polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

quinta-feira, março 30, 2006


TAO
O LIVRO DA SABEDORIA


Lao Tse



Eis aí TAO - O LIVRO,
uma livre-adaptação/tradução do Tao Te Ching, que é considerado
um dos livros-base da humanidade.
Essa idéia não é de hoje.
Parece que foi ontem.
Mas são 13 anos depois. 4 lendo todas as versões disponíveis e 6 escrevendo e mais 3 dando os últimos retoques.
Algumas páginas reescritas dezenas de vezes.
Outras, caíram do céu.
No total, 81 preceitos/poemas/salmos/receitas/textos
(enfim, como lhes queiram nomear),
que nada mais são do que tudo aquilo que aprendemos, vivemos, sonhamos e extraímos em grande parte, com certeza, dos amigos.
E que, depois, fundimos, no calor da vida,
com o legado de Lao Tse: a possibilidade de ser co-criador da vida.
Quem lê, entra nesta parceria.


Receita para engolir esta tradução.


As convenções da leitura convencional
não convencem o leitor de Tao.
Para chegar à sua mais completa tradução é necessário citar, compilar, inverter, misturar, acrescentar, desmembrar, emendar, remendar, somar, ceifar, deletar, introduzir, anagramatizar, atualizar referências, enfim, sambar.
O melhor mesmo é o fato do livro dispensar a necessidade de decodificar a mixagem original durante a leitura.
O que não deixa de ser notável.
Lutamos com todas as forças para escapar da fácil tentação de recair no pastel ou no pastelão da falsa dicção oriental, do chinês de botequim, da mística filosofenta,
do pseudo paralelismo yin-yang que, geralmente, vulgarizam a antítese não como figura de linguagem mas como meio para fugir das dificuldades que o simples pensamento Tao oferece. Ou qualquer coisa que, a exemplo da explicação que agora simulamos dar, ofenda o pensamento moderno da China Antiga.
Lao Tse, nascido em 570 a.C., foi compreendido (apenas para destacar um entre muitos exemplos) por Einstein, que inclusive, o citou no texto de abertura
da Teoria da Relatividade.
Não é pouca coisa. Nem nós deixamos por menos. Ou vai querer mais ?


Alberto Centurião de Carvalho, Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado.



Abaixo alguns textos que compõem o livro, como aperitivo. Compre e ganhe a vida eterna por um bom tempo. Mande e-mail para thadeupoeta@yahoo.com.br e receba as instruções.


1


O Perfeito Tao


O Tao que se revela como Tao
não é o Tao
O tal que se diz de Tao
não é o Tao
O Tao que se acha o tal
não é o Tao
O Tao que se quer saber tal qual
não é o Tao
O Tao que se mede num total
não é o Tao
O Tao que balança bem e mal
não é o Tao
O Tao que separa mel e sal
não é o Tao
O Tao que se chama Tao
tal não é o Tao

Não tem nome a fonte da matéria
mas a Mãe da vida pode ter.
Por não-ser a gente sonha o segredo;
pelo ser capturamos a fagulha.
Ser, não-ser, são faces
do rosto original.
São vias da mesma láctea,
cores do mesmo leite,
no mesmo leito abissal.

Escurecer a escuridão
na escuridão total:
eis a iluminação.


4


O Caráter de Tao


Tao está sempre
e ainda é cedo.

Meça e ele se estende,
você encolhe.

Acredite quem quiser:
"a matéria, um dia, acordou fora da inércia."
Mas ainda dá pra sentir o empurrãozinho.(1)

São átomos agudos
que o Universo arredondou.
Energia latente
que Tao acumulou
e devolve em luz,
aos poucos,
muito aos pouquinhos,
pra não chamuscar
gente como nós.

É verdade: aos olhos de não ver,
tudo parece não se mover.

Tao deve ser o pai de todos os deuses,
mas,
no fundo, no fundo,
é filho de não sei quem.
Se veio antes o filho da Mãe?
Talvez.
Pois Tao é a imagem que dele mesmo fez.


8


O Tao Como a Água


O homem de Tao é aquela água:
cai para fazer levantar.
Dá a vida e sobe aos céus
onde nem ser reconhecido pode mais.
Já sabendo viver de brisa nas nuvens,
chove de novo para estar na lama
até quando Tao quiser.

Sendo assim o sábio dispensa fogos e artifícios.
Isto é:
dá a luz à sombra de um parto sem dor.

Já que joga sem adversários,
sua diversão é ser generoso, profundo, bondoso,
sincero, pacífico, hábil, reto.

E porque ele não deixa furo,
o seu mérito jamais esvazia.



11


O Mérito da Impersonalidade


Entre o puro átomo e tudo aquilo que se vê
estão diferenças de velocidade,
mas é na lei da gravidade
que você se prende a uma das utilidades do átomo.
O fino trato e a correta porcelana
tornam visível uma moringa ming, (3)
mas é o seu interior, visivelmente vazio,
que transborda de utilidade.
Uma casa só paredes, sem o espaço das portas e janelas,
é também composta de meras diferenças de velocidade,
mas como utilizar o seu vazio interior ?

Daí, que:
o corpo serve
e a alma fica servida.

Portanto:
através da matéria utilizamos este mundo,
mas é com espírito que vivemos.


18


A Decadência


Quando entram em serviço a covardia e a preguiça
recebem procuração a religião e a polícia.

Quando a sabedoria e a inteligência dão trabalho
os medíocres se aposentam na hipocrisia.

Quando o lar vira uma casa de detenção
a família se desmancha em salamaleques.

Quando um país nem a própria cara suporta mais
os bons de fachada aparecem nas fotos oficiais.


21


Tao em Ação


As manifestações do poder absoluto,
que fazem você ficar disposto
a fazer tudo certinho,
têm origem em Tao.

Onipresente, onisciente, onipotente,
verbivocovisual está lá (7)
a coisa que é Tao.

Se você quer ver para crer,
Tao se esconde,
embora as miragens que ele emita sejam formas reais.
Se você quer fazer parte desta miragem,
Tao providencia objetos.
Se você não quer nem saber,
Tao orienta com a força da vida.
E se Tao é miragem real, objeto e força da vida,
dentro dele você busca provas
e prontamente as provas se apresentam.

Desde antes de antanho até depois de agora,
Tao nunca fez falta.
Nas formas que Tao mantém você vê Deus Pai em pessoa.
Mas como é a forma de Deus Pai em pessoa?
Todas as alternativas são corretas.


23

Conservador Revolucionário


O conservador é escola do revolucionário.
O revolucionário é mestre do conservador.

Por isso o homem de Tao revoluciona a poeira dos caminhos
mas conserva o peso da responsabilidade.

Não perdendo o sono por aplausos ou vaias (10)
a vida não lhe é um pesadelo.

É claro que é possível ordenar pelo não mandar
sem necessidade de conflitar os extremistas.

No pútrido conservadorismo o bem se imobiliza.
Na frívola revolução o que é ruim vira moda.


30


A Inutilidade da Violência


Aquele que se dirige aos povos
a mando de Tao
não comanda violência.
Toda ação armada
gera uma reação até os dentes.

Onde as armas são grandiloqüentes,
o silêncio é de morte.
A uma grande guerra a natureza responde
negando sustento a quem desceu o braço.

O bom guerreiro afia sua defesa
mas não se fia no poder da lâmina.
Se for preciso vencer,
vence como quem empata.
Se for preciso vencer,
vence e não espalha.
Se for preciso vencer,
vence e não postula medalha.
Se for preciso vencer,
vence e isso já lhe é uma derrota.
Se for preciso vencer,
vence por ser incapaz de menos.

Ao que atingiu o apogeu da montanha,
restou rolar ribanceira abaixo.
Aquele que aplaude a violência, vaia Tao.
E sobre quem vaia Tao, logo logo,
vai fogo.


