polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

segunda-feira, fevereiro 20, 2006


Hoje eu acordei com saudades do Leminski. Aquele polaco era um cara louco, muito louco mesmo. Aliás, como todo bom polaco. Lembrei do nosso último encontro lá no Moby Dick, eu lhe entreguei os originais para que ele pudesse fazer a apresentação do livro Crueldade Mental. Depois de tomarmos algumas, ele começou a ler os poemas e a tecer comentários. Foi generoso como sempre. Leu alguns poemas em voz alta e chamou a atenção de todos para alguns versos que considerou mais requintados. Conversamos bastante, franca, alegre e amorosamente. O Leminski ficou de me entregar o texto assim que eu chegasse da viagem que iria fazer para Cascavel. Dali fui direto para a rodoviária e voltei 3 dias depois.
Na volta, apesar do ônibus leito não consegui dormir direito. Pensei no Leminski durante quase todo o trajeto. Estava com uma sensação ruim, estranha. Mas quando cheguei próximo a Ponta Grossa, adormeci. A Viação Garcia que faz a linha Curitiba-Cascavel, nessa época, distribuía o jornal O Estado do Paraná quando parava para renovar o café em Campo Largo. E foi aí que eu acordei e dei de cara com a manchete da morte do Leminski.
Putz, fiquei muito triste e chorei o restante do trajeto. Desci na parada do Batel, peguei um táxi e fui para a casa do Marcos Prado. De lá seguimos para a reitoria da Universidade Federal onde o corpo estava sendo velado. Chegamos aproximadamente às 7,30h e já havia muita gente. Junto ao caixão, Alice chorava. E nos falou que ele morreu e virou Buda. O Aldo Lubes, professor de judô e karatê, chorava, chutava as colunas do prédio e repetia para nós “ele não podia ter feito isso com a gente!”. Não ficamos para o enterro, fomos no bar do Estudante ao lado e enchemos a cara, junto com uma turma que foi aumentando, aumentando, aumentando e o resto eu não me lembro muito bem. Sei que recitamos muitos dos seus poemas, rimos pra caralho com as histórias contadas por vários de seus amigos e fizemos muitos brindes ao poeta.

Algumas pérolas do Leminski

das coisas
que eu fiz a metro
todos saberão
quantos kilômetros
são

aquelas
em centímetros
sentimentos mínimos
ímpetos infinitos
não?

***

Bom dia, poetas velhos.
Me deixem na boca
o gosto de versos
mais fortes que não farei.

Dia vai vir que os saiba
tão bem que vos cite
como quem tê-los
um tanto feito também,
acredite.

***

objeto
do meu mais desesperado desejo
não seja aquilo
por quem ardo e não vejo

seja a estrela que me beija
oriente que me reja
azul amor beleza

faça qualquer coisa
mas pelo amor de deus
ou de nós dois
seja

***

minhas sete quedas

minha primeira queda
não abriu o pára-quedas

daí passei feito uma pedra
pra minha segunda queda

da segunda à terceira queda
foi um pulo que é uma seda

nisso uma quinta queda
pega a quarta e arremeda

na sexta continuei caindo
agora com licença
mais um abismo vem vindo

***

a história faz sentido
isso li num livro antigo
que de tão ambíguo
faz tempo se foi na mão de algum amigo

logo chegamos à conclusão
tudo não passou de um somenos
e voltaremos
à costumeira confusão

***

um deus também é o vento
só se vê nos seus efeitos
árvores em pânico
bandeiras
água trêmula
navios a zarpar

me ensina
a sofrer sem ser visto
a gozar em silêncio
o meu próprio passar
nunca duas vezes
no mesmo lugar

a este deus
que levanta a poeira dos caminhos
os levando a voar
consagro este suspiro

nele cresça
até virar vendaval

***

tenho andado fraco

levanto a mão
é uma mão de macaco

tenho andado só
lembrando que sou pó

tenho andado tanto
diabo querendo ser santo

tenho andado cheio
o copo pelo meio

tenho andado sem pai

yo no creo em caminos
pero que los hay
hay

***

moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia

vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia

***

tanta maravilha
maravilharia durar
aqui neste lugar
onde nada dura
onde nada pára
para ser ventura

Paulo Leminski
Poemas do livro Caprichos e Relaxos

15 Comentários:

Às 20 fevereiro, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Brilhante a seleção de poemas. Uma justa homenagem ao poeta.

Hélio de Alencar

 
Às 20 fevereiro, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Gostei muito.

