polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

sexta-feira, dezembro 30, 2005


Cai-te um ano

Para o Solda no nascimento de seu filho Caetano


a montanha de neve
cresce com a neblina
até que o sol
muito mais branco
faça chorar
um rio
um cio
um pranto
salto em todo o escorrer da colina

e depois ainda
muito antes do sol se por
tu - criança linda –
na mão e no dedo de cor
pintarás um céu azulado
e muitas estrelas tantas
que não saberás se a colina
foi teu refúgio
teu ócio
teu poema
tua pena
que de palavras santas
fizeram de teus ossos
ossos do ofício


Antonio Thadeu Wojciechowski

minha cuca
está batendo
horas


batesse
asas
voaria



Antonio Thadeu Wojciechowski




sobe e desce
o elevador
só obedece


Antonio Thadeu Wojciechowski




oito a oito
pausa para buscar
biscoito


Antonio Thadeu Wojciechowski




pára com esse tambor, menino!
tá bom, papai!
tá bom, papai!


Antonio Thadeu Wojciechowski



é tudo ou nada


essa vida é de morte a esmo
quando você menos espera
terá passado pra outra esfera
e nunca mais será o mesmo

do que você era, nem sombra
é como se evaporasse no ar
apenas sua lápide a indicar
a presença que agora assombra.

mas em mais ou menos um século
não restará de você nem o túmulo
removido pelo grande acúmulo
de ossos, alças, sem nenhum nexo

sobre você o silêncio da história
nem uma linha, adjetivo, saudade,
também terão ido para a eternidade
os que te guardavam na memória

e a terra, sob este sol que chamusca,
na primavera florirá espetacularmente
só então você, fruto da própria semente,
há de ser, afinal, a essência que busca!


Antonio Thadeu Wojciechowski




neste cais que é a vida
companheiro de bar
não fique a ver navios
pois Curitiba não tem mar

não adianta se matar
nem cortar o seu pescoço
cada galho ou enrosco
é Deus que está conosco


Antonio Thadeu Wojciechowski


Jardim de Jasmim


Livre adaptação do Poema de Jardim de Twicknam, de John Donne, sobre tradução de Augusto de Campos.

Mar de pranto, monte de gemidos,
procuro uma primavera que me dê ouvidos,
luz para os meus olhos perdidos
e alívio para os males que maldigo.
Mas, traidor de mim mesmo, trago comigo
o amor-morte e suas bruxarias
que transformam em horror as maravilhas.
E para que o paraíso não apenas aparente
eu chego junto com a serpente.

Antes o frio do inverno venha congelar
o sol deste lugar
e a neve deixe prateada
a floresta a rir em minha face resfriada.
Mas para que possa padecer
o sofrimento sem desamor, deixe-me ser, amor,
como eu sou, sem tirar nem pôr,
milagre de mágoa
ou vale de lágrimas a fluir de um olho d'água.

Recolham então, amantes,
meu pranto-fel de amor
e comparem com prantos semelhantes
que mentem, se não têm igual sabor.
O coração não bate em todo olhar,
as lágrimas da mulher nem sempre são
a imagem real, a legítima expressão,
oh, sexo perverso, falsa mente-mulher,
a fêmea veraz que me assassine se puder.


Antonio Thadeu Wojciechowski




vit(r)al



Foi preciso, meu querido Gaughin,
um Cristo amarelo cristalino
para que Jacó visse ainda menino
a profissão do breve enquanto Van
Gogh corta. Vacas no Bebedouro
não aqui, mas acolá no matadouro.
Foi preciso teu precário estar
pra estares em ti, pois foras buscar
todas as cores que, apesar de em ti,
pensaras encontrar ali em Taiti.



Antonio Thadeu Wojciechowski



vida

um ano a mais
um ano a menos
que diferença faz
quando já somos
mais ou menos
mais suaves
mais sábios
mais fortes
mais justos
e de mais a mais
cromossomos

um ano a mais
um ano a menos
a vida é cais
e lá vão nossos sonhos:
barcos pequenos

um ano a mais
um ano a menos
lendo os sinais
nos esquecemos
e quando nos lembramos
é tarde demais

um ano amais
outro odiais
um ano demais
outro de menos
um ano tanto fez
outro tanto faz
um ano como nunca houve outro
um ano sem pagar e só levando o troco

um ano que vem
um ano que vai
e os mesmos ais
mais amenos


Antonio Thadeu Wojciechowski




a canção que soa
tem o coração do vento
que me sopra à toa


Antonio Thadeu Wojciechowski



quando


quando teus olhos
retornarem
eu quero a impressão
de tuas estrelas

em minha mão


quando teus ouvidos
regressarem
eu quero a intenção
de minhas estrelas

em tua mão

quando teus lábios
falarem
com os meus
eu quero a constelação

uma única estrela
em nossa mão



Antonio Thadeu Wojciechowski


células vivas
uma
duas
bilhões de belas libélulas

visões do fundo
do poço:
medula
carne e osso


Antonio Thadeu Wojciechowski

terça-feira, dezembro 27, 2005

Uma homenagem à minha mãe

Calina, minha irmã, a minha mãe, Francelina, e eu, na festa dos meus 55 anos, dia 24.

Termina o ano e algumas coisas parecem que saltam aos olhos, porque têm uma força extraordinária. A operação da mãe foi uma. Mexe com os nervos, com a alma da gente. Escrever ajuda a passar o sentimento de impotência que sinto quando acontecem essas coisas.
***
***
Beijos
***
***
Thadeu

Uma madrugada pensando na mãe


A mãe me deu uma mão
A mãe me deu um sermão
A mãe me deu um safanão
A mãe repete a ladainha: seja feliz
Por que será que eu não faço o que ela diz?

