polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

domingo, fevereiro 26, 2006

Que bela canção você fez, hein, seo Walmor Góes?

Mártir Luther King


eu tive um sonho
que só me deu pesadelo
armas de fogo
me mataram de medo

o húmus sapiens
é bem pior que esterco
aquele que já fui
é hoje meu cerco

pensei ser o último dos mártires
mas a onda de sangue me reflui

(thadeu, sérgio viralobos e alexandre frança)


Essa adaptação romanceada que o Roberto Prado fez para o Inspetor Geral é de tirar o fôlego. Você não consegue parar de ler. É demais! A peça já é genial, mas o que o Beco fez é arte pura, ficou melhor ainda. Comprem e leiam, vcs vão adorar.

sábado, fevereiro 25, 2006

Os brutos não odeiam


Hoje cedinho, 5,30h, sábado de carnaval, fui lá no blog do Roberto Prado e e dei de cara com esses caras, um deles inclusive é minha cara. O Beco alinhavou um modelito que é coisa de louco mesmo. Vá lá conferir. A foto acima tinha um nome 33, 44, 22, que obviamente eram as nossas idades à epoca. Pra quem não sabe Marcos Prado, à esquerda; Thadeu Wojciechowski, ao centro e Márcio Goedert (o Cobaia).

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Marilda Confortim

Mais um blog na praça. Clic aqui http://iscapoetica.blogspot.com
A mentora é a poeta Marilda Confortim, gente boa da melhor qualidade.

WOJCIECHOWSKI



Daqui a pouco, estaremos dando os últimos retoques no meu CD. O lançamento provavelmente será no final de março. Mas o importante é que fiquei muito feliz com o resultado. As 12 canções, selecionadas pelo Rodrigo e pelo Ferreira, ganharam arranjos preciosos e deram um brilho especial às melodias originais. Vocês não perdem por esperar. Essa idéia gráfica para a capa do livreto que acompanha o CD é do meu filho Alessandro Wojciechowski. A foto também é dele.

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Augusto dos Anjos e dos Homens



Augusto dos Anjos e dos homens.

Meu poeta maior, talvez a mais singularíssima pessoa de todo esse mundão de deus, morreu aos trinta anos de pneumonia, pobre e menosprezado pelos seus contemporâneos. É que as excentricidades e ineditismo de seus acordes levaram muitos críticos e intelectuais a diminuir o valor do poeta, relegando-o a um segundo plano, a uma casta inferior. Uma idiotia imperdoável, mas que vem sendo corrigida com o passar do tempo. É incrível, a cada ano o poeta mais se moderniza, mais se atualiza e mais leitores se maravilham com a sua obra. A verdade é que, quando a lira de Augusto delira, percorre, clara e limpidamente, o vasto universo da imaginação e da fantasia, com o brilho dos astros, da alegria da descoberta, mesmo diante do abismo mais intransponível. O poema negro é um belo exemplo dessa afirmação, onde o sonho é pesadelo e mesmo assim o poeta estrebucha, resiste, indaga, se encolhe todo dentro dele, esperando crispado o verme violento arrancar-lhe o primeiro naco de sua carne magra, em câmera lenta diante do turbilhão veloz da passagem dos séculos.
Toda a sua obra é assim assombrada, mas a atitude do poeta não é de perplexidade; ao contrário, a sua grandeza consiste na insubmissão, na atitude criadora, revolucionária, capaz de lançá-lo às esferas mais inatingíveis, excitando sua alma apaixonada para buscar a beleza transcendente, a alma gêmea da verdade, mesmo que isso signifique decomposição.
EU, seu único e derradeiro livro, foi recebido com desdém pela crítica, pela maioria dos poetas, mas o povo o adotou amorosamente. Nenhum poeta brasileiro tem tantos poemas declamados como Augusto. Olavo Bilac, príncipe dos vates brasileiros, foi um dos primeiros a repudiar o poeta e desmerecer-lhe a obra, mas, em vida, redimiu-se e foi à terra natal do poeta paraibano exigir das autoridades o augusto busto.
É que o nosso poeta maior não bebeu água de uma só fonte, sorveu avidamente da ciência, da religião, das artes, da filosofia e sempre com uma atitude crítica, sem passividade ou peleguismo diante delas. Uns querem-no parnasiano; outros, simbolista; aqueles, cientificista, modernista, filosofista, anarquista, demonicista, futurista e o caralho aquático; eu, simplesmente o amo,
como devem ser amados os verdadeiros poetas.
Assim como Mallarmé, Augusto se defrontou com a musa enigmática; o primeiro se entregou aos símbolos e enfeitiçou-os com a graça e a sutileza dos faunos; o nosso poeta, abriu o coração e caiu de boca na desgraça, para tirar dela o seu encantamento, a sua beleza cintilante: a sonoridade potencial dos seres. Mas não é só a sua obra que assombra, o próprio Augusto parecia um espectro, pelo menos é o que se extrai desse relato de seu contemporâneo e amigo, Órris Soares:

“De certa feita bati-lhe às portas, na rua Nova, onde costumava hospedar-se. Peguei-o a passear, gesticulando e monologando, de canto a canto da sala. Laborava e, tão enterrado nas cogitações, que só minutos depois se deu conta de minha presença. Era sempre esse o seu processo de criação. Toda arquitetura e pintura dos versos as fazia mentalmente, só as transmitindo para o papel quando estavam prontas, e não raro começava seus sonetos pelo terceto final.
Sem que eu nada lhe pedisse, começou a recitar e declamando sua voz ganhava timbre especial, tornava-se metálica, tinindo e retinindo as sílabas. Havia mesmo transfiguração na sua pessoa. Ninguém diria melhor, quase sem gesto. A voz era tudo: possuía paixão, ternura, complacência, enternecimento, poder descritivo, movimento, cor, forma.
Quando dei por mim, estava pasmado, colhido pelo assombro inesperado de sua lira, que ora se retraía, ora se arqueava, ora se distendia, como um dorso de animal felino.”

Augusto foi de tudo um muito. E por isso nos dignifica e engrandece, mesmo quando nos atira na lama da putrefação. Há alguns anos, escrevi um poeminha explicativo para os que ainda rejeitam a sua obra por não compreendê-la em sua essência.


aos que não entendem Augusto dos Anjos

nada de aberração
apenas fez das tripas
o coração


Mas o melhor mesmo do nosso Brasil é que ele é pródigo em poetas. Que país pode contar, naquela época, entre suas estrofes com duas de tamanha magnitude e beleza?

....
E quando vi que aquilo vinha vindo,
Eu fui caindo como um sol caindo,
De declínio em declínio, e de declínio
Em declínio, com a gula de uma fera,
Eu quis ver o que era e quando vi o que era,
Vi que era pó, vi que era esterquilínio!
....

Augusto dos Anjos


...
Mas essa mesma algema de amargura
Mas essa mesma desventura extrema
Faz que tua alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura
...
Cruz e Sousa

Ou ainda que planeta, nesse mesmo período, pode ter duas leituras da existência humana, dois sonetos tão contraditórios em sua essência e tão distintamente revestidos do mesmo amor e sentido de entrega e compaixão? Com essa luminosidade ? Com esse encantamento sonoro? Com essa arquitetura?

Eterna mágoa

O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do mundo, o homem que é triste,
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!

Não crê em nada, pois nada há que traga
Consolo à mágoa a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.

Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda

Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!

Augusto dos Anjos


Sorriso interior

O ser que é ser e que jamais vacila
Nas guerras imortais entra sem susto,
Leva consigo esse brasão augusto
Do grande amor, da nobre fé tranqüila.

Os abismos carnais da argila
Ele os vence sem mágoas e sem custo...
Fica sereno, num sorriso justo,
Enquanto tudo em redor oscila,

Ondas interiores de grandeza
Dão-lhe essa glória em frente à Natureza,
Esse esplendor, todo esse largo eflúvio.

O ser que é ser transforma tudo em flores...
E para ironizar as próprias dores
Canta por entre as águas do dilúvio.

Cruz e Sousa

Sou fanático por esses dois, assim como sou por Gregório de Matos, Nelson Rodrigues, Machado de Assis, Campos de Carvalho, Noel Rosa, Adoniran Barbosa, Jamil Snege, Helena Kolody, Marcos Prado, Paulo Leminski e tantos outros que já se foram e povoaram os meus sonhos e fizeram de minha vida um universo sonoro, colorido o bastante para compreender estas estrofes do Monólogo de uma sombra de Augusto dos Anjos, e dos homens:

...

Ah! Dentro de toda alma existe a prova
De que a dor como um dartro se renova,
Quando o prazer barbaramente a ataca...
Assim também, observa a ciência crua,
Dentro da elipse ignívoma da lua
A realidade de uma espera opaca.

Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,
Abranda as rochas rígidas, torna água
Todo fogo telúrico profundo
E reduz, sem que, entanto, a desintegre,
À condição de uma planície alegre
A aspereza orográfica do mundo!

Provo desta maneira ao mundo odiento
Pelas grandes razões do sentimento,
Sem os métodos da abstrusa ciência fria
E os trovões gritadores da dialética,
Que a mais alta expressão da dor estética
Consiste essencialmente na alegria.

