polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

quarta-feira, setembro 28, 2005

Domingos Pellegrini Jr.


Não deixem de ver o show performance de Domingos Pellegrini Jr, hoje, às 19,30h na Biblioteca Pública do Paraná. Infelizmente houve um equívoco na programação e show que deveria ser amanhã, será hoje. O restante da programação continua a mesma. Desculpem, foi falha nossa.
Thadeu



Lua

ó lua, ó, lua/nunca te vi mais bela/
linda assim/ você parece ela

Tão longe, Tão perto

A Win Wenders

Vista assim da Terra mais parece o céu esparramado no chão. A Lua lá longe só perturba. Manda nas marés. Cresce ou cai cabelos. Uiva os cachorros. Dá pêlo em lobisomens. À noite, cheia de si, dobra as doses de barbitúricos pelos hospícios. Arrasta redes de peixes às mancheias. Em tudo ela mete a sua colher prateada, desde o signo da gente até aqueles dias da mulherada. Mas uma coisa é certa: se a Lua fosse pro espaço, fechava o tempo na Terra. Sentiríamos saudades até da última cratera, bem ao contrário do que pensa o nosso bom e velho Wilson Martins.


lua de fazer rir
nem os meus cobertores
querem dormir

Antonio Thadeu Wojciechowski


plenilúnio

hoje a noite é de lua
cães uivam cada um pra sua
lobisomens trocam de pêlo
hospícios dobram doses de barbitúricos
mares empurram as terras mais firmes

o que uma pobre lua tem a ver com isso?
é que a lua é o anjo da guarda da Terra
cheia de si, míngua; quanto mais nova, mais cresce
assim como diante desse luar
todo este lunático papo se esquece

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos


Luar Zen

que céu
que mar
que lua
que nada

Antonio Thadeu Wojciechowski


lua cheia
se lhe pões um cabo
que leque!

Buchô




a lua da montanha
gentilmente ilumina
o ladrão de flores

Issa



uma lua

existe quem tenha duas
boiando num promíscuo
céu estranho
ou três ou quatro
ou muitas de todo tamanho
ou até quem sabe mais bela
eles que fiquem com as suas
não quero outra, só ela
luz cantante, leite de sereia
simples lua e meia
a minha é aquela

Roberto Prado


nasci com olhos pra lua

eu e a lua somos assim
eu não subo, ela não desce
mas nos adoramos sim

Antonio Thadeu Wojciechowski


cem anos atrás

bate o meu coração acolá
e o seu sangue azula
seu coração bomba lá
e o meu sangue circula

às vezes olho pro céu
onde o sol não flutua
e até as nuvens, ó céus,
compõem sua figura

outras, olho pro mar
com o olho da rua
quero amor e amar
cansei de amargura

nesta manhã lunar
(o seu olhar me inaugura)
porque não aterrissar
neste que é seu, sua lua?

Marcos Prado

mundo da lua

que tudo evolua
a minha, a tua
o nosso lugar na lua
o nosso luar no mundo da lua

Antonio Thadeu Wojciechowski

Poesia em alta no Conversa Com Verso

Quem foi à Biblioteca Pública do Paraná ontem à noite para o show
de abertura do evento CONVERSA COM VERSO, saiu de lá feliz da vida. Músicas, poemas, piadas, causos. Uma delícia. O Careqa acompanhado do Glauco no contrabaixo em noite inspiradísssima. Pra completar a noite toquei algumas canções e falei alguns poemas, parece que também gostaram. Hoje a festa continua com o show do Ronald Magalhães e Batista de Pilar, às 19,30 h. Mas de manhã e à tarde tem a oficina do Miran e a apresentação do musical Menino Maluquinho com a Rosi Greca.
Veja a programação completa do evento nas páginas abaixo. Vale ressaltar que para fechar a noite de hoje tem palestra do Ivan Justen, seguida de mesa redonda sobre poesia em tradução.
Um tema apaixonante discutido por apaixonados pela poesia dos grandes mestres mundiais. Vale lembrar também que a entrada é franca para todos os eventos do CONVERSA COM VERSO.

domingo, setembro 25, 2005

Entrevista Cláudio Fajardo

Cláudio Fajardo.
Força revolucionária a serviço da Biblioteca.
Hoje vcs têm aqui uma entrevista diferente, mas não menos importante. O Cláudio Fajardo é o atual diretor da Biblioteca Pública do Paraná. Um homem ligado à luta revolucionária, professor universitário, amante dos livros e, acima de tudo, um grande amigo. Eu o conheci há 3 anos, de lá pra cá, já fizemos projetos, shows, lançamentos de livros e tomamos muitas cervejas. Agora, nos dias 27 a 30 de setembro, estamos juntos novamente para o Conversa com verso. Mas o mais importante mesmo é o belíssimo trabalho que o Cláudio vem realizando à frente da Biblioteca, que, finalmente, se torna um local de debate e de crítica. Leiam e divulguem para os seus melhores amigos. E terça-feira, todo mundo na biblioteca, tem shows do polaco da barreirinha e do Carlos Careqa. Grátis. Venham, a presença de vcs é muito importante.

Cláudio Fajardo, com os avós, em 1954.

Onde você nasceu, quando e como foi a primeira fase de sua vida?

Nasci em Apucarana, interior do Paraná, no ano de 1951. Quando eu tinha quatro anos de idade minha mãe mudou-se para Maringá, cidade nova, não tinha nem uma rua asfaltada. No princípio, fomos morar com uma tia. Meu pai estava separado da minha mãe e ela trabalhava como zeladora de uma escola estadual. Justamente por causa dessa atividade, passamos a morar no prédio do Colégio Anita Garibaldi, então recentemente construído. Ao lado do Colégio tinha um grande bosque, mata remanescente, pedaço de floresta que escapou da urbanização.

A primeira comunhão a gente nunca esquece?

Você dava muito trabalho?

Não. Minha vida era estudar, brincar, embrenhar-me naquela mata e, à noite, ouvir estórias que minha mãe e meus diversos tios contavam. Quando fiz oito anos meu pai voltou a morar com minha mãe e nos mudamos para Curitiba. Muita tristeza por deixar amigos e parentes e muita alegria por passar a morar na capital. Nova escola, nova casa, novos amigos, nova linguagem, muita geada.

À direita Fernando Henrique Cardoso, ao centro Cláudio Fajardo, hoje, inimigos políticos.

Em que momento o Partido Comunista entra em sua vida? Por quê?

Aos dezessete anos comecei a achar as festinhas de adolescentes uma chatice e passei a dedicar-me à leitura. E veja que curioso: caiu-me nas mãos a obra de Dostoiéviski, Irmãos Karamazov, e ali descobri que havia um autor, Proudhon, que proclamara que “toda a propriedade era um roubo!”. Fui atrás da obra. Entusiasmei-me. Mas, meu entusiasmo durou pouco. Logo ouvi as críticas que amigos estudantes universitários faziam aos anarquistas. Recomendaram-me Lênin e Marx. Eram melhores. Tornei-me um leninista sem partido. Isso é paradoxal, pois Lênin é o grande teórico do partido revolucionário. Meus amigos, os círculos de estudantes de esquerda, eram todos contra o Partidão. Eu iniciei minha atividade política criticando o reformismo e o revisionismo do Partidão. Na Universidade Federal do Paraná, onde fiz o curso de Ciências Sociais na década de 70, participei do movimento estudantil e tomei contato com a POLOP, organização ultra-esquerdista. Eu nunca militei no PC.


Você faz parte do MR8. O que isso significou e o
que significa atualmente?

O mais importante do MR8 é o aprendizado, o desenvolvimento da consciência coletiva. Para polemizar com Domingos Pellegrini, meu amigo, grande escritor que muito admiro, vou dizer que o partido único não é o partido da opinião única, justamente ao contrário, é o partido onde as opiniões são amplamente respeitadas, mais do que qualquer lugar, você discute, discute, discute até a verdade aparecer. E a verdade não é eterna, mas é sempre o resultado de um estágio de consciência, não é eterna, não é acabada, muito menos absoluta, mas é momentaneamente o avanço possível da consciência individual e coletiva. Um partido revolucionário, como é o MR8, é cheio de vida, de alegria, de polêmica, muito distante da monotonia, mas exige compromisso.
O MR8 vai fazer 40 anos no ano que vem, já é um partido maduro, completou sua teoria da revolução brasileira, tem um projeto de emancipação do Brasil e isso é o mais significativo da nossa vida, ter participado na elaboração desse projeto.
No MR8 eu aprendi que o discurso não deve obedecer a nenhuma vaidade, a nenhuma carreira acadêmica, mas, tão simplesmente à busca da verdade transformadora.