Antonio Thadeu Wojciechowski


A mãe pôs 10 filhos na linha
A mãe sempre sabe onde começa, onde termina
A mãe diz que teve 17 fora os ameaços
A mãe tá velha com os nervos em cacos
A mãe nem sabe que eu estive lá hoje
A mãe declama o mesmo poema com a mesma pose
A mãe toma cerveja e dá nó em pingo d’água
A mãe tem essa coisa que só mãe tem na alma:

“Filho meu não tem defeito nem maldade
Filho meu tem o meu selo de qualidade”

Antonio Thadeu Wojciechowski

Minha mãe é eu


Eu sei que não vou dizer à minha mãe tudo que sinto
Eu sei que minha mãe sabe a verdade quando minto
Eu sei que ela sabe tudo e mais um pouco sobre mim
Eu sei e ela sabe que eu sei que ela sabe que eu sei
Assim o que sabemos é nosso segredo sabido e guardado
Porque ela sabe que, por mim, esse assunto está encerrado

Antonio Thadeu Wojciechowski


Claro, mãe, claro que vai dar tudo certo
Não importa essa floresta, hoje, deserto
Nem essa pressa de conquistar o mundo
Tudo que eu sei, mãe, é que vou fundo
E essas asas de anjo, verdadeira herança,
Você me deu quando eu ainda era criança
E achava que voar era só um exercício
Viver, o que havia entre cume e precipício

Antonio Thadeu Wojciechowski


Tá bom, minha velha
É isso ou coisa que o valha.
Minha poesia mais bela
É como corte de navalha.
O teu filho, mulher,
hoje quase um estranho
o mesmo filho ainda é
e você lhe dava banho,
comida, roupa lavada,
mas isso é água passada
hoje tua presença é pão,
se me falta, abro o bocão!

Antonio Thadeu Wojciechowski


A mãe tá mais doente do que nunca
É sobre isso que meu poema assunta
Uma coisa que, espalhada, junta
dor que só sei dizer que é muita
guilhotina que pede o pescoço da minha nuca

Antonio Thadeu Wojciechowski


Minha mãe tem os cabelos brancos negros
Ela nunca viu seus cabelos negros brancos
Quem sabe se os visse subisse nos tamancos
Ou sua vovozice se espalhasse sem segredos
Entre os que amam seus negros cabelos brancos.

Antonio Thadeu Wojciechowski

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Tem blog novo no ar


O Solda acaba de colocar no ar mais uma das suas. Fui, vi e gosti.
http://www.cartunistasolda.blogspot.com

Thadeu e Beco, dois loucos no paraíso


Eu e o Beco, apelido do Roberto Prado, trabalhamos juntos desde 1978. Tudo começou com a publicação da antologia Sala 17, depois publicidade e editoração. Nestes anos todos, conversamos, fizemos uma pá de músicas, poemas, letras, teorias, as páginas com os temas que você lê aqui diariamente. E tudo isso entre uma folguinha e outra. Então para terminar bem o ano, aí vão alguns poemas dessa dupla da pesada criados ao longo de todos esses anos. Uma homenagem que faço aos meus 55 anos, que serão completados no dia 24 de dezembro de 2005, e ao Beco por essa nossa amizade, repleta de alegria, inteligência e criação.
Bom natal e feliz ano novo a todos.
Polaco da Barreirinha

passou a geléia, general

tão velho quanto o velho testamento
foi divertido ser beatnik
ter cabeça de sputinik
na órbita de um mau elemento

em tempos de paz e amor eu tinha cabelos compridos
gostava de maconha e usava bata de monge
o mundo era meu e morava longe
assim eu pensava depois daqueles comprimidos

quando o sonho acabou fui para o estado de sítio
bichos, yogas, estrelas, sol, lua e macrobiótica
saudades de jimi joplin apertando a carótida
a horta da contracultura era meu único ofício

quando voltei eu já não era tão compreensivo
cuspi num punk, comi uma wave, entortei um metal
se não for por bem agora vai no pau
não tenho mais paciência de perder a paciência revirando arquivo

lendo jornal fiquei são de repente
matou à machadada a mãe doente
comeu a orelha do vizinho com cachaça quente
ainda se faz sucesso como antigamente

antonio thadeu wojciechowski e roberto prado


pistolão de aluguel

ninguém conhece o teu calibre
teu amigo mais Fidel em cuba libre
a velha bazuca matou Somoza
Stroessner não ficou triste
Pinochet de dedo em riste
Videla entrou de sola:
agora sou eu o dono da coca-cola

três porções de tupamaro azedo
um montonero ao óleo desde cedo
misture bem com o MR 8
em fogo lento até virar biscoito
bata sandinistas em ponto de neve
ponha tampa e abafe de leve
enfeite tudo com um filho

o cão com os dentes no gatilho

antonio thadeu wojciechowski e roberto prado

botando pra poder

E no princípio deus criou os estados unidos da amércia e a união das repúblicas socialistas soviéticas. E, separando o joio do trigo, pegou o resto da macacada e espalhou pelos quatro cantos do mundo, dando início às diversas nações e outros fracassos. E no sétimo dia, em vendo que sua obra era boa, pegou no sono durante uma conferência da onu. E aproveitando a deixa os selvagens deram início à baixaria.


Se peço terra pra viver, sou comunista
Se tenho onde cair morto, sou capitalista
Em guerra santa vale qualquer sacanagem
O Vaticano aumentou a produção de bobagem
O Líbano é uma espécie em extinção
Libidinagem sueca na exportação
Solidariedade é um artigo da Polônia
Leve de brinde um Brasil colônia

Libertê, Igualitê, fraternitê
É coisa pra inglês ver
A última moda na França
É botar pra poder

A comunidade econômica européia
Tem pouco vulcão pra muita Pompéia
No muro de Berlim, diz uma pixação:
Grande revanche no muro da lamentação

Se o pesadelo é só isso a nada mais
Eu volto a dormir em paz
Não porque eu não seja da tribo
O mundo inteiro não vale o meu livro

antonio thadeu wojciechowski e roberto prado



dá-me de beber ou tiro teu saber na força bruta

vê se me obedece
ou você se fode
do A ao S.O.S.