---

Por essas e por outras, é que esse meu amor enorme e desajeitado se estende aos meus contemporâneos Sérgio Viralobos, Walmor Góes, Roberto Prado, Solda, Roberto Bittencourt, Bira, Dalton Trevisan, Domingos Pellegrini, Hamilton Faria, Mário Bortoloto, Édson de Vulcanis, Edílson Del Grossi, Rodrigo Barros, Miran, Luiz Antonio Ferreira, Magoo, Chico Buarque, Ernani Buchmann, Alice Ruiz, Marilda Confortin, Luana Vignon, Jorge Ferreira, Fernando Koproski, Ivan Justen, Carlos Careqa, Tatára, Cabelo, Alexandre França, Cobaia, Wilson Bueno, Jorge Mautner, Caetano Veloso.
E tantos que não me perdoarei jamais pela minha memória falha.

Beijo a todos e mãos à obra!


O Morcego

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede...”
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A consciência humana é este morcego!
Por mais que gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!


A Idéia

De onde ela vem? De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!

Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica...

Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica!


As Cismas do Destino

....

Na ascensão barométrica da calma,
Eu bem sabia, ansiado e contrafeito,
Que uma população doente do peito
Tossia sem remédio na minha alma!

E o cuspo que essa hereditária tosse
Golfava, à guisa de ácido resíduo,
Não era só o cuspo só de um indivíduo
Minado pela tísica precoce.

Não! Não era o meu cuspo, com certeza
Era expectoração pútrida e crassa
Dos brônquios pulmonares de uma raça
Que violou as leis da Natureza!

...

Escarrar de um abismo noutro abismo,
Mandando ao céu o fumo de um cigarro,
Há mais filosofia neste escarro
Do que em toda moral do cristianismo!

Porque, se no orbe oval que os meus pés tocam
Eu não deixasse meu cuspo carrasco,
Jamais exprimiria o acérrimo asco
Que os canalhas do mundo me provocam!

...

Prostituição ou outro qualquer nome,
Por tua causa, embora o homem te aceite,
É que as mulheres ruins ficam sem leite
E os meninos sem pai morrem de fome!

Por que há de haver aqui tantos enterros?
Lá no ‘Engenho” também, a morte é ingrata...
Há o malvado carbúnculo que mata
A sociedade infante dos bezerros!

Quantas moças que o túmulo reclama!
E após a podridão de tantas moças,
Os porcos espojando-se nas poças
Da virgindade reduzida à lama!

...

O Estado, a Associação, os Municípios
Eram mortos. De todo aquele mundo
Restava um mecanismo moribundo
E uma teologia sem princípios.

Eu queria correr, ir para o inferno,
Para que, da psique no oculto jogo,
Morressem sufocadas pelo fogo
Todas as impressões do mundo externo!

Mas a Terra negava-me o equilíbrio...
Na Natureza, uma mulher de luto
Cantava, espiando as árvores sem fruto,
A canção prostituta do ludíbrio!


Monólogo de uma Sombra

...

Era a elegia panteísta do Universo,
Na podridão do sangue imerso,
Prostituído talvez, em suas bases...
Era canção da Natureza exausta,
Chorando e rindo na ironia infausta
Da incoerência infernal daquelas frases.

E o turbilhão de tais fonemas acres
Trovejando grandíloquos massacres,
Há de ferir-me as auditivas portas,
Até que minha efêmera cabeça
Reverta à quietação da treva espessa
E à palidez das fotosferas mortas!


Budismo Moderno

Tome, Dr., esta tesoura, e...corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
....

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo.

Os Doentes

...
A vida vem do éter que se condensa,
Mas o que mais no Cosmos me entusiasma
É a esfera microscópica do plasma
Fazer a luz do cérebro que pensa.

Eu voltarei, cansado da árdua liça,
À substância inorgânica primeva,
De onde, por epigênesis, veio Eva
E a stirpe radiolar chamada Actissa!

Quando eu for misturar-me com as violetas,
Minha lira, maior que a Bíblia e a Fedra,
Reviverá, dando emoção à pedra,
Na acústica de todos os planetas!

...

O letargo larvário da cidade
Crescia. Igual a um parto, numa furna,
Vinha da original treva noturna
O vagido de uma outra Humanidade!

E eu, com os pés atolados no Nirvana,
Acompanhava, com um prazer secreto,
A gestação daquele grande feto,
Que vinha substituir a Espécie Humana!

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Ei, você, aí


Ei, você, aí, me dá um cigarro aí.

“Escarrar de um abismo em outro abismo
mandando ao céu o fumo de um cigarro,
há mais filosofia neste escarro
do que em toda moral do cristianismo.”

Augusto dos Anjos

Se tem uma indústria que fatura até o nabo é a do cigarro. Com ou sem filtro, com as mais diversas graduações de alcatrão e nicotina, o cigarro já fez muito neguinho, branquinho, amarelinho e vermelhinho virar fumaça. Eu já me sinto mais leve, mas ainda estou quase vivo. Tenho um cunhado, um dos melhores pneumologistas do Brasil, o
Dr. Jairo Sponholz, que só falta me dar tiros quando me vê com um cigarro na mão. Bem, convenhamos, morrer, neste caso, seria bem mais rápido.
Dizem que o cigarro mata lentamente, mas alguém aí está com pressa? Um compositor que não lembro o nome no momento, cantava: “quem não fuma quem não bebe que alegria pode ter?”. Morreu já faz algum tempo, mas a causa mortis foi frieira no dedão do pé esquerdo.
O Leminski e o Marcos Prado fumavam que nem dois condenados. Eu, o Roberto Prado, o Solda, o Edílson, o Magoo, o Marcelo, comemos com farinha e baforamos como sapo índio. Um dia, lá pelos anos 90, eu e o Sérgio Viralobos, que não fuma, fizemos as contas de quantos cigarros eu já havia fumado. O total girou em torno de 380.250 cigarros. De lá pra cá, perdi a conta. Mas do poema fiz música de carnaval, gravada pelo Maxixe Machine, no CD Folias de Momo.
Agora, falando sério, tem coisa melhor do que um cigarrinho depois de um café, junto com a cervejinha ou depois de um sexo? Pode até ter, mas ainda não cheguei lá. E acho que nem vou chegar porque devo morrer de câncer, enfisema, problemas circulatórios, envenenado como um rato, sem um pedaço da perna, sem dentes, careca ou, pior ainda, impotente. Ai ai ai, acho que amanhã mesmo começo a parar de fumar. Ou, no máximo, semana que vem. O cigarro é uma tema freqüente em nossas músicas, aí vão algumas letras que causam tudo aquilo que está nas fotos nos maços de cigarro. Ou mais.

arvorada ou o admirável fumo novo

plantei déis arquere
de fumo do bão
os pé cresceu
que nem os pé de feijão do joão

a roça ficou uma maravia
eu moiava de noite
eu oiava de dia

não pus espantaio
porque os passarinho
ficaram tudo nos gaio
admirando
admirando
admirando
admirando

Antonio Thadeu Wojciechowski, Édson de Vulcanis,
Edílson del Grossi e Ubiratan Oliveira

bolero lero

cada vez que tu me miras
com sus ojos sujos de baton
berrante terete
treamo mas

jo soy un borracho fumegante
à espera de una amante
caliente terete
treamo mas

neste cais que é a vida
companheiro de bar
não fique a ver navios
pois Curitiba não tem mar

não adianta se matar
e nem cortar o seu pescoço
todo galho ou enrosco
é deus que está conosco

Antonio Thadeu Wojciechowski, Luiz Antonio Ferreira,
Renato Quege, Rodrigo Barros e Walmor Goes


diário de uma ninfeta prostituída

desde o princípio da humanidade
os homens corrompem as menininhas
em troca de bebida, comida
e queimadura de cigarro

eles chegam em carros possantes
sapato branco reluzente
charutos jamaica, chapéu panamá
e champagnes espocantes

os que vêm para os prazeres da carne
têm à mão um baby beef
uma garrafa de Arak
e uma carteira de free

Alessandro Wojciechowski, Antonio Thadeu Wojciechowski,
Edson de Vulcanis e Marcos Prado

eu não vou ter amigos aos 40

meus amigos bebem demais
meus amigos fumam demais
meus amigos falam demais
meus amigos brigam demais
meus amigos morrem demais

do jeito que tudo vai
eu vou ficar
na cidade sem cachorro
bebendo sozinho
fumando sozinho
falando sozinho
brigando sozinho
morrendo sozinho

minha cabeça não agüenta
um por um indo pro saco
rezando prum deus babaco

eu chego sozinho aos 40

Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado


fã de fandango

ai que saudades tenho da baía de Paranaguá
na festa da tainha eu sempre estava lá
olhando aquela água verde até ficar azul
cego por cem sóis vermelhos me guiava o vento sul

tamancos batem no chão
fandango é a nossa canção
pinga de banana na cabeça
fumo caiçara na mão

estou adiantando as horas pra voltar pra lá
tem barco me esperando em Paranaguá
pisando na areia branca fica tudo azul
enfuna as velas do veleiro, me leva, vento sul

tamancos batem no chão
fandango é a nossa canção
pinga de banana na cabeça
fumo caiçara na mão

Antonio Thadeu Wojciechowski, Edílson Del Grossi,
Walmor Góes e Ubiratan Oliveira

Levando fumo

quando eu morrer não quero choro nem oração
quero pacotes de holliwood
pra levar muito fumo no caixão

serrei até estourar a caixa toráxica
o escarro e o pigarro eram a tática
pro meu pulmão não se esparramar pelo chão

cigarro de xepas do cinzeiro eu fi-lo
traguei paióva, bituca e matarrato a quilo
equivalo a um quarteirão de nicotina e alcatrão

já enrolei tabaco pra mais de metro
se enfizema fizesse rei, eu tinha coroa e cetro
recordista filão, quebro a marca do milhão

há tosse e sinais defumantes em meu corpinho
alvéolos, brônquios, pleuras, não passam de toucinho
baforo no caixão, resoluto, meu último charuto

Antonio Thadeu Wojciechowski e Rodrigo Barros


nível de periculosidade

quanto uma bactéria pode ser nociva?
esta mariposa por quanto tempo continuará viva?

o conhaque vai acabar
e isto me entristece um pouco
quanto tempo viverei neste bar
até estar morto?