Prisão de Cláudio Fajardo em manifestação pública. Nem sempre a democracia funciona.

Das ações subversivas que você participou o que te orgulha
e o que te entristece?

O que mais me orgulha é ter ajudado a reconstruir o movimento estudantil. O que me entristece, não na minha ação subversiva é a deserção de um camarada.

São muitas? Por quê?

São, não são muitos os que persistem em seus objetivos e ideais, quando acontecem sofrimentos, incompreensões e renúncias, muitas vezes, aos melhores prazeres da vida. Ser do MR8 é ali permanecer e participar da luta contra o grande dragão da maldade, leia-se, o império decadente do capital monopolista.

Como você veio parar na Direção da Biblioteca Pública do Paraná e o que isso representa em termos pessoais?

Milito há muito tempo com Roberto e Maurício Requião e eles me convidaram para a direção que prontamente aceitei. E isso me orgulha muito pois é só lembrar que um filho de uma zeladora de escola do interior hoje é o diretor da Biblioteca Pública do Paraná, uma das mais antigas e melhores do Brasil.

Você já foi pedra e agora é vidraça, que estigma cada uma delas tem?

É ótimo atirar pedras nos representantes do império, é uma delicia! Quanto às pedras que agora contra nós atiram. È sempre bom lembrar aos inimigos e amigos desavisados que suas pedras não me atingem, pois minhas asas são como uma couraça de aço (rsrsrs).


A BBPr voltou a ser um centro irradiador de cultura até bem mais significativo após a sua nomeação, quais as diretrizes e orientações implantadas em sua gestão? Por quê?

Quando Requião me nomeou me pediu duas coisas: um programa de estímulo à leitura e que a Biblioteca se transformasse um centro de debate e critica. É isso que me orienta.
Este ano conseguimos editar pela segunda vez o encontro de poetas, fizemos importantes debates políticos, econômicos, sociais e étnicos. Ampliamos o acervo cultural de vários povos, livros, cds, filmes.

Você chegou a viver na clandestinidade e hoje está num cargo de bastante projeção na mídia e na vida da população. Que emoções isso desperta em você?

Não gosto muito de holofotes, gosto de trabalhar, só apareço quando é inevitável.

Essa aproximação com os produtores culturais deve estar mexendo com a sua cabeça, já que inevitavelmente você terá que ceder em alguns pontos, pois na Biblioteca convivem as mais diversas tendências políticas. Recentemente houve a comemoração do aniversário do Movimento Solidariedade da Polônia, que na verdade é anticomunista, como você engoliu esse caroço?

Não é de agora que atuo na atividade cultural. Já em 1983 fui diretor da Fundação Cultural de Curitiba. Sempre respeitei a diversidade cultural, disso tenho bastante consciência. O que faço é privilegiar aquilo que acho mais correto, aquilo que contribui para a transformação da consciência, porém qualquer corrente de pensamento tem livre acesso aos meios que dispõe a Biblioteca. Quanto ao Solidariedade considerei importante para os poloneses utilizarem o espaço da Biblioteca, mas, quanto ao conteúdo, contemplei com uma certa tristeza. Mas nem chegou a ser um caroço.

Como você analisa o governo do Roberto Requião, na área cultural, e o que ele está fazendo pelas bibliotecas do Estado do Paraná?

O Requião é o governador que mais faz pelas bibliotecas, atualmente está construindo 50 unidades no interior, com acervo e equipamentos fornecidos pelo Estado. Em Curitiba, o governador pretende adquirir e reformar o prédio do antigo Clube Curitibano, na Rua Barão do Rio Branco, com 10 mil m2, isso dobraria o espaço atual da Biblioteca.


O ano passado, entre os muitos eventos da Biblioteca, vc organizou um encontro de poetas, que neste ano se realizará nos dias 27, 28, 29 e 30 de setembro, com o sugestivo nome de Conversa Com Verso. Quais as principais atrações e novidades do evento para 2005?

Inclusive já está em cima do laço esse encontro de poetas. Nele teremos a presença do acadêmico Carlos Nejar, Domingos Pellegrini, você, Polaco da Barreirinha, Batista de Pilar, Hamilton Faria, Ricardo Corona, Ronaldo Magalhães, Carlos Careqa, Fábio Campana, Rosi Greca, Solda e Pryscila, Gloria Quirino, Raquel Santana, Marilda Confortim e outros. Na política teremos proximamente ainda três debates sobre “O que é o Programa Revolucionário”, “O Papel dos Intelectuais na Política” e por fim “A Questão Agrária”.

E para 2006?

Para o ano que vem, além de continuar o que já está sendo feito, quero incluir um encontro sobre a prosa: romancistas, cronistas e contistas para o público em geral e ainda manter as atividades lúdicas para a infância.

Quais os principais objetivos desses eventos e que lucro social trazem para a população?

O objetivo como já disse é o desenvolvimento da consciência. O grande lucro social é o desenvolvimento de uma cultura de convivência pacífica, criativa, participativa e solidária.

Quase todos os eventos se desdobram também para o público infantil, essa seria uma das causas do crescimento da freqüência e da popularidade da Biblioteca?

Sim, as crianças gostam muito. Isso é importante porque uma criança que se sente à vontade na Biblioteca é um futuro leitor, um cidadão consciente e capaz de contribuir com a sua comunidade.



Nem todos os dirigentes têm uma visão libertária, mas essa não é a causa principal, o que realmente impede o desenvolvimento de uma política cultural que valorize o artista?

O que impede é a indústria cultural. A cultura não pode e não deve ser governada pelo mercado, o que impede o desenvolvimento é justamente a visão mercantilista da cultura.

O livro está com os dias contados?

Não, o livro quer no suporte físico-papel ou eletrônico está em expansão. Aliás,
a mídia eletrônica, incluindo aí produtos de novas pesquisas como o livro eletrônico com espessura de uma folha de papel, vai ter papel preponderante na conquista dos futuros leitores.

Você apresentou ao Ministro Gilberto Gil um projeto bastante revolucionário para a difusão de livros e autores. Por que o ministro não implantou o Corredor de Idéias?

Porque o Ministério da Cultura com Gilberto Gil tornou-se uma instituição inoperante. Não só nada fez na questão do livro, como no teatro, no cinema, cultura popular, festivais, uma verdadeira lástima.

Qual o seu maior sonho e o seu maior pesadelo?

Meu maior sonho é ver a humanidade livre de toda exploração. Meu maior pesadelo é a capacidade de destruição que ainda resta ao império decadente dos Estados Unidos.

sexta-feira, setembro 23, 2005

A sua presença é muito importante.

quarta-feira, setembro 21, 2005

É primavera!


Felicidade, meus queridos e minhas queridas! A primavera não faz perguntas e nos dá uma porção de respostas. Vem daí essa sensação de euforia, de pura alegria. Vamos cantar parabéns para a Denise, para a Ingrid, que completam novas primaveras hoje. Vamos cantar parabéns para nós mesmos que estamos vivos e podemos, mais uma vez, participar dessa maravilhosa aventura que é estar no planeta Terra. Não importa que o Rita atingiu a escala 5, superior ao Katrina, a natureza tem direito de nos ofender por tudo que temos feito a ela. Vamos dar um adeus definitivo ao Severino e a toda gang do efeito estufa cueca. Se tivermos que chorar amanhã, choraremos. Mas hoje não, como nenhum de nós, hoje eu vejo flores em vocês.
***
Polaco da Barreirinha

A luz de Bakun e Van Gogh a olho nu.


Primavera

Goethe morreu com a palavra LUZ! na boca. Deus disse: Fiat Lux! e a luz se espalhou por quase todos os cantos, mas o escurinho que é bom, sobrou pelos cantinhos, para alegria dos apaixonados. No Japão, do poeta Issa, primavera não é estação, é um haicai do seu mestre, o poeta Bashô, que você lê aqui, só que o texto é mais embaixo. No Brasil, a primavera chega à flor da pele, tão sutil, tão fina, tão luminosamente discreta, que os mais brutos não amam. Mas nós, que estamos aqui lendo juntos, amantes de todas as músicas, de todas as cores e flores, de todos os pássaros, não poderíamos deixar de, com algumas pinceladas, pintar o nosso quadro completo. E com ele homenagear Bakun e Van Gogh, dois monstros na arte de mostrar a vibração mais íntima da matéria. Esse é o espírito desta página. Leia, respire e saia da sombra.