BB

 
Às 20 fevereiro, 2006 , Blogger polacodabarreirinha disse...

Leiam o livro do Leminski Agora é que são elas. É uma jóia rara e não é tão conhecido pelo grande público.

 
Às 20 fevereiro, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Gosto muito desse poema do Paulo, Tadeu

eu ontem tive a impressão
que deus quis falar comigo
não lhe dei ouvidos

quem sou eu para falar com deus?
ele que cuide dos seus assuntos
eu cuido dos meus

Júlio Okada

 
Às 20 fevereiro, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Maravilha, Polaco.

Beto

 
Às 20 fevereiro, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

É, Leminski faz falta. Mas por sorte nossa ele deixou uns livros por ai. Até!

 
Às 20 fevereiro, 2006 , Blogger Roberto Prado disse...

É isso aí, Thadeu. Grande seleção de vinhos. O Leminski é o nosso melhor do mundo. Esses dias li no Rascunho uma anta paulista dizendo que o ponto forte do Leminski era a prosa e a poesia era fraca. Cachorrada vagabunda!
Abração, cara e parabéns.

 
Às 20 fevereiro, 2006 , Blogger Roberto Prado disse...

Completando o raciocínio, quem diz uma frase dessas (veja no comentário acima) pode até achar que é juiz estadual, professor doutor formado em salamanca, mas é tão raso que pode ser desmascarado até por uma frase de parachoque de caminhão: A INVEJA É UMA MERDA!

 
Às 20 fevereiro, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

Assino embaixo, Roberto Prado.

Ivan Mesquita

 
Às 21 fevereiro, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

só da bigode polaco nessa porra ???

achei uma bosta

ruga

 
Às 21 fevereiro, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

na noite que leminski morreu, eu o marcos prado estavamos no lançamento do primeiro cd do baaf..fomos provelório meio bebados e levamos um esporro da alice, que dizia pro Prado: "se continuar assim, vc é o próximo..."

e assim foi...

despois da noitada ,não acordei para o enterro, mas fico com o que disse o solda: "Não fui no teu enterro , porque vc não irá no meu"


Abs saudosos

Rodrigo


P.S. Quem é esse Ruga?? Vou ter que chamar o black pra cuidar deste cara?

 
Às 21 fevereiro, 2006 , Blogger Ivan disse...

Pois é:

a violência é tão fascinante, mas penso que tem gente que não merece nem levar porrada, porque é capaz de gostar.

Enquanto isso, para serenar os ânimos, um poema do leminski especialmente dedicado a todo mundo:

ler um poema dá sorte
principalmente
se for
um que fale da morte
com quem fale
de amor

 
Às 21 fevereiro, 2006 , Blogger Projeto Miolo Mole disse...

muito tocante esse teu relato, doído-doido, sôfrego-sofrido. leminski é um dos grandes, com certeza...

 
Às 22 fevereiro, 2006 , Anonymous Anônimo disse...

primeiro LP, digo


Rodrigo

 
Às 08 abril, 2008 , Anonymous Anônimo disse...

Também gostei da seleção de poemas. Quanto à querela sobre o valor da poesia de Leminski - se é forte ou fraca -, acho uma bobagem, como, de resto, qualquer discussão que se atenha a critérios comparativos (lembra muito uma discussão entre torcedores de futebol).
Leminski é notoriamente um dos principais poetas de sua geração. Leia-o -devore-o - quem quiser. Como disse Artaud, "se sou poeta ou ator, não o sou para escrever ou declamar poemas, mas para vivenciá-los. [...] Quando recito um poema, não é para ser aplaudido, mas para sentir os corpos de homens e mulheres, eu disse os corpos, tremerem e agitarem em uníssono com o meu, girarem como se passa da obtusa contemplação do buda sentado, coxas instaladas e sexo gratuito, à alma, isto é, à materialização corporal e real de um ser integral de poesia. Quero que os poemas de François Villon, de Charles Baudelaire, de Edgar Poe ou de Gerárd de Nerval tornem-se verdadeiros e que a vida saia dos livros, das revistas, dos teatros ou das missas que, para captá-la, a retêm e a crucificam, e passe para o plano dessa imagem interna de corpos..."
Para além disso, considero a prosa de Leminski (estranhamente pouco lida, quando se observa que Catatau é sua obra-prima) fascinante, e seus textos críticos e concepções poético-teóricas matéria essencial a qualquer um que pretenda pensar poesia no Brasil.

Senhor F

 

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