polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

sábado, maio 27, 2006

Piracicaba, aqui vou eu.

Recebi do Chico, lá de Piracicaba, este texto sobre o evento que vou participar dia primeiro de junho. Aos meus amigos de São Paulo só posso dizer uma coisa: todo mundo lá!


Em um mundo pautado pela indústria cultural, a arte marginal ganha espaço como força de expressão de quem ainda consegue observar o sistema de fora e viver sem ser refém dos códigos e valores morais que regem a sensibilidade coletiva. É lá, à margem do sistema, que se encontram os experimentadores, os excêntricos, os alternativos. A descoberta da produção artística marginal é sempre a descoberta de uma fonte de energia nova que ajuda a ativar os sentidos para uma reflexão calorosa sobre a contemporaneidade.

Para ajudar a oxigenar os sentidos e dar vazão a novas linguagens, o Sesc Piracicaba criou o evento “Excêntricos, Alternativos e Experimentais – Ousadia, Originalidade e Transgressão”, que acontece de 1 a 30 de junho, cuja proposta é trazer à tona mundos submersos em um suposto anonimato, acobertado pela produção em série, sistematizada, embalada e rotulada.

Além da arte alternativa, o evento apresentará alguns personagens estigmatizados pela sociedade, porém, que apresentam estilos de vida reveladores da existência de universos simbólicos não-convencionais que podem, se não orientar a conduta humana, dar novas referências sobre o viver. Tratados em sua superficialidade, essas figuras podem parecer estranhas, mas são diferentes e chamam a atenção para o limite entre a lucidez e a loucura, a moral e a imoralidade, o conservador e o destruidor de barreiras.

Longe de querer mergulhar nas profundezas do academicismo, o mês promete um diálogo com esse universo alternativo, repleto de pessoas que, consciente ou inconscientemente, servem de parâmetros, ou ao menos, deveriam servir de parâmetros para a construção de uma sociedade mais criativa e iluminada, seja no sentido poético, plástico ou mesmo antropológico do termo.

Edson Rontani

O piracicabano Edson Rontani (1933 a 1997) é o artista escolhido pelo Sesc para representar a categoria Experimental no evento “Excêntricos, Alternativos e Experimentais – Ousadia, Originalidade e Transgressão”, que acontece ao longo do mês de junho. Popularmente conhecido como um dos criadores do Nhô Quim, mascote do XV de Novembro de Piracicaba, e da coluna Você Sabia?, Rontani foi o principal ilustrador da imprensa local, de 1948 até sua morte, com passagem pelos principais jornais da cidade. Porém, seu trabalho nunca foi devidamente reconhecido.

Seu nome também está diretamente relacionado à história das revistas alternativas no Brasil, porque ele é considerado o precursor do gênero. Em 1965, quando a palavra fanzine (revista de fãs) era desconhecida, Rontani já produzia artesanalmente o “Boletim do Intercâmbio Ciência – Ficção ‘Alex Raymond’”, onde tratava de assuntos relativos ao mundo dos super-heróis, e o distribuía por todo o país para curiosos, colecionadores de HQs e profissionais das artes gráficas.

Para se ter uma noção da importância da iniciativa, nos anos 60 computador pessoal ainda era uma peça de ficção e a tecnologia de produção gráfica era de uso restrito das grandes empresas. As produções alternativas eram raras. Nem por isso Rontani, vivendo no interior do estado, onde tudo demorava mais para acontecer, se acomodou. Seus primeiros boletins foram produzidos em mimeógrafo à tinta, com textos datilografados no estêncil a máquina sem fita, e desenhos feitos com estilete.

A mostra “O Universo Gráfico de Edson Rontani”, que abre dia 1º de junho, no Espaço de Exposição do Sesc, às 19 horas, traz, portanto, um panorama da produção do artista, que revelou ainda na infância seu talento para as artes gráficas. A mostra abrange cartuns, charges, caricaturas e fanzines. Na noite de abertura, será distribuído um fanzine Ficção, versão beta, produzido pela artista gráfico Valdir Ramos, com texto de Romualdo Cruz Filho, que apresenta o mundo cultural do homenageado.


VANguarda

Vanguarda americana? Vanguarda Européia. Não simplesmente Vanguarda pop brasileira. Ou melhor, VANguarda, um movimento em que todo mundo ficará de olho para não perder seu espaço lúdico na VAN. E qual o segredo que esta VAN guarda? Guarda artistas alternativos que surgirão de súbito nos espaços públicos da cidade para apresentar cápsulas de literatura experimental. As poesias do Polaco da Barreirinha Antonio Thadeu Wojciechowski e do Chacal serão, pela primeira vez, sentenciadas em Piracicaba a vivo som.

Raro, raríssimo e não é sonho. A cidade, enfim, entrará em sintonia com o que de melhor se produz no universo alternativo brasileiro, onde despontam nomes como Ivan Justen, Domingos Pelegrini, Mário Bortoloto, Augusto dos Santos, Ademir Assunção, Marisa Lobo, e mais um tantão de gente que já se desprendeu do lugar comum da arte-padrão e pira na heliosfera, como astros descodificados-recodificadores.

Se você ainda não entendeu do que se trata, não precisa dar um tiro no ouvido, porque isso não fará aumentar nem diminuir a preocupação com a qualidade do destilado onde vai boiar o limão. Precisa sim dar vez ao desconhecido e estar livre pela cidade nos dias 1 e 2 de junho, para se sintonizar em coisas que não se ouve por essas plagas. Sim, a VAN guarda poesia e poetas de primeira.