"é primavera, te amo, meu amor"

Tim Maia


O pólen me espirrou da primavera.

o inverno baixa a bola
começa a pior estação climática
todo mundo bota as manguinhas de fora
casais se roçam à velocidade máxima

me dá nojo essa atmosfera libidinosa
sem falar na florzinha simpática
se abrindo pro bico duro do beija-flor carola

troco pétala por letra, primavera por página
até a chegada do verão, hibernarei na toca

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos


imperativo da primavera

humano, assuma o ar silvestre
época de amor conforme o calendário
flores façam tudo o que não digo
coração, aceite o eixo terrestre

ninho esta vida leve no bico
viva de brisa o papo sozinho
estações, aqueçam seu poeta
primaveras passem com carinho

Roberto Prado


Três primaveras

1.

O amor é uma corruíra no jardim - de repente ela canta e muda toda a paisagem.

2.

Amor - ó lírio ó petúnia ó rosa que perfumam no escuro o quarto vazio.

3.

A cigarra anuncia o incêndio de uma rosa vermelhíííssima.

Dalton Trevisan


primavera não nos deixe
pássaros choram
lágrimas no olho do peixe

matsuó bashô
(Japão - 1644-1694 - Tradução: Paulo Leminski)


crisântemos
sobre o monte de estrume
um só perfume

Issa
Japão - 1763-1826 - Tradução: Roberto Prado e Thadeu)


Duas primaveras para vida toda

1.

noite de primavera
na ausência das cores
os grilos são flores

2.

flores em silêncio
palavras da primavera
escritas por extenso

Antonio Thadeu Wojciechowski


primavera
até a cadeira
olha pela janela

Alice Ruiz


quem me dera
até para a flor no vaso
um dia chega a primavera

Paulo Leminski


abrolhos

"amanhecer
único dever das manhãs"


Solda

raia o sol em todas as cores
pássaros encantam árvores
as flores voam borboletas
crianças trocando letras
ruas da felicidade geral

- vamos aplaudir de pé, pessoal

antonio thadeu wojciechowski e roberto prado


deus escreveu melhor do que eu

"o tao que pode ser dito não é o tao/ os nomes dados não são os nomes."

Lao- Tsé

pudera eu amasse como se não
flor crescesse onde passasse deserto
quem sou eu pra enfeitar o pavão?
só o nascer do sol boquiaberto
quero olhar como eu era
quando vi pela primeira vez a primavera

Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado

Saudade não tem idade

Saudade.


Eis aí uma coisa que você só tem quando não tem. E vem quando você vai do presente para algum lugar do passado. Um saudoso poeta nos disse, um dia desses, que tinha saudades do futuro. Isso é fácil de entender, é só ver o caos, a ladroagem, a deselegância e predação que hoje infestam a Terra. Mas o tempo vai passar e muita gente vai acabar sentindo saudades e dizendo “bons tempos aqueles”. Uma só pazada de saudade enterra mais de um. E “morrer de saudades” não é só maneira de dizer. “Banzo” foi o nome da doença da saudade que entre os escravos fez muitos estragos, no Brasil colonial, quando enlouqueceu e matou milhares deles. Nos EUA, o mesmo banzo deu origem ao rhythm-and-blues, que gerou os vários rocks, que também são de morte. O “spleen” era a nostalgia importada pelos ultra-românticos brasileiros e que matava de tuberculose antes dos poetas terem do que sentir saudades de verdade. Que saudades dá da professorinha do Ataulfo Alves quando escutamos as letras de música que estão na mídia de hoje em dia, onde “saudade” virou sinônimo de desilusão amorosa infanto-juvenil em seu estado mais bruto. Por não ter tradução em outros idiomas, a palavra saudade é só do Brasil e de nós, pobres brasileiros que, talvez por isso mesmo, sempre ficamos mesmo na saudade.


Perdi-me dentro de mim/ Porque eu era labirinto,/ E hoje, quando me sinto,/ É com saudades de mim.
Mário de Sá Carneiro (1890-1916)


Meus oito anos

Oh! Que saudades que tenho/ Da aurora da minha vida,/ Da minha infância querida/ Que os anos não trazem mais!/ Que amor, que sonhos, que flores,/ Naquelas tardes fagueiras/ À sombra das bananeiras,/Debaixo dos laranjais!

Casimiro de Abreu (1839-1860)



enquanto o quando não vem

quando teus olhos
retornarem
eu quero a impressão
de tuas estrelas

em minha mão

quando teus ouvidos
regressarem
eu quero a intenção
de minhas estrelas

em tua mão

quando teus lábios
falarem
com os meus
eu quero a constelação

uma única estrela
em nossa mão

Antonio Thadeu Wojciechowski




Uma saudade a la Paulo Leminski

tão longe eu lhe disse até logo
um pouco de tudo passou-se outra vez
e foi uma vez toda feita de jogos
aquela outra vez que não soube ser vez
pois voltou e voltou e voltou
sem saber que de duas uma
nunca são três

Paulo Leminski ( 1944-1989)



saudades da lancheira

onde andam vocês, bolachas maria ?
amiguinhos toddys
cream crackers piraquê
por que me abandonaram ?
venham, duchens
voltem, zequinhas
bidu-cola, crush e mirinda
apareçam antes que eu morra pela boca cheia de formiga

Marcos Prado e Édson de Vulcanis




Saudade do Chapéu

meu chapéu dormiu triste
ouvindo Cartola
acho que o Cardoso ainda existe

(Obs.: Alberto Cardoso: poeta falecido em 1994 e que, como Marcos, usava chapéu)

Marcos Prado (1961-1996)



20 anos em 2 fragmentos de saudade

Poema de 1999
(...)
Causar saudade é próprio de quem parte
para viver além deste mundo
ou no Alto da Glória esconder-se,
onde tua poesia é mensagem de marte
que apesar do traço fecundo
em vão aspira com a vida entender-se.

Poema de 1979
(...)
menos que foi
mais que é
mais que menos que foi
nada mais

Roberto J. Bittencourt



Saudade Rastafari

Jah, rei dos reis e de todos os reinos
jah criou e fez nossos caminhos
o homem branco chegou
e me levou embora da minha terra querida
me levou para uma terra de exílio
e tirou de mim até minha alma
não vou mais cantar canção nenhuma
nesta terra medonha
e se eu quiser esquecer esta agonia
é melhor esquecer que vim pra cá

Canção foclórica da Jamaica (Versão de Luís Antônio Solda)



o que tanto você lembra?

Lembra? Claro que lembra, era aquela,
aquela mesmo, lembrou?
Ah! Não!
Vai dizer que esqueceu
justo aquela uma
que praticamente a gente morou?
Aquela uma lá, que representa o tipo
de uma estradinha,
aquela lá lá, perto do armazém da Dona Coisinha,
logo ali,
que antes era tão longe.


Roberto Prado





Acalanto para as mães que perderam o seu menino

Dorme, dorme, dorme...
Quem te alisa a testa
Não é Malatesta,
Nem Pantagruel
- O poeta enorme.
Quem te alisa a testa
É aquele que vive
Sempre adolescente
Nos oásis mais frescos
De tua lembrança.

Dorme, ele te nina.

Te nina,. te conta
Sabes como é –
Te conta a experiência
Do vário passado,
Das várias idades.
Te oferece a aurora
Do primeiro riso.
Te oferece o esmalte
Do primeiro dente.

A dor passará,
Como antigamente
Quando ele chegava.
Dorme...Ele te nina
Como se hoje fosses
A sua menina.

Manuel Bandeira (1886-1968)



Confidência do Itabirano

(...)

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói.

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)



Maikóvski: uma saudade aos pedaços

Uma da madruga, você deve estar na cama.
Daqui, a Via Láctea é um rio de prata.
Não tenho pressa. Para que acordá-la
com o relâmpago de mais um telegrama?
Como se diz: o caso está encerrado.
A canoa do amor encalhou no cotidiano.
Estamos quites, inútil o apanhado.
Da mútua dor, mútua cota de dano.
Vê como tudo agora emudeceu?
Que tributo de estrelas a noite impôs ao céu!
Em horas como esta eu me ergo e converso
com os séculos, a história, o universo.

Wladímir Maiakóvski




Que saudade de Emily Dickinson!

Tive uma Jóia nos meus dedos
E adormeci.
Quente era o dia, tédio os ventos.
“- É minha”, eu disse.

Acordo e os meus honestos dedos
(Foi-se a gema) censuro.
Uma saudade de ametista
É o que possuo.


Emily Dickinson ( EUA, 1830-1886)



Saudade por Dalton Trevisan

61 do livro 234.

Saudade. O aperto da mão de uma sombra na parede.

104 do livro 234.

Velho: uma caneca trincada de louça, o nome Saudade quase apagado.