31


A Lei da Destruição


Há coisas que só o sofrimento ensina.
Tem gente que só morrendo.
A força bélica é um dos instrumentos da Lei da Destruição.
Perto dela o terremoto é sutil
e o furacão uma brisa que acaricia.

O homem de Tao deixa Pompéia
ao humor do Vesúvio,
Atlântida ao sabor das ondas,
a Idade Média com suas próprias pestes,
para que a faxina faça a limpa
e a morte sobreviva.

Na Natureza é artificial a ajuda da chacina.
Só marcham para matar os que estão marcados para morrer.
Vê mérito na carnificina
aquele que gosta de sofrer.

Perante a Lei da Destruição,
quem apressa a própria ou a alheia desencarnação
joga fora o que foi no caixão.

Finda a batalha, o luto:
quem está possuído pelo Tao chora a vitória
que o sabor de derrota enluta.


49


O Ter Coração


Sábio não tem opinião nem sentimento.
Nem por isso deixa de saber o que o povo acha
e de sentir muito o que o povo sente.

O bem e o mal dos outros
lhe são indiferentes
pois estão fora de si.

O bem está bom.
O mal também.
Para o bom diz: não está nada mau!
Para o mau diz: tenha a bondade!
Tao é a virtude.

A mentira e a verdade dos outros
não lhe são diferentes
pois estão dentro de si.

A verdade é crível.
A mentira é incrível.
Para os honestos diz: é verdade!
Para os mentirosos diz: não diga!
Tao é a fé.

O sábio não precisa viver do outro mundo
pois este é um mundo bom e verdadeiro.
No coração do sábio cabe todo mundo
e todo mundo sabe quem são seus filhos.


62


O Mapa Do Maior Tesouro


Tao é o pano de fundo de todas as cenas vivas e mortas
onde personagens se revezam à sua procura.
Para o bom, Tao dá o tesouro do mapa.
Para o mau, Tao dá o mapa do tesouro.

Meias palavras constituem as meias verdades dos sofistas. (20)
Através delas, se pode arrancar um tesouro completo.
Com hipocrisia e com jeito, de um dia para outro,
se pode erguer um palácio em torno desse tesouro abjeto.

Embora exista muita gente com índole para o mal,
quem lhes solaparia as bases
sem ofender a sua preciosa pedra fundamental,
que nada mais é se não a famosa primeira pedra
atirada por Tao?

Ao prestar homenagem a um supremo mandatário
não há tesouro que chegue
nem comportamento que mais impressione
do que o eterno óbolo secreto daquele que, sem ter, (21)
envia um dízimo do seu quase nada em direção a Tao.

Por que razão Tao é tão respeitável ?

Não nos deixaram por escrito os antigos
que o ventre de Tao
é o esconderijo
onde o homem mau se esconde
e quando a mão da justiça o alcança
já não o encontra criminoso ?

Por isso Tao é o único mapa
para o coração de todos os tesouros do universo.



67


Os Três Tesouros


É verdadeiramente debilóide a unanimidade (23)
quando o Tao se manifesta.
Em uníssono repetem como doidos:
"ele é coisa de louco, muito louco, louco mesmo".

Porque ele é demais
talvez ele pareça louco.
Se ele não parecesse loucura
há muito ele seria o de menos.

Existem três loucuras elevadas
que entesouro a salvo no meu íntimo.
A primeira é o amor, constante brandura.
A segunda é o desprendimento, caridosa reserva.
A terceira é a humildade, poderoso jugo suave.

Com amor enfrento sem lutar
e o medo desaparece sem susto.
Com desprendimento dou sempre sem faltar
e ninguém quer tudo pra já.
Com humildade ensino sem dominar
e o talento de cada um vai por todos.

Lutar sem amor é odioso.
Ser caridoso sem desprendimento é torturante.
Ser poderoso sem humildade é humilhante.
Saber tudo isso e não ser nada disso
é ser um sofredor de conseqüências.

As três maiores forças do Universo
defendem e atacam como se fossem a primeira.
Entre o meu louco amor e Tao
existe diferença nenhuma.
O Céu é o amoroso braço armado
dessa imbatível trindade una.


Livre-adaptação/tradução de
Alberto Centurião de Carvalho, Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado.





dia quase triste
palavras indo às nuvens
só a chuva existe




thadeu


O encontro mais insólito dos últimos 5 minutos.
Se você é bom fisionomista, ganhe um livro Não temos nada a perder. Faça um comentário dizendo quem são os componentes da mesa e deixe seu email. O primeiro, que acertar, leva.

segunda-feira, março 27, 2006

Receba em casa


Peça já o seu exemplar!


Deposite R$ 25,00 (R$ 20,00 do livro e R$ 5,00 despesas correio) na Caixa Econômica Federal – ag. 0374, conta-corrente 20597-7, em nome de Antonio Thadeu Wojciechowski e passe o número do documento para thadeupoeta@yahoo.com.br , com seu nome e endereço completos.

OU SE PREFERIR:

Deposite R$ 25,00 no Banco do Brasil – ag. 2801-0, conta-corrente 9.076.958-9, em nome de Sérgio Conti Moraes e passe o número do documento para
sergio_conti@ig.com.br (lembrar que é sergio_conti) com seu nome e endereço completos.



Deus é grande mas não é dois?


com essas asas
um dia ainda vou subir
é só ajoelhar
rezar
e pedir



Que poeta já não entrou com os dois pés no peito desse assunto? Muito antes da física das micro-partículas e da Teoria do Caos, os bardos já intuíam a extrema desordem do mundo, em ordem. Um buraco negro no raciocínio mais elementar atraindo o quê mesmo?
Bons tempos aqueles em que nos bastava um velhinho de bata, barbas brancas e um triângulo sobre a cabeça, com forma e emoções humanas. Mas, hoje, como bem disse Marcos Prado, já sabemos que a Terra não é o centro das atenções do universo. Portanto, que Deus nos ajude!


deus algum
indu
ogum
vishnu

precisa
de tua prece

tua pressa
pessoa
só teu pulso acelera

você padece
padecer te resta

tudo um belo dia desaparece


Paulo Leminski


olho d’água

você vê Deus
você chora

é pela beleza
que entra em si
ou pela lágrima
que evapora?

Roberto Prado


deus é justo
mas não é apertado

Solda

Ubigüidade

Estás em tudo que penso,
Estás em quanto imagino:
Estás no horizonte imenso,
Estás no grão pequenino.

Estás na ovelha que pasce,
Estás no rio que corre:
Estás em tudo que nasce,
Estás em tudo que morre.

Em tudo estás, nem repousas,
Ó ser tão mesmo e diverso!
(Eras no início das cousas
Serás no fim do universo.)

Estás na alma e nos sentidos.
Estás no espírito, estás
Na letra, e, os tempos cumpridos,
No céu, no céu estarás.

Manuel Bandeira


todos os lugares a deus


a idéia que eu tenho de deus é abstrata
toco no assunto sem saber do que se trata
é difícil ser sem querer o que se quer ser
é besteira ter que querer ser o que se tem que ser

deus me livre e guarde da galhofa terráquea
apela para a ignorância o ser de alma macaca
não ao sim que tem em si o tom do não
sim só ao som com o dom do bem e do bom


Antonio Thadeu Wojciechowski e Marcos Prado


Por Um Deus Ateu

se Deus existe mesmo
eu sou a rainha da Inglaterra
como pode querer ser supremo
um Cara que tanto erra
e parece nem estar aí?
até o céu devia ter um limite
se um Deus tem que existir
então voto em Nietzsche:
que Deus passe a ser pecador
que o malfeitor possa ser justo
o homem Seu redentor
e o juiz seu próprio verdugo.