antonio thadeu wojciechowski e roberto prado


tirou a tampa
agora vai beber
se é a hora da onça
adivinhe quem vai se foder

antonio thadeu wojciechowski e roberto prado


o mau pagador de promessas

desta vez você não escapa
vai pagar nem que seja à tapa
sei que até santo te protesta
você não paga nem promessa

preciso de cobaia para um teste
como se esfola vivo um cafajeste?
patife, canalha, filho de um cão
dinheiro não serve pra nada no caixão

o que você deve eu vou por no pau
não é nada perto da conta do hospital
o teu avalista que era bem mais moço
não flutuou com a pedra no pescoço

vou te preparar uma emboscada
se sobrar um osso, dou pra cachorrada
vai por mim pra não ir pro além
eu também não pagava ninguém

antonio thadeu wojciechowski e roberto prado


eu não vou ter amigos aos 40

meus amigos bebem demais
meus amigos fumam demais
meus amigos falam demais
meus amigos brigam demais
meus amigos morrem demais

do jeito que tudo vai
eu vou ficar
na cidade sem cachorro
bebendo sozinho
fumando sozinho
falando sozinho
brigando sozinho
morrendo sozinho

minha cabeça não agüenta
um por um indo pro saco
rezando prum deus babaco

eu chego sozinho aos 40

antonio thadeu wojciechowski e roberto prado


até aqui tudo bem

força a vida inteira
até aqui chegamos
no pau da goiabeira

antonio thadeu wojciechowski e roberto prado


fazendo uma fezinha com um pé no inferninho

só o pensamento não faz
esqueço tudo e durmo em paz
no sonho todo mundo era eu
acontece que não aconteceu

quem nunca se perdeu
não tem perdão eterno

do lado de lá, anjinho,
vá direto pro inferno
você já conhece o caminho

antonio thadeu wojciechowski e roberto prado


imaginem se eu tivesse infância


"e que tudo mais vá pro inferno"

Roberto e Erasmo Carlos

não me venha cobrar pela agressão gratuita
ensinar que é bom ninguém ensina
depois ficam falando por trás das minhas gracinhas
paródias, deboches, escárnios sem o menor respeito
entendam de uma vez que esse é o meu jeito

nunca tive dinheiro pra comprar um livro
os que roubei eram de um mau gosto incrível
todos diziam que eu não valia o sermão que ouvia
dicas, palpites, orientações, exemplos sadios
meus amigos eram todos uns vadios

saber ler e escrever pra mim já é muito
os bons se acham demais pra perder tempo comigo
pra chegar onde cheguei só eu sei o que engraxei
disso ninguém lembra na hora de exigir qualidade
meu escrito e escarrado é o retrato dessa realidade

subnutrido não aprende nada na escola
a dureza da vida foi minha tese de pós-graduação
quem não teve sapato pra jogar tem que entrar de sola
repetidor, inculto, kitch, demodê, estilo indefinido
o que vocês tiram dos livros, eu tiro do ouvido

guardei na pele toda a sorte de humilhações
hoje, quando me querem no picadeiro de letrados
vejo que estava até certo ponto errado
abraços, beijos, elogios: dêem ao coitado do porteiro
minha parte da glória eu quero em dinheiro


antonio thadeu wojciechowski e roberto prado


roteiro para um pedinte mais incisivo


"eu já disse a você
que malandro demais vira bicho
e também já lhe pedi
pra você parar com isso.”

Bezerra da Silva / Nilo Dias


me joga uma grana na mão
te pago quando seqüestrar o avião
eu já agüentei o mais que pude
é duro manter a fama de robin hood

tudo o que eu preciso é de uma força
torça por mim antes que eu te torça
morra com a grana aqui e agora
pra não morrer com ela depois lá fora

ser bonzinho foi o meu grande mal
quero a primeira página do jornal
o inferno vive de cara esperto

meta a mão devagar e no bolso certo
muito cuidado ou viro bicho já
daí não quero nem estar onde você está

antonio thadeu wojciechowski e roberto prado


agora é nunca

“era belo, áspero, intratável”

manuel bandeira


bebida se encontra em qualquer esquina
o caminho do inferno tem muitas labaredas
eu adoro o cheiro da gasolina

quando um não quer dois obrigam
quem mantém a distância segura
já caiu na idade mais madura

abra a porta aos aduladores
abra as pernas aos doutores
fuja enquanto está me entendendo

os tolos te aplaudem por letrado
se vivo você já está sofrendo
faça de conta que não está morrendo

agora é nunca
dê um tiro na cabeça
ou entre na bagunça

antonio thadeu wojciechowski e roberto prado

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Aniversário do Marcos Prado



Eu e o meu querido e saudoso amigo Marcos Prado ( 1961-1996), durante 20 anos de convívio, atravessamos madrugadas e madrugadas descobrindo e nos divertindo com essa linguagem cifrada, cheia de sustos e surpresas, que quem tem um tamborim nos ouvidos pode distinguir em meio à ingênua, ignorante e repetitiva cantilena popular. Não raras vezes, o Walmor Góes, o Trindade e o Edilson Del Grossi estavam lá para animar a festa. Violões afinados, as canções iam surgindo tão natural e prodigamente que, finda a noitada, além das garrafas vazias, cinzeiros entupidos, corpos espalhados sobre sofás e carpetes, sempre havia na mesa dezenas de folhas de papel com as últimas canções, anotações, poemas e algumas loucuras generalizadas que, no dia seguinte, teriam lugar de destaque no lixo que não é lixo.
Orgias poéticas à parte, eu e o Marcos tínhamos ainda outras diversões: leitura e música. Assim fomos lendo e ouvindo tudo que o Brasil e o mundo têm de bom. Lembro que em nossa companhia tínhamos sempre Augusto dos Anjos, Noel Rosa, Jimi Hendrix, Tom Waitts, Frank Zappa, Maiakóvski, Dante Alighieri, Pixinguinha, Cartola, Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola, Adoniram, Lupiscínio, só para citar alguns dos mais assíduos freqüentadores de nossas intermináveis conversas. O assunto mudava muito pouco e estava insistentemente relacionado à precisão, cadência, elegância, adequação e concisão dos termos utilizados nas composições que líamos, ouvíamos ou fazíamos. A bossa do ritmo, eta Walmorzão de Deus!, a batucada das sílabas, a riqueza e simplicidade da melodia, o inesperado da rima, tudo era deliciado e degustado com os extremos rigores que impúnhamos às nossas tresloucadas análises e composições. Momentos de grande iluminação proporcionados pela riqueza da língua portuguesa e sua capacidade de se fundir na melodia, quando a batuta do poeta tem maestria.
Com Marcos Prado, Roberto Prado, Leminski, Sérgio Viralobos, Solda, Dalton Trevisan, aprendi que, em Curitiba, a palavra é de lei. Letras com poesia de alta tensão, versos a laser/lazer, pulsar rítmico das etnias portuguesa, italiana, polonesa, alemã, ucraína, japonesa, africana. Conversa entre pessoas inteligentes e bem humoradas.
Hoje o Marcos Prado faria 44 anos, se estivesse ainda por aqui ia ser aquela festa, como não dá, vão aí pedaços de muitas festas, canções que cantarei hoje com muita emoção.