Infância

Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se “Agora”.


Guilherme de Almeida (1890-1969)

Tão longe, tão perto.

Um amigo meu lá de Porto Velho - RO, o Benedicto Domingues Jr. , manda um abraço a todos os poetas da cidade, em especial, para o Edson de Vulcanis, pela entrevista. E manda também este poema, que faço questão de postar aqui para todos os meus leitores.


Um dia
Pensei que eu era sol

Anoiteceu

Ninguém gira ao meu redor
A vida inteira

Amanheceu
Lavei a cara
E o cara no espelho
Ainda era eu


Jr. Domingues

segunda-feira, setembro 19, 2005

Édson de Vulcanis, O Aranha


O Édson de Vulcanis, ou como ele é mais conhecido, o Aranha, é, sem dúvida alguma, um dos caras mais populares de Curitiba. Filósofo, poeta, compositor, o Édson é meu parceiro de músicas há muitos anos. Temos já algumas dezenas de parcerias. O Édson é aquele cara que, depois que toma umas, não pára mais de rir e de fazer a gente rir. Suas idéias são sempre surpreendentes e engraçadas, pór isso mesmo tem a simpatia e o carinho de todos os outros meus amigos. Junto com o Marcos Prado e o Cobaia (Márcio Goedert), alguns dos melhores momentos do trio, nos livros Paraguayos do Universo, Passei minha mão na cara e Três Quadrúpedes Bípedes. Mas aí está a entrevista. Leiam, divirtam-se e indiquem para todos os seus melhores amigos.
***
Polaco da Barreirinha

Alessandro Wojciechowski, Ubiratan Gonçalves de Oliveira, o folclórico Chico Fantasma e Édson de Vulcanis.

***
O que é que esse mundo teve de especial para vc na infância e na juventude, que te levou a fazer filosofia e se tornar poeta?

Minha infância foi esmerilhada da minha memória, logo, não foi boa. Talvez por viver isolado, brincava sozinho, imaginava um mundo diferente do real, nunca acreditei na humanidade como ela realmente é, o que me levou à Filosofia, que só me trouxe mais tristeza e depressão. A Poesia enfim veio a suprir a necessidade de expressar a alegria encarcerada em meu ser.

Entre as muitas lendas que existem na cidade, uma, em especial, é muito curiosa. Como é que vc conseguiu chegar aos 40 anos sem ter nenhum registro na Carteira de Trabalho?

Isso é lenda dos invejosos e vagabundos, comecei a trabalhar e duramente aos 16 anos, com carteira assinada, nas seguintes empresas: Importadora Comercial Olsen,(4 anos), Bamerindus Cia. de Seguros (4 anos), e Banco Itaú S/A (dois anos e meio), e, nesta semana, completei quatro anos no Paraná Educação.

Edson, Catarina, Katiúscia e namorado, e Eduardo, meu famoso tio Azeitona.
***
Mesmo sendo pobre vc já conseguiu fazer exposições, trazer bandas para shows em Curitiba. Como é que acontecem esses milagres?

Aprendi que tudo é possível, a força de vontade é a força motriz do mundo, Tive o
prazer de realizar a 1ª Exposição Internacional de Curitiba, trazer inúmeras
bandas independentes (Cólera, De Falla, Ratos de Porão, Pavilhão 9, Wander Wildner entre outros), que hoje fazem parte da história do rock nacional, sem
lucrar praticamente nada. O que realmente importa são as realizações, as amizades que construí durante os últimos vinte anos.

O que é que Curitiba tem que as outras cidades não têm? Ou isso é
propaganda?


Curitiba vive de charme, e nada mais. A violência, a falta de respeito ao cidadão é a mesma de outras capitais. O grande amigo Marcos Prado dizia: Curitiba é uma cidade cruel com seus artistas, só os valoriza após a morte.

Vc era um assíduo freqüentador do Linos Bar. Como vc analisa o fim de mais esse ponto de encontro?

Freqüentei-o durante toda sua existência, seu fechamento é a confirmação da falta de valorização da memória histórica da cidade.

A casa da doutora Gláucia, anteriormente, também já tinha ido para o espaço. Daquela casa da Vicente Machado o que te dá mais saudade?

Do Marcos Prado, dos porres homéricos seguidos de poemas épicos que
escrevemos, das longas noites onde discorríamos sobre todos os assuntos possíveis e inimagináveis.

Edson e Arlindo, o idealizador do bar temático O Torto, em homenagem ao Garrincha.

***
Que importância vc dá às obras do Dalton Trevisan,
Paulo Leminski, Marcos Prado e de que forma elas participam da ecologia cultural da cidade?

Sem dúvida, o Dalton é a lenda viva da literatura curitibana e mundial. O Paulo, embora tenha vivido sempre próximo de sua pessoa, nunca trocamos uma palavra, mas, sempre o admirei, pela qualidade inquestionável de sua obra. O Marcos era mais que amigo, sempre o considerei como irmão, assim como o Edílson. São e serão sempre lembrados e comemorados como grandes artífices da cultura local.

Vc está ligado e se relaciona com várias bandas da cidade, quais vc
destacaria como exemplo desse fenômeno cultural que acontece hoje em
Curitiba e por quê?


O fenômeno não é atual, ocorre que hoje, face à disponibilidade dos meios de comunicação (Internet), a visibilidade ficou extremamente maior. É muito fácil vc gravar seu próprio CD e divulgá-lo. Existem na cidade centenas de bandas, infelizmente o mercado interno não as consome. Por isso, compro regularmente discos de bandas locais, para que o mercado exista e se desenvolva.

No Linos Bar, Edílson, Édson, Cobaia, Lino, Thadeu, Mário e me ajudem que eu não lembro.
****
O seu livro Idéias Aracnídeas está pronto?
Quando sai?

Acredito que sim, mas, somente lançarei quando tiver a possibilidade
de fazê-lo com qualidade. O músico R.H.S, da banda Los Dianõs e artista plástico,
cedeu-me a nova capa.

Vc tem 3 livros publicados em parceria com o Marcos Prado e o Márcio
Goedert. Fale um pouco sobre cada um deles e como vc os vê hoje?


Eu e o Marcos, escrevemos Paraguayos do Universo, que deveria ser um livro
infantil, mas que, por ironia do destino, acabou se transformando em de
poesias, e depois virou peça teatral. Com o Cobaia, escrevemos os Três
Quadrúdepes Bípedes e Passei minha mão na cara. O Marcos foi sem dúvida o ser humano mais surpreendente que conheci neste mundo, era irônico, sacana, mas, leal amigo. O Cobaia, companheiro de sempre, há muito não o vejo, sei que está bem, desejo-lhe tudo de bom.



Quais são os seus próximos projetos e para quando?

Pretendo realizar uma mostra de animação em DVD dos anos 1934-1942, em Galeria de Arte, já contatei os proprietários e eles estão animados com o projeto.

Há dois anos vc está trabalhando e agora está fazendo especialização para História. Está nascendo o professor Édson de Vulcanis? A rotina que vc terá que viver e vivenciar não será um veneno para o filósofo?

A especialização concluí em 2003 em Gestão Escolar. No dia 15 do corrente, completei 4 anos de trabalho na escola (sou assistente administrativo), é muito gratificante trabalhar aqui. Estou cursando Prática de Ensino de História, na UFPR (fazendo estágio no Colégio Estadual do Paraná), e cursando História Contemporânea, para poder me preparar melhor para o mestrado, que pretendo realizar no próximo ano. A rotina ajuda a ver melhor nosso louco mundo.

O irreal desta foto é o Marião de olhos fechados. Um ano depois, o Édson seguraria no colo, em seus últimos minutos,
o nosso amigo covardemente baleado e assassinado.
***
Vc estava no Linos Bar quando o Marião foi assassinado por um careca. O que vc sentiu e o que tem a dizer sobre esse lamentável acontecimento e a violência crescente em Curitiba?

Infelizmente fui testemunha desse lamentável episódio, é indizível o que vi
e senti, fiquei muito tempo traumatizado, foi horrível. A violência exacerbada de meia dúzia de “carecas”, ocorre por que a Lei não existe para essa minoria racista e hipócrita. Um dia talvez caia a ficha e esses animais se toquem, que são vítimas da própria ignorância.

Como compositor letrista vc já tem pelo menos uma centena de músicas, o que essa experiência acrescenta à sua vida?

Além do fato de escrevê-las com meus melhores amigos, criá-las nos dá imenso
prazer.

Que livros o brasileiro não deveria deixar de ler de jeito nenhum?