Sérgio Viralobos


Deu Deus

“Deus é uma vitória do Ego sobre a realidade.”
( Sigmund Freud )

Se fôssemos medir o custo-benefício
de ir à igreja num domingo de manhã
não sobrava nem o padre pra Cristo.
Por que todo fiel tem cara de tantã?
Maria engravidou da forma mais difícil,
nem porisso deixei de ser seu fã.
Só um judeu falou-O e disse-O,
Ó Senhor de Maomé, Ogum, Jeová e Tupã,
Teus nomes se espalharam como um vício.
Pessoa que tem juízo não morre pagã ?

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos


Bilhete azul

Buda nunca deu mole
embora você rebole
que Deus te perdoe

não é questão de vingança
mas entrar na dança
é ser miolo mole

quem não planta não colhe
quem não ama não olhe
a felicidade dos outros faz mal

Antonio Thadeu Wojciechowski e Walmor Goes


Soneto

1

A meu pai doente


Para onde fores, pai, para onde fores,
Irei também, trilhando as mesmas ruas...
Tu, para amenizar as dores tuas,
Eu, para amenizar as minhas dores!

Que coisa triste! O campo tão sem flores,
E eu tão sem crença e as árvores tão nuas
E tu, gemendo, e o horror de nossas duas
Mágoas crescendo e se fazendo horrores!

Magoaram-te, mais Pai?! Que mão sombria,
Indiferente aos mil tormentos teus
De assim magoar-te sem pesar havia?!

- Seria a mão de Deus?! Mas Deus enfim
É bom, é justo, e sendo justo, Deus,
Deus não havia de magoar-te assim!

Augusto dos Anjos



Na oração que desaterra... aterra
Quer Deus que a quem está o cuidado...dado
Pregue que a vida é emprestado...estado
Mistérios mil que desenterra...enterra

Quem não cuida de si, que é terra....erra
Que o Alto Rei, por afamado...amado
E quem lhe assiste o desvelado...lado
Da morte ao ar não desaferra...aferra

Quem do mundo a mortal loucura...cura
A vontade de Deus sagrada...agrada
Firmar-lhe a vida em atadura...dura

Ó, voz zelosa, que dobrada...brada
Já sei que da formosura...usura
Será no fim dessa jornada...nada


Gregório de Matos

sexta-feira, março 24, 2006

Ultralyrics do Marcos Prado

Tem tanta gente me pedindo o livro e alegando que é impossível encontrar, que liguei para a Travessa dos Editores hoje. Bom, o site está com problemas de atualização mesmo, como alguns me alertaram. Mas é possível sim adquirir o livro. Ligue para (41) 3338-9994 ou entre no site
www.travessadoseditores.com.br e compre citando o título que vc deseja. Depois é só comprovar o depósito e esperar. O Fraga disse que não encontrou em Porto Alegre, mas a editora me informou que tem na Livraria Cultura. Bom é isso.



Se vc quer ouvir uma das canções que fazem parte do meu CD WOJCIECHOWSKI,

não deixe de ouvir o programa Rádio Caos, neste domingo.

Mais fotos do lançamento

Plínio, Édson de Vulcanis, Thadeu, Tatara, Solda e Buffo, terça, no Beto Batata.


A Valéria Prochmann, ex-diretora da Biblioteca Pública, esteve no lançamento na terça-feira. Havia já algum tempo que eu não a via. Mas saudade é bom por isso. A felicidade de reencontrar traz sempre junto a alegria. Ainda mais acompanhada do Solda.


Foi uma loucura!

Quem foi ao Beto Batata, na terça, dia 21, já está com este texto na mão. O Roberto Prado utlizando-se dos versos do livro NÃO TEMOS NADA A PERDER, alinhavou esta pérola para fazer apresentação do livro. Uma obra prima que você vai compreender melhor ainda depois de ler o livro. E por falar em livro, hoje, o Walmor Góes esteve aqui em casa pela manhã e me entregou a edição completa. Ficou um encanto. Portanto já estou iniciando o envio via correio. As instruções estão abaixo. Enquanto isso deliciem-se com essa Apresentação para pós-leitura.


Outro dia eu conversava com o Sérgio e o Thadeu sobre o único assunto. Não será em vão todo esse amor perdido, rodando ao vento, tornado cicatriz pavorosa na alma do poeta, esse aéreo ser que, depois de alguns rounds, perdoa, pois é sempre o primeiro a saber, apesar de marido. E que, falando de coração pra coração, delira ao recuperar, no leitor, o olhar que a amada tinha quando só tinha olhos para olhá-lo. Cupido flecha e mata, mas ele não morre. Nosso herói volta do paraíso que antecede o inferno enfrentando os exércitos de zorba da luxúria, só pelo gostinho de nos contar a história da mesa vizinha. Seu fado é o limbo, atacanhado pelas musas, sempre ricas, televisivamente lindas, cinematograficamente distantes, belos pesadelos. O louco amor demora tanto que quando se realiza é porque o sonho, de quinta mão, já saiu de linha. Mesmo assim o poeta o lava, cuidadosamente, na frente do seu barraco. Outras vezes a musa pula, voraz, intrometida, afogando o chapeuzinho vermelho de quem está no mesmo barco, gozando seu ataque epiléptico até todo mundo morrer abraçado. E os amigos? Ah, os amigos! Os gigolôs da nossa cova só aparecem fazendo arruaça, estragando a festa, nos pondo uma arma na cara e exigindo uma autocrítica que, na verdade, é nosso canto de cisne. Ainda bem que nem sempre a desgrama é tanta: algumas vezes o poeta não precisa mexer em nada, basta apanhar a loucura das coisas feitas, que dão por aí afora na árvore da vida, ocultas e disponíveis como frutos que ninguém quer (ou, melhor, que ninguém reconhece). Noutras, todos concordamos, arde como estar vivo, dói como morrer, mas dá prazer como considerar iguais as duas opções. Daí, cheio de vazio, a doida perseguição à lucidez total, ao extremo comedimento, desabalada carreira em perseguição à inércia. Vez em quando, a poesia, sempre profeta, celebra um futuro feito de minutos de silêncio, onde, sem fim, acabou o amor - essa sutil troca de diferenças que tantas vezes acaba em grossa pancadaria, esse sofrimento que morre de dor, mas sobrevive. Num mundo de imagens e semelhanças, não dá pra ser eremita por mais de um dia: no segundo já haverá seguidores. Daí a necessidade de ser descaradamente desmascarado diante de seu igual - espelho que só mostra matéria. E pensar que tem gente que vive se atracando pra ganhar a vida, vivendo artificialmente a sua morte cerebral, e que, nas horas vagas, vaga em bandos, procurando diversão quente e calor humano no fogo fátuo das metrópoles gélidas do fim do mundo. Homem novo? Quando religião vira vício, nem Jesus sobra pra cristo. Assim, sem Deus, que bicho vai dar? Passou a era romântica dos vendilhões: hoje todo mundo fabrica e vende suas quinquilharias. Verdadeiras preciosidades estão ao alcance dos falsos dólares, já que, no meio de tanta porcaria, pérola e excremento acabam sendo a mesma coisa. Individualismo total faz do ódio o produto acabado, o ícone do novo século. Ele só existe para seu dono e, eliminado o objeto odiado, fica sem valor no troca troca da vida. Não temamos, leitor, esse futuro, e nos preparemos, com muita coragem, para enfrentar tudo aquilo que os amigos ursos ainda estão nos preparando, atolados no lodo do passado. Como vingança, você ainda pode subir, pois pra cima todo santo ajuda. Mas viver nas nuvens também não é fácil, principalmente com a memória cheia dos bons tempos que não voltam mais, em triste contraste com nossa época, onde a marcação incansável dos médios-volantes - que não dão a mínima para as suas brincadeiras - nem ganhar precisam pra te levar para os pênaltis. O negócio, então, é não dar folga ao trabalho e ser sovina por natureza, passando direto pelas primaveras. A cigarra está com formigamento nas pernas de tanto buscar o silêncio, de tanto fugir, a passo de jabuti, dos vexames desta corrida maluca, de tanto falar sozinha para as multidões desertas. Ser vaiado, então, é ter a alma salva da embriaguez das intermináveis conversas e dos estados críticos do aplauso. Mas, às vezes, a sensação de solidão e abandono fica demais e tudo conspira contra, até a natureza, até a lei da gravidade. É preciso ser espirituoso, se desapegando dos bens materiais. Elementar, meu caro leitor: a matéria um dia degringola, na melhor das hipóteses. E, junto com ela, vão os seus amantes, que estão tanto de um lado quanto do outro da sociedade, atrás do vil metal e seus prazeres. Malandro que é malandro, muito pelo contrário, já nasce sem capital, sambando, capaz de acender o fogaréu da felicidade na batucada da vida sem precisar vender a alma ao capeta. Pois tem a malandra inspiração de que fazer acordo e sonhar com os anjos é muito mais negócio. Afinal, eles oferecem um planeta de vantagens, cheio de luz, ar, água, cor, movimento e vida incessante, aqui e além. E, de brinde, uma lua cheia, que inspira os inspirados e desnorteia a baba dos lunáticos. Eu dizia a eles que o que mais entusiasma é a possibilidade de romper as barreiras da relatividade e buscar o futuro até no passado, garimpando, ali, tudo o que na verdade ainda não aconteceu. Por isso o poetinha cuida tanto do seu equipamento: para poder transmitir, sem interferências, a essência vigarista da humanidade sofredora. Por isso ele jejua, por isso ele faz penitência e não tem vergonha de ser chato com todo o carinho. Discutimos, também, que a poesia pode ser um exercício mediúnico, poeta encarnado encarnando poeta desencarnado e lá vão eles, os dependentes do amor, com suas entranhas arreganhadas, botando tudo a perder. Aparecer assim, de alma pelada, é fogo na roupa. Não vale a pena, mas vale. Leu? E mais nós não dissemos, depois que o pau comeu.