o calmo e o nervoso

um homem extremamente nervoso
encontrou no bar um homem muito calmo
simpático, o calmo foi generoso
e cedeu-lhe um lugar ao seu lado

o nervoso contou a sua vida
em detalhes inimagináveis
entre um e outro gole de bebida
o calmo bebeu doses incontáveis

os dois, abraçados, já cantavam
quando surgiu um terceiro no balcão
tentou falar mas eles não se acalmavam
tentou brigar mas veio outra canção

(marcos prado , antonio thadeu wojciechowski e walmor góes)

hino a curitiba

amo esta terra generosa
minha pindamonhangaba querida
és amor
és luz
és vida
és entre todas a mais formosa nunca fui tão feliz quanto aqui

(trindade, marcos prado, edilson del grossi e antonio thadeu wojciechowski)


lei de lady

o que direi?
nem sei se esta frase traduzirei
inglês eu não sei
confundo money com every day

preciso consultar o dicionário
aumentar o vocabulário
pra poder mudar meu itinerário
fazer os arranjos no stradivarius

elitizarei
rimarei pônei com saturday
me abobalhei
nem minha própria língua eu sei

(antonio thadeu wojciechowski, trindade, marcos prado)


it’s yeats

se eu me vestisse como os anjos
do sol e azuis da noite os tons
das estrelas do céu os arranjos
em meu panos a luz da meia luz

eu colocaria o mundo a seus pés
mas sou pobre e tendo só meus sonhos
quero colocá-los a seus pés
pise com cuidado, são meus sonhos

(antonio thadeu wojciechowski, marcos prado, luís antonio ferreira)

vigilantes do sexo

pornografia também tem coração
fantasie um pausudo como eu te enrabando
com a unha o calcanhar cutucando

e você me lambendo os bagos de tesão

mulher vestida só vejo a olho nu
nem sempre a buceta é melhor que o cu
o que vale é o sentimento da foda

e isso já vem antes da descoberta da roda

( marcos prado, márcio cobaia goedert, Edson de vulcanis,
edílson del grossi e antonio thadeu wojciechowski)


da américa do sul entrou tudo

vamos invadir o paraguai!
depois é só tomar o uruguai
os ingleses mandaram nas malvinas
por que não tomar posse da argentina?

dizimar a população do peru não vale à pena
mas a do chile com certeza
equador é questão de paciência
a colombina não oferecerá a menor resistência

(o fim da guerra será la paz
vou mostrar pra francesa
pra inglesa e pra holandesa
do que sou capaz)

vamos destruir a península ibérica
e mesmo quem ficar de fora
sem tomar a última não vai embora

vamos separar os estados unidos do américa!

(antonio thadeu wojciechowski e marcos prado)


diário de uma ninfeta prostituída

desde o princípio da humanidade
os homens corrompem as menininhas
em troca de bebida, comida
e queimadura de cigarro

eles chegam em carros possantes
sapato branco reluzente
charutos jamaica, chapéu panamá
e champagnes espocantes

os que vêm para os prazeres da carne
têm à mão um baby beef
uma garrafa de arak
e uma carteira de free

(alessandro wojciechowski, antonio thadeu wojciechowski, marcos prado e edson de vulcanis)


em primeira mão

é duro perder um dedo
mesmo tendo esta mão
cheia de dedos

se minha mão
desse adeus ao braço
daria pra contar nos dedos
quem cederia um abraço

este dedo não me foi dado
tenho a impressão
de que mesmo doendo
eu teria adorado

(antonio thadeu wojciechowski e marcos prado)


decreptulipa

decreptulipa
ninfa náctea
que nectara

lacteralmente
labial
amá-la

fora do quero
criptá-la
vou deixá-la
seja minha amante

(antonio thadeu wojciechowski e marcos prado)

música negra para o black

quero ser preto
preto retinto
da meia-noite
até quinze para as cinco

quero ser chamado
de resto de incêndio
raspa de chaminé
quem disse que eu não posso ser pelé

escurinho, crioulo, pixe, tição
mancha negra, ksuco de feijão
deus de ébano, frango de macumba
desmond tutu

(antonio thadeu wojciechowski, marcos prado, alberto trindade e edílson del grossi)

língua presa

tu tatibitateando
ó o auê aí, ô malandro
você vocabuliza mas não interlocuta
ele não eletrifica, eletrocuta

nós nos nossos ossos somos cromo
vós e vossas vozes vociferais como?
eles não são aqueles mesmos aqueles
doeu, eu soube, não sou nenhum deles

(antonio thadeu wojciechowski, marcos prado e edílson del grossi)

por que, khlebnikov?