O Livro de poemas do Marcos Prado, por ser uma aula de inteligência e humanidade. Assim até eu, do meu mestre, porque parece um filme, tem dinâmica frenética, diversão garantida. Os poemas de Cruz e Sousa, Augusto dos Anjos. Os livros do Nelson Rodrigues, Rubem Braga, na verdade são tantos autores, pois, gosto muito de ler. Acabo de ler o livro do Fernando Koproski, mas é difícil fazer uma seleção com tantos bons autores.

Que compositores não deveria deixar de ouvir sob hipótese alguma?

O Cartola, Noel Rosa, Ary Barroso, Chico Buarque, Caetano Veloso, Lobão,
Carlos Careca. Meu repertório de compositores é imenso.

Trindade, Édson e Ivan Justen no Carraspanas, bar da Léia e do Marcos Prado.

Conte as histórias mais absurdas que aconteceram nacasa da Gláucia e no Linos Bar.

Apareceu uma menina lá na Gláucia que namorava um coitado, um pobre rapaz apaixonado, do tipo que leva flores e bom-bons para a disgracida. Uma tarde, o cara chega, com flores, bom-bons e um poema de amor e pede vê-la, bem no momento em que ela está transando com outro cara no quarto da Gláucia. O Cobaia ( Márcio Goederdt), solidário com o infeliz, inventou uma desculpa esfarrapada e despachou o coitado na porta do apartamento. Mas ficou tão estarrecido com a história que começou a dar cabeçadas na parede, de raiva.
No Lino, estávamos eu, o velho Lino e o turco, quando entra uma mulher sem camisa com os peitões balançando, os braços com lacerações profundas jorrando sangue, isso já no cu da madrugada. O turco saca seu celular e chama a polícia, que chega em instantes. Aí começa um drama espetacular: como colocar a louca no camburão? Três gigantescos PMs não conseguem dominar a louca furiosa. A mulher de uma forma de outra esperneava tanto a ponto de ficar maior do que a porta do camburão. Além dos gritos, o sangue e as cenas de sexo exposto, a incompetência dos tiras me enlouqueceram. Voei sobre ela e segurei-a tão firme que, em segundos, junto com os brutamontes, conseguimos enjaulá-la e e encaminhá-la para os socorros necessários.

Catarina, Thadeu, Mary (infelizmente falecida), Édson e Cobaia ( Márcio Goedert)


Idéias aracnídeas

"pobre é pobre porque tem remorso de ter dinheiro"

"os gênios são escravos das garrafas"

"felicidade é manter o desequilíbrio com elegância"

"o papel de pão me intriga"

"o casamento é sintoma de ignorância recíproca"

"a mulher malandra goza e casa com cara de pau"

"o paraíso fiscal é aqui e ninguém nota"

palhaço sem máscara

meio gardenal
moído com cachaça
quem vê assim
passa e acha graça

édson de vulcanis & edilson del grossi

saudosa maloqueira

estou te esperando
para fazer a janta
ah! moça
você pilota o fogão
e eu lavo a louça
ah! minha maloqueira querida
você me tirou da sarjeta
e agora estamos num pé sujo
num destino perneta
com os dedos cruzados
para o resto da vida

édson de vulcanis & marcos prado

joio da intriga

os dedos imantados no caixa
atraíram uma roubada
quem aceita qualquer negócio
tem como pior inimigo seu próprio sócio
positivo no bolso
negativo no capital de giro
é pobre roubando miserável
o oficial de justiça não bebe
barulho de porta de aço descendo
e o estorvo disse nunca mais

édson de vulcanis & marcos prado

dedos cruzados

se você quer ser mal humorada
cafajéstica, cretina, falsa
dissumulada, pernóstica, reacionária, infeliz
de uma figa que eu fiz
pra me livrar de você
se você quer ser, pode ser
levanto teu astral estrela decadente
não leve a mal eu te querer tão bem

édson, edilson & thadeu

drama de copos

já fui feliz um dia
sem perceber que você fingia
quando dizia que me amava
à noite eu acordava e trabalhava
enquanto com outro você dormia
um dia cheguei mais cedo em casa
doente, febril e com tremores
em nosso quarto encontrei vocês dois mandando brasa
sem vergonha, sem amor e sem pudores
fui ao bar em nosso bairro encher a cara
pensando com a minha vida acabar
mas lembrei o que disse o bom Jesus
o sofrimento alivia minha cruz
e assim vou investindo em meu destino
abandonando o papel de sofredor
vou andando pelas ruas da cidade
à procura de um amor de verdade

édson, edilson & thadeu

o papel dos livros

tudo que é ruim
tem uma parte boa
não somos bondosos
assim sempre
os livros tornaram sábias
as minhocas da minha cabeça
quando morrer deixarei
na terra um húmus sapiens

édson de vulcanis & marcos prado

quinta-feira, setembro 15, 2005

Homenagem a dois grandes amigos

Recebi alguns pedidos para que eu republicasse A Luta do Século. Aí está. Ela seria republicada mais tarde, pois, como vcs já devem ter percebido, estou fazendo isso com todos os textos que foram deletados por vândalos. Mas veio antes do prazo, assim alegro a quem me pediu e a mim também. O Ubiratan Gonçalves de Oliveira fez a ilustração. Gosto deste texto e da forma que encontrei para fazer propaganda desses dois livros que gosto tanto. Se vcs ainda não leram, leiam. O Livro dos Contrários está no "0", livro de poemas do Marcos Prado e o Catatau, do Paulo Leminski, acaba de sair numa edição primorosa pela Travessa dos Editores, do incansável e talentosíssimo Fábio Campana.

Catatau x O Livro dos Contrários



A Luta do Século.

Senhoras e senhores, no canto direito, com 220 páginas e uma das mais altas concentrações de criativas formas de expressão de nossa língua, com muito bom humor, filosofia, religião, bulas de remédio, manual botânico, o dicionário de rimas, as culturas helênica e oriental além de milhares e milhares de trocadilhos, para os aplausos e o carinho de todos vocês o maravilhoso, o intrigante, o genial: Catatauuuuuuuu!!
No canto oposto, com 20 páginas e 14 dos mais belos e originais poemas em língua portuguesa, o livro das antíteses, dos dribles a la garrincha, das rimas inesperadas, dos versos simples, da rarefação, da maestria, criatividade e beleza. Vamos aplaudir o único, o inigualável, o inimitável: O Livro dos Contráriossss!!
A luta está prevista para 3 rounds de 5 minutos e vale tudo. Limão no olho, um ou outro verso esdrúxulo, tacles no pescoço, aliterações em desuso, chutes no saco, metáforas na lata, queimaduras de cigarro, antíteses no fígado, mordidas na orelha, rimas de pé quebrado, aspas na cara e, inclusive, hipérboles nos bagos.
Senhoras e senhores, sem mais prolegômenos e eufemismos, pau!

Primeiro Round.

Os lutadores se cumprimentam no centro do ringue e o que que é isso, meu Deus do Céu? Indescritível. Inenarrável. Indissertável. Meus amigos, o que está acontecendo nesse momento dentro do ringue não tem figura de linguagem que expresse. O Catatau tenta se prevalecer de seu peso, tamanho e volume, um verdadeiro lutador peso pesado de sumô, enquanto o seu adversário faz exatamente o contrário. É um combate de paciência, de estudo e porradaria franca, da boa mesmo. Ciência pura. O público, perplexo, já sofreu uns 15 enxovalhos, dez insultos, 4 descomposturas, 3 esculachos e uma meia dúzia de iluminações. Mas isso não é nada, lá dentro do tablado a coisa está pegando pra valer. Catatau dá um golpe preciso e contundente utilizando o ritmo forte, mas leva de troco uma rimada no meio da fuça, que foi linda de ver. Imediatamente, Catatau se recupera e contra-ataca com uma expressão latina, tonteando o seu oponente. O Livro dos Contrários não se entrega e com um decassílabo perfeito revida à altura, seu adversário acusa o golpe e chega a perder o latim. Mas não desiste e vai na goela. Que luta, meus amigos! Quando soa o gongo, pondo fim ao primeiro assalto. O público tira as mãos da frente dos olhos, aliviado.

Segundo Round.