Roberto Prado

quarta-feira, março 22, 2006

Carmela à vista

Nasceu a filha do Rodrigão e da Ana Carolina hoje, dia de Santa Lea,
coincidentemente nome da avó do Rodrigão falecida semana passada.
Domingo a gente estava lá em casa, num churrasco em homenagem ao nosso amigo Sérgio Viralobos, e fizemos uma Canção para Carmela.
Aí vai a letra em homenagem aos pais que nesse momento
devem estar corujando a pqna rebenta.
Canção para Carmela

nem bem dona lea se foi
a carmela chegou
chega de tristeza
vamos viver um novo amor

você ainda não sabe
com quem está se metendo carmela
pergunte pra mim se eu sei
o que você vê da janela

azar de quem está indo
sorte de quem tá vindo
(thadeu, ferreira, walmor e edson)

Pronto, Edilson, comentários livres!

Prefiro que meia dúzia de babacas me encham o saco
do que você deixar de visitar esse espaço.
Espero muitos comentários seus.
O nascimento da Carmela também ajudou na decisão.
Grande abraço.
Thadeu

Vera, Ederci e Catarina. Três presenças constantes e queridas em minha vida.

Hélio Leites, como sempre, deu um show de talento e criatividade.
Quase caí da cadeira de tanto rir. Só não caí, porque tive que ajudar a levantar alguns.

Maria Luíza e o velho Thadika, meu pai, 80 anos de bom humor e belas pescarias.

Fotos by Caetano Solda

Thadeu e Pryscila, ao fundo, Vera, Orestes e Regina. Mãos e braços apontando todas as direções.


À sua saúde, Buffo. E como hoje é dia de Homero na Biblioteca Pública...OOOPPPAAA, como se diz em grego.

Pryscila e Márcio, entretidos com as delícias do Beto, que àquelas alturas velejava pelas águas calmas da Guanabara.


Os velhinhos-pauleira. Quem nos viu, quem nos vê, pode crer.



Luciane e Kito, amigos por toda parte.


Thadeu, Plínio e Vera, ontem no Beto Batata. O livro não chegava nunca e o único jeito de acalmar as neuras era falar com o Sérgio e o Walmor, que estavam na gráfica. Deu tudo certo, graças aos dois.


Nossos amigos são demais mesmo.


Não tem tempo ruim. Caiu uma borrasca daqueles de entupir bueiro lá no alto da Boa vista e isso não impediu que viessem. Choveu pacas, canivete, rolou tromba d’água, mas eles estavam lá, heroicamente, sem vestígios de guarda-chuvas, como se uma aura da mais pura seda os protegesse daquele esguicho interminável. Nossos amigos são assim: com eles, dá sempre tudo certo. E como foi legal vê-los se abraçando, conversando, rindo, dialogando, brigando, matando saudades. Dois aniversários foram comemorados de improviso, o da Vera, esposa do Solda, e o do Ivan. O livro, astro da noite, foi o último a chegar. Mas quando chegou disse a que veio. Vestindo uma bela capa, criação de Bira Oliveira, sob os olhares atentos dos convivas, desfilou apresentado por Roberto Prado ( o grande ausente) e espalhou-se todo pelos quatro cantos do salão. Palmas, vivas, gritos, aleluia! todo mundo de mala e cuia na casa do senhor. A poesia teve mais um dia de glória, e eu e o Sérgio mais um de muita alegria e felicidade - é isso que dá a gente ir morar no coração de tantos amigos.


Quem não foi ou mora longe e não pode vir ao lançamento, não precisa chorar, tem livro pra todo mundo. A partir de segunda-feira , em todas as principais livrarias. Mas quem preferir receber o livro em casa, via correio registrado, faça o seguinte:

Deposite R$ 25,00 (R$ 20,00 do livro e R$ 5,00 despesas correio) na Caixa Econômica Federal – ag. 0374, conta-corrente 20597-7, em nome de Antonio Thadeu Wojciechowski e passe o número do documento para thadeupoeta@yahoo.com.br , com seu nome e endereço completos.
OU SE PREFERIR:

Deposite R$ 25,00 no Banco do Brasil – ag. 2801-0, conta-corrente 9.076.958-9, em nome de Sérgio Conti Moraes e passe o número do documento para
sergio_conti@ig.com.br (lembrar que é sergio_conti) com seu nome e endereço completos.

Amanhã, graças ao Caetano, filho do Solda, postarei fotos do lançamento.
OBRIGADO A TODOS.

segunda-feira, março 20, 2006


Hoje, dia 21, no Beto Batata, rua Prof. Brandão, 678, às 20,30h.

Preste atenção nas informações acima, é onde você e suas melhores companhias devem estar daqui a pouco, para o lançamento do livro NÃO TEMOS NADA A PERDER,
de Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos.
Não aceitamos desculpas e nem pedidos de perdão.
Todo mundo lá.