Então vai ser aquela coisa de prender palavras com palavras na cola de band-aid para proteger as feridas expostas de um mundo onde não se cria e tudo se destrói para virar poesia. E os curiosos conhecerão o mundo de Antonio Thadeu Wojciechowski, que se autodenomina poeta, compositor, publicitário, professor de literatura e língua portuguesa e pai de 4 filhos (Alessandro, Alua, Paola e Kevin).

Ah, o Chacal, quem é? Lá vai: “Brasil, Sudeste, Rio de Janeiro, Gávea, Homem, de 46 a 55 anos, Arabic, Afrikaans, Esportes, Tabacaria... Bem-humorado”. É um homem do mundo das artes. Arte pop, que vem em Pira de VAN.






3 poemas para o fim de semana.


Lá vou eu para Piracicaba. Vai ser bem legal aprontar mais umas com o Chacal.
Vamos invadir espaços e mandar bala nos piracicabanos. Depois vou a Sampa, tratar do lançamento do Não temos nada a perder, com o Mário Bortolotto e o Sérgio Viralobos.
Até lá divirtam-se com esses poeminhas e não deixem de visitar os blogs, com links ao lado.
Tem sempre muita coisa boa.

Até a volta.

Thadeu.






vit(r)al



Foi preciso, meu querido Gaughin,
um Cristo amarelo cristalino
para que Jacó visse ainda menino
a profissão do breve enquanto Van
Gogh corta. Vacas no Bebedouro
não aqui, mas acolá no matadouro.
Foi preciso teu precário estar
pra estares em ti, pois foras buscar
todas as cores que, apesar de em ti,
pensaras encontrar ali em Taiti.


Antonio Thadeu Wojciechowski



causar espécie


células vivas
uma
duas
bilhões de belas libélulas

visões do fundo
do poço:
medula
carne e osso


Antonio Thadeu Wojciechowski



Cai-te um ano

Para o Solda no nascimento de seu filho Caetano

a montanha de neve
cresce com a neblina
até que o sol
muito mais branco
faça chorar
um rio
um cio
um pranto
salto em todo o escorrer da colina
e depois ainda
muito antes do sol se por
tu - criança linda –
na mão e no dedo de cor
pintarás um céu azulado
e muitas estrelas tantas
que não saberás se a colina
foi teu refúgio
teu ócio
teu poema
tua pena
que de palavras santas
fizeram de teus ossos
ossos do ofício

Antonio Thadeu Wojciechowski

quinta-feira, maio 25, 2006



Augusto dos Anjos e dos Homens


A mãe declamava Augusto dos Anjos
E eu adorava aqueles sons estranhos.
Hoje, depois de tantos e tantos anos,
O poeta e eu, juntos, vamos que vamos.

Amo sua vida, sua obra, de um jeito
Que, às vezes, chego a pensar que ele,
Somente ele, meu amigo do peito,
Sente minha dor, sacia minha sede.

Aprendi com o mestre da Paraíba
A fazer das tripas o coração,
Para que, em cada verso, eu consiga

Deixar vibrar os acordes da emoção.
E minha alma seja uma chama acesa
nos céus, cobrindo o mundo de beleza!

Antonio Thadeu Wojciechowski







Alma de Poeta


Me alcance a alma que deixei nas ruas,
Deve estar por aí vagando penada,
Virando latas de lixo a coitada,
Com a cara amassada, cheia de rugas.

A alma é minha e minhas suas agruras,
Pra qualquer outro ela não vale nada.
Comigo ela sabe que está em casa,
E pode aprontar mais uma das suas.

Se a minha alma fosse mala sem alça,
Eu mal a reconheceria nessa lama:
lugar comum na calçada da fama.

Mas essa alma eu fiz com toda calma,
E não está completamente perdida,
Essa alma é a alma da minha vida!

Antonio Thadeu Wojciechowski





quarta-feira, maio 24, 2006










Chá de sumiço

Todo mundo amava Margarida no nosso bairro.
De longe, todo mundo a amava.
Todos nós amamos aquela pequena notável,
Irredutível no sonho que ela guardava.

Ninguém mais a viu, ninguém recebeu notícia,
Ninguém sabe por que ela fez as malas –
Uns trapos velhos e algumas bugigangas –
E, sem dar adeus, tomou chá de sumiço.

Foi, de uma vez por todas, o pequeno queixo
Apontando à sua frente e o revolto cabelo
Esvoaçando solto do seu inseparável boné,
Nossa dançarina, nossa cantora, nossa mulher!

Alegre e apaixonada, nossa amante cadê?
Éramos dez ou cem seguindo Margarida?
Éramos oito ou oitenta de alma enferma?
Margarida era a razão da nossa triste vida.

Todo mundo amava Margarida no nosso bairro,
Mas agora ninguém sabe onde ela está.


Carl Sandburg

Livre-adaptação de Antonio Thadeu Wojciechowski








Cão Policial

- Bom dia! Saudei o cachorro policial.

- Como vai? Disse, me olhando por inteiro.
Todo ladrão que passa, é fatal,
Não fica em bons lençóis, sinto-lhe o cheiro,
Graças a esse meu faro sem igual.

Nisso, aproxima-se um mau político,
Que, se eu não me engano, é deputado.
Ao cão pergunto: - o que diz seu faro crítico?
- Nada, hoje estou muito constipado.

Com toda essa esperteza e malícia
Esse cão chega a chefe de polícia!

Trilussa (1873-1950)

Livre adaptação de Antonio Thadeu Wojciechowski



terça-feira, maio 23, 2006







Quadrinha esperançosa


Se, um dia, já não distinguirem um poeta
De um pardal vagabundeando na praça,
Então, a humanidade estará salva
E o mundo pronto, pra fazer a festa!


Antonio Thadeu Wojciechowski



segunda-feira, maio 22, 2006






Vida de Poeta


Até onde vou, todo mundo sabe,
Vou ver se ainda estou na esquina
Antes que essa poesia louca acabe
E eu já não saiba a que ela se destina.