Soa o gongo. Os dois lutadores se estudam. São dois estilos, duas formas, duas personalidades, complexidade e simplicidade, num combate jamais sonhado pela vã filosofia. Catatau, com o peso da ciência, tenta esmagar seu oponente. É sanguinário, brutal, chocante, parece que O Livro dos Contrários não vai conseguir se defender de tantas referências e citações. É demais para um ser humano. O Catatau bate muito, neste momento, mas também apanha pra valer, fato que o deixa bastante contrariado. O público está dividido, metade não entendeu nada até agora e a outra, muito pelo contrário. Mas a refrega é dantesca, tamanha violência nem em filmes de kung fu chinês. O público vai ao delírio. Adjetivos, dentes, advérbios, sangue, pronomes, cabelos e substantivos se espalham no ringue. O juiz Aurélio neste momento interrompe a luta para retirar os objetos que, direta e indiretamente, estão atrapalhando a porfia. É impressionante, senhoras e senhores, o número de palavrões, expressões chulas, chavões e estrangeirismos que está sendo retirado do tablado. Só para dar uma idéia, tinha até um sujeito oculto no meio do caminho dos garis.
É autorizado o reinício e o pau come solto. Inesperadamente, Catatau troca de assunto e com uma dúvida existencial golpeia, com toda a certeza, o seu contendor. É aberta a contagem, quando soa o gongo, fim do segundo assalto. O público pede água e cervejinha.

Terceiro e último assalto.

Os dois lutadores se cumprimentam mais uma vez no centro do ringue, o combate vai para os finalmentes. Estudam-se. O momento é de planejar o golpe fatal. O Livro dos Contrários toma a iniciativa e, com temas simples, diretos, obriga o seu adversário a se estender no assunto. Ele, com muita lógica, se utiliza de vários argumentos para atingir, sem piedade, na cabeça, o seu algoz. O público enlouquece, a reação de O Livro dos Contrários é fulminante e instantânea. Com uma frase de efeito, ele reequilibra a luta, que fica do jeito que o diabo aplaude. Que combate! Que disposição! Que loucura! As duas obras são geniais, não dá pra não ler. Os golpes são páginas abertas à imaginação, criatividade e inteligência. Os dois estão engalfinhados, tentam tudo, não param nem para respirar. É o esforço supremo dos vitoriosos. Estão exaustos, totalmente exauridos. Mas o público reconhece o talento, a garra e o amor à poesia dos dois lutadores e aplaude, de pé. Que espetáculo magnifico! Temos agora um só coro, pedindo para que o juiz acabe a luta. É demais, meus amigos, o público invade o ringue e os lutadores são levados em triunfo sobre os ombros da galera. Todos riem, se abraçam, é uma confraternização geral, um momento de amor jamais visto. Alguns, em pranto, demonstram toda a sua emoção, que coisa mais linda! E agora, neste instante, entra no ginásio a Escola de Samba Preto no Branco e, ao rufar dos tambores, todos gritam e pulam. Até o juiz perde o juízo. Afinal, é carnaval.

Antonio Thadeu Wojciechowski


2 momentos geniais de O livros dos Contrários*


um homem extremamente nervoso
encontrou no bar um homem muito calmo
simpático, o calmo foi generoso
e cedeu-lhe um lugar ao seu lado

o nervoso contou a sua vida
com detalhes inimagináveis
entre um e outro gole de bebida
o calmo bebeu doses incontáveis

os dois, abraçados, já cantavam
quando surgiu um terceiro no balcão
tentou falar, mas eles não se acalmavam
tentou brigar, mas veio outra canção

***

o alegre recebeu o triste
certa tarde em seu casebre
o triste pouca coisa disse
o alegre usou de formas breves

ficaram amigos dessa forma
o triste silenciou a amargura
o alegre usou a ternura como norma
entre os dois, a mesa e a noite escura

amanheceu, acabou a noite, o vinho
e, sozinho, ficou o alegre à mesa
enquanto o triste saía sem destino
sem nenhum resquício de tristeza


Momentos mágicos do Catatau**


“Um, na algaravia geral, por nome Tamanduá, esparrama língua no pó de incerto inseto, fica de pé, zarolho de tão perto, cara a cara, ali, aí, esdrúxula num acúmulo e se desfaz eclipsado em formigas.”


“Monos se penteando espelham-se no banho das piranhas, cara quase rosto no quasequase das águas: agulhas fazem boa boca, botam mau olhado anulando-lhes a estampa, símios para sempre.”

“Estamos conversando conversas diferentes sobre o mesmo assunto. Louco por mérito próprio ou por força das circunstâncias? Estamos falando sem medir as conseqüências pelo obscuro gabarito dos antecedentes. Vá em frente, eis o abismo. Cai o eu, a gente fica onde? Dedica um monumento a tudo que está lá ou fica fora de si?”

“Que flecha é aquela no calcanhar daquilo? Pela pena, é persa, pela precisão do tiro, um mestre. Ora, os mestres persas são sempre velhos. E mestre, persa e velho só pode ser Artaxerxes ou um irmão, ou um amigo, ou um discípulo, ou então simplesmente alguém que passava e atirou por despautério num momento gaudério de distração”.



* – Livro de poemas, de Marcos Prado (1962-1997), poeta, curitibano, letrista, jornalista, ator de teatro, agitador cultural, parceiro de um sem número de produtores culturais.

** – Romance polêmico, de Paulo Leminski (1944-1989), poeta, curitibano, faixa preta de judô, professor de história e redação, poliglota convicto, agitador cultural.

quarta-feira, setembro 14, 2005

Eu, aliás, nós



Eu, aliás, nós

“eu sou como eu sou
pronome pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível”


Torquato Neto (1944-1972)


De mim ou doeu?

Roberto J. Bittencourt



A principal causa mortis no trânsito da vida são os Egos desgovernados. Deveríamos afixar out-doors gigantescos anunciando em letras garrafais: “Não faça de seu Eu um arma. A vítima pode ser você.” Mas isso não significa que você precisa sair por aí matando, esfolando, roubando, mentindo só para não se sentir diferente dos outros.
Entre o seu Eu selvagem e a solitária multidão, sem rosto, anônima, que escoa fluvialmente pelas ruas do mundo, pode existir um Nós. Para isso mesmo, inventamos as virtudes. A escolha é pessoal, ser Adolf Hitler ou Madre Tereza, ter amigos de verdade ou fazer parte de uma gangue, que nada mais é do que a soma das piores partes de cada ego.
De tanto que dizemos “eu acho que”, no Brasil criou-se o Achismo, a primeira ciência inexata do mundo. Um adepto do achismo não precisa provar nada, nem apresentar referências nem mesmo ter a intenção de ajudar alguém ou resolver alguma coisa. Pessoalmente, eu acho que essa gente não vale nada.
Mas ainda bem que EU é obra-prima de Augusto dos Anjos, o livro de poesia mais vendido, mais lido e mais amado da língua portuguesa. É como eu sempre digo, nós, brasileiros, também podemos ser muito virtuosos. Só falta amar o próximo como a nós mesmos.


5 egolatrias pantaneiras

1.
Eu queria crescer pra passarinho....

2.
Choveu de noite até encostar em mim.
O rio deve estar mais gordo.

3.
O frio se encolheu nos passarinhos.
Ó noite congelada de jacintos!
Eu estou transida de pétalas.

4.
Uma violeta me pensou.
Me encostei no azul de sua tarde.

5.
Hoje completei 10 anos.
Fabriquei um brinquedo com palavras,
minha mãe gostou.
É assim: De noite o silêncio estica os lírios.

Manoel de Barros


Espelho rebelde

Eu também queria ser um sábio.
Velhos livros assim o descrevem:
Das rixas do mundo passa ao largo
E o tempo como os que não o temem.
Entra em ação sem violência,
Paga o mal com benevolência.
Sem essa de desejos,
É sábio pois esquecê-los.
Porém, isso ainda não consigo!
A realidade é cruel e estou vivo.

Bertolt Brecht (Alemanha, 1898-1956)
Livre adaptação de Antonio Thadeu Wojciechowski



Dalton Trevisan é nós.
(Excertos do livro 234)

1.
O anjinho embebe de gasolina um, dois, três sapos dos grandes. Risca o fósforo. E baba-se de gozo com as bolas de fogo saltadoras.

2.
Em cada esquina de Curitiba um Raskolnikov te saúda, a mão na machadinha sob o paletó.

3.
Na cama, diz o marido:
- Você é gorda, sim. Mas é limpa.
- ...
- Você é feia, certo? Mas é de graça.

Dalton Trevisan


Musas

anos a fio dando ouvidos
a deuses muito discretos

amigas, amigos, amiguinhos
se sou mero objeto de meus afetos
quem é aquilo sozinho que vai
tropeçando em meus versinhos?