Estive em Londrina neste final de semana. O Tácito fez uma homenagem ao Paulo Leminski e lá fomos nós, eu e Chacal, fazer aquelas peripécias que só os poetas conseguem.
Horas de poesia a todo vapor, algum bate papo, pouco público. Mas isso já é chover no molhado. O bom foi ver Márcio Américo, Neuza Pinheiro, Célia Muzzili, Maurício Arruda Mendonça, Augusto Silva, Marcos Losnak, Clóvis, Agenor, tudo gente boa da melhor qualidade. Não pude conversar com todos como queria. Mas ao menos tenho dois consolos para suprir a lacuna, fui presenteado com o livro Um urso correndo no sótão, do Losnak e com o Me pergunta se eu mudei, do Augusto Silva. Encontrei também dois velhos amigos, o Neimar e o Herman Schmidt. O Neimar é londrinense, amigo de longa data, eu o conheci em 1980, quando fomos apresentar no Teatro Ouro Verde o show Jogo de Espelhos, com Tatara e Cabelo. Aliás, foi muito engraçada essa história. Eu estava lá no palco do teatro, ajudando na montagem do cenário, quando o Tatara pediu para que eu conferisse se a meia circunferência formada por espelhos estava em ordem. De costas, para as cadeiras da platéia, eu fui me afastando, para observar melhor a curvatura, de repente, apagaram-se todas as luzes. Mas, no escuro, eu ainda dei mais um passo e fui parar lá embaixo, com direito a derrame e gesso nos dois pés. O Neimar e o Marcos Prado então se transformaram em minhas pernas e, na base da cadeirinha braçal, me carregaram pra tudo quanto é lado. E como fizeram força, esses incríveis rapazes, que não me abandonaram um minuto. Foi muito bom conversar e relembrar um pouco daquele passado, que ainda tem espaço para a Iléia e a Marília Ferraz, e a florida Rosa, que assim como Marcos Prado, já está noutra.
Na sexta, à noite, depois de passar pelo Faquir e pelo bate papo da biblioteca, fui na casa do Herman, que eu não via há uns 15 anos. Lá fizemos (eu e o Augusto Silva) uma pequena esbórnia, devidamente gravada pelo anfitrião. Dali fomos ao show da Neuza Pinheiro brilhantemente acompanhada pelo Marquinhos. Eu e o Chacal fizemos uma divertida abertura, com poemas e algumas capelas. Foi muito bom o show da Neuza e lamentável a atitude de parte do público. Um pequeno bando de debilóides que atrapalharam em alguns momentos a performance da cantora, mas que não conseguiram ofuscar o seu brilho. No dia seguinte, o Neimar lembrou de alguns poemas daquela época em que nos conhecemos e declamou-os fazendo de improviso uma bela abertura para o evento de sábado. À noite, logo após a performance, passamos na casa de um amigo do Neimar, o João Marcos, que me proporcionou uma bela cervejada. Depois os dois me deixaram onde o Neimar, algumas horas antes, havia deixado o Chacal. Entrei no ônibus e dormi instantaneamente, só acordei quando o motorista abriu a porta e gritou “Curitiba!”. Na hora de pegar o comprovante da bagagem, achei no bolso o bilhete que um outro grande amigo, havia deixado na portaria do hotel:

Thadeu:

Passei! Fui.
Boa sorte
e até!

Assinado Domingos Pellegrini

quinta-feira, março 16, 2006

Coração de poeta


meu coração é um hospício dos infernos
onde médicos são tratados pelos internos
(thadeu)

quarta-feira, março 15, 2006

Texto de abertura do livro Não temos nada a perder



Não temos nada a perder



Escrever e publicar é sempre um ato de quem não tem nada a perder. Coisa de fedelhos que não têm o que fazer, a não ser ficar metendo o bedelho na vida e nos sentimentos alheios. Pode baixar a guarda que lá vem upercut, pra quem, como nós, gosta de levar na orelha. Não tivemos o menor pejo em expor o que de mais constrangedor tínhamos em nossos sagrados corações. Epigramas? Poemas? Letras? Não sabemos. O que vale mesmo é a intenção rítmica, que estudando os clássicos, tiramos definitivamente do olvido. O fundo moral, é evidente, não passa de uma desculpa do pobre vocabulário e da mísera expressão para, em forma de lamúrias, lamentarmos o bem que não nos fizeram. O preciosismo de certas colocações, às vezes, é como um chute despretencioso da intermediária que acaba entrando espetacularmente no ângulo – nem o autor sabe se foi obra do acaso ou ciência pura. Mas a placa estará lá. Como a nossa própria lápide há de, um dia, indicar para nossos admiradores, já sem vergonhas, que poderão expressar, enfim, todo o amor, afeto e carinho que nos deixaram faltar. A obra foi idéia do Marcos Prado que, em vida, nos deu a luz , o amor e as aporrinhações que só uma amizade verdadeira poderia dar. Pra ele, pra nós e pra você, leitor, o livro.


Antonio Thadeu Wojciechowski & Sérgio Viralobos

Todo mundo lá no point do Beto Batata


Terça-feira, às 20,30 h, dia 21 de março,
na Rua Prof. Brandão, 678,
você tem um compromisso comigo e com o Sérgio Viralobos.
É o coquetel de lançamento do livro NÃO TEMOS NADA A PERDER.
Lá no Beto Batata do Alto da XV.

segunda-feira, março 13, 2006


Ultralyrics pela Travessa dos Editores.
A poesia de Marcos Prado
sob a direção de Felipe Hirsch.



O Felipe Hirsch é fã de carteirinha do Beijo AA Força e não é de hoje. Uma admiração que acabou se transformando em prova de amor a um dos grandes letristas da banda: Marcos Prado. Graças ao Fábio Campana e ao admirável trabalho que vem realizando na Travessa dos Editores, o livro está aí. Belíssimo. Graficamente o livro é um primor. Mas tudo recebeu o mesmo esmero máximo. Apresentação de Roberto Prado, contracapa de Mário Bortoloto, texto do Solda emocionantemente sincero, e a declaração do Felipe Hirsch, todos unanimemente adoradores da poesia de Marcos Prado.
A escolha dos poemas é do Felipe, que, fã incondicional do Beijo AA Força, estabelece como critério o lado mais punk do poeta. Sérgio Viralobos, principal parceiro do poeta, e da parte mais contundente de sua obra, deveria ter recebido um pouco mais de destaque, mas, enfim, critérios são critérios. A ausência dos nomes dos parceiros junto aos poemas também atrapalha um pouco a leitura e provoca erros de interpretação da obra do poeta, no leitor menos criterioso.
O livro, como o próprio Roberto Prado diz, é um sonho antigo de parceria dos dois irmãos. Ficou no meio do caminho, o Marcos sempre foi meio apressadinho. E deixou tudo desarrumado para o Roberto Prado arrumar. Mas o resultado final é simplesmente genial, um livro pra ser lido, decorado, copiado, plagiado e muito, mas muito amado.

.

todo dia encontro um artista novo
eu escrevo, eu pinto, eu desenho, eu canto
mas todos têm aquela cara de ovo
trato-os humildemente mas com espanto
isso não está escrito na cara deles
não vejo em nenhum o ar de sua graça
nem o trato nobre ou o ímpeto reles
raro o dono da própria desgraça

tenho por eles, porém, um amor triste
um amorzinho vagabundo, menos que inho
que de tão diáfano não sei como resiste
um dia pego um deles pelo colarinho
estrangulo no balcão aos gritos: despiste
não fique roxo, não obre, isso é um carinho


.

o alegre recebeu o triste
certa tarde em seu casebre
o triste pouca coisa disse
o alegre usou de formas breves

ficaram amigos dessa forma
o triste silenciou a amargura
o alegre usou a ternura como norma
entre os dois, a mesa e a noite escura

amanheceu, acabou a noite, o vinho
e, sozinho, ficou o alegre à mesa
enquanto o triste saía sem destino
sem nenhum resquício de tristeza



.


no espelho
não vejo
meu guarda-costas

.



amor ao bar

uma pessoa, agora sua íntima
foi parar um dia no hospício
não por uma obsessão legítima
nem por doença ou vício
ele foi por estar claro
que o álcool fazia-lhe mal
e porque o bar o
lembrava um hospital
essa pessoa, que sou eu
percebeu de si a manobra
o que de mim o álcool bebeu
dele ele fez sua obra



.



com quem andas


sou um abutre, confesso
comedor de carniça confesso
um anjo que quis vir à terra à qualquer preço
e que encarou o diabo já no berço

convivo com o demo
há trinta e um anos
a ele, meus amigos, não temo
mas àqueles que eu e ele acompanhamos


.


amor de uma figa

estreito como é estreito
o que você sente
o mesmo mesmo
que eu mesmo sinto
é igual ao que você acha diferente
em verdade eu na verdade
também minto

súbito soube:
estava ali longe
o que percebi lá perto
e aquilo que hoje houve
anteontem
errei ao duvidar
que estava certo

.