lendo maiakovski
o coração é saudado
por thadeu wojciechowski
e marcos prado

plagiando Pound
o coração de novo bateu
a salvos no primeiro round
pelo gongo marcos e thadeu

personificando pessoa
o coração é multiplicado
um heterônimo thadeu
outro, marcos prado

decorando gregório de matos
o coração pela boca desceu
a todos os santos com o marcos
ao inferno com thadeu

escrevendo com augusto dos anjos
o coração se fez tripa e fedeu
ai daqueles que são marcos
ai dos que não são thadeu

(antonio thadeu wojciechowski e marcos prado)


todos os lugares a deus

a idéia que eu tenho de deus é abstrata
toco no assunto sem saber do que se trata
é difícil ser sem querer o que se quer ser
é besteira ter que querer ser o que se tem que ser

deus me livre e guarde da galhofa terráquea
apela para a ignorância o ser de alma macaca
não ao sim que tem em si o tom do não
sim só ao som com o dom do bem e do bom

(antonio thadeu wojciechowski e marcos prado)

comunismo

nas favelas que existem nas cidades
se disputa comida com urubus
difteria, raquitismo, verminose
lá o verme bebe, come e dorme

pro capeta em pessoa é overdose
epilepsia, dentes podres e fedor
a vida dessas crianças é um aparelho
só passa filmes de ódio e terror

não é mole ser feio, fraco e pobre
acabar numa cela de menores
sem canivete, soco inglês e/ou revólver

eles mereciam dias melhores
mas não é isso que resolve
o juizado de menores

(antonio thadeu wojciechowski, marcos prado e roberto prado)


perfume

ao olfato cabe o específico
detectar do aroma exato.
na memória, um objeto explícito
ganha cor, gosto, som e tato.

se na mente o odor não está contido
é natural que gere uma química fascinante
e o organismo vibre em busca do sentido
que, fluido, foge à razão volatizante.

mais do esse poema, o perfumista diz:
“do profundo abismo ao inacessível penhasco,
colhi o que está bem debaixo do seu nariz –
a natureza, corpo e alma, neste frasco.”

(antonio thadeu wojciechowski e marcos prado)


doce adolescência

(para alessandro wojciechowski e daniel prado)

hoje eu saí
na intenção de arrumar
uma qualquer

nunca estive antes
tão necessitado
de uma mulher

seo garçom, faça o favor
de me trazer depressa
a primeira estrela que vier

mas se ela estiver
acompanhada
traga só mais bebida

que a noite é criança
e eu ainda tenho esperança
de arrumar uma mulher

(antonio thadeu wojciechowski e marcos prado)

único amor

fugi pra onde te conheci
você percebeu que eu te percebi
disse “oi”“na chegada e
“vem cá” na saída”
único amor da minha vida embriagada

passei por cima do seu cadáver
e vi que você ressuscitou
subiu aos céus da minha vida
daqui não sai, daqui ninguém te tira
único amor da minha vida embriagada

(antonio thadeu wojciechowski, marcos prado e walmor Góes)

a vingança do povão

tenho fome
da carne que não comi
pena
dos ossos que roí

rato assado
você acha bão?
sabe o que é cheirar lingüiça
e ter que lamber sabão?

(antonio thadeu wojciechowski, edílson del grossi, edson de vulcanis, márcio cobaia goedert,
marcos prado e ubiratan gonçalves de oliveira)

depois de

nunca antes de sentir o drama
só depois do apagar da vela
pergunte pra onde foi a chama
vai ter que viver sem ela
e eu sei que em seu peito há um vulcão
que por dentro ferve, que por fora gela
quando você perceber a explosão
vai ser tarde demais como sempre
pra lembrar que acabou e era bom
antes de acontecer
tudo pode ser diferente
depois de acontecer
tem um depois de

(antonio thadeu wojciechowski, marcos prado e walmor góes)

domingo, dezembro 11, 2005

Dê um livro autografado de presente

Campanha do livro encerra atividades do ano da Biblioteca Pública

"Neste Natal, dê um livro autografado de presente".
Este é o tema da campanha que vai marcar o encerramento
das atividades culturais deste ano da Biblioteca Pública do Paraná.
Na semana de 12 a 17 deste mês, das
15h às 20h, de segunda a sexta feira, e das 8h30 às 12h30 no sábado,
os leitores terão a oportunidade de participar de tarde de autógrafos
com escritores paranaenses que estarão lançando seus mais recentes
trabalhos. Já estão confirmadas as presenças dos escritores
Antonio Thadeu Wojciechowski, Walmor Marcelino, Batista do Pilar,
Roza de Oliveira, Dante Mendonça e Ernani Buchmann.
Os usuários inadimplentes poderão, também regularizar sua situação.
Segundo meu amigo e diretor da Biblioteca Pública,
o Cláudio Fajardo, a idéia é resgatar os leitores com impedimentos
administrativos para usufruirem novamente dos serviços bloqueados.
"Os usuários poderão quitar suas dívidas devolvendo as obras retidas
e liquidar as multas com a entrega de um livro novo, conforme listagem
preparada pela unidade.
Na impossibilidade de devolução, o leitor pode repor a publicação de
mesmo título ou de assunto similar e valor equivalente, e a quitação da
multa com a doação de mais uma obra.
Os inadimplentes apenas com multas
poderão, também, regularizá-las entregando um livro".

sábado, dezembro 10, 2005

Cidades

“E debaixo de uma outra civilização
Bate o coração, ruína dura de roer.”


Roberto Prado

Não adianta fugir e se esconder no meio do mato, pois as árvores não vão quebrar o galho de ninguém. Mas nem por isso fiquem pensando que isso que vocês fizeram com suas cidades é uma coisa normal. Elas são o mundo cão onde a maioria está num mato sem cachorro. Vocês que, com seu egoísmo e suas boas intenções, fizeram de seus habitats um amontoado de gente sozinha, sem pai nem mãe, império do salve-se quem puder. E, pior, cada um por si e Deus contra, como disse o Alberto Centurião.
Nas suas cidades vocês têm todas as desvantagens da falta de espaço natural mas, apesar do empurra-empurra, não aprenderam a desfrutar das vantagens de uma vida amorosa, feliz e solidária. O vizinho pode morrer seco e arreganhado; o irmão, com as mãos à feição de conchas, pode beber água da sarjeta; assim mesmo, vocês não hão de desgrudar o traseiro individualista nem para buscar pão para a mãe querida.
Mas quem são vocês? Originais de onde? Babilônia é sua terra natal? Tudo tem que dar certo? Tudo tem que dar lucro? Tudo tem que ter um preço? De quem vocês estão se defendendo? A quem você atacam?
Ainda bem que existe um outro coração por trás dessas cidades, e, somente ele, por atrito benevolente, vai extrair, de vocês, hoje pedras brutas, o brilho do sol da nova aurora humana. Que assim seja, Mautner!


