Muita vez, Saboro Nossuco começa a falar falar falar. Parece que nunca mais vai parar. Mas tem também dias em que não fala absolutamente nada ou aqueles em que não fala coisa com coisa. Ontem, eu e mais alguns de seus amigos e discípulos, depois de vê-lo roncar e peidar durante mais de duas horas, enquanto dormia na rede, fomos agraciados com estas quatro pérolas. Assim que acordou, imediatamente, falou os textos, sem pausa. E adormeceu novamente.
1.
- Mestre, o que tenho que fazer para me tornar um sábio?
- Quando?
- Agora mesmo, por exemplo.
- Risca a palavra sábio de teu dicionário.
- Mas isso não me torna um sábio.
- Verifica então se nele consta “ignorante”.
- Sim, está aqui “aquele que ignora, que não sabe”.
Assim Mestre Kua Huo passou manhã, tarde e boa parte da noite. Encadeando centenas de palavras, na busca de uma possível resposta para a primeira pergunta de seu discípulo Mu Lin que, no outro dia, cedinho, já está batendo na porta.
- Mestre Kua Huo!?
- Sim. Ah és tu, Mu Lin! Que desejas?
- Mestre, o que tenho que fazer para não fazer perguntas idiotas?
- Evitar a garabulha.
- ...?
- Vai, pega o dicionário!
Saboro Nossuco
2.
- Mestre, quando estarei pronto para partir?
- Pergunta a ti mesmo.
- Perguntei e não encontrei resposta.
- Já perguntaste aos outros mestres?
- Claro, mas...
- O que te disse Bo, o mestre da compaixão?
- Nada. Apenas cuspiu no chão e pegou um pedaço de pau. Como achei que ele ia me descascar, saí correndo.
- E Wu, o mestre da organização, o que te disse?
- “Nem pense nisso”. E me deu uma trabalheira imensa para fazer. Levei quase dois anos para terminar tudo. E todo dia tem coisa pra fazer.
- E o venerável Ho Chi, o mestre das palavras?
- Ficou me explicando o significado de partir durante meses. Depois, deu-me doze livros para ler, onde todas as personagens principais partiam. E depois sabatinou-me. Como fui muito bem, deu-me trinta e dois livros de poemas para ler e quatorze de filosofia. Como fui bem nos testes, não entendi sua agressividade
- O que ele disse?
- Nada. Apenas cuspiu e pegou um pedaço de pau. Como achei que ele ia me descascar, saí correndo.
- E Ho Chi, o mestre das artes marciais?
- Nem me fale, foram cinco anos e dezoito horas por dia. Pensei que ia morrer. Agora todo dia tenho duas horas de atividade ainda.
- E Yan Tan, o mestre religioso, o que te disse?
- Fez sinal para eu ficar em silêncio, me deu o Tao Te King para ler e assim se passaram mais cinco anos. Passo três horas por dia lá no mosteiro até hoje.
- Formidável!
- Como já perguntei a todos, só resta o senhor, mas sabe de uma coisa?, estou de saco cheio. Vocês vão é se catar, porque o papai aqui vai cair na vida. Até nunca mais!
- Até!
Saboro Nossuco
3.
- Discípulo Mei, leva este documento ao Mestre Ho Wey, no Mosteiro da Luz. Mas toma cuidado. Existem muitas pessoas desonestas no mundo e tu és um garoto ainda.
- Deixa comigo, Mestre Mu. Parto agora mesmo. Nada me impedirá de cumprir a tarefa.
Mei pegou o canudo e saiu correndo. Horas depois sentou-se à sombra de uma árvore, à beira de uma lagoa, para descansar. E um estranho se aproximou:
- Que calor, hein?
- Nem me fale.
- Eu gostaria de tomar um bom banho nesta lagoa agora para me refrescar, mas tenho que entregar esse pacote lá na cidade e não posso perdê-lo de vista.
Solícito, Mei se prontificou a cuidar do pacote.
- Pode se refrescar à vontade. Eu cuido enquanto descanso.
- Muito obrigado.