70 cigarros por dia é mortal?
será que hoje é natal?

Antonio Thadeu Wojciechowski e Marcos Prado


o cigarro está me matando de saudade

anteontem no ano passado
meu dedo estava amarelado
preciso de um vício novo
bombom, caracu com ovo
bingo, corrida de cachorro louco

ai que saudades da minha querida nicotina
e do meu velho e bom arcatrão
e da porvinha do paperzinho que fazia
catarrinho, cosquinha no meu purmão

Antonio Thadeu Wojciechowski, José Alberto Trindade,
Márcio Goedert e Rodrigo Barros


samba do meu ranchão

estava andando pela rua numa noite
quando meu mundo caiu
astros me pisam distraídos
indiferente o chão fugiu de mim

se essa rua, se essa rua fosse minha
eu andava contramão
paralelepípedos uni-vos
pra eu voltar a ter os pés no chão

se você pensa que vai fazer de mim
o que faz com os carlões por aí
acorda, maria bonita, cachaça não é água não
já fumei mais de um maço e meio
pode vir firme que eu estou tremendo

Antonio Thadeu Wojciechowski, José Alberto Trindade, Rodrigo Barros,
Magoo, Walmor Góes e Ubiratan Oliveira


sete palmos abaixo da terra de marlboro


380.250 cigarros depois
resolvi tomar uma atitude
nada de entregar pulmão para ciência
só há um jeito de ir atrás do prejuízo

apresentar os meus raio-x
para uma junta de advogados
agora quero 5 milhões e mais nada
vai ser um raro prazer queimar essa bufunfa
de dentro da tenda de oxigênio

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos

Vá lá.

Hoje o blog do Roberto Prado está simplesmente o máximo. Clic aqui e leia o Anti-ensaio do aniquilamento. E ainda um comentário muito especial sobre o Marcos Prado.

segunda-feira, fevereiro 20, 2006


No encerramento de uma palestra muito chata no primeiro perrépines, fiz este poeminha para saudar a possibilidade de sairmos dali dali e ir para o bar tomar todas.

aqui começo
quando termina
vamos ver se o Leminski está na esquina

(thadeu)


Hoje eu acordei com saudades do Leminski. Aquele polaco era um cara louco, muito louco mesmo. Aliás, como todo bom polaco. Lembrei do nosso último encontro lá no Moby Dick, eu lhe entreguei os originais para que ele pudesse fazer a apresentação do livro Crueldade Mental. Depois de tomarmos algumas, ele começou a ler os poemas e a tecer comentários. Foi generoso como sempre. Leu alguns poemas em voz alta e chamou a atenção de todos para alguns versos que considerou mais requintados. Conversamos bastante, franca, alegre e amorosamente. O Leminski ficou de me entregar o texto assim que eu chegasse da viagem que iria fazer para Cascavel. Dali fui direto para a rodoviária e voltei 3 dias depois.
Na volta, apesar do ônibus leito não consegui dormir direito. Pensei no Leminski durante quase todo o trajeto. Estava com uma sensação ruim, estranha. Mas quando cheguei próximo a Ponta Grossa, adormeci. A Viação Garcia que faz a linha Curitiba-Cascavel, nessa época, distribuía o jornal O Estado do Paraná quando parava para renovar o café em Campo Largo. E foi aí que eu acordei e dei de cara com a manchete da morte do Leminski.
Putz, fiquei muito triste e chorei o restante do trajeto. Desci na parada do Batel, peguei um táxi e fui para a casa do Marcos Prado. De lá seguimos para a reitoria da Universidade Federal onde o corpo estava sendo velado. Chegamos aproximadamente às 7,30h e já havia muita gente. Junto ao caixão, Alice chorava. E nos falou que ele morreu e virou Buda. O Aldo Lubes, professor de judô e karatê, chorava, chutava as colunas do prédio e repetia para nós “ele não podia ter feito isso com a gente!”. Não ficamos para o enterro, fomos no bar do Estudante ao lado e enchemos a cara, junto com uma turma que foi aumentando, aumentando, aumentando e o resto eu não me lembro muito bem. Sei que recitamos muitos dos seus poemas, rimos pra caralho com as histórias contadas por vários de seus amigos e fizemos muitos brindes ao poeta.

Algumas pérolas do Leminski

das coisas
que eu fiz a metro
todos saberão
quantos kilômetros
são

aquelas
em centímetros
sentimentos mínimos
ímpetos infinitos
não?

***

Bom dia, poetas velhos.
Me deixem na boca
o gosto de versos
mais fortes que não farei.

Dia vai vir que os saiba
tão bem que vos cite
como quem tê-los
um tanto feito também,
acredite.

***

objeto
do meu mais desesperado desejo
não seja aquilo
por quem ardo e não vejo

seja a estrela que me beija
oriente que me reja
azul amor beleza

faça qualquer coisa
mas pelo amor de deus
ou de nós dois
seja

***

minhas sete quedas

minha primeira queda
não abriu o pára-quedas

daí passei feito uma pedra
pra minha segunda queda

da segunda à terceira queda
foi um pulo que é uma seda

nisso uma quinta queda
pega a quarta e arremeda

na sexta continuei caindo
agora com licença
mais um abismo vem vindo

***

a história faz sentido
isso li num livro antigo
que de tão ambíguo
faz tempo se foi na mão de algum amigo

logo chegamos à conclusão
tudo não passou de um somenos
e voltaremos
à costumeira confusão

***

um deus também é o vento
só se vê nos seus efeitos
árvores em pânico
bandeiras
água trêmula
navios a zarpar

me ensina
a sofrer sem ser visto
a gozar em silêncio
o meu próprio passar
nunca duas vezes
no mesmo lugar

a este deus
que levanta a poeira dos caminhos
os levando a voar
consagro este suspiro

nele cresça
até virar vendaval

***

tenho andado fraco

levanto a mão
é uma mão de macaco

tenho andado só
lembrando que sou pó

tenho andado tanto
diabo querendo ser santo

tenho andado cheio
o copo pelo meio

tenho andado sem pai

yo no creo em caminos
pero que los hay
hay

***

moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia

vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia

***

tanta maravilha
maravilharia durar
aqui neste lugar
onde nada dura
onde nada pára
para ser ventura

Paulo Leminski
Poemas do livro Caprichos e Relaxos

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Mais uma do Jorge Ferreira


Às vezes saio à cata de coisas diferentes. Quase sempre levo sustos no blog do Jorge Ferreira. Vejam este poema.


A ternura da noite é líquida
e derrama em minha boca,
entre seco e doce, a lua viva.
Já sem medos, a voz rouca.

A ternura dessa noite física,
toca-me o corpo sob a roupa.
Rasgando a pele com carícias,
à luz suave, a dor tão pouca.

Sob cada beijo, líquido, terno,
esconde-se a fala, a súplica.
A vontade buscando a vida.

E eu, sem temor, me entrego.
Pois entendo, não há dúvida:
A ternura da noite é líquida.

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Atendendo a pedidos, aí vai!


O dia em que encontrei o Paulo Leminski
com a camisa do coxa.