Imponderabilíssima

A cidade que vejo, nítida, em meu sonho,
não está incrustada nos pontos cardeais,
invisível se ergue imaterializado escombro
no horizonte de meus limites sensoriais.

Nenhum sinal, farol, radar, vai indicar
marco zero, pedra fundamental, obelisco solto,
a Eldorado de qualquer outro sonhar,
aqui e agora não são mais ali daqui a pouco.

O que imagino, o que eu sempre consigo ver,
aparece no meio da noite quando estou sozinho,
mendigo do poço dos desejos pagando pra ser
a próxima esmola das imagens em redemoinho.

Ou então quando, príncipe, todos se curvam,
como se apenas eu, sob os aplausos da cidade,
passasse sob o arco daqueles que triunfam
e, humilde, aceitasse a glória da eternidade.

Mas a cidade, sem nenhum príncipe ou mendigo,
irredutível resiste aos estragos de meu ego.
E assim a essência que revejo fica comigo:
bengala tateando o relevo em que trafego.

Antonio Thadeu Wojciechowski


A volta triunfal

aqui vamos fazer nossa casinha
ali a fábrica não ficará muito longe
uma escola com vista pra montanha
e o templo sem imagem nenhuma

desta vez não vamos sujar o rio
nem inventar leis desalmadas
apenas novamente simples heróis
descobrindo mundos, trocando fraldas

Roberto Prado

Já era uma vez...

inquieto
em Kioto, com saudades
de Kioto

Matsuó Bashô ( Japão, 1644-1694)
Livre adaptação de Antonio Thadeu Wojciechowski

Antes, depois e entre

A Van Gogh

Olhe bem para a sua cidade.
No reflexo do edifício em frente,
Ela surge súbita no detalhe
Quando cai a noite magnificamente.

Mas...ainda não. O dia tarda.
O sol nas ruas, encarnado, deita,
Enquanto o espírito noturno aguarda
E imagem semelhante aceita.

Os becos, avenidas e alamedas
Matizam pedestres e automóveis.
Da janela, aviste as últimas labaredas,
Perfis, silhuetas, sombras móveis.

Veja só: você, a cidade
E o tempo, como as pessoas, passando.
Pode se beliscar à vontade,
Você não está sonhando!

Antonio Thadeu Wojciechowski, Marcos Prado e Ubiratan Gonçalves de Oliveira

Paisagem

Vem, céu, inspira-me os mais puros monólogos.
Dá-me a emoção das estrelas, o amor dos astrólogos,
E, junto ao som dos sinos, deitado, sonhando,
O cântico dos cânticos que o vento vai levando.

As mãos sob o queixo, minhas queixas são nada,
Apenas as fábricas numa trabalheira desgraçada;
Torres, chaminés, mostras de mastros na cidade,
E grandes céus imensos a optar pela eternidade.
(...)

Charles Baudelaire (França, 1821-1867)
Livre adaptação de Antonio Thadeu Wojciechowski)

À flor da terra natal

primavera agora
não vejo nem a cor do céu
como vi em Nagoya

Tokoku (Japão, discípulo de Bashô)
Livre adaptação de Antonio Thadeu Wojciechowski

Lisbon Revisited

(...)
Outra vez te revejo,
Cidade da minha infância pavorosamente perdida...
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...
Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,
E aqui de novo tornei a voltar, e a voltar.
E aqui de novo tornei a voltar?
Ou somos, todos os Eu que estive aqui ou estiveram,
Uma série de contas-entes ligada por um fio-memória,
Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?

Outra vez te revejo,
Com o coração longínquo, a alma menos minha.
(...)

Fernando Pessoa (Portugal, 1885-1935)

Lamentações de Curitiba

(...)

Ó Curitiba Curitiba Curitiba, estendes os braços perfumados de giesta pedindo tempo, quando não há tempo.
Ó Curitiba Curitiba Curitiba, escuta o grito do Senhor feito um martelo que enterra pregos. Teu próprio nome será um provérbio, uma maldição, uma vergonha eterna.
Curitiba, o Senhor chamou teu nome e como o de Faraó rei do Egito é apenas um som.
A espada veio sobre Curitiba, e Curitiba foi, não é mais.
Não tremas, ó cidadão de São José dos Pinhais, nem tu, pacato munícipe de Colombo, a besta baterá vôo no degrau de tuas portas. Até aqui o juízo de Curitiba.

Dalton Trevisan

Grande angular para a Zap (*)

as cidades do ocidente
nas planícies
na beira mar
do lado dos rios
fera abatidas a tiro
durante a noite

de dia
um motor mantém todas
vivas e acesas LUCRO

à noite
fantasmas das coisas não ditas
sombras das coisas não feitas
vêm
pé ante pé
mexer em seus sonhos

as cidades do ocidente
gritam
gritam
demônios loucos
por toda a madrugada

Paulo Leminski (1944-1989)
(*)Homenagem ao fotógrafo Márcio Santos, proprietário da Zap Fotografias, amigo do poeta.