Roberto Prado


Não tem pra ninguém

desse cafezinho
como posso gostar tanto?
desse cigarrinho
como não filtrar só encanto?

dessa vidinha
atiro as pedras que o caminho tiver
dessa alminha
meu corpo faz o que bem quiser

Antonio Thadeu Wojciechowski


deus escreveu melhor do que eu

pudera eu amasse como se não
flor crescesse onde passasse deserto
quem sou eu pra enfeitar o pavão?
só o nascer do sol boquiaberto
quero olhar como eu era
quando vi pela primeira vez a primavera

Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado


eu por mim

às vezes penso eu
o que vão pensar de mim
se até hoje ninguém me entendeu
posteridade não dará cartaz a mim
quem hoje me comoveu
amanhã faz chacota de mim
não era nero e sim eu
o gênio que fui só pra mim
acreditei que o mundo era meu
tudo tinha sido feito pra mim
não fui só o bonzinho que se fodeu
mas todo mundo chorou por mim
às vezes penso que morreu
aquele que eu chamei de mim

Antonio Thadeu Wojciechowski, Marcos Prado e Roberto Prado.



você bem que podia

Pintei o sete do dia-a-dia
Lambuzado até os tubos de tinta
E entreguei de bandeja, vazia,
A cara de uma caravela extinta

Das asas de um escaravelho de ouro
Me chamam pra ser criança de novo

E agora que são elas, sujeito,
Você bem que podia, aos outros,
Soprar um chorinho brejeiro
na flauta transversal dos esgotos!

Vladimir Maiakóvski (Rússia, 1893-1930)

Livre-adaptação de Antonio Thadeu Wojciechowski, Roberto Prado e Ubiratan Gonçalves de Oliveira)



Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

Augusto dos Anjos (1884-1914)


Eu por nós

o que aprendi com os amigos
não reneguei nem esqueci
não me acho o melhor dos vivos
a até hoje, que eu saiba, não morri

aprendi, sim, e com maestria
dos todos que até hoje encontrei
o amor pelo que chamam poesia
que é hoje tudo que tenho e sei

imaginei-me ontem o pior de todos
porque almejo algo acima do solo
como se em meu cérebro eletrodos
me jogassem dos 34 anos para o colo

hoje, porém, nascendo o dia azul
olhei pela janela e tudo amarelo –
havia em mim uma espécie de exul
tação aos amigos, à poesia, ao belo

Marcos Prado (1961-1996)


contranarciso

em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas

o outro
que há em mim
é você
você
e você

assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós

Paulo Lemiski (1944-1989)



Eu?

lá em cima o céu
e eu aqui
embaixo do meu chapéu

Luís Antônio Solda


Eu em nós

1
eu sou uma consoante
não sei soar sem você
minha vogal

2
no peito da estrela
uma constelação

Alberto Centurião de Carvalho

Poema em parceira Marcos Prado e Ivan Justen

Instruções para morrer bem no elevador

Quando abrir a porta tenha certeza
De que o elevador está ali mesmo.
Será precipitado um passo a esmo
E morrer bem requer mais sutileza.

Entre sabendo o plano de cabeça.
Chame qualquer andar além do décimo.
O cabo de aço deve estar em péssimo
Estado, rangendo bem. Não esqueça

Que você é feito de água, carne e osso.
Em queda livre, mesmo que sua massa erre o
Peso máximo, cai igual a um trôço.

Não tenha medo de que o impacto ferre-o,
Não há nenhum andar além do poço:
Co´a mola você volta alegre ao térreo.

Ivan Justen Santana & Marcos Prado de Oliveira

3 poemas de Ivan Justen

MEU AMIGO, O POETA BATISTA DE PILAR

Meu amigo, o poeta Batista de Pilar,
entra no bar como quem sai de casa,
como quem está prestes a assobiar
a última canção.

— Pare com a cachaça,
Batista! eu digo, ao lhe passar o copo,
e apenas um olhar dele me arrasa
e se for pra beber todas logo eu topo.

E então bebemos toda a madrugada
e declamamos todos os poemas, sem
pestanejar.

— Batista, não devemos nada,
eu digo, não devemos nada a ninguém!
E ao ver a minha frase assim, errada,

Batista sai do bar só com uma ponta
de alegria,
e eu fico pra pagar a conta.



INSTRUÇÕES PARA MORRER BEM NUM AVIÃO


"caio verticalmente e me transformo em notícia"

Carlos Drummond de Andrade


I – Suba a bordo. Comissárias sorridentes
ajudarão a achar seu lugar marcado.
Inevitavelmente ali logo a seu lado
haverá mais coadjuvantes inocentes.

II – Decole para a morte tranqüilamente:
Pense no destino dançando um fado:
diante disso assistir assim assustado
é sofrer enfermo esse fim bem em frente.

III – Sofra, ao inverso, com bastante alegria,
e com muita pena pela leveza de um dia
na vida de aves que só tem mais um mês.

IV – Agradeça ao piloto que enfim decide o
seu final sem suicídio ou homicídio,
e pra variar pode pousar dessa vez.




Tigre!

tigre! tigre! bêbado biltre
nos botecos de Curitiba:
que imortal garrafa vai
revelar-te a arte de ser pai?

em que longínquos cafundós
cantaste tuas notas a sós?
com que asas tua mãe ascendeu
do fogo que lambeu jezebel?

e qual belzebu e qual urubu
tornaram tua sampa um sampaku?
e quando teu sul trilou em ré
quem desculpou? quem foi? quem é?

que neurônio? ou qual martelo?
martelaram teu cérebro belo?
quanto é o joio? quanto trigo
gasta este grotesco e triste amigo?

quando o mar cansou das ondas
e veio molhar todas as bundas
alguma delas sorriu de me ver aqui?
posso? ou a tigresa é só pra ti?

tigre! tigre! bêbado biltre
nas bodegas de bom alvitre:
que imortal dosagem vai
tornar tua poesia haicai?


Ivan Justen Santana

terça-feira, setembro 13, 2005

Mar





MAR, AH, MAR!


Homem ao mar!

A maré:
O fluxo e o refluxo
Do mar

Luís Antônio Solda



O repuxo rococó na Praça Osório é o mar, o grande mar de Curitiba.

Dalton Trevisan



no fim da terra amar
mar de estrelas
sal picado


Alberto Centurião



Ulisses, herói grego, saiu com um barquinho para salvar a pátria e quase foi comido pelas sereias. É doce morrer no mar, encantavam elas. Somos todos uns filhos do mar. De onde veio todo esse óxido de diidrogênio salgado, às vezes verde, às vezes azul, que nem o supertelescópio Huble achou similar por estas galáxias? Muita água já rolou na corrente que liga o início da geléia da vida à vida como ela é ou pode ser: um mar de rosas ou de lama. Viemos do mesmo naufrágio e boiamos sozinhos para ilhas desertas. Quando pela 1ª vez viajamos pelo espaço, foi aquela água: pousamos justamente no Mar da Tranqüilidade. Somos assim, de lua. Vista lá do alto, a baleia é azul. No tempo em que a Terra ainda era quadrada, os portugueses não faziam onda, tinham a Nasa da época, a Escola de Sagres. Calmaria era conversa pra tubarão dormir. Seus grandes navegadores (os astronautas de 1500) fingiam ir atrás de riquezas (para arranjar quem os financiasse). Mas, na verdade, procuravam roteiros ainda não dominados pelos muçulmanos, com a cruz nas velas, rezando para não fazer água. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra: para cada intrépido navegante há sempre pilhas de piratas pra pilhar e um mar de marinheiros de 1ª viagem fazendo marola. O mar, quando quebra na praia, é bonito, é grande, mas não é dois – são sete mares. O Mar Vermelho foi aberto por Moisés, o Mar Morto tem tamanha concentração de sal que ali até eu ando sobre as águas, o Mar Negro me deu um branco. Dizem que o Paraguai, que não tem mar, resolveu invadir o Brasil e tomar banho no Atlântico. Mas, a maré estava braba e, para a sorte do nosso imperador, Solano Lopez, esqueceu de pedir licença à Inglaterra. Seu sonho só se realizaria anos mais tarde, quando os paraguaios venderam um oceano de uísque, compraram todos os imóveis de Caiobá, Guaratuba e Camboriú e ainda levaram Matinhos de troco. O Titanic foi servido on the rocks aos deuses do mar. Certa feita, a China resolveu invadir o Japão e mandou a mais poderosa esquadra que o oceano Pacífico já teve notícia. Mas o mar não estava para peixe e uma grande tempestade destruiu a temível armada. A tremenda borrasca, que salvou o couro dos japoneses, foi chamada por eles de kamikase, “o vento de Deus”. Poucos conseguiram chegar, a nado, mas, em vez de fazer guerra, resolveram pescar e estão lá, na ilha de Okinawa, até os dias de hoje. Já andamos na Lua, mas ainda não pegamos onda no fundo do mar (nem robô agüenta a pressão). Dizem que o gelo dos pólos vai derreter e o mar vai subir. No Rio de Janeiro, o mar vai, finalmente, nivelar flats e barracos. Dizem também que os tufões e as ressacas são castigos pelas nossas malvadezas. Ainda por cima há navegadores solitários e navios fantasmas, o Holandês Voador, por exemplo. Verifique o leme, a âncora, o timão, fique de olho nos faróis, estufe as velas e sinta a maresia. Mas antes, guie-se pelas estrelas e, se o mar não for a sua praia, o melhor mesmo é ficar chorando no porto. Ou pegando um bronze na areia.