Encontro o polaco, no meio da madrugada. Alegrinhos, eu e ele.
- Onde você esteve todos esses dias em que eu lhe lia? - pergunto ainda abatido pelas notícias de sua morte.
- Por aí, brincando no judô e lutando com a poesia.
- Vivo ou morto?
- Isso ninguém sabe.
- ?!
- Como é que estão o Solda, Retta, Alice Ruiz, Marcos e Roberto Prado, Sérgio Viralobos, Wilson Bueno, Fernando, Reinoldo, Hamilton e a minha querida Helena Kolody?
- E o Cardoso??, argúo antes de responder.
- Abriu outro Bar do Cardoso, lá. Está declamando cada vez melhor.
- Lá?
- É.
- Onde fica lá?
- Isso ninguém sabe.
- ?!
- Em que ano nós estamos?
- 7 de junho de 1996.
- Porra!!
- O que deu em você de me aparecer assim no meio da madruga?
- Saudades de Curitiba. E você ainda não me respondeu como é que está a turma toda.
- Bem, bem. Todo mundo com livro novo. Curita, em matéria de poesia, é de morte mesmo, né?
- Eu que o diga.
- O que você quer dizer exatamente com isso?
- Quero dizer que vamos sentar em algum lugar e beber. Estou morto de vontade de umas vodkas e muitas cervejinhas.
- Vamos lá, no Estorvo, o bar do Cobaia, um jovem poeta que você precisa conhecer.
- Você falou lá?
- Falei, mas este lá eu sei onde fica.
Fomos. No caminho reparo que o Leminski está com a camisa do Coritiba.
- Você não é atleticano ?
- Era. Evoluí, lá.
Fico feliz, sou coxa-branca roxo, todo mundo sabe. Sentamos, frente à frente. Ele, forte, saudável, dentes brancos, barba feita, bigode impecável, parece ter rejuvenescido 20 anos; eu, daquele jeitão de sempre.
- Ahhh! que saudades, cara. Não tomava uma dessas há anos.
- E o Bar do Cardoso, lá não tem bebida?
- Isso ninguém sabe.
- Mas você não vai lá ?
- Às vezes.
- E então ?
- Então, o quê?
- !?
Entre versos, prosas, goles, tiradas espirituosas, trocadalhos do carilho, goles, teorias, filosofices, piadas, comentários, goles, análises, adendos, réplicas, goles, tréplicas, observações, picuinhas e aleivosias, tomamos todas, literalmente. Trôpegos, vimos o sol nascer e o bar se pôr. Rindo, entre um abraço, um cambaleio e outro poema, me despeço: “ eu vou pra lá e você?”.
- Eu também.


Antonio Thadeu Wojciechowski

Quem quer dinheiro?

Dinheiro

Ó Senhor, por que me fizeste belo, forte e justo
em vez de rico e poderoso?

( Pedro Prado )

Nem Jesus deixou de fazer comentários sobre. A parábola dos talentos é o que há. Judas por 30 dinheiros vendeu a mãe e entregou Jesus. O dinheiro deveria ser só o pão nosso de cada dia, mas ai de nós! Fraticídio por herança, o desfalque do traidor, o estelionato nato, o tráfico no sangue, a falsificação da verdadeira prostituição, o assalto mortal, o viver da profanação de túmulo, a cova onde se enterram os caçadores do tesouro de tolo. Tudo por dinheiro. O engraçado é que um mané rouba uma caixa de bolacha Maria, um litro de cinzano e meio cacho de banana podre pra dar de comer aos barrigudinhos e puxa uma cana braba, no entanto, inexplicavelmente somem 40 bilhões de dólares num dia no movimento das bolsas e não tem ninguém pra prender. No mundo, podres de rico tentam evitar que pobres de dar dó venham passar a flanela imunda no parabrisa limpo. A classe média só está em alta nos países baixos. No Brasil, ela só serve para servir o governo. Nós, poetas e leitores, obviamente, estamos sem nenhum tostão. E se ninguém o tem, onde ele estará? Existe dinheiro no além? Em marte também?

A Bolsa ou a Vida?

Todo dinheiro do mundo, em 1929,
cabia na caderneta de poupança do Bill Gates.
Hoje, 68 anos depois, é proibido proibir o capital.
Ninguém está a salvo de um ataque especulativo,
principalmente, quem é mais passivo do que ativo.
A Rússia já está em total petição de miséria,
os EUA, ao contrário, continuam mandando na Terra.
O terremoto de Hong Kong solapa a Bolsa de Tókio.
A Europa, caquética, se finge de morta para não morrer.
Os Tigres Asiáticos são presas fáceis para os fundos de pensão.
George Soros sozinho quebrou a banca da Inglaterra inteira.
O Brasil era de outro planeta mas, desta vez, não.
Pelo menos é o que prevê a História da Inteligência Brasileira.

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos.



Trecho do livro Fausto, quando Mefistófeles
inventa o papel moeda, cujo lastro era um pseudo tesouro que estaria enterrado no subsolo do império.


Primeiro-Ministro

Eu não podia morrer sem essa !
Vou ler o papel que fez do mal bom à beça:
“O Imperador assina embaixo do valor de 1.000 pratas
garantidas pelo seu incomensurável tesouro enterrado.
Todas as medidas cabíveis já foram totalmente tomadas
pra que cada níquel desencavado pague esse papel por mim avalizado.”


Imperador

Essa eu não vou engolir ! Falsificaram minha assinatura ?
Já colocaram os velhacos a ferros ?


Presidente do Banco Central

V. Excia. esquece o jamegão que despachou numa gravura ?
Estávamos todos na piscina do Baile do Havaí submersos,
o Primeiro-Ministro, de sunga, vos disse “basta uma penada
pra alegrar os foliões”. Então esse bilhete
se multiplicou industrialmente na Casa da Moeda.
Fizemos séries de 1, 5, 10, 50, 100, 1000 cada
e caiu com tanto gosto no meio do povo inadimplente
que o vosso nome idolatrado nunca esteve tão bem na goela
da patuléia. O alfabeto ganhou mais uma letra
no formato da impressão digital de vosso polegar direito.


Imperador

Jura que todo mundo aceita esses impressos sem reserva ?
Dou a régia mão à palmatória em estado de choque monetário.


Mefistófeles

Podemos aposentar a algibeira e rechear a carteira.
Melhor que carta de amor, só nota no meio dos peitos.
Perdoai a expressão chula mas as ações do Reino estavam em queda.
As pesquisas apontam o fim do tráfico e do câmbio usurário.
Está todo mundo de barriga cheia e roupa nova.
Perdoai-me novamente, esses detalhes rebaixam sua obra,
mas fiquei apaixonado por esses papeizinhos engenhosos.
Quereis metal ? O cambista está aí pra isso mesmo.
Não há metal ? Tudo bem, daqui a pouco vamos cavá-lo.
Quem quer outra vida ? Riqueza é coisa que nunca estrova.

Goethe, em livre adaptação de Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos.

cartão de natal american express

pendurei meu emprego no caribe
fugi com a filha menor do banqueiro
mulher e filhos, fodam-se
a partir de hoje eu vou me dar bem
quero uma amante como aquelas
mexicanas de novela
vou transformar meu iate
numa boate
e o meu camarote numa suíte do sexo
todo mundo pelada
é hoje
comê bem
bebê bem
já encomendei metade das lagostas do planeta
e o troco em caviar do bom

sobre as champanhes, sou o dono da importadora
com nome falso é claro
porque se não o advogado da, a partir deste momento,
ex-mulher, me fode

coleciono cadilacs rolls royces
mercedes bmws
e nem sei dirigir
porque, graças a deus,
sempre tive alguém para fazer isso por mim
o papai aqui viaja a jato pelo céu
levando um natal de felicidades

Marcos Prado e Edson de Vulcanis

Soneto da Contemplação das Coisas do Mundo.

Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa:
O velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa se inculca por tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vazo a tripa,
E mais não digo, porque a musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.

Gregório de Matos.
( 1633 -1696)

BRISA, SOMBRA & ÁGUA FRESCA

1. brisa

como um salário de fome
para o cabeça de vento
vem o sopro da primavera
e neste vale tudo de lágrimas
soletra o seu nome
para que eu viva de brisa

2. sombra

amor & cabana
sonho boboca
vida bacana

3. água fresca

Andam depositando dinheiro
em minha conta.
Ouço gente me chamando
de meu louro.
Alguém tem extraído
os meus fracassos das mentes.
E depois de me guiar
(e distrair com pensamentos bons)
ainda me dita o seu próprio louvor,
esse santo anjo do senhor.

Roberto Prado
***
Texto 13 do livro 234.

Ao ver o pacote de bala azedinha na mão da mulher:
- Assim não há dinheiro que chegue.
E um pontapé na traseira do piá de três aninhos.

Texto 4 do livro Ah, é?

- Você anda de romance com outro.
- Vou me encontrar com um homem. E daí?
- Cuidado, menina.
- Já não presta na cama. Você não é de nada?
- E quem paga o teu dentinho de ouro?

Dalton Trevisan

sou um sujeito sortudo
nasceu dinheiro
no meu pé de pinheiro

Solda


fraldões vaidosos

era um simples mortal
agora sou acadêmico
de estilo radical
hoje meio anêmico
minha farda é meu fardão
meu fraldão é minha farda
meu paletó de madeira
quinta-feira bolinho e dinheiro pro taxi
o enterro é grátis

Antonio Thadeu Wojciechowski, Édson de Vulcanis, Rodrigo Barros e Trindade


a vingança do povão

tenho fome
da carne que não comi
pena
dos ossos que roí

rato assado
você acha bão?
sabe o que é cheirar lingüiça
e ter que lamber sabão?


Antonio Thadeu Wojciechowski, Edílson del Grossi, Édson de Vulcanis, Márcio Goeder e Marcos Prado e Ubiratan Gonçalves de Oliveira


bíblia angelical

um paquiderme serpenteia por aí
rinoceronteando inverdades
por que o helicóptero não tem vida?
por ser uma libélula mecânica

sapiente estava o búfalo bill gates
no topo da cadeia alimentar
alguns bilhões de dólares a mais
salvavam a humanidade, nós e os animais

Antonio Thadeu Wojciechowski, Edílson del Grossi, Luiz Antonio Ferreira, Magoo,
Rodrigo Barros, Walmor Góes


chapéu sem cabeça


tenho calos nas mãos de tanto pedir
o dinheiro sempre me esfola
no frio, não tenho nem sonhos
para me cobrir

a fome me come
e ainda pensam que estou fingindo
cheirado de cola
que pra bebida estou pedindo

sou digno de ser mendigo
eu não encaro como profissão
até nem é tão divertido
melhor ter nascido cão


Antonio Thadeu Wojciechowski, Edílson del Grossi, Édson de Vulcanis, Márcio Goeder e Marcos Prado


saudades do papai-mamãe

por falta de pijama
dormi de baby-doll
a polução noturna
me veio ao nascer do sol
entra adentro minha turma
fazendo arruaça na cama

pedi vodka, veio sexo
ainda não sei se gozei
ou tive um ataque epilético

por trinta dinheiros
comprei uma forca nova
quanto vai ser o lucro
dos gigolôs da minha cova?