Quinze minutos depois, o estranho voltou:
- Que delícia! A água mais fresca que já experimentei na vida. Vai tu, agora. Eu cuido do teu canudo. Refrescado, andarás melhor e mais rápido.
- Maravilha!
Mei pulou na lagoa e divertiu-se durante alguns bons minutos. Mas ao sair da água, não encontrou o estranho nem o canudo. Procurou procurou, até desistir.Voltou. Decepcionado e chorando, ajoelhou-se diante de Mestre Wu, que tratou de consolá-lo:
- Não tem importância, eu redijo outro. Mas para o que perdeste, não há remédio.
- Que dizes, Mestre. Não entendo.
- É que pagarás um alto preço por esse seu deslize, meu pobre rapaz. O que perdeste talvez seja a coisa mais preciosa que se tem na vida.
- Daqui pra frente, não confio em mais ninguém, Mestre. Mas o que é tão precioso?
- Perdeste a inocência, Mei. Não há nada mais triste neste mundo.
Saboro Nossuco
4.
- Pois não!
- És um ignorante de marca maior.
- Pois sim! Ignorante é quem me diz sou ignorante mas sou feliz.
- Bazófia, nada mais!
- Vá te catar!
- Você é ridículo e acha que sabe mais do que todo mundo. Qualquer dia acabo com essa tua pose.
- Mas vai ter que estudar pra caralho.
- E daí?
- Segura as calças pra não cair.
- Sempre as mesmas gracinhas. Me dá nojo!
- E por que vens aqui todo santo dia?
- Pra te encher o saco!
- O que trouxeste hoje?
- Laranjas, toma! Olha que maravilhosas.
- Os pêssegos ontem estavam divinos.
1.
- Mestre, o que tenho que fazer para me tornar um sábio?
- Quando?
- Agora mesmo, por exemplo.
- Risca a palavra sábio de teu dicionário.
- Mas isso não me torna um sábio.
- Verifica então se nele consta “ignorante”.
- Sim, está aqui “aquele que ignora, que não sabe”.
Assim Mestre Kua Huo passou manhã, tarde e boa parte da noite. Encadeando centenas de palavras, na busca de uma possível resposta para a primeira pergunta de seu discípulo Mu Lin que, no outro dia, cedinho, já está batendo na porta.
- Mestre Kua Huo!?
- Sim. Ah és tu, Mu Lin! Que desejas?
- Mestre, o que tenho que fazer para não fazer perguntas idiotas?
- Evitar a garabulha.
- ...?
- Vai, pega o dicionário!
Saboro Nossuco
2.
- Mestre, quando estarei pronto para partir?
- Pergunta a ti mesmo.
- Perguntei e não encontrei resposta.
- Já perguntaste aos outros mestres?
- Claro, mas...
- O que te disse Bo, o mestre da compaixão?
- Nada. Apenas cuspiu no chão e pegou um pedaço de pau. Como achei que ele ia me descascar, saí correndo.
- E Wu, o mestre da organização, o que te disse?
- “Nem pense nisso”. E me deu uma trabalheira imensa para fazer. Levei quase dois anos para terminar tudo. E todo dia tem coisa pra fazer.
- E o venerável Ho Chi, o mestre das palavras?
- Ficou me explicando o significado de partir durante meses. Depois, deu-me doze livros para ler, onde todas as personagens principais partiam. E depois sabatinou-me. Como fui muito bem, deu-me trinta e dois livros de poemas para ler e quatorze de filosofia. Como fui bem nos testes, não entendi sua agressividade
- O que ele disse?
- Nada. Apenas cuspiu e pegou um pedaço de pau. Como achei que ele ia me descascar, saí correndo.
- E Ho Chi, o mestre das artes marciais?
- Nem me fale, foram cinco anos e dezoito horas por dia. Pensei que ia morrer. Agora todo dia tenho duas horas de atividade ainda.
- E Yan Tan, o mestre religioso, o que te disse?
- Fez sinal para eu ficar em silêncio, me deu o Tao Te King para ler e assim se passaram mais cinco anos. Passo três horas por dia lá no mosteiro até hoje.