O coração no peito rufa, bate,
Escoiceia e vai ao encontro da rima,
Como um cão que pra própria cauda late,
E dá voltas, e, em círculos, gira.

Talvez esse lirismo que me invade
E me leva a escrever linha após linha
Seja só ego e o cúmulo da vaidade.

Pode ser também apenas a idade,
Lindezas que o tempo na gente inspira,
Depois de tanta espera na fila!


Antonio Thadeu Wojciechowski







Idéia de chuva


Segunda-feira, vinte e dois de maio,
Curitiba amanheceu de cara azeda.
Frio, é hoje que de casa eu não saio,
E, pra esse frio com chuva, a receita

É fazer o que me der na veneta.
Está bom pra escrever, não dá trabalho,
É só sentar a bunda na banqueta
E algo acontece quando me distraio!

Um bom poema cai do céu como um raio,
Dá pra ver quando o poeta tem estrela.
A idéia, por incrível que pareça,

Surge do nada, vem, bate de estalo,
Se ajusta à palavra que a esclareça
E pronto, está feito o estrago!

Antonio Thadeu Wojciechowski




sábado, maio 20, 2006





enterrem o coração na curva do rio



a água desse rio
volta e meia passa
pela minha vida

reconheço, o fio,
que nos une, à faca
corto pra que siga

não só fim de sede
o que anuncia
mas guarda-chuva

gravidez de verde
pão nosso de cada dia
logo após a curva

se é água funda
não sei e tenho raiva
de quem sabe

mas a lâmina corcunda
é bom que saiba
da ferrugem e do zinabre

pois desse rio
conheço a pressa
como a minha palma

e, sagrado, o rito,
este jamais cessa,
somente salva

benigna a origem
tem sempre a mesma água
o enigma da esfinge

e é dessa água o gosto
da lágrima que leva e lava
a alma no meu rosto


antonio thadeu wojciechowski









balanço



tudo que aprendi
ensinei em dobro
tudo que senti
doeu no lombo

tudo que amei
perdi no jogo
tudo que ganhei
doei de novo

me restou esse coração louco
espalhado pelo corpo todo


Antonio Thadeu Wojciechowski




quinta-feira, maio 18, 2006

O poeta faleceu, domingo, aos 100 anos de idade.



A birra

essa palavra que eu disse
em um momento de raiva
não tem peso, é tolice,
não vale um ramo de malva,

mas existe outro caminho,
um pé nele, o outro na cova,
neste chão, meu pedacinho
é sal que a terra ignora.

lá, os pinheiros exclamam
pontos entre a vida e a morte,
minha estrela me deu sorte;
outras, apenas me danam.

pudesse chorar, chorava,
mas envelheci demais
pra ser criança adotada
ou aquele que vai sem pai.

pra quem irá a ira do peito-
o meu mal amado jeito-
aos aconchegos do amor
ou à chama que nos queimou?

Stanley Kunitz
Livre adaptação de Antonio Thadeu Wojciechowski

Direto de Cascavel para o mundo





Universo em corpo e alma.


Sempre e sempre, minha poesia,
A eternidade não passa de um dia,
Quando o sol afinal perder seu posto
Não haverá nem sombra do meu rosto.

A este céu, que queima meus miolos,
Devo o refúgio para meus olhos,
Mas se, por acaso, olho pra dentro,
Já não há mais a questão do tempo,

Pois o tempo, em pessoa, alma do espaço,
Vem comigo, imóvel, passo a passo,
Em cada palavra ou mínimo gesto.

Assim me vejo inteiro neste verso,
E neste verso, brilho de um único astro,
Vejo a vida expandindo o universo!

Antonio Thadeu Wojciechowski



terça-feira, maio 16, 2006





3 poemas para cobrir minha ausência nos próximos dias.
Não deixem de comentar e nem de visitar os links abaixo (até agora não consegui entender como eles foram parar lá).

Até semana que vem. Beijo a todos.

Polaco da Barrerinha




em si

rimas rios risos riscos
vale de lágrimas para um rio são francisco
rosários rosas ritmos
leva de delírios e rabiscos
o poema avança sobre a folha
sem ter escolha:
nenhuma posição
filosofia
atitude
política
apenas a palavra
viva
em frente
querendo ser mais que a gente


Antonio Thadeu Wojciechowski







pra pai
até que levo jeito
pra mãe
não tive peito


Antonio Thadeu Wojciechowski





que todos
os santos dumont
te guardem

eu, aqui da terra,
te desejo
14 bis

Antonio Thadeu Wojciechowski




segunda-feira, maio 15, 2006

O Mário Bortolotto escreveu melhor que eu


O DOCE GIGANTE


Paulo Friebe foi um dos caras mais doces que conheci. O sujeito era um gigante de gargalhada espalhafatosa, um Obelix curitibano, sempre trajando camiseta regata e bermuda no mais inóspito inverno da capital paranaense, com seus indefectíveis salgadinhos e um bom humor colossal, do tamanho do seu enorme coração. Tive um estranhamento com ele por conta de suas opções estéticas na direção da montagem curitibana de “Nossa Vida não vale um Chevrolet”. Mas felizmente o estranhamento passou e voltamos a conversar e eu voltei a ter o privilégio de compartilhar de sua amizade e camaradagem irrestrita. A última vez que o vi foi em Londrina, quando participamos juntos de um filme. Ele me falou de seus projetos cinematográficos (ele era o verdadeiro “louco por cinema”) e de sua amizade incondicional com o Jota Eme (nosso grande amigo em comum). Lembro que uma noite na casa dele em Curitiba, a gente ficou enchendo a cara. Paulo não bebia, ficava comendo seus salgadinhos e rindo estridentemente de seus amigos bêbados. Paulo morreu ontem, aos 44 anos, vítima da merda de um derrame. Jota Eme ligou chorando e contou pra Fernanda. Ela só me contou ontem à noite. Me veio imediatamente a imagem dele andando pela rua com sua sacola, bermuda e camiseta regata. E a gente perguntando: “Porra, Paulão, tá o mó frio do caralho. Como é que você consegue andar vestido desse jeito?”. Ele não respondia nada. Apenas gargalhava. E aquela gargalhada costumava aquecer a gente. Se uma nuvem tremer no céu, não liga não. É o Paulinho que anda chacoalhando tudo por lá, ferrando o sono dos anjos com sua gargalhada incomparável. Fica em paz, meu Amigo.