MERDA
DREAM



.


estranho
esse sujeito
que vi
na rua

não existiria
se eu
não o tivesse
visto

engraçado
esse sonho

eu só
existir
aos olhos
daquele
sujeito
estranho


.



síndrome de d juan

ele te olha de lado
você o olha da esquina
no seu olhar uma cisma
no dele muito pouco caso

de repente se aproxima
com o freio-de-mão puxado
e vai apertando o passo
enquanto sobe adrenalina

você vai se sentir mais bonita
ele vai perceber no ato
é quando d juan já não despista
parte para o contato imediato

mas se no dia seguinte você liga
ouve uma voz do outro lado
ele saiu com uma cara esquisita
e não deixou nenhum recado

.



120 minutos

espero que amanheça, não pelo sol, mas pelo ônibus
a cidade está atenta caso eu durma na praça
pra roubar minha jaqueta bota cigarro e o vale-transporte

quero que amanheça, não para acordar, mas para dormir
o primeiro ônibus passa às seis e são quatro
escrever para ficar acordado, única alternativa

peço que amanheça, não pela manhã, mas pela noite
que eu passei bebendo e esperando o primeiro ônibus
e me fez escrever até agora que ele está chegando



.



este traste que você está vendo
percebe todos os teus defeitos
você diz “triste”, eu digo “é jeito”
você diz “morrendo”, eu digo “sendo”

vivo até a morte do meu raciocínio
um mal que herdei não sei de quem
bem, nunca o mal do suicídio
me fez pular do prédio em fren

te e nem sempre se considerar diferente
de quem quis a vida como não quis
foi o que fiz, mas paralelamente
tentei de todo jeito e forma ser feliz

.


poesia e leitor

fim de feira pra mim é início de festa
lixo cai do céu e eu cato este maná
com ele faço lauta refeição modesta
o resto eu dou aos pobres do lugar

os miseráveis reclamam da qualidade
os mendigos, do cheiro e paladar
os indigentes, do prazo de validade
a todos respondo “vão se catar!”


.

santo drummond

vou comprar cigarros e já volto, vida
sou um poeta mortal, putarada
depois que eu morrer, pisem na minha língua
podem matar à ripada
até que ela diga, quieta, estou viva
e dê com os dentes na polpa deliciosíssima do nada

.



assim que eu deixei de te querer, minha vida
de uma hora para outra, puro acaso,
fui olhar a flor e só havia vaso
a de plástico olhei e derretida

a verdade é que errei em tudo mesmo
mentira dizer que fui feliz um dia
se até agora cheguei a um bom termo
foi pelos olhos de quem me amou um dia


.
begônias silvestres

o sumiço da sua silhueta amiga
fez meu perfil baixar a cabeça
as cores da tarde, cinzas cinzas
as luzes da noite, negras negras

desaparecer não é pra qualquer um
só você, misto de mistério e dúvida
pode estar em lugar nenhum
e ainda me tocar, por música



.


deus me encontrou num fim de mundo
à noite e a céu aberto
pensei "estou com tudo"
surdo, ele olhava, quieto

eu tinha muitas perguntas
que podia fazer agora
perguntei: você chora?
ele, sem falar: às vezes, muitas...

o céu caiu sobre nossas cabeças e a rua
"eu acredito em você", eu disse
ele: "ainda tenho dúvida"
e nem a chuva impediu que ele subisse


.


tristes homens azuis


não é blues, tristes, não é mesmo
a tristeza não faz um homem azul
o branco é branco, o negro é negro
ninguém é triste, não há blues
só existem, tristes, os tristes homens azuis

eles se vestem de branco e de negro
e os outros vêem azul
porque não são brancos nem negros
os tristes homens azuis

ninguém nasce azul
não se põe no mundo
alguém azul
mas quando a noite baixa
se levantam
os tristes homens azuis


.



se estes versos resistirem à minha tentação/ faça-os em pedaços agora mesmo/ cada fragmento desses caídos no chão/ terá começo e fim no seu meio


joguei fora tudo que escrevi três vezes
e trinta e três vezes rescrevi
sempre o mesmo sobre o mesmo há meses
desejo de estraçalhar o que escrevi

não entendo, eu até levo jeito
sempre tenho comigo uns versinhos
tão bonitinhos, tão engraçadinhos
que dão até um nozinho no peito

se eu fosse suicida, já teria feito
o que, no fundo, todo mundo sempre quis
assim me transformaria em perfeito
e deus e diabo: todo mundo feliz

quando a poesia se transforma em papel
sempre um trouxa transforma em roupa suja
talvez eu queira transformar a merda em céu
e, com mel, não me alimentar da dita cuja

se nasceu pó, volte logo ao pó que é
e a noite, como o poema, vire cinza
ninguém nesta terra é o que quer
aqui, aquele que é bom, não vinga

pode também que eu seja apenas vagabundo
ou um solitário que aprendeu no verso
que isso a que chamam de mundo
não é o centro das atenções do universo


.



isso que o que chamam de amor vem
e quando vem não convém fugir
não convém destruir
nem se arrepender também

há os que procuram e acham
metendo o amor em qualquer buraco
outros capotam de paixão
e ainda os que são maus de taco

existem os que imitam o seu destino
os galinhas-mortas-de-despacho
tudo banha do mesmo tacho
que arrotam grosso e falam fino

os sofredores têm preferências várias:
uns querem que a dor os afogue em lágrimas
uns querem que a dor se crispe em raiva
uns vêm na dor apenas uma ação nevrálgica



.



assim que se fizer
o que já deveria estar feito
qualquer um qualquer
poderá ser perfeito

o mundo é as voltas que dá
a pessoa, do que foi sujeito
predicado, garanto, não há
a vida que não é verbo, é jeito

o objeto perdido no caminho
sempre se encontra num labirinto
onde todo raciocínio mesquinho
o distancia dele e dele é distinto

a linguagem é a verdadeira causa
de eu querer ser bom com minha moléstia?
a palavra não me trouxe ainda roupa ou casa
mas a falsa me trouxe a maldita modéstia

domingo, março 12, 2006

Todo mundo lá!


O Otávio Camargo esteve dia desses lá em casa junto com Cláudio Fajardo,
Claudete e Alexandre França e me deram uma pequena amostra do que vai ser esse espetáculo. A Claudete é demais, perfeita a sua interpretação.
Portanto, todo mundo lá, assim,
quando alguma pessoa lhes falar de Homero, vocês não vão mais
pensar que ela está falando grego.


O Roberto Prado postou no seu blog esta semana uma tradução que fizemos do poema O Corvo do Edgar Allan Poe e que foi brilhantemente ilustrado pelo Miran, clic aqui para ler a matéria.

sexta-feira, março 10, 2006

Uma história das boas

Leia nos comentários do post O amor é Lino, uma história das boas, envolvendo Thadeu, Marcos Prado, Sérgio Viralobos, Renato Incesto e Edson Nunes Monteiro.

quinta-feira, março 09, 2006

O amor é Lino

Capa do livreto esgotado ( 135 exemplares) no dia do lançamento. Hoje, uma raridade.

O amor é Lino.