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos

carta a joy


houve um tempo em que eu me amava
e não era correspondido
agora estou mesmo melhor pra mim
e muito pior pra você
que só pensa nas bananas
que comprou com o dinheiro maldito
que traz a tragédia para as pessoas podres
o apartamento que vai comprar
as bananas que você já comprou
hoje, diferente, junto com os podres, isso não!
a sua chance de decidir foi de cinco dias
e você escolheu isabel, bem, ela já viveu com seu pai
está acostumada a separações, é uma grande putana
assim como são todos os podres
esse dinheiro maldito comprou uma banana
e nos levou a uma tragédia
o suicida que fui matou outro no meu lugar

Antonio Thadeu Wojciechowski, Sérgio Viralobos e Sebastião Raimundo de Faria


lavabo pro porco cerebral

para o porco puro de coração
vale a lavagem da alma
para um porco nojento cachaço capadão
o importante é a lavagem cerebral
o porco político brasileiro
só da valor à lavagem do dinheiro
lavabo pro porco cerebral
vazo minhas tripas e mostro o pau

Antonio Thadeu Wojciechowski, Sérgio Viralobos e Ubiratan Gonçalves de Oliveira

sábado, fevereiro 11, 2006

Mais uma do Solda

Isso sim é saber ler o que está acontecendo no mundo.

Sonhos

O sonho acabou
mas ainda tem cuque

(Luiz Antonio Solda)

Antigamente eu vivia sonhando,
hoje já nem durmo.


(Antonio Thadeu Wojciechowski)

Foi poeta: amou e sonhou na vida.

(Epitáfio do Álvares de Azevedo)

Sonhar, melhor que viver. Os antigos achavam que sonhando conversavam com os deuses. Hoje em dia, o pessoal anda sonhando com casa própria, acertar na loteria, automóveis e tudo que se compra à vista, a prazo ou a calote. Ou seja a maioria virou concorrente ao prêmio Nobel de química por ter conseguido transformar a vida numa grande merda. Mas tem quem transforme sonhos em grandes realizações e dê à vida um sentido mais amplo, magnânimo e beatífico. Kurosawa, por exemplo, com a ajuda do George Lucas nos efeitos e o Spielberg na produção, fizeram Sonhos, um dos mais belos e bem realizados filmes de todos os tempos. Sonho quando vira do avesso é pesadelo. Uns acham que o sonho é um tipo de aviso; outros, jamais lembram de um; mas tem aqueles que acham que são lembranças de outras vidas ou os que afirmam que são desejos latentes. Nesse “diz que diz que”, a verdade é que um sonho agradável bota um sol na cara acordando. Mas os mais lembrados são sempre os sonhos que deixam provas materiais: os melacuecas, os éagoraqueeumemijotodo. Mas sonhar pode ser também o encontro com deuses bons e generosos que nos dão respostas, palpites, rimas, acordes, melodias, idéias e até nos livram de doenças.
Livros é que não faltam para interpretar nossos sonhos, mas, ao lê-los, você com certeza cairá numa grande confusão de sentidos. Como não poderia deixar de ser, cada autor sonha à sua maneira. José do Egito interpretou o sonho do Faraó e o que se viu foi vaca pra tudo quanto é lado, gordas e magras. Meu maior sonho é ver um Brasil letrado e feliz, portanto, boa leitura. Essa página, antes de pronta, não passava de um belo sonho.


Sonhos: considerações filosóficas sobre a vida

sonhar é acordar pra dentro
abro a cortina ao sol para me expor
o que coça é a imaginação
a felicidade súbita do coração
ou trocando em miúdos
redivivo revivo
meio-dia
meio morto meio vivo

Antonio Thadeu Wojciechowski e Edson de Vulcanis


pastelão

depois dos sonhos
doces suspiros
irritados brigadeiros
amor aos pedaços
depois de mim
não haverá mais tortas na cara

Antonio Thadeu Wojciechowski e Édson de Vulcanis

pequena mulherão

boa de cama, rica e bonita
excesso de imagem na televisão
pra te refletir todo espelho se habilita
só dá você no meu campo de visão

triste e só choramingo no pijama
toda a tua boazuda forma me atacanha
uma performance que ridiculariza a espécie humana

nessa nossa música não tem coração
sei que jamais passarei de tua sala de visita
o pesadelo põe pra dormir o sonho de quem te ama

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos

hora do pesadelo

obdúlio varela entrando na área
bandido da luz vermelha entrando pelo telhado
collor entrando no palácio alvorada
brasileiro entrando no cheque especial

homem do saco saindo debaixo da cama
políticos saindo em bando pelo ladrão
aracnídeos saindo pra cima de você
e você saindo do meio do pântano

para uma ilha de areia movediça

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos


sonhos: anticorpos da alma


eles são como pequenos animais selvagens
enjaulados num espaço menor que seus corpetes
são gourmets alimentados de lavagem
assistindo ao ritual preparatório de um banquete

chegam, como vírus de computador numa sexta treze
e despacham a realidade para outro terreiro
fica o santo bem-estar que sentimos poucas vezes
quando entregamos a cabeça aos nossos travesseiros

logo ligam os neurônios em todos os sentidos
para a salva de palmas da alma em seu esconderijo
assim são os sonhos: iludem-nos com imagens errôneas
para nos conduzir desacordados ao calabouço da hipersônia

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos


epístola ao poeta marcos prado

daqui desta terra firme
a ti, príncipe invicto,
mecenas das idéias de estirpe
do poeta mais indigno

enfermo de tua ausência
tento curar por escrito
a tua súbita transferência
quem quebrou deve colar o partido

tu te ausentastes de nossa esfera
porque esse povo maldito
te pôs em pé de guerra
e aí vives em paz contigo

os dias não mais te acham
o tempo, teimoso, bate e volta
pelo meio dos caminhos que passam
quando chegas à solidão que te revolta

vejamos pelo lado positivo:
não te batem mais à porta
o vendedor de enciclopédia, o falso amigo,
o verdadeiro amigo, esse bando de borra-bosta

hoje, aí na ilha, visitam-te pescadores de redada
povo simples, sincero e distraído
que entra com a boca fechada
e sai de queixo caído

caçula, fino, laurentino, magal e seo pseudônimo
três que bebem nada, dois que bebem todas por um
superagüi, água superior, menina dos olhos de posseidon
vistos do chão, céu e mar não se largam de jeito nenhum

tu, tesouro e tesoureiro, aquele pelo que vales
este, por seres como o pássaro sem pouso,
que come e dorme durante o vôo,
sabes ser vela e timão pelos sete mares

de noite tomas as frescas e vês as luas
de quarto em quarto até a nova escuridão
para, em claro, passá-la dormindo no bem bom
e quem sabe, certeza, sonhes e quiçá nele me incluas

eu que, como tu, escrevo por fora da linha
faço desta pena um cavalo para tuas visitas
nem adeuses nem até logos entre pessoas esquisitas
o que conversamos não se dissolve em cal fina.

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos
participação especial: Gregório de Matos Guerra

o velho leon e natália em coyoacán

desta vez não vai ter neve como em petrogrado aquele dia
o céu vai estar limpo
você dormindo e eu sonhando

nem casacos nem cossacos como em petrogrado aquele dia
apenas você nua e eu como nasci
eu dormindo e você sonhando

não vai mais ter multidões gritando como em petrogrado aquele dia
silêncio nós dois murmúrios azuis
eu e você dormindo e sonhando

nunca mais vai ter um dia como em petrogrado aquele dia
nada como um dia indo atrás do outro vindo
você e eu sonhando e dormindo

Paulo Leminski

cadê os chinelos

Cadê os chinelos
aquele sonho cadê
vou procurar de joelhos
assim já estou pronto
para agradecer

Domingos Pellegrini Jr

oração partida

acordei num sonho esquisito
eu mesmo era um estranho
que me falava coisas desconhecidas
e de vez em quando sumia

fiz força para decorar
aquelas tão belas palavras
não dava tempo de anotar
a metade que eu entendia

tentei voltar a dormir
como todo sonhador que se preza
mas continuei surdo às súplicas
não mereço ouvir minha própria reza

Roberto Prado


passou a geléia, general

tão velho quanto o velho testamento
foi divertido ser beatnik
ter cabeça de sputinik
na órbita de um mau elemento

em tempos de paz e amor eu tinha cabelos compridos
gostava de maconha e usava bata de monge
o mundo era meu e morava longe
assim eu pensava depois daqueles comprimidos

quando o sonho acabou fui para o estado de sítio
bichos, yogas, estrelas, sol, lua e macrobiótica
saudades de jimi joplin apertando a carótida
a horta da contracultura era meu único ofício

quando voltei eu já não era tão compreensivo
cuspi num punk, comi uma wave, entortei um metal
se não for por bem agora vai no pau
não tenho mais paciência de perder a paciência revirando arquivo

lendo jornal fiquei são de repente
matou à machadada a mãe doente
comeu a orelha do vizinho com cachaça quente
ainda se faz sucesso como antigamente

antonio thadeu wojciechowski e roberto prado


um pequeno sonho

Escolha no pequeno país uma pequena cidade
e da pequena vila seja a pequena população.
Deixe que o mundo lá fora tenha o tamanho que quiser,
desde que nele caiba Deus e todo mundo.