Mário Bortolotto




Pareço que não rezo



Hoje acordei faltando alguma coisa:
Um parafuso a menos eu achei pouco,
Um saldo positivo no meu bolso,
Minhas boas ações subindo na bolsa.

Me olhei demoradamente no espelho,
Analisando mãos, pés, rins, alcatre,
Detalhe por detalhe, parte a parte,
Sem piscar o olho e sem franzir o cenho.

Aparentemente me achei completo,
Tudo estava em seu devido lugar,
Mas não consegui me tranqüilizar
E a inquietação deixou-me esperto.

De repente, com um grito de eureka!,
Que se espalha pelos cantos da sala,
Eu, sentindo a presença do que falta,
Constato a verdade da descoberta.

Sim! Claro, é isso, descobri, enfim,
E, sem me despedir da realidade,
Me ajoelho e, num ato de auto-piedade,
Rezo para um Deus que não crê em mim!


Antonio Thadeu Wojciechowski




Deus, me dê coragem


Meu Deus, me dê a coragem
De viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
Todos vazios da Tua Presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
Como uma plenitude.
Faça com que eu seja tua amante humilde,
Entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
Com esse vazio tremendo
E receber como resposta
O amor fraterno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha coragem de Te amar,
Sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com nada
E mesmo assim me sentir
Como se estivesse plena de tudo.
Receba em Teus braços
O meu pecado de pensar.

Clarice Lispector

domingo, maio 14, 2006



Eu, Cláudia Becker, aniversariante do dia, e o nosso querido amigo Marcos Prado, a caminho de Superagüi. A foto é da Léia, que hoje vive no RJ.
Tudo de bom pra vc, querida e muitos, mas muitos anos de vida.

sábado, maio 13, 2006

lula x morales







Olhe só como são esses rapazes
Enquanto eles brigam
Eu solto gases



Antonio Thadeu Wojciechowski




quinta-feira, maio 11, 2006






O outono não mora mais aqui


Frio. Muito frio. A noite vem com vento.
Da janela de casa, posso ver
A rua e as folhas em movimento,
Procurando um canto pra se aquecer.

O outono em Curitiba é raro,
Há inverno e veranico de maio.
Enrolado num cobertor, escrevo,
sem vocação pra estátua de gelo!

O céu pesado agora vem abaixo,
Não sei se nuvem, neblina ou fumaça
Imprime fantasmas na vidraça,
Que com o hálito quente eu opaco.

O conforto da casa me anima,
Esfrego as mãos para aquecê-las,
E sopro-as, e cubro-as, e sento em cima,
Até senti-las novamente acesas.

“Agora é nossa vez!” Gritam os pés.
Ágil, troco o chinelo por pantufa
E digo pra mim mesmo: tudo dez.
Enquanto o cobertor me encaramuja.

Lá fora, as nuvens azulam de vez.
O céu mostra sua cara estrelada
E eu, atento como um gato siamês,
Leio as estrelas sem entender nada.

Quem sou? De onde vim? Para onde vou?
Mil vezes pergunto e mil vezes calo
Sem resposta, como quem perde um gol
Quando tinha tudo para marcá-lo.

Agüenta, coração, agüenta firme.
O amor ainda é a forma mais sublime
De entender o que é inexplicável
E, sentir, o verdadeiro milagre!

O dia não tarda a amanhecer,
Um galo longe canta sem parar
E, aconteça o que acontecer,
O poema já deu o que tinha que dar!

Antonio Thadeu Wojciechowski







Aproveite e peça agora mesmo o seu exemplar do livro Não temos nada a perder.
Deposite R$ 25,00 na Caixa Econômica Federal, agência 0374, c/c 20597-7, em nome de
Antonio Thadeu Wojciechowski e envie o comprovante para thadeupoeta@yahoo.com.br,
você receberá o livro em 3 dias.


Esta recriação de um poema de Shakespeare, é um dos textos do livro.

espermadulário


desperdiçar o precioso sêmen numa greta
debilita o esbanjador e vitamina a luxúria
e luxúria em ação é deliberadamente proxeneta,
perversa, pérfida, perjura, espantadora, espúria.

tão logo abatida quanto de pronto descartada,
ídolo abandonado ao ódio do adorador,
luxúria volta ao seu disfarce de isca armada
para prostituir o próximo propício pescador.

loucos de água na boca: enfim dois
(e pensar que este fato pode gerar um feto).
nada de nada sobra depois do depois,

antes o sonho mais querido, no final, um espectro.
tudo isso sabem todos, mas ninguém sabe ao certo
evitar o paraíso que antecede o inferno.

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos


Catarina, eu, Mary, Edson e Márcio Goedert, no saudoso Bar do Meio.