Decifra-me

faz horas
que não ando
na Rua Quinze
faz horas
que não vejo
mais a cidade
essa necessidade
de quem finge
que as ruas
são esfinges

Luís Antônio Solda

Pompéia, São Paulo

o campinho com a trave debaixo do arranha céu
do lado do clube
toupeiras artilheiras
formigas de barreira
placar no minhocão
cinco passos pra dentro do vulcão

José Alberto Trindade

120 minutos em Curitiba

espero que amanheça, não pelo sol, mas pelo ônibus
a cidade está atenta caso eu durma na praça
pra roubar minha jaqueta bota cigarro e o vale-transporte

quero que amanheça, não para acordar, mas para dormir
o primeiro ônibus passa às seis e são quatro
escrever para ficar acordado, única alternativa

peço que amanheça, não pela manhã, mas pela noite
que eu passei bebendo e esperando o primeiro ônibus
e me fez escrever até agora que ele está chegando

Marcos Prado (1961-1996)

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Tristeza demais!


A grande nação alviverde chorou ontem mais lágrimas do que tinha.
Chorou pelos olhos do Evangelino,
nosso eterno presidente, campeão brasileiro de 1985.

Pryscila Maran Vieira


Como eu havia prometido, aí estão alguns cartoons da genial Pryscila. Ídala do Solda e minha também. Adoro o seu traço cheio de graça. E para o ano que vem, uma entrevista com ela. Assim vocês ficam conhecendo essa figura e vão gostar ainda mais dela.

Amor eterno

Aí está mais uma dessas páginas que ficarão eternamente no nosso coração. Eu, Bira, Roberto Prado, Chico Fantasma, Daniel Faria, Hamilton Faria, Cláudio Fajardo, Cobaia, Edson de Vulcanis, ficamos muito tristes com a queda do Coritiba para a segundona. Mas como nosso amor é eterno já estamos a plenos pulmões para gritar "é campeão" e levantar
este caneco que nos falta.

O eterno.

Apesar de fora de moda, o eterno nunca morre. E se manifesta através das pedreiras que, volta e meia, aparecem no meio do nosso caminho. São os São Franciscos, Leminskis, Van Goghs, Garrinchas, que vêm do Além pra nos revelar felizes perfis inéditos, que esquecemos, mas existem, ocultas dentro das coisas mais comuns dessa vida. E, assim, mesmo sem merecimento, somos regularmente abastecidos com bocados generosos da velha e boa eternidade. Hoje, pra facilidade geral do mundão, existem os disk-eternidade, onde, a R$ 4,95 o minuto, você garante uma eternidadezinha tranqüila em até 6 vezes pelo cartão. Mas o preço mais alto do mercado da eternidade é alcançado pelo amor. E o sonhado “amor eterno” não tem nada a ver com a tradicional blasfêmia “até que a morte nos separe”, um enxerto romano pra encher lingüiça nos casamentos sociais – já que para Jesus, a vida é eterna. Tem gente que ainda vai ter que reencarnar mais umas dez vezes pra entender que sua vaidade e seu egoísmo são grandes, enormes, gigantescos, descomunais, mas não eternos. Outros, deitados eternamente em berço esplêndido, vivem um polpudo carnaval, pulando na opulência e batucando no couro dos pobrinhos. Nossas dívidas, sim, são eternas. Mas só quem paga o patinho é o povão que, quanto mais estuda, mais cavalo fica. Pena de morte e prisão perpétua não existem. E a ignorância que não acaba mais ainda acha que o diabo castiga justamente os seus amiguinhos, os malvados da Terra, com suplícios eternos. Só esta prova de falta de fezinha já faz dos crédulos sérios candidatos a colocarem os dois pés no inferninho. A verdade mesmo é que a eternidade (irmã do infinito) é eterna em todas as direções. Tanto faz passado e futuro, ela é eterna para os dois lados. E o instante presente, também não acaba, já que o que chamamos “passar do tempo” é mera ficção. O Universo vai e volta. E, de vez em quando, nos permite 5 décimos de segundo de pura lucidez. Vemos tudo simples, claro, nos sentimos irmãos de todos e de todas as coisas. Um flash de tamanha felicidade que, se soubermos captá-lo, vale um passaporte para a eternidade - que não acaba nem quando termina. Portanto, querido leitor, guarde esta página para sempre.


Destróia

pedra que sobre pedra quer restar
o que eu sou não é mole desmanchar
implosões, marretadas e de quebra
um novo shopping center no lugar

nasci assim. fico sem jeito de morrer
vai a alma, o corpo ainda quer ser
e debaixo de uma outra civilização
bate o coração, ruína dura de roer

Roberto Prado


Marcos eternos

o que aprendi com os amigos
não reneguei nem esqueci
não me acho o melhor dos vivos
e até hoje, que eu saiba, não morri

aprendi, sim, e com maestria
dos todos que até hoje encontrei
o amor pelo que chamam poesia
que é hoje tudo que tenho e sei

imaginei-me ontem o pior de todos
porque almejo algo acima do solo
como se em meu cérebro eletrodos
me jogassem dos 34 anos para o colo

hoje, porém, nascendo o dia azul
olhei pela janela e tudo amarelo –
havia em mim uma espécie de exul
tação aos amigos, à poesia, ao belo

Marcos Prado (1962-1997)


Chama Eterna de Amor

Oh! chama viva de amor que ternamente feres
minha alma no mais profundo centro!
Pois não és mais esquiva, acaba já, se queres,
ah!, rompe a tela deste doce encontro.
Oh! cautério suave, regalada chaga,
branda mão, oh!, toque delicado
que a vida eterna sabe e paga toda dívida!

Oh! lâmpadas de fogo em cujos resplendores
as profundas cavernas do sentido
- que estava escuro e cego -
com estranhos primores
calor e luz dão junto a seu Querido!

Oh! quão manso e amoroso despertas em meu seio
onde Tu só secretamente moras:
nesse aspirar gostoso, de bens e glória cheio,
quão delicadamente me enamoras!

San Juan de la Cruz (padroeiro dos poetas da Espanha, 1542-1591)


O Viver Para Os Outros
(Capítulo 7 do Livro de Tao)

Positivo, negativo.
Onde estão as pilhas do Universo?
Ele dá a vida eterna
e nada guarda pra si mesmo.
Assim, não se gasta,
nunca está sozinho
e ainda lhe sobra vida eterna.

