.

Bj gd

Fabiana Lima

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Colocou o Wilson na rampa de lançamento, que sacanagem, Polaco.
Já estou imaginado quanto ele vai se foder.

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Vamos lá, Thadeu, agora aquele final que só vc sabe fazer.

Abraço

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Que agonia, Poeta. Não vejo a hora de conhecer o final. Meu Deus que suspense!

Um abraço

Maria Luíza

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Isso, faça sofrer quem gosta de você. Quando eu morrer do coração vc vai ver o que é bom pra tosse.

Cícero Magalhães

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

melhor que a maioria dos filmens que já vi.

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Vai ser em 10 capítulos mesmo, Thadeu?
Não dá para esticar um pouco mais?
Seria bem instigante.
Aí está a sugestão, é com você.

Arthur Fialho Netto

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Esse poioca poiesis tá louco. 10 tá bom. Alguém me disse que vc já tem outro tema engatilhado, é verdade?
Tomara que sim.

AB

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Tô com o Zezão, leitura é prazer. Tem uns cara s que ficam urubuzando, vão tomar no cu.

Juca Torres

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Outra, outra, mas termina essa primeiro que eu já tenho unha.

Ana Maria

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Vai ser em 10 capítulos, a menos que aconteça algo de anormal. Sim, já tenho outro tema. A próxima Novelha será DESPEJO. E vai ser uma coisa completamente diferente.
Já estou anotando algumas idéias e deve estrear em março, aqui, no Polaco da Barreirinha.

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Continuem comentando ou criticando.
Mas escrevam sempre, pois isso me ajuda muito.

Abraço a todos

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

todo mndo quer saber o fim...porque ninguém aguenta msi tanta enrolação

vamos thadeu, o fim no nono, please

Zezão

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

È próprio dos ignorantes a pressa e a aflição. Em vez de curtirem e se deliciarem com nuances e detalhes querem logo o organsmo. Sai, ejaculação precoce.
Viva o polaco.

Renê Deustlezer

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Isso mesmo, Thadeu, quem curte curte, quem não, que vá pro blog do caçulinha.

Ritinha

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Faça o quem que ser feito e só. A novelha está muito boa e o texto cada vez melhor. Fantasia e imaginação é pra quem tem. Texto nesses caretas, Thadeu, no lugar de fazer 10, faça 20 capítulos que os chatos vão tudo embora. Fica quem gosta de se divertir.

Abraço

Emílio da Copel

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

envolvente, inebriante.

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Blogger Roberto Prado disse...

Este capítulo está pela bola oito.

É isso aí, bicho e não dá outra: o começo da poesia é o silêncio significativo.

 
Às 07 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

blag!!

ruga
( I'm back )

 
Às 08 fevereiro, 2007 , Blogger Paulo Ugolini disse...

Porra, Thadeu, esse aí tá é muito bom mesmo.

 
Às 08 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Pessoal,

Vim achando que era o site de
uma amiga minha que é consultora
da AVON aí de Curitiba e que mora
nesse bairro da Barreirinha.
Coinscidentemente o apelido dela
é Polaca. Pra não perder a viagem
vou aproveitar pra dizer que essa
novela é muito legal, mas é muito
louca. Quem que é esse tal de
Wilson Martins? Adoro os livros
do Paulo Francis, mas não conheço
esse Leminski e por que ele usa
vestido?

Bem, pessoal, obrigado pela
paciência e que Deus ajude vocês
com essa novela. Se alguém precisar
de um produtinho da AVON, é só
falar.

Bj a todos.

Tici

 
Às 08 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Oi Tici, me venda um desses cremes contra cara-de-pau. Que pena que você esqueceu de deixar o contato...

Leminski: o Cara.

Wilson Martins: No céu, e o Polaco na Terra.

Leminski e Francis tão usando togas em homenagem ao New York Dolls.

 
Às 08 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Ih! Polaco, deu cruzamento de linha.
Põe mediador de comentário que vc evita essas titicas.

Ab

Germano Lemos

 
Às 09 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Aí, Germano: restritivo e preconceituoso. Desculpe a sinceridade. O público da poesia é pequeno pra kct. Pô, achei legal o interesse da moça. Veio sem querer e se dispôs. Tirar sarro ou descriminar é atitude típica de espíritos não evoluídos.

Oh, Tici! Seguinte...

Sobre o Leminski consulte o site:

http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/kamiquase/home.htm

E quando tiver dúvidas, pergunte para o Thadeu, Polaco da Barreirinha, além de grande poeta, é uma enciclopédia quando o assunto é literatura.

Abs,

Thales

 
Às 09 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Estou com o Thales. Não tem que censurar, acho até legal quando assinam meu nome.
É foda ter um nome comum, simplão. O cara quer escrever uma bobagem e assina quem?
Zezão.

p.s.:como o autêntico Zezão, peço que desconsidere o comentário impostor sobre acabar no nono. No, no, no. No nono não.

 
Às 09 fevereiro, 2007 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Percebi que não era vc , Zezão.
Grande abraço

 
Às 09 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

Quem é o Wilson pra merecer tanta atenção?

 
Às 09 fevereiro, 2007 , Anonymous Anônimo disse...

adorei.
vc me diverte muito.

 
Às 10 fevereiro, 2007 , Blogger + malocas disse...

Sempre achei vc um monstro, Thadeu. Ainda mais agora, depois do que anda fazendo com o velhinho.
Acho que ele está curtindo.

chico

 

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