Pra quem não é de Curitiba este trocadilho pode parecer sem sentido. Mas não é. As histórias de amor do Bar do Lino são um capítulo à parte na História da Humanidade. E o mais legal disso tudo é que algumas peripécias nem mesmo aconteceram no Bar do Lino e, sim, no Bar do Meio, onde eu, Edílson, Édson e Cobaia nos refugiamos para agüentar a barra que foi a morte do Marcos Prado. Foi um tempo de alta voltagem e altíssima dosagem. Bebíamos pelos cotovelos e compúnhamos em letras garrafais. E tudo isso só para provar a verdade de Augusto dos Anjos “Provo desta maneira ao mundo odiento/ Pelas grandes razões do sentimento,/ Sem os métodos da abstrusa ciência fria/ E os trovões gritadores da dialética,/ Que a mais alta expressão da dor estética/ Consiste essencialmente na alegria. Versos como “Vamos dar gargalhada/ durante a madrugada/ pra lembrar que estamos vivos” ou “sapatear em cima do teu caixão/ pra alegrar meu coração” eram cantados pela turba ignara e repetidos até a exaustão pela boemia e bandidos da noite. Cerca de 100 canções foram compostas neste período de aproximadamente um ano. Uma das mais engraçadas, aconteceu com o Edílson Del Grossi que deu pernoite a uma amiga. 6 horas da manhã aparece um monstro ( o namorada dela ) esmurrando e berrando à porta do Bar. O Edílson, inocente, abre a porta e convida o elemento a entrar, que vai direto ao quarto e pega a namorada dormindo tranqüilamente. Fuzarca, baixaria, briga, safanões, não havia como convencer o pseudo-chifrudo que a camisinha cheia de porra era da festa de dois dias antes. Mas tudo acabou relativamente bem.
Alguns dos poemas abaixo, são verdadeiras crônicas desses acontecimentos. Não raro, alguns versos são frases de freqüentadores embriagados, que depois nem se davam conta que era a sua história que estava sendo cantada. Mas isso não tem importância. No começo, no Meio ou no fim, o amor é sempre Lino.


matando saudades da morta

azulejei o teu jazigo
como eu queria jazer contigo
mas o jazz me mantém vivo
e de muito bom humor

por isso mesmo vou fazer um rock in roll
com uma batida legal pra dançar
sapatear em cima do teu caixão
pra alegrar meu coração

Antonio Thadeu Wojciechowski, Edílson Del Grossi e Édson de Vulcanis


palavra é o cu da cobra, mas, claro,
isso é uma figura de linguagem



misturando as letras do alfabeto
meu coração escreveu teu nome
num estranho dialeto

consoante as vogais
nossos encontro
consonantais

eu estava tritongo
perdido entre seus bilabiais

um sujeito com tantos predicados
dando mole pras figurinhas
difíceis de linguagem

Antonio Thadeu Wojciechowski e Edílson Del Grossi


o beabá do amor


depois que aprendi o alfabeto
comecei a inventar palavra
no começo ela era quase nada
mas hoje é tudo para mim

cada um tem seu próprio dialeto
quando fala com a voz do coração
no começo nem mesmo era canção
mas hoje é tudo para mim

em cada verso uma rima eu projeto
pra fazer a alegria do povão
no começo era só por diversão
mas hoje é tudo para mim

a gente aprende a falar pra falar de amor
meias palavras não bastam ao bom entendedor
amor era só uma palavra
mas hoje é tudo para mim

Antonio Thadeu Wojciechowski e Edílson Del Grossi


saudades do nersão 2

para Nelson Gonçalves ( no dia de sua morte compomos 3 canções, todas com o mesmo título,
diferenciados apenas pelos números 1, 2 e 3)

capotei meu coração
nas curvas da vida
na íngreme subida
do prazer que o teu corpo me deu

e hoje na descida
dessa ribanceira
me precipito na banguela
daquela megera que me domou

afogarei o ganso de saudade
lá no baixo meretrício
descerei até o último degrau
e irei sozinho para o hospício


Antonio Thadeu Wojciechowski, Edílson Del Grossi, Édson de Vulcanis,
Alessandro Ruepel (Magoo) e Márcio Goedert (Cobaia)


toxicopsicosexoplasmose do nosso amor


perdi suas mãos não sei onde
escalofobético um monte de coisas
a rainha das flores são rosas
de mim pra você, me responde

se sou seu amor, não se esconda
se eu não for, vai tomar na bonda

Antonio Thadeu Wojciechowski e Edílson Del Grossi



dedos cruzados

se você quer ser mal humorada
cafajéstica, cretina, falsa
dissimulada, pernóstica, reacionária, infeliz
de uma figa que eu fiz
pra me livrar de você
se você quer ser, pode ser
levanto teu astral, estrela decadente
não leve a mal eu te querer tão bem


Antonio Thadeu Wojciechowski, Edílson Del Grossi e Édson de Vulcanis



furor alcoólico


os bandidos da noite soltam fumaça e bebem demais
garotas indecentes rebolam suspiros e ais
teu batom em minha boca
deixou um gosto de chumbo
não sei do que seria capaz
se a gente ficasse junto
meu, amor, meu amor
a física diz que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço
mas a gente neste abraço prova justamente o contrário
o amor é tudo, meu amor
é tanto amor e eu tenho tanto amor pra dar
meu amor, meu amor


Antonio Thadeu Wojciechowski, Edílson Del Grossi e Édson de Vulcanis



fim da linha


fumar, fumar, fumar até morrer
morrer, morrer até ressuscitar
para aprender a viver
viver, viver com você
ter um filho ou mais
porque por cagaço eu não fiz a vasectomia
beber, beber, beber até cair
cair, cair até passar do chão
e não ter pra onde ir
para estar com você

Antonio Thadeu Wojciechowski, Edílson Del Grossi e Édson de Vulcanis


achados perdidos

teu olho de vidro piscou para mim
nos classificados você pedia um rim
teus seios postiços made in pequin

mas me apaixonei mesmo assim

já tinha tomado catuaba com gim
misturado jurubeba e jim beam
pra tatuar teu nome em nanquim

mas você se apaixonou mesmo assim

comprei uma casa pra você com jardim
de quebra levei uma bike e um patim
mas todo amor sempre chega ao fim

melhor eu só e você sem mim


Antonio Thadeu Wojciechowski e Márcio Goedert (Cobaia)


pare de falar

pare de falar pra todo mundo
que gosta de mim
eu não tenho culpa disso

teu coração bateu na minha porta
pôs meu peito abaixo
quem é você que não sabe o que diz
meu deus do céu que palpite infeliz
querer dizer o que eu devo ou não devo sentir

a partir daí então comecei a uivar pra lua

Antonio Thadeu Wojciechowski, Edílson del Grossi, Nereu e Noel Rosa


de joelhos, porca la miséria


eu não me emporcaria
se fosse porco de água doce
não cantarei jamais
toucinhos, bofes presuntosos

não dou o rabo a torcer
banhuda do meu coração
você é gorda quase dupla
um ménage às pururucas

raspando o tacho do chouriço
defumo teu pernil roliço
dois porcos no rolete
feijão, farofa, vinagrete

Antonio Thadeu Wojciechowski, Edílson Del Grossi, Édson de Vulcanis,
Márcio Goedert (Cobaia) e Rodrigo Barros

quarta-feira, março 08, 2006

Para minha mãe

Alua (filha) , Thadeu, Catarina e Paola (filha).

Mulher melhor

Não sou apegado a datas e comemorações, primeiro porque tenho uma memória péssima para tudo que não está em verso; segundo, porque este tipo de raciocínio leva a gente a acreditar que toda a nossa responsabilidade se resume a fazer um bom papel com hora e data marcadas; e, finalmente, porque amor é a responsabilidade maior do dia nosso de cada dia. E acho que aqui tem sido assim, desde a primeira postagem. Um espaço de reflexão, bom humor, criatividade e alegria, destinado a todos aqueles, homens e mulheres, que trazem poesia na alma e amor no coração. Mas em todo caso aí vai uma seleção de poetas de primeiríssima grandeza.


8 de março

Boa ou má,
bela ou fera,
fértil ou estéril,
jovem ou anciã:
mulher,
é
mulher
todos os dias
e não fêmea efêmera
de um oito de março qualquer

Marilda Confortin


Se recordar fosse esquecer,
Eu não me lembraria.
Se esquecer, recordar,
Eu logo esqueceria.

Se quem perde é feliz
E contente é quem chora,
Que alegres são os dedos
Que colhem isso agora!

....


Não sou ninguém. Quem é você?
Ninguém – Também?
Então somos um par?
Não conte! Podem espalhar.

Que triste ser alguém!
Que pública a fama!
Dizer seu nome como a rã
Para as palmas da lama!

....