Ir para Superagüi, a maior e mais bela ilha do Paraná, é sempre um prazer muito grande. Principalmente por poder rever meus tantos amigos, entre eles, o seo Elídio, na Praia Deserta, um monge zen muito iluminado.



Mar

Tenho umas poucas obsessões
que cultivo, com paciência e amor.
Uma delas é o mar.
Qualquer praia vagabunda,
mesmo a de Ramos,
tem para mim um apelo mortal.
Às vezes, penso que já morri afogado
em vidas passadas
ou morrerei afogado em vidas futuras.
Gosto até do cheiro de peixe podre.

Nelson Rodrigues



Mar Afora

a praia calma descansa
o corpo goza o repouso
banhado pelas ondas

tudo perfeito
no velejar da alma
o mar é grande
mostra a beleza
esconde os perigos

os marinheiros são muitos
uns navegam, outros não
os mais velhos
conduzem o barco
os novos sabem
que há sempre uma novidade
no levantar de cada onda

Batista de Pilar

Thadeu e seu fiel companheiro Preto, o poodle assassino.



Mar de todos nós


ali
naquela pedra

alguém sentou
olhando o mar

o mar não parou
para ser olhado

foi mar
pra tudo quanto é lado

Paulo Leminski



Cantiga

Nas ondas da praia
Nas ondas do mar
Quero ser feliz
Quero me afogar.

Nas ondas da praia
Quem vem me beijar?
Quero a estrela d’alva
Rainha do mar.

Quero ser feliz
Nas ondas do mar
Quero esquecer tudo
Quero descansar.

Manuel Bandeira (1886-1968)



Canção

(...)

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio.

Chorarei quando for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Cecília Meireles



Águas Marinhas

Grandeza absoluta do planeta
que em sete mares liquefaz-se.
Por estar onde o céu quer que esteja,
sem obstáculos para que ultrapasse,
oferece à pedra a outra face
a branca espuma benfazeja.

Antonio Thadeu Wojciechowski, Marcos Prado e Roberto Prado

Laurentino, morador de Superagüi, grande amigo meu, e eu indo para a ilha.



Mar português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa



Mar mulher

Como quando do mar tempestuoso
O marinheiro lasso e trabalhado
Dum naufrágio cruel, já salvo a nado,
Só ouvir falar nele, o faz medroso;

E jura que em que o veja bonançoso
O violento mar e sossegado:
Não entre nele mais; mas vai forçado
Pelo muito interesse cobiçoso:

Assim, senhora, eu que da tormenta
De vossa vista fujo por salvar-me
Jurando de não mais em outra ver-me,

Minh’alma que de vós nunca se ausenta
Dá-me por preço ver-vos, faz tornar-me
Donde fugi tão perto de perder-me.


Luís de Camões



Retrato das águas

a chuva enfim
algo a mais na lagoa
ondas de marfim

Antonio Thadeu Wojciechowski

Marcos Prado e Thadeu em aventura no mar rumo a ilha de Superagüi.



A voz da tempestade

A voz da tempestade de outubro
Em torno da pequena casa nos juncos
Soa para mim como minha voz.
Confortável, deitado na cama, escuto
Sobre o mar e a cidade
Minha voz.

Bertold Brecht



Borrasca em copo d’água

(...)

Mesmo nesse fim de mar
Qualquer ilha se encontrava,
Mesmo sem mar e sem fim,
Mesmo sem terra e sem mim.

Mesmo sem naus e sem rumos,
mesmo sem vagas e areias,
há sempre um copo de mar
para um homem navegar.

Jorge de Lima (1895 – 1953)


Eterno retorno

Na verdade
no inverno é que dá
saudade do mar

A onda é
apenas a ponta
do dedo da maré

O mar e
o menino em mim
negam-se a morrer

Domingos Pellegrini Jr.

Se é verdade que Deus não conta o tempo que a gente passa pescando, eu devo ter uns créditos.
Inconsistência

um temporal desaba sobre a garoa fina
a Terra vira aquela água
tudo se desmilingüindo
o mar, entre os rios, afluindo
a Torre de Pisa escorrega sobre a Capela Sistina
um alpinista se afoga no Aconcágua
por baixo do Canal da Mancha,
escafandristas não vêem a luz do fim do túnel
toda a engenharia do Japão em vão: maremoto, não terremoto
a Estátua da Liberdade bóia no Planeta dos Macacos
no Rio de Janeiro, nivelados por baixo flats e barracos
cumpre-se a profecia do Anjo Exterminador de Buñuel
vista assim do alto, a Terra azul fica feia na foto


Antonio Thadeu Wojciechowski, Marcos Prado e Sérgio Viralobos




Pelos mares do céu


Curitiba, hoje a luz do poste é nossa lua
Sua chuva vem e nela se dissolve
Todo santo dia minha alma ferve e flutua
Evapora, vira nuvem, te comove

Sua praia, Curitiba, virou areia
O seu mar de tanto amor mudou pra cima
Quando volta cai já doce santa ceia
Um olho d’água, úmido de céu, acha a rima


Roberto Prado


Ñe’ ê.


Yo soy la marafona del balneário. A cá, en Guaratuba, vivo de suerte. Ah, mi felicidad es un cristal ante el sol, advinadora esfera cargada por el futuro como una bomba que se va a explodir en los urânios del dia. Mi mar. La mer. Merde la vie que yo llevo en las costas como una señora digna cerca de ser executada en la guillotina. Prossigo el arte de la sortista, casa térrea com mangueiras en el jardin e sombreros por los quintales, sin hablar del sol, del rude sol mañanas, tardes y noches – el espantoso verano de Guaratuba quando se é deciembre e el mundo se pone de barracas y chicos por las playas coloridas pela tarde – esta pequena gran artista de las tintas del cielo.

Wilson Bueno

segunda-feira, setembro 12, 2005

Marcos Prado sob a direção do Solda

Entrevista Ivan Justen Santana



Ivan Justen.
Bonitinho mas extraordinário.


Faz tempo que conheço o Ivan. É meu amigo, parceiro e companheiro de noitadas. Ele e o Marcos Prado traduziram uma pá de letristas roqueiros. Um trabalho muito importante mas que infelizmente ainda é inédito. O Ivan é às vezes meio pedante, mas compensa esse pequeno defeito com muita criatividade. Gosto cada vez mais dele como pessoa e dos seus poemas. Acho que ele tem uma pegada bastante original. Na quinta-feira passada escrevemos 11 novos poemas em parceria e uma música. Foi sensacional. Amanhã vcs terão aqui alguns de seus poemas. Hoje uma pequeno trecho de uma de nossas parcerias.
...
E mesmo que a vida não fosse nada,
ainda assim valeria a pena nascer poeta:
porta que se abre, janela que nunca fecha,
ao mesmo tempo arco, alvo e flecha!

Antonio Thadeu Wojciechowski e Ivan Justen


Quem é Ivan Justen, de onde e como vem?

Bom: meu nome é Ivan Justen Santana:
nasci em Curitiba no dia 22/03/1973, no prédio ali na esquina da Rua do Rosário com a Travessa Nestor de Castro: era um hospital que tinha maternidade: hoje parece que só atende pessoas deficientes: quem sabe isso explique como eu venho...

Você foi uma criança bem normalzinha?

Não: fui uma criança prodígio bacaninha até os sete anos, um CDFzinho brilhante metido à besta e insuportável dos sete aos 14...
Daí começou minha adolescência propriamente dita...
Mas até hoje eu ainda sou meio criança, muitas vezes bacaninha, eu acho...

E na escola como foi o seu desempenho?

Ganhei muitos diplomas por estar quase sempre entre os 3 melhores alunos da classe: estudando numa escola particular, competia com a Guta Stresser (na quinta e na oitava série) pelas melhores notas, e pelo status de artista e gênio da tribo. Hoje ela já se deu bem no teatro e na TV, enquanto eu... Ainda estou só na paquera, digamos assim...