Três poemas de Antonio Thadeu Wojciechowski e Édson de Vulcanis





1




Ai que saudade da sardinha,
Que triste fado, tão enlatadinha...
Por que apertaram tanto assim a coitadinha?
Estou sozinho neste barco sem rumo
Não sei se fumo
Ou se assopro a velinha
Há muito tempo eu não saio do lugar
Mas se foi assim que Cabral descobriu o Brasil
Mesmo com toda essa calmaria
Chegarei a tempo de abrir minha padaria



2


a poesia suspira aliviada
uma canção acaba de ser criada
sobe aos céus
mais uma alma penada



3



o meu carro passou a noite com o mecânico
em pânico, eu não sabia o que fazer
ele com as mão peludas na rebimboca da parafuseta do meu amor
quem esse sujo de graxa pensa que é?





quarta-feira, maio 10, 2006





Minha Madrasta


Curitiba, a cidade onde nasci,
É um lugar estranho pra caralho,
Já foi linda, pacata, um biscuit;
Hoje ela nem sabe mais quanto valho.

Ela é tão européia, que aqui
Não é mais Brasil. Colcha de retalho,
Curitiba é obra do Ivo Pitangui.
Vidro, arame, acrílico e plástico

Mudaram completamente a paisagem.
Eu não sou, Curitiba não é mais,
O que era lar, agora é só passagem.

Foram-se seus bares da vida inteira,
Foram-se seus artistas principais,
Ser poeta hoje é uma pedreira!

Antonio Thadeu Wojciechowski








Poema para um amigo que pirou completamente na hora da separação e alternou profundas crises de choro com momentos de completa euforia, durante 3 anos e meio.



Amor é pra sempre.


Onde está você que não a vejo?
Já não sinto o seu rosto, seu beijo,
O afago íntimo e sempre mútuo,
O forte abraço, apertado e justo.

Mas se não sinto, por que eu me queixo?
Se acabou, fim, tchau, pronto está perfeito,
É inútil discutir, a dor vem junto
E a raiva nos cobra um alto custo.

É melhor assim, os dois separados,
Antes sós do que mal acompanhados.
Mas se tudo é tão fácil, racional,

Por que essa ausência de ponto final,
Me lembra longos punhais enterrados
Fundo, a sangrar o meu órgão vital?

Antonio Thadeu Wojciechowski




Continua o debate, dê a sua opinião.



Thadeu:

“Eu não acredito en revistas literárias. Pero que las hay, hay".

Solda


terça-feira, maio 09, 2006

Se vc não tem o que fazer, faça aqui.






Diariamente, eu visito alguns blogs. Vcs têm ao lado os links, é só clicar e pronto. Mas tenho que dar um toque aos que me visitam diariamente. Dêem uma olhada no último post do Roberto Prado, que obra prima! No comentário sobre o texto do Bob Dylan do Mário Bortolotto, simplesmente genial. No poema Um poeta todo Prosa, do Comedor de Ranho. Nas maravilhas do Solda, na loucura do Guardador de Vaca. Ô, meus amigos, todos os dias é um aprendizado. Prazer, fruição, alegria e o que mais mesmo? Digam aí!


Bjs


Thadeu







Recado ao Leitor

"um poeta sentado
é um poeta em pé-de-guerra"


Solda

se me dissessem que morria
eu ainda assim vivia pra crer
não tenho muito tempo pra ser
menos que um deus qualquer

faço poesia com meu sangue
e sei que mais dia menos dia
esse verso será mais antigo
que o mais antigo big bang

o universo é trapaça da mente
maya diria um sábio hindu
quem quiser ficar pra semente
que vá tomar no olho do cu

tem as obras que não escrevi
eu diria pra mim mesmo
diante do contrariado espelho
esse que ainda não parti

mas, amigo, a mão é leve
como leve é a brisa da manhã
se o tempo faz o que deve
o inverno é doce bênção da lã

o idiota da objetividade citaria:
ó dia!, ó vida!, ó céus!, ó azar!
mas pra você eu não mentiria
não temos muito o que conversar

então stop aí, leitorzinho de merda,
quem não fez nada ainda, que faça,
em todo o planeta há sinais de fumaça
e um poeta sentado em pé-de-guerra!

Antonio Thadeu Wojciechowski

segunda-feira, maio 08, 2006




Estações da Alma


ainda que triste você caia,
é muito bom que saiba,
um sol não cai antes da hora,
também, a lua não demora.

não desanime, não esmoreça,
nem deixe que a mágoa cresça,
a vida vai e vem em ciclos,
tonteia quem anda em círculos!

ainda que você não possa
trazer todo encanto de volta
e tenha que pisar na relva
e em suas flores ressequidas,

não se aflija por essas vidas,
acalma o peito e sossega.
em tudo o tempo é remédio,
basta a força do teu credo!

ainda que você não a veja
a beleza existirá pra sempre
e onde quer que você esteja
ela estará bem na sua frente!

haverá tempo para a aflição
mas nunca para a rendição.
haverá tempo para a alegria,
amanhã será um grande dia!


Antonio Thadeu Wojciechowski



domingo, maio 07, 2006







Revistas Culturais
Inteligência, pedantismo ou mistificação?



“Sábio não tem opinião nem sentimento.
Nem por isso deixa de saber o que o povo acha
E de sentir muito o que o povo sente”.