- Formidável!
- Como já perguntei a todos, só resta o senhor, mas sabe de uma coisa?, estou de saco cheio. Vocês vão é se catar, porque o papai aqui vai cair na vida. Até nunca mais!
- Até!
Saboro Nossuco
3.
- Discípulo Mei, leva este documento ao Mestre Ho Wey, no Mosteiro da Luz. Mas toma cuidado. Existem muitas pessoas desonestas no mundo e tu és um garoto ainda.
- Deixa comigo, Mestre Mu. Parto agora mesmo. Nada me impedirá de cumprir a tarefa.
Mei pegou o canudo e saiu correndo. Horas depois sentou-se à sombra de uma árvore, à beira de uma lagoa, para descansar. E um estranho se aproximou:
- Que calor, hein?
- Nem me fale.
- Eu gostaria de tomar um bom banho nesta lagoa agora para me refrescar, mas tenho que entregar esse pacote lá na cidade e não posso perdê-lo de vista.
Solícito, Mei se prontificou a cuidar do pacote.
- Pode se refrescar à vontade. Eu cuido enquanto descanso.
- Muito obrigado.
Quinze minutos depois, o estranho voltou:
- Que delícia! A água mais fresca que já experimentei na vida. Vai tu, agora. Eu cuido do teu canudo. Refrescado, andarás melhor e mais rápido.
- Maravilha!
Mei pulou na lagoa e divertiu-se durante alguns bons minutos. Mas ao sair da água, não encontrou o estranho nem o canudo. Procurou procurou, até desistir.Voltou. Decepcionado e chorando, ajoelhou-se diante de Mestre Wu, que tratou de consolá-lo:
- Não tem importância, eu redijo outro. Mas para o que perdeste, não há remédio.
- Que dizes, Mestre. Não entendo.
- É que pagarás um alto preço por esse seu deslize, meu pobre rapaz. O que perdeste talvez seja a coisa mais preciosa que se tem na vida.
- Daqui pra frente, não confio em mais ninguém, Mestre. Mas o que é tão precioso?
- Perdeste a inocência, Mei. Não há nada mais triste neste mundo.
Saboro Nossuco
4.
- Pois não!
- És um ignorante de marca maior.
- Pois sim! Ignorante é quem me diz sou ignorante mas sou feliz.
- Bazófia, nada mais!
- Vá te catar!
- Você é ridículo e acha que sabe mais do que todo mundo. Qualquer dia acabo com essa tua pose.
- Mas vai ter que estudar pra caralho.
- E daí?
- Segura as calças pra não cair.
- Sempre as mesmas gracinhas. Me dá nojo!
- E por que vens aqui todo santo dia?
- Pra te encher o saco!
- O que trouxeste hoje?
- Laranjas, toma! Olha que maravilhosas.
- Os pêssegos ontem estavam divinos.
Até amanhã!
Saboro Nossuco
Saboro Nossuco
12 Comentários:
Genial, Mestre!
Porra, Polaco, isso que eu chamo de descascar. Um mais genial que o outro. O último é fora de série, você anda mais afiado do que nunca.
Grande abraço
VERDADEIROS MILAGRES, MESTRE THADEU.
A cada dia que passa eu te amo mais.
Beijinhos
Valeu, Renato. ´Parabéns pelo blog, cada vez mais fino. Pra quem não conhece, visite www.diedricheosmarlenes.blogspot.com
Putz sou um grosso mesmo. Obrigado, Flávio, anônimo e Leila.
10 PROCÊ.
Mestre se eu tivesse tempo traduziria pro japonês, mas aqui trabalho até 14 h por dia. Já viu né. Então não dá, mas dá pra mandar um grande abraço.
Absolutamente geniais.
O quarto deixa qqr um de quatro. Valeu.
Pri
Caramba, o Saboro é demais! os koans são simplesmente geniais.
Ah, gostaria de sugerir que entrassem no livro uns poemas sobre Buda, que foram publicados faz um tempo.
Abração!
Vão entrar sim, Lucas.
Grande abraço
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