Multiplique os bens e abra a despensa
para que os bons parem e se desarmem.
Pela honrada humildade da casa,
eles não vão querer saber de nada
e nunca mais sairão de perto.
Nem viagens, nem mudanças, nem guerras,
nem mortos voltarão ao encontro da morte.

Deixe a ciência deste lugarejo ser a simpatia
e a roda será inventada todo dia.
Que seja saborosa a sua comida
e sua roupa muito bem vestida.
Que a felicidade doce do lar
se reflita na saúde dos costumes
e na alegria da costumeira diversão.
Os caminhos dos vizinhos são diversos
mas até aí nenhuma novidade.

Quando duas aldeias se protegem com os mesmos cães
e acordam pelos mesmo galos,
lado a lado,
as vilas vizinhas estão em paz
e todos tomam conta uns dos outros,
sem que nunca ninguém haja cruzado a fronteira.

Quem não quer a tragédia da invasão
dispensa o prazer da visita.
Mas se os corações se aproximam
Céu e Terra se unem para apartá-los.
Não para que haja a desunião
mas para que não seja possível separá-los.

Lao Tsé ( livre adaptação de Alberto Centurião de Carvalho, Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado)

Do Rubaiyat de Omar Khayyam

Ah, vem, vivamos mais que a vida, vem,
Antes que em pó nos deponham também;
Pó sobre pó, e sob o pó, pousados,
Sem cor, sem sol, sem som, sem sonho – sem.

(tradução de Augusto de Campos)

suave mãe que nos dá a sombra

a suave mão do pai fecha as cortinas
não é fácil, pai e mãe, sonhar sozinho

na triste treva o coração ingrato
ao ledo engano pede belo pesadelo
ora pela luz de um astro estranho
e fere os olhos na noite medonha

o meu, pai e mãe, sonhar mesquinho
é não sentir mais o peso do descanso
e ainda pedir uma graça: sempre ver no escuro
palavra, cantiga, beijo, boa noite

se o mais certo é dormir sem ficar cego
não é fácil, pai e mãe, sair do sonho

roberto prado


poeminha para uma madrugada insone

bom deus, não me abandone
já contei todos os carneirinhos
separei a lã da lua em cachinhos
fiz até versinhos
para essa madrugada insone

e dormir que é bom
nem em sonho, nem em sonho

no tic tac vejo só o teu nome
eu nu em pêlo sobre teus pelinhos
mas já não tenho teus carinhos
e nem esses versinhos
vão matar a minha fome

e teu amor que é bom
só em sonho, só em sonho

Antonio Thadeu Wojciechowski

Eu estava lá

O melhor guitarrista de todos os tempos virou fumaça.

De vez em quando me bate uma saudade matadeira de algumas coisas muito significativas em minha vida. Ontem à noite, me lembrei do Tadeu Louco. Não, não sou eu, não. O Tadeu era um guitarrista espetacular, super dotado, mas que abandonou a música para ser fabricante de incenso. Aliás, seus produtos são reconhecidos e aplaudidos no mundo inteiro. O Tadeu nasceu predestinado ao sucesso. Mas isso não tem importância. O que eu quero dizer é que ontem me lembrei de uma de suas últimas apresentações. Foi no festival Ovolussom, aqui em Curitiba, em 1969. O cara entrou sozinho com sua guitarra no palco e simplesmente arrebentou. Ficou todo mundo boquiaberto. Tocando alguns sucessos do Jimi Hendrix e algumas canções de sua autoria, o Tadeu parecia uma banda inteira. O clube Thalia, local do festival, parecia querer desabar . O engraçado é que a cada música o Tadeu mudava a afinação da guitarra, para que pudesse fazer baixo, solo e base ao mesmo tempo. Um fenômeno que, hoje, talvez, só aquelas 4 mil pessoas presentes no Ovolussom guardem na memória. Ele foi ovacionado por pelo menos 10 minutos após a sua apresentação. Eu estava lá. Eu vi. Hoje quando vou à feirinha do Largo da Ordem, às vezes, encontro o Tadeu em sua barraca de incensos, sempre feliz. Já lhe perguntei várias vezes: e a música? Ele olha pra mim e, simplesmente, ri.

sexta-feira, fevereiro 10, 2006


Sobre a interessante reação das senhoras
a um poema


Batista, entrou sem ser convidado
No sarau com chás, bolachas e alguns maridos
Terno amassado com cheiro de brechó
Camisa bege encardida
Recusou o chá, procurou vinho
E como está acostumado a achar espaços
Em ônibus lotados
Foi fácil subir no palco
Com a voz beirando o grito
Iniciou o poema
-A puta!
Soou como sirene com cárie
Olhos voltaram-se, como girrasóis raivosos
Para a palavra
Tão vermelha que manchou de rubro a face das senhoras
E o constrangimento se manteve
Até o arremate de Batista
- A puta, de Carlos Drummond de Andrade
Alívio entre as senhoras, sorrisos, e mesmo aplausos
É Batista confirma-se a tese
Que o maldito está no poeta
E não na poesia
Tuas doces poesias são consideradas malditas
Só porque não lava as mãos antes de fazê-las.


Solivan Brugnara

Hora do recreio na GGG

Nos intervalos da gravação do CD Wojciechowski, a gente se diverte pra caralho. Ontem a coisa beirou o mais completo absurdo. Muita cerveja, lingüiça e costela ao ponto. O Magoo tem a manha. Presentes para gravar os vocais Walmor, Oneide, Oswaldo Rios, Irineu, Alessandro, eu e, é claro, nossos anfitriões Rodrigo e Ferreira. Tomamos todas, comemos tudo e cantamos até o cu fazer bico. Mas o melhor ficou mesmo nos intervalos, onde o xiste, a basófia, a pilhéria, a gozação e a sacanagem deram o tom ao cirquinho. Muitas pérolas. E hoje tem mais.



elipse
sol durante o
eclipse

thadeu


a gralha azulou

o povo curitibano é retumbante
fala depois como se fosse antes
qualquer carvão já é diamante
até as vogais viram consoantes

nunca é eterno e só dura um instante
têm grilos mas são bem falantes
toda essa impostura é arrogante
bazófias que ressoam tonitroantes

antonio thadeu wojciechowski, édson de vulcanis e oneide

Novíssimas canções

obrigado pelas briguinhas, amor

briga de amor inaugura
terremoto com sunsurround
nunca vi um casal
ler junto erza pound

desde que maria bonita
incendiou lampião
não se tem notícias
do meu coração

amor, no nosso caso,
um é bom
dois nem pensar

já dizia santos dumont
o amor é mais pesado
que o meu avião

Antonio Thadeu Wojciechowski, Édson de Vulcanis e Rodrigo Barros


desgovernabilidade

dificultabilidade ímpar
desditoso porvir
no capitalismo fascínora
na imbecilidade imparável

só os tolos compram de montão
e acreditam no estado de graça
toque-se o foda-se em toda carcaça
o som do povão já troveja na praça

Antonio Thadeu Wojciechowski, Édson de Vulcanis e Rodrigo Barros


espelho madrasto

vi a branca estendida
na mesa com os sete anões
chegou o atchim
e acabou com todas as ilusões

um ficou zangado, outro feliz,
dunga tirou um soneca
cheio de dengue, o mestre sentou na boneca
tudo isso não foi nada
o ecstasy foi a maçã envenenada

Antonio Thadeu Wojciechowski e Alessandro Rüepel Magoo


bombeando atarantado feromônios

um grande amor não é fácil de achar
passei a vida a procurar
acabei me perdendo também
chegando ao fim eu fui além

tantas disseram que me amaram
que lá pelas tantas saí do sério
no corpo a corpo elas se fartaram
o amor é o único mistério

oh, meu amor, que eu nunca vi na vida
o infarto miocárdico foi festa despedida

Antonio Thadeu Wojciechowski , Alessandro Rüepel Magoo e Rodrigo Barros


geração corpo mole

quanto mais vai tomar banho
encardido o mundo fica
modifica até pus, ranho
e a vida cada vez macaca
e na vida cada vez mais caca

tudo que é bom pros outros
não faz bem pra mim

geração ovo choco
corpo mole mofa
eu assando no fogo
e vc só na bossa , nova

de novo (nova!!)
de novo (mofa!!)
de novo (fossa!!)