Lao Tse – Livro de TAO


Minha alma calafria só de ouvir alguém dizer: - é uma revista cultural. Em meio a raras exceções, já li tanto embuste, tanta mistificação, que resolvi tirar esse assunto a limpo, com uma pequena ajuda dos amigos. Uma das coisas que mais me incomoda neste mundão de fariseus e sacripantas, juro, é a tentativa que alguns grupos fazem de provar que só eles estão certos. Formam verdadeiras quadrilhas e tomam de assalto cadernos 2, publicações de arte e literatura, universidades e, é claro, as revistas culturais, onde sem dó nem piedade se utilizam de um dialeto intelectualóide para bestificar a humanidade. A poesia concreta que o diga, seus criadores fizeram uma valiosa e necessária revolução e há cinco décadas aproximadamente, em vez de continuarem a fazer poesia, estão se explicando, teorizando, mistificando, dizendo o que não se diz nem prum cachorro. E essa defesa, de certa forma, incorporou-se à arte em todas as suas manifestações gerando algumas obras primas, é verdade, mas também milhares de aberrações e, no mínimo, um milhão de teses sem tesão, tentando justificar o festival de besteiras que meia-solou o país. Em 1978, imagine hoje em dia, cansado dessa discussão estéril, escrevi:

Como é que vão as coisas?

Cala a boca, coisa ruim! Você não está falando coisa com coisa. A coisa não está preta coisíssima nenhuma. Você está com muita coisa pra cima de mim, mas eu lhe peço só uma coisa: deixe a coisa em paz pra ver como é que a coisa fica. Alguma coisa me diz que por uma coisinha de nada eu deixei de lhe dizer uma porção de coisas. Outra coisa: baixe neste centro mas com o espírito da coisa. Não precisa ser aquela coisa, mas, pelo menos, uma coisa muito louca. Ou, ainda, uma coisa tão estranha que, mesmo que pareça sempre a mesma coisa, seja coisa do outro mundo. Pois de todas as coisas, no fim, sempre resta pouca coisa. Ah, só mais uma coisa: a vida tem dessas coisas. E coisa que não acaba mais. Se você não concorda, o que não é lá grande coisa, escreva, pinte, cante, dance, faça qualquer coisa. Só não me deixe coisando sozinho!

*****
Como não tenho vocação pra dono da verdade, peguei o telefone, passei e-mails, pesquisei, fui à casa de alguns amigos poetas e escritores para saber o que eles pensavam sobre as chamadas revistas culturais e como eles gostariam que elas fossem.
Com vocês, algumas coisas para se pensar.


Gostaria que revistas e suplementos culturais fossem editados não para iniciados, mas para iniciantes, de forma a formar público leitor/cultor, pois iniciados e panelinhas já temos demais. Vejo uma mistura de Super Interessante com Seleções, mais ou menos na linha do que tenta fazer a Discutindo Literatura.

Domingos Pellegrini Jr., poeta e romancista


“Primeiro, gostaria que fossem muitas, bem mais do que as que temos hoje no Brasil. Se pegarmos um país como os EUA, onde há cerca de 7 mil revistas, entre marginais, acadêmicas e o escambau, fica evidente que ainda temos muito chão pra caminhar. Mas com a internet, os blogues, as revistas culturais estão passando a ser eletrônicas, isso abre um outro campo totalmente novo de difusão e circulação de informação cultural. Entre as eletrônicas, posso citar a Zunái, a Mneumozine, a Capitu, a Agulha, Cronópios, entre outras. Entre as revistas de papel, entre as que temos, acho que cada uma tem um perfil, uma proposta. Na Coyote, que já está no número 12, já publicamos mais de 130 autores nesses dois anos. É uma revista de criação, basicamente, e abre espaço para ensaios kamikaze, fotografia, quadrinhos e textos criativos de prosa e poesia, tentando abarcar várias vertentes. Perguntado sobre qual é nosso critério editorial, um dos editores, Ademir Assunção (o outro é Marcos Losnak), respondeu que publicamos coisas que gostaríamos de ler numa revista. Acho que ele matou a pau a questão. Na Coyote, felizmente, temos tido a sorte de lançar em primeira mão autores que depois foram descobertos por editores, e publicados, como Micheliny Verunschk, Nilo Oliveira, Jorge Cardoso, João Filho, entre tantos outros. Essa é uma das funções de uma revista, no nosso ver. Nossa sorte é que os três editores são amigos há 20 anos, o que facilita pra caralho o processo. Sem stress nem paranóias, o que acontece muito em projetos coletivos deste tipo”

Rodrigo Garcia Lopes, poeta, tradutor e compositor


Gostaria que fosse como a revista Nossa História. Como é a revista Cult. Como foi a revista Radar. Como é a revista História Viva. Como era a revista gaúcha Aplauso, hoje está ruim. Como é a revista Grandes Líderes da História. Como era a revista Paratodos. Como era a revista carioca O Cruzeiro. Como é a revista Bravo.

Valêncio Xavier, jornalista e escritor



Quando ouço falar em cultura, saco logo a minha piroca. Mando bala. Bala
Zequinha, que é cultura. A bala, não as figurinhas. Figurinhas manjadas
também não são. A Cicarelli é cultura inútil, mas ninguém vai exigir isso
dela. Ela tem micose no pé, micose é cultura. Ou exige exame de.
Como a próstata do deputado. Esfíncter é cultura, assim também a TV. TV
Cultura - Canal 2, as outras não. Big Brother é cultura, na versão
orwelliana. Borduna é cultura. Depois de acertar a cabeça de outro, só cultura
jurídica salva. Paulo Coelho é cultura e auto-ajuda. Seus livros o
auto-ajudaram a ficar milionário. Todo milionário é cultura, na parede. Conheci uma dona cheia da grana que tinha um Picasso no banheiro. Morava no Rio, a cidade mais cultural do Brasil. Lá tem cultura em todo canto, na academia anda em falta, isso eu sei. Só não sei se falta uma revista cultural.

Ernani Buchmann, escritor e publicitário


Vivemos numa era de excesso de informação, de muita variedade e pouco aprofundamento. Num veículo de informação cultural, penso que as matérias devem ser generosas com os assuntos que tratam e não um depositário de idéias e informações repetitivas. Falar sobre cultura é uma forma de extensão da própria arte, o que explica minha aversão à superficialidade. Para quem gosta de milhares de notinhas, que vá ler partitura de piano...