Por estas e por outras o sábio sabe,
mesmo sendo meio desligado.
Engraçado ele ser o primeirão
apesar de estar após o último da fila.
Seu corpo não passa de cavalgadura
que ele não maltrata por ser lerda.

É que ele nada quer para si mesmo.
E não será por isso
que ele não se gasta,
nunca está sozinho
e ainda lhe sobra vida eterna?

Lao-Tsé
(China, 570 a.C., tradução de Alberto Centurião, Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado)



Instantâneos de veloz eternidade

(do livro Ah, é?)

15

Solta do pessegueiro a folha seca volteia sem cair no chão – um pardal.

88


O cão olha para o menino: o sol que move a lua, os planetas – e o seu rabinho.

104

Bolem na vidraça uns dedos tiritantes de frio – a chuva.


Dalton Trevisan


Faz eterno, por enquanto.


Vi quando a rosa se abriu.
Como a eternidade
pode ser tão fugaz?

Thiago de Mello


Vida Eterna

Em nosso tempo,
a vida eterna
perdeu sua função.
É tão inatual,
tão obsoleta,
tão fora de moda
como o primeiro espartilho
de Sarah Bernhard.

Nelson Rodrigues ( 1912-1980)


Eternidade

Ele reviu-se:
não era mais
nem corpo
nem sombra
nem escombros.

Como foi isso?
Tudo irreal:
um barco
sem mar
a boiar.

Ele sentiu-se:
recomeçava.
Vivera
morrendo
numa estrela.

Ele despiu-se
de quê?
De tudo
que amara.
Surdo-mudo
cegara.
Agora vê.


Jorge de Lima (1895-1953)



Natal


Nasce um deus. Outros morrem. A verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.

Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a fé vive o sonho do seu culto.
Um novo deus é só uma palavra
Não procures nem creias: tudo é oculto.


Fernando Pessoa (1888-1935)


Simples eternidades


Grafite

Meu nome,
desenho a giz
no muro do tempo.

Choveu, sumiu.

Cronos

Não é o tempo que voa.
Sou eu que vou devagar.


Helena Kolody


Camarada eternidade

Anos, países, povos
fogem no tempo
como água correndo.
A natureza é espelho móvel,
estrelas – redes; nós – os peixes;
visões da treva – os deuses.

Vielimir Khlébnikov (Rússia, 1885-1922)



Contrição

Quero banhar-me nas águas límpidas
Quero banhar-me nas águas puras
Sou a mais baixa das criaturas
Me sinto sórdido

Confiei às feras as minhas lágrimas
Rolei de borco pelas calçadas
Cobri meu rosto de bofetadas
Meu Deus valei-me

Vozes da infância contai a história
Da vida boa que nunca veio
E eu caia ouvindo-a no calmo seio
Da eternidade.


Manuel Bandeira (1886 - 1968)


A eternidade vai além

Senti um féretro em meu cérebro
e carpideiras indo e vindo
a pisar, a pisar, até eu sonhar
meus sentidos fugindo

E quando tudo se sentou,
o tambor de um ofício
bateu, bateu, até eu sentir
inerte o meu juízo

E eu as ouvi, erguida a tampa,
rangerem por minha alma com
todo o chumbo dos pés, de novo,
e o espaço dobrou

Como se os céus fossem um sino
e o ser apenas um ouvido
e eu e o silêncio estranha raça
só, naufragada, aqui

Partiu-se a tábua em minha mente
e eu fui cair de chão em chão
e em cada chão achei um mundo
e terminei sabendo, então.


Emily Dichinson (EUA, 1830-1886)



Debaixo do tamarindo


No tempo do meu pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cera,
Chorei bilhões de vezes com a canseira
De inexorabilíssimos trabalhos.

Hoje, esta árvore, de amplos agasalhos,
Guarda, como uma caixa derradeira,
O passado da flora brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!

Quando pararem todos os relógios
De minha vida, e a voz dos necrológios
Gritar nos noticiários que eu morri,

Voltando à pátria da homogeneidade,
Abraçada com a própria eternidade
A minha sombra há de ficar aqui!


Augusto dos Anjos (1884-1914)



Que tudo passe

passe a noite
passe a peste
passe o verão
passe o inverno
passe a guerra
e passe a paz

passe o que nasce
passe o que nem
passe o que faz
passe o que faz-se

que tudo passe
e passe muito bem


Paulo Leminski (1944 – 1989)

Um terno de eternidades


O eterno 1

a vida não é bem assim
a vida não termina
no primeiro páreo

a vida
pertence ao usuário
inventa
quem passou pelo inventário

O eterno 2

mas que sensacional!
minha amargura
não sai no Diário Oficial

O eterno 3

a vida passa assim:
na metade
já estamos no fim


Luiz Antônio Solda


A moda eterna

Somente nunca sai da moda
quem está nu.


Mário Quintana



Poeminha do eterno retorno


Então fica assim:
O in vira out
E o out, in


Millôr Fernandes


Tudo é para sempre

assim vivia
de um galho
até o outro

com tantos frutos
quanto sonhar podia

Antonio Thadeu Wojciechowski


A vida é Terra

Como é bom estar vivo
e participar dessa maravilhosa aventura
que é estar sobre o planeta Terra.
Dois terços de água
e ainda sobra espaço
pra tanta gente bela.
Oxigênio pra abrir os pulmões das algas
dos sete mares da Terra.
A terra manda no céu
e o céu é da cor azul do planeta Terra.
Às vezes fico basbaque com o show dos vulcões
expelindo magma pra fora dela.
Pela teoria espírita, os espíritos
adoram rodar a bolsinha em nossa esfera.
Ainda por cima a aurora boreal
que desgraçadamente não posso ver deste ponto da Terra.
E nela vamos girando e torcendo
pra que nos seja leve ela que nos leva.
Sagrado torrão do espaço,
todos, até os que em ti estão enterrados,
te desejam eterna, Terra.

Antonio Thadeu Wojciechowski, Sérgio Viralobos e Walmor Góes