Thadeu , Rodrigo, Magoo , Marcelo, Cláudia , Fajardo


a balada da mudança

meio dia pregando no Deserto
e minha pele perdeu a pelanca
quase toda a palavra diabólica é santa
até que se prove o muito pelo contrário

pelo fedor Deus morreu aqui perto
até eu ia indo pro saco lá pelas tantas
se um oásis não me atropelasse como uma jamanta
e eu virasse o santo fecundador da igreja do ovário


Thadeu, Rodrigo, Sérgio Viralobos, Magoo


uma canção só de amor

vamos fazer uma canção
pra todo mundo cantar
como se o amor não tivesse fugido dos refrões
e paralelamente
fosse um convite para dançar nos salões

até poderia
ser o universo
o celeiro das ilusões

aonde vou tão só?
aonde vou tão só
indubitavelmente digo
e repito

vamos fazer uma canção
para todo mundo cantar
e enamorar os corações

(thadeu/edson/fajardo/ferreira)

o universo tocado de ouvido

não há limites
quando o assunto
é amor:

uma conversa
ao pé do ouvido
sempre rompe fronteiras:

é quando o corpo
começa a falar mais alto
e a alma
tomada de assalto
perde as estribeiras

pra que tirar o corpo fora!?!
justamente agora
que todo o meu ser te adora?

Antonio Thadeu Wojciechowski e Rodrigo Barros Homem Del Rey

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Música boa da melhor qualidade

Olha aí uma boa pra quem gosta de música. Clic no link abaixo e ouça as versões que o Careqa fez de algumas canções do Tom Waitts.
http://www.purevolume.com/carloscareqa


O Roberto Prado me enviou uns trocentos poemas do José Alberto Trindade.
Todos muito bons. Fiz um pequena seleção para alegria e felicidade de todos vocês.
Se vcs quiserem reler a entrevista que ele concedeu ao Polaco da Barreirinha,
clique na postagem do dia 23.10.2005.

***

os bêbados chegaram reclamando
que a rua não tem mais fim
e bem lá fica o boteco
onde eles beberam fiado
da última vez

***

se eu te amasse mais
mandaria flores
em vez disso vou pro bar
e gasto a grana
em cerveja e pasteizinhos
você diz que eu tou ficando gordo
lipoaspiração e ócio
é que é o negócio
nada de regime ou exercício
o suor do trabalhador
nunca molhou este corpo
entorpecido pela televisão
daqui a pouco começa o jogão

***

No espaço que você deixou
Pus a tv, um cachorro, um gato
E uma mania de comer.
Estou gordo, cansado e triste.
Alimentando a alma com suflês e tortas,
pastéis e empadinhas.
Já não passo pela porta
Mas também não quero sair
Pra quê?
Pra ser exposto ao ridículo?
Ser chamado de desgraçado?
Se passasse pela janela já teria pulado

***

do escuro do camburão
vejo um sujeito de pijama
o polícia põe a lanterna na minha cara
o cara diz foi ele foi ele
quem vai salvar a minha pele
na cadeia por uma noite e meia
o que será de mim

entrei sem nada
saí com uma muca de fumo
e dois hipofagin

***

ela tem duas caras
uma pra mim
outra pro outro cara
mas eu não gosto da cara que ela tem pra mim
prefiro a que ela tem pro outro
azar o meu
o cara não quer trocar
e ela não ajuda
diz que tudo vai ficar como está
não quer usar máscara
a vilha da puda

***

não quero o reino
só as jóias da coroa
o tempo se arrasta
verão a vida voa
alegria me socorra
meus dois humores
brincam na gangorra

***

ali naquela sala, doutor
tive que nocauteá-la
só que o coco bateu na quina
e ela dobrou a esquina

passou desta pra aquela outra
lá onde urubu não tem bico
começou a dar uma de louca
por causa de fofoca e de fuxico

agora o senhor quer me trancafiar
não há uma pena que eu mereça
sua eminência não é humano?
vai dizer que nunca passou pela cabeça?

***

não dormia só sonhava
estava tomado de paixão
por isso tive que amputar meu coração
sujeito cínico e sarcástico
tenho no peito um motor de plástico
importado de um país onde ninguém ama

***

que bom é viver sem compromisso ou desejo
o mundo corre lá fora
eu me espreguiço e bocejo
apesar disso reconheço
enquando peido e arroto
esperto esse sujeito
que inventou o controle remoto
***

antena de ódio

ondas em minha direção
ser feliz é foda
dá inveja na multidão
quem sofre não quer
sofrer sozinho
que que eu posso fazer?
não vou perder meus amigos
este é o meu jeitão de viver
mulheres me amam
crianças me adoram
animais me protegem
dinheiro me chama
será que eu sou a vergonha da raça
tua mãe me dá bola
e o boiola do teu pai ainda me abraça


***

você vem sempre aqui?
é sempre assim?
que bom, vou virar freguês
dá uma coca
cê tá suada
as amigas tão caçoando
cochicham depois caem na risada
será que eu estou amando
vamos achar um lugar onde ninguém nos veja
ali, atrás da igreja
legal, você tem gosto de sal
na volta vou pedir uma tequila


terça-feira, fevereiro 07, 2006

Careqa no Jornal do Brasil


A língua de Babel de Careqa
Cantor e compositor aposta na pluralidade de gêneros e climas em terceiro CD

TÁRIK DE SOUZA

Lançado em setembro, em São Paulo, só agora desembarca no Rio o terceiro CD do compositor e cantor paranaense Carlos Careqa. Numa ironia com o interminável cardume de descendentes nadando de braçada na carreira artística, ele intitulou Não sou filho de ninguém o disco que lança, dia 12, no Centro Cultural Justiça Federal. Saiu pelo selo Thanx God, atestado de outro tipo de DNA, sua filiação estética. A empresa é do próprio Careqa em sociedade com Arrigo Barnabé, da vanguarda paulista pós-tropicália, e Chico Mello, curitibano radicado em Berlim, militante da música contemporânea e parceiro na faixa Achado.
Da capital paranaense são outros parceiros de letras sarcásticas, como o poeta Paulo Leminski (Isto), Adriano Sátiro (a do título), Beto Trindade (Frente é verso), Edson Vulcanis e Thadeu Wojciechowski (Língua de Babel). Também da vanguarda do Lira Paulistana, Itamar Assumpção, morto em 2003, entra em outra das parcerias, Pai postiço. Participam ainda do disco André Abujamra (Os Mulheres Negras, Karnak), Chico Cesar, Zeca Baleiro e os cantores Edson Cordeiro e Vania Abreu.
Trafegando no exíguo espaço concedido pelo mercado aos inovadores, CC lançou apenas dois discos antes, Os homens são todos iguais, de 1993 (cuja faixa Acho foi incluída por David Byrne na coletânea Brasil tropical 2), e Música para final de século, de 1999, que chegou a ter uma faixa (Ser igual é legal), pasmem, incluída na trilha do remake da novela Anjo mau, da Rede Globo.
Como ator, Careqa participou dos filmes Bicho de sete cabeças, Avassaladoras, Cristina quer casar e Alô. Seu disco (com composições de 1985 a 2003) reflete um tanto dessa mobilidade, permeando o repertório de humor e dramaticidade sem descuidar das dissonâncias.
O baião calangueado do título que abre os trabalhos tem sacadas hilárias. ''Posso ser filho de Chitãozinho e Xororó/ ou do Gilberto Gil (...) dizem que um olho parecido sempre sai/ posso chamar Chico Buarque de papai/ será mamãe a Zizi Possi?/ será o Reginaldo Rossi?''. Já no delicioso samba sincopado Pai postiço, letra surreal de Itamar Assumpção, no dueto com um impecável Jards Macalé, misturam-se tragicomédia e cinismo pós-moderno.
Quando aportou à celebre esquina da Ipiranga com Avenida São João, Careqa achou um lixo a degradação do ambiente que inspirou Sampa a Caetano. E refez o mapa com um sampler de Adonirã Barbosa (''carma pessoá, a situação aqui tá muito cínica, os mais pió vai pras crínica'') no belo samba canção de ritmo quebrado Eh! São Paulo (não confundir com o sucesso homônimo da dupla Alvarenga e Ranchinho).
Um moto-contínuo instrumental (que lembra o arranjo de Rogério Duprat para Deus lhe pague, de Chico Buarque) atravessa Achado. O poema de Leminski Isto é recitado por Zeca Baleiro e Careqa (''fui maoísta/ ocultista e comodista/ ocupei todos os lugares da lista/ onde só tinha socialista/ eu fui capitalista'') numa cadência de rap. A pontuação é do ótimo acordeon de Toninho Ferragutti, imprescindível na tessitura do disco, incluindo o surpreendente oratório Meu querido Santo Antonio. Outra surpresa é a desbragada Frente é verso (''mas quando me vira a bunda/ ela é um Deus nos acuda''), de tintura brega, com um floreio vocal de Edson Cordeiro.
A pluralidade de gêneros e climas do CD culmina no inventário de suposições do xaxado Issi (''E se Jesus fosse marciano/ e se Caetano não fosse baiano/ e se João Gilberto fosse americano'') e na proposta inconformista do manifesto Língua de Babel, que sintetiza a arte iconoclasta de Carlos Careqa: ''Vamos abusar do palavrão/ enfiar o dedo na ferida/ tirar das letras mortas/ a carne viva''.


O Sampaio fez essa ilustração para meu texto "O dia que encontrei Paulo Leminski com a camisa do coxa", que saiu recentemente na Cornélio. Abração, cara.