Pryscila Maran Vieira, cartunista


Eu não gostaria que elas fossem, pois há muito não as leio. Revistas culturais me parecem pedantes, turbinadas e tediosas, por isso deixei de lê-las. Quando muito folheio, vejo umas ilustrações, leio um-que-outro poema e deixo-as de lado, cansado de seus ensaios maçantes, seus críticos frustrados destilando veneno e vanidades, cagando sapiência em meio a textos xoxos e poemetos tíbios, entremeados por figuras rococó-futuristas em que design se traveste em desenho. Falta-lhes alma, espírito, o sopro de uma idéia renovadora e reveladora, onde o leitor se reconheça. Mais parecem revistas de bordo, impressos de luxo em papel couché, “caras”, cults, leitura anestésica para a sala de espera do dentista, espelhos burgueses para egos inflácidos. Diga-me que tem uma idéia nova, que existe uma revolução em marcha, que há críticos engajados em uma proposta renovadora e autores dispostos a romper padrões, poetas e desenhistas dispostos a voar sem parapente numa utopia, e acreditarei numa publicação que valha o papel em que se imprime. Não há sentido em discutir forma sem idéias, havendo um conteúdo a forma existirá. Tu o disseste, Thadeu: “novo é o ovo que a galinha não bota de novo.

Alberto Centurião, poeta e dramaturgo



Acredito que os antepassados das revistas culturais tenham sido os fanzines literários. Alguns caras em Londrina faziam isso. Editavam e xerocavam fanzines de alta qualidade literária e estética. Descobri grandes autores nesses fanzines e sou muito grato aos caras que tiveram a manha de fazer esse trampo. Hoje em dia há ótimas revistas culturais. Eu destacaria a "Coyote" dos amigos Ademir Assunção, Rodrigo
Garcia Lopes, Marcos Losnak e Joca Terron.

Mário Bortolotto, escritor e dramaturgo



Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,/ Abranda as rochas rígidas, torna água/ todo o fogo telúrico profundo/ E reduz, sem que, entanto, a desintegre,/ À condição de uma planície alegre/ a aspereza orográfica do mundo!

Augusto dos Anjos, poeta



Acho que uma revista (um meio de comunicação que, como todos os outros meios, está sempre aí na busca de sua fatia de massificação e faturamento, por supuesto) de cultura tem de levar em conta o histórico, as raízes e as conseqüências de todo fenômeno cultural, desde uma receitinha de nhoque de D. Firmina até aquele grupo de funk-rock-hip-hop-ska-pop que estão insistindo com seu barulho infernal ali no... digamos, Xaxim.

Tiago Recchia, cartunista


Acredito que o mais importante para revista cultural é a crítica séria e isenta sobre arte, (novos e esquecidos artistas, uma vez que a imprensa endeusa os pop stars de sempre), divulgar o teatro e a música independente (que será a música do futuro), abrir espaço para os novos poetas e contistas, além dos desenhistas e chargistas desse provinciano Brasil. É isso.

Édson de Vulcanis, poeta e compositor



Uma revista cultural deveria ser um verdadeiro radar do que há de melhor na produção artística/cultural. Deveria ser ousada, bem diagramada, fartamente ilustrada, aberta a participação do público (discussões, etc...). Não tendenciosa, mas independente e aberta a todo tipo de discussão pertinente à prática cultural.

Cláudia Becker, pintora

Uma possível solução para as revistas culturais seria realizar artigos em duplas. Que se promova a união de teóricos-especialistas-pesquisadores e caras que saibam escrever, profissionais da área. Isso já acontece na França, por exemplo, desde que se percebeu que excelentes trabalhos acadêmicos eram ilegíveis por serem redigidos por sujeitos sem o mínimo jeito para a coisa, amadores que passam a vida em laboratórios, muitas vezes semi-analfabetos. Nota-se nas chamadas publicações culturais brasileiras que a imensa maioria dos articulistas não se expressa em bom português. Talvez alguns deles sejam até grandes cientistas, mas não conseguem colocar idéias por escrito.

Roberto Prado, poeta e compositor

Particularmente, tenho a tendência a gostar mais dos veículos culturais que se debrucem sobre a produção criativa. Em particular na área de literatura, que é o que venho acompanhando mais de perto. Acho importante que esses veículos busquem traçar um painel mais próximo ao real daquilo que se produz culturalmente em nosso país, marcado principalmente pela diversidade. Não se pode deixar que essa diversidade seja solapada em conseqüência das igrejinhas ou das tendências que se querem, muitas vezes, representantes únicas da produção cultural de uma sociedade. Trazer à luz novos talentos e o debate através das divergências (não só dos consensos, que parecem hoje ser quase uma regra) entre determinados tipos de produção é também um caminho dos mais instigantes, ao meu ver.

Paulo Sandrini, escritor


Pra finalizar, nada melhor do que um bom poema sobre o assunto. Eu e o Roberto Prado, há alguns anos, fizemos um pequeno desabafo, que, espero, seja de alguma valia para os heróicos editores dessas revistas que, convenhamos, poderiam ser bem melhores.



Reflexões na sala de espera do hospício
cercado de cadernos 2 e revistas culturais por todos os lados.



há os de barbicha de mágico de mafuá
quando entram na entrevista
escrevendo pelos cotovelos

quem lhes decifra os garranchos ?

há os que dão cotoveladas de amor
há os que ajoelhou tem que resenhar
carolas coronários do normal

quem lhes ouve a ladainha ?

há os que se escrevem de bruços
pra justificar o dialeto
de seus amigos diletos

quem lhes aplaude a tolice ?

há os que acertaram um dia
ao pegar de susto
e até hoje tiram o sono dos justos

quem lhes publica a insônia ?

há os zagueiros violentos
que levantam sepulturas com seus podres
sem conseguir abrir mão do osso

quem lhes rói os traumas ?

há, principalmente, os impublicáveis,
hienas aplaudindo a volta da carniça
que dá vida e graça às suas claques

quem lhes fareja a sabujice ?

e há ainda, os balões de ensaio,
egos inflados por prisão de ventre,
digerindo os cheiros do passado heróico

quem lhes conta a verdade ?

Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado


É isso aí. Agora coloque o seu comentário também. Eu preciso saber o que você pensa sobre o assunto.


Antonio Thadeu Wojciechowski




quinta-feira, maio 04, 2006





O destino das horas


Frente ao espelho, às três da madruga,
Ele, olhando feio pruma ruga,
Enxerga na anatomia do detalhe
A erosão que já não tem disfarce.

É a marca implacável do tempo.
Mapas indecifráveis que, em sulcos
Profundos, no corpo vão escrevendo
A derrocada inexorável dos músculos!

Na ânsia de não ver, quebra o espelho
Em cacos, dando vez ao desespero.
E, contabilizando o prejuízo,

Tenta se refazer do destempero.
Mas ao se ver sem força e sem juízo,
No espelho quebrado, chora Narciso!

Antonio Thadeu Wojciechowski

quarta-feira, maio 03, 2006



Todo mundo lá, é de grátis.






Álbum de Fotografias

Para os poetas Marcos Prado e Estanislau Wojciechowski


Ontem bateu saudades da mãe, pai,
Meus avós, dos amigos de infância.
Eu, só, e, de repente, a ficha cai
Conscientizando-me da mudança.

Tantos se foram para nunca mais...
O vó Thadeu, tio Estacho, tia Nívea,
Tio Iane, vó Emília e vovó Líbia...
Eu sei quanto dói...eu sei quanto ai!

Engraçado a dor maior de uma morte
Não ser a dor que vem com um parente,
Mas de alguém que aparenta ser a gente...

Um se herda; amigo é pura sorte.
Tristeza lembra um álbum de fotos,
onde ainda sorriem nossos mortos!

Antonio Thadeu Wojciechowski

terça-feira, maio 02, 2006





Crítica ao nada que interessa


O poema é esta carta que te escrevo.
Aceite minhas saudações efusivas,
Isso funciona e é um bom começo
Para essas tão mal traçadas linhas.

Melhor ir direto ao assunto, creio,
Deixando de lado as ladainhas
E os blá-blá-blás que põem a mãe no meio,
Dando origem a certas conversinhas,

Que ficam bem na língua das vizinhas,
Quando espreitam atrás das janelinhas.
Bem...vamos ao que interessa mesmo.
Li teus poemas, confesso meu medo,

Mas lembre que não gosto de abobrinhas
E odeio ainda mais sopa de letrinhas...
Peguei teu livro com algum receio,
Mas, de sopetão, fui até o meio.

Putz!, quando a rima acto com cacto,
Surgiu na minha frente, quase cago
Nas calças por pura fruição estética.

Não importa que a obra seja hermética,
Sem ritmo, sem alma, sem coração,
Você escreveu o que te deu na idéia.

E isso não tem preço, Salomão.
O soneto sem quadra nem terceto,
Então!, nem falo nada porque se não...

Mas se publicar é o teu desejo
Vá em frente e assine embaixo.
Sem mais nem menos, deixo meu abraço!

Antonio Thadeu Wojciechowski



segunda-feira, maio 01, 2006




Consumatum est


Escrevo o tempo todo sem parar,
Compulsiva e tresloucadamente,
Como se fosse morrer de repente,
Antes desse poema se acabar.

Quase não reescrevo. O que sai
Já vem pronto e está consumado...
Seria apenas vaidade demais
Querer arrumar o desarrumado.

Muito mais do que vaidade, aliás,
Apego à matéria eu diria até,
Pois, se crio, sou o legítimo pai,
Cabe ao filho ser aquilo que é!

Escrevo porque já estava escrito
Que a vida me pegaria pra cristo?
Não sei e não quero saber nada disso,
Eu sei que escrevo, logo, existo!

Antonio Thadeu Wojciechowski




Vento de Primeiro de Maio

“um deus também é o vento”
Paulo Leminski


Eu não vejo ninguém na minha frente
Mas na pele sinto a sua presença
Porque tudo se mexe de repente.
E ganha vida e se movimenta

Sem direção, aleatoriamente...
O vento não é o que a gente pensa
Vento é vento e quando a gente o sente
Então se pode ver o que ele inventa.

Mas o que é o vento? Diga lá!
Uma brisa, uma brasa, um Brasil
Que se descobre quando ele não está
Ou um monstro como nunca se viu

Que arrasa, arrasta e bota pra quebrar?
Não importa o que você descobriu
Nem as tuas palavras soltas no ar...
De tua boca foi o vento que saiu!

Antonio Thadeu Wojciechowski






Transtorno bipolar


Tenho um amigo que está doente,
Triste, sem vontade pra nada nada.
Todos os dias ele chora e sente
Que sua vida é uma grande roubada.

Às vezes, diz que vai se matar. Mente,
Eu sei que mente. É uma jogada,
Chantagem emocional somente
E finjo que não percebo a blefada.

Ninguém em sã consciência se julga
O pior dos seres humanos vivos,
Mas ele tem, sei lá, os seus motivos.

Ontem me ligou pedindo desculpa
Outra vez. Mesmo não lhe dando ouvidos,
Ouvi gritos, sussurros e gemidos!

Antonio Thadeu Wojciechowski