Ontem, durante a gravação do meu CD, Wojciechowski, na Grande Garagem que Grava, pintaram algumas conversas muito interessantes. Enquanto o Rodrigão exigia tudo e mais um pouco de meus parcos recursos vocais, eu aproveitei os intervalos para, junto com o Édson de Vulcanis, dar forma às loucuras que iam sendo proferidas naquele estranho estabelecimento.
Confiram duas dessas conversas, as letras de música ficaram com o Rodrigão.


amaro doce

masco o açúcar mascavo do teu olhar
e me sinto o máximo
um cara másculo
capaz de dar amor e sobrar

se ao menos você fosse a noviça rebelde
e mudasse de hábito para me amar
mas não, você acha que só quero sexo
será que é somente isso

ou viveremos para sempre sob o mesmo teto?

antonio thadeu wojciechowski e édson de vulcanis

cassius clay x mohamed ali
em “a luta do século”
ou
“almas em pugilato”

correm corridas armamentistas
nas veias imperialistas
todo sangue derramado
será castigado

o islã só é bom de papo
mas eu vivo pagando o pato
deus não freqüenta igreja
e nem aceita pastor sem ovelha

quem tem medo de nuvens negras
se borra todo no culto ao deus trovão
nenhum pecado é tão original
que não seja digno de perdão
ou de padecer pena capital

antonio thadeu wojciechowski, édson de vulcanis, rodrigo barros homem del rey e luiz antonio ferreira

No ano novo o Sérgio Viralobos esteve por aqui e entre as músicas que compomos com o Walmor Góes e o Rodrigão, essa pequena pérola.


rabo de galo, napalm na mão!


acordei pelado num quarto de hotel
depois de misturar todas
no mesmo coquetel

o espelho de batom dizia tchau
o espelho de batom dizia tchau

entrei no elevador cheio de sangue
vi tudo revirado no hall
pior quando saí pela rua

sol sol sol
sol sol sol

antonio thadeu wojciechowski, sérgio viralobos, walmor góes e rodrigo barros homem del rey

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Saideiras



Eu e o Edílson, nesses últimos 25 anos, já fizemos muitas canções. Mas às vezes isso é muito engraçado. As duas músicas abaixo, por exemplo, foram compostas durante a nossa expulsão do bar. Uma do Linos e a outra do Birinights. Ou seja em questão de minutos. Aliás, minhas parcerias com o Edílson têm essa característica, são as mais rápidas do sul do cu do mundo. Ainda bem, se não era bem capaz da gente levar um pé na bunda.


canção de amor

só uma canção de amor
pode estancar o ódio
a vida começa na dor
e nela termina é óbvio

já fui muito louco por você
hoje eu não quero nem saber
todo esse delírio de amor
é apenas meu lirismo melódico

agora eu sou seu cantor
mesmo que seja impróprio
adrenalina e pavor
são mais que loucura de ópio

já fui muito louco por você
hoje eu não quero nem saber
todo esse delírio de amor
é apenas meu lirismo melódico

antonio thadeu wojciechowski e edílson del grossi




abstinência pura

é febre
é dor
é isso que se sente
quando pára de beber

é cãimbra
é suor
você vai tremer tanto
que eu nem sei o que dizer

é náusea
é fedor
você se borra todo
até parece derreter

você me deixou
e eu nem notei
saí pra fumar um
e nunca mais voltei

antonio thadeu wojciechowski e edilson del grossi

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Morte - e lá vamos nós outra vez




MORTE


“A última coisa que eu quero fazer na vida é morrer.”

(Solda)


Ninguém é peru pra morrer de véspera, portanto, a preocupação com dia, hora e local é total falta de presença de espírito. Viver, sim, é perigoso, como dizia Guimarães, ou, viver é prejudicial à saúde, como completa de sem-pulo Jamil Snege. “Quando eu passo perto das flores/ Quase elas dizem assim/ Vai que amanhã enfeitaremos o seu fim”, já cantou Nelson Cavaquinho, outro aficionado. A morte sempre foi uma idéia viva em todos nós, poetas ou não. Augusto dos Anjos encarnou como ninguém a beleza do tema e merece ser o homenageado desta página de morte. Muitas vezes morrer pode ser apenas um medo de viver. O que vem depois da morte causa pavor aos materialistas, pelo vácuo; aos malvados, pelo castigo; aos cains, pela dor do remorso. Mas, nós e você, vivo leitor(a), sabemos que a morte é um mero somenos. Vamos lá, hoje tem festa nos céus.



POEMA NEGRO

(Fragmento)

Surpreendo-me, sozinho, numa cova.
Então meu desvario se renova...
Como que, abrindo todos os jazigos,
A Morte, em trajos pretos e amarelos,
Levanta contra mim grandes cutelos
E as baionetas dos dragões antigos!

E quando vi que aquilo vinha vindo
Eu fui caindo como um sol caindo
De declínio em declínio; e de declínio
Em declínio, com a gula de uma fera,
Quis ver o que era, e quando vi o que era,
Vi que era pó, vi que era esterquilínio!


Augusto dos Anjos (1884/1913)


Três textos de morte

1.
A velhinha meio cega, trêmula e desdentada:
- Assim que ele morra eu começo a viver.

2.
O menino estende os bracinhos para o alto:
- Colvo, me leva.

3.
Aparou o bigodinho e escolheu a camisa florida.
- Ele se enfeitava para a morte e não sabia.


Dalton Trevisan



Amplo espectro


só depois de morto você me entenderá
vivo, primo demais pela complicação
não sou mesmo desse mundo
debaixo de sete palmos você verá como sou profundo

Roberto Prado e José Alberto Trindade


Morte artificial

Ninguém mais morre de fato,
a morte perdeu seu antigo status.
A vida ocupou todo o espaço
assim como nos desertos os cactus.
Foi-se pra sempre a negra figura da morte,
decretamos nossa eternidade à revelia.
Doações de órgãos de toda sorte:
um olho pra fulano, outro pra beltrano, alegria
pra sicrano e o coração pra qualquer uma.
Aos pedaços, algum incauto há de dizer:
isso é vida? uma duna que se avoluma?

Só sei que foi tudo que pude morrer.


Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos


Poema Para Paulo Leminski


vai
meu amigo
desta vez
não vou contigo

a morte
é um vício
muito antigo
só que nunca
aconteceu
comigo

pode ir
que eu não ligo
eu fico por aqui
separando
tijolo do trigo

Solda


begônias silvestres

o sumiço da sua silhueta amiga
fez meu perfil baixar a cabeça
as cores da tarde, cinzas cinzas
as luzes da noite, negras negras

desaparecer não é pra qualquer um
só você, misto de mistério e dúvida
pode estar em lugar nenhum
e ainda me tocar, por música


Marcos Prado (1961/1996)


Agora depois

o poeta
quando morre
onde vai?

irá para a lua
onde não há ninguém
para olhá-lo?

ou para a China
chorar cantando
entre tantos iguais?

sumir ou sofrer?
ninguém ou bilhões?
melhor não morrer

Roberto Prado



em cada cara
uma tara
encara
minha morte

tremendo corte

eu grito
do caixão:
boa sorte

antonio thadeu wojciechowski



anjo da morte

a morte é o último mistério da vida
quando você morre e não esquece de deitar
vira uma forma nebulosa na subida
que vive suspensa em qualquer lugar

além túmulo, existirá vida possível ?
zumbem como moscas respostas amorfas
tem muita gente que ainda crê no incrível
dormem acordadas, sonham consigo, levantam mortas

assombrado de estar vivo
a morte é um estado de espírito
sou o ser que quer ser redivivo
sozinho, morto, morto, morto, não consigo


Marcos Prado e Édson De Vulcanis


saideira assassina

nunca fiz nada na vida
e amanhã vou me casar
amigos armaram barracas
pra eu amar até me acabar

vou ter uma pústula abaixo da barriga
de tanto me esfregar nas novas amigas
vou cometer meu último crime
na minha própria vida

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos

Morte lenta

Morre lentamente quem não troca de idéias,
não troca de discurso,
evita as próprias contradições.
Morre lentamente quem vira escravo
do habito, repetindo todos os dias o mesmo
trajeto e as mesmas compras no supermercado.

Quem não troca de marca,
não arrisca vestir uma cor nova,
não dá papo para quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da TV
o seu guru e seu parceiro diário.
Como pode algumas polegadas ocupar
tanto espaço em uma vida?.

Morre lentamente quem evita
uma paixão, quem prefere
o "preto no branco"
e os "pingos nos is"
a um turbilhão de emoções indomáveis,
justamente as que resgatam
brilho nos olhos, sorrisos e
soluços, coração aos tropeços, sentimentos.

Morre lentamente quem
não vira a mesa quando está infeliz no trabalho,
quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho,
quem não se permite, uma vez na vida,
fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente quem
não viaja, quem não lê,
quem não ouve musica,
quem não acha graça de si mesmo.

Morre lentamente quem
destrói seu amor próprio,
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente
quem passa os dias queixando-se da má sorte
ou da chuva incessante,
desistindo de um projeto
antes de iniciá-lo, não perguntando
sobre um assunto que
desconhece e não respondendo quando lhe indagam o que sabe.

Evitemos a morte em suaves prestações,
lembrando sempre que estar vivo exige um esforço bem maior
do que simplesmente respirar!

João Gilberto