Tive uma jóia nos meus dedos
E adormeci –
Quente era o dia, tédio os ventos –
“É minha”, eu disse –

Acordo – e os meus honestos dedos
(Foi-se a gema) censuro –
Uma saudade de ametista
É o que eu possuo.

Emily Dickinson
(tradução de Augusto de Campos )




pombos que voam
ou palmas que me chamam
pombos que voam

....


enchemos a vida
de filhos
que nos enchem a vida

um me enche de lembranças
que me enchem
de lágrimas

uma me enche de alegrias
que enchem minhas noites
de dias

outro me enche de esperanças
e receios
enquanto me incham
os seios


Alice Ruiz


Flores do mais

devagar escreva
uma primeira letra
escrava
nas imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro
olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais

Ana Cristina César


Eu dou pra isso?

Não gosta mais de mim.
Chama de cadela, vaca.

- O que esperava, piranha?
Ele tentando ver os golos
E eu enchendo o seu saco.

Agora dei pra escrever.
Perdi o último pinguinho de vergonha na cara.

Leia Leite



Elogio do Silêncio

A expressão do ser profundo
Transcende a linguagem.

Falar é traçar limites
Ao ilimitado.

Espelho do intransitivo,
Somente o silêncio
Reflete o indizível.

Helena Kolody


Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil;
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Cecília Meireles


Parece que o poema andou bebendo

Incrível como sobram reticências nos vãos destes lençóis roucos
como sobra espaço em nós
no meio desse laço frouxo
desse traço pouco

Incrível como me falta o ar
entre os hífens
vou sorvendo desse copo
um jazz tristíssimo
inventando
amores sísmicos

Por isso
sempre acabo arrebentada na mesa de um bar
indício de um coração na mão
e um Jackie Daniels na garganta.

Jackie parece nome de puta.

Luana Vignon

segunda-feira, março 06, 2006

Poemas para preencher o vazio da alma


I made my god while I prayed:
I thought it was me what I saw
But god, looking at me,
Blinded my eyes so I could see
Miracles happening wonderfully

Fiz meu deus enquanto rezava
Pensei que era eu que me via
Mas deus, olhando pra mim,
Me cegou pra que eu visse
As maravilhas que ele fazia

Antonio Thadeu Wojciechowski e Ivan Justen



Poetas do mundo,
a voz que elevo agora
não tem nada demais
mas late fundo.

A mim e à nossa estirpe coube
consagrar de onipotência, onisciência e onipresença
até o mais modesto, humilde e simples pé de couve.
Do cume do concreto caem gritos
clamando por dinheiro, propriedade e afeto -
não ruborizem a rima, poetas,
o ritmo não é a vítima, decerto
nenhum de nós será jamais
uma voz pregando no deserto!

Eles ouviram quietos
dez mil anos de silêncio
e ficaram de orelha em pé –
mas não desapontaram os erros:
é ou não é?

Porém, para o júbilo,
o poeta está caindo de maduro,
é preciso, pois, confirmá-lo no futuro.
Para que em vez dessa trupe melancólica e malsinada
estivessem aqui em formação as fímbrias
dos embriões de última geração.

E mesmo que a vida não fosse nada,
ainda assim valeria a pena nascer poeta:
porta que não se abre, janela que nunca fecha,
simultaneamente arco, alvo e flecha!

Antonio Thadeu Wojciechowski e Ivan Justen



insigne esfinge
rosto oposto
num espelho opiáceo

por mais que eu faça
sempre há fogo na fumaça

ao vendedor, a binge
mosto sem gosto
como se um piá copiasse-o

isto é um conto de fábula, uma onda
sonho raso e róseo de cavalheiros
em busca da tábula redonda

Antonio Thadeu Wojciechowski e Ivan Justen



minhas lágrimas em teus olhos
me falaram de amor
pra que queimar meus miolos
se basta ofertar-te uma flor?

se tudo que eu dissesse
chegasse até você como prece
quem sabe a falta de pressa
fosse afinal um fim que começa

- sem essa de querer ser deusa
já é demais ser só você mesma -
você já descansou minha beleza
musa, nossa comida está servida
no banho, na cama e na mesa.

Antonio Thadeu Wojciechowski e Ivan Justen




Poema de uma rima só

você foi até onde eu pude
esperneou até eu perder a saúde
mas meu sangue é do bom: grosso e rude
minha alma é que tem fama de robin hood.

eu, tocando de leve meu alaúde,
sou um punk progressivo em virtude
do raro que me acontece amiúde
mas em silêncio pode ser que eu mude

cansei de brincar de bolinha de gude
você não cola e nem quer que eu grude
se você não mudar logo de atitude
jamais passaremos a lua de mel em hollywood

Antonio Thadeu Wojciechowski e Ivan Justen


New Orleans attracts hurricanes
Orson Welles knew many citizen kanes
How do you do, my friend?
Would you like me to give you a hand?
Sit down, please, my ladies and listen
My heart is my art
A fruit from my flower
Before turning into a seed
May the always be forever
For poetry leads the band
And nevermore will be the end

Antonio Thadeu Wojciechowski e Ivan Justen


vira e mexe
vê se me esquece
o que a gente viveu
não foi mais que um flash

se você fosse eu
se virava sem mim
é que já deu
mas podemos continuar assim

o amor tem dessas coisas
que vão e voltam de roldão
como em postes pousam mariposas
queimando asas na escuridão

Antonio Thadeu Wojciechowski e Ivan Justen

Uma singela homenagem a um bom poema

DIRETO DE SÃO PAULO, AO VIVO, UM POEMA COM INÍCIO,
MEIO E SEM FINAL FELIZ.


Caso eu forçasse o meu lápis ou o teclado
pra produzir algum versinho combinado,

não é certeza, mas muito provavelmente
faria um poema mesmo digno de gente:

eu até poderia enganar qualquer uma
que desejasse se enxergar inteira em bruma

e cada letra viraria então verdade,
ganhando assim com a rima a realidade.

Mas meu sentimento não é somente som:
não é só esse ó aqui que soa certo e bom:

quando eu começo (e comecei) minha arapuca
é pra roçar sem nenhum dó na tua nuca,

é pra pescar teu corpo, e de quebra o coração,
é pra fazer do nosso amor enfim canção

que muito mais do que palavra é sopro da alma,
é olho no olho, lábio em lábia, palmo a palma.

Só que se você faz pouco caso e não liga
me sinto feito um poeminha duma figa,

feito um versinho que perdeu o metro e a rima
(buscando embaixo o que ficou ali pra cima):

feito um Cupido que só atira bumerangue:
um coração que bate seco por seu sangue.

Ivan Justen

Uma singela homenagem a um bom texto

Vale quanto sopesa

Do alto da minha falta de autoridade em assunto nenhum, eis-me:
preparadaço para dar conta do que ninguém quer ler por estes dias amorfos. Preencher este espaço requer apenas um requisito comigo mesmo: deixá-lo mais vazio do que quando o recebi. Digo, a parte que me cabe do lúmen desta tela. Afinal, com tamanho conteúdo essencial ao redor, reconheço o desafio – é daqueles em que só a tangente nos livra. O que me obriga a ser menos claro do que estou
sendo. Sou? Ignoro. Bão, na ignorância me situo. Daí, seguinte.

O ser mais importante que existe no mundo é o ignorante. Sem ele, qualquer sistema de ensino desmorona. Com ele, todo conhecimento se justifica. O valor do ignorante é esse: não sabendo neca de nadicas, serve de base à uma sociedade construída através da supressão das lacunas, vá lá, intelectuais. Melhor moto perpétuo evolutivo nem imagino.

Por isso os bebês nascem analfabetos (pode soar bobagem – não minha, que sei dizer melhores, mas da natureza, que é infinitamente mais sabidona que este seu filho aqui) porém essa pode muito bem ser a salvaguarda primordial da espécie, a que protege a continuidade. Se nascêssemos sabendo, evoluir ia ser um parto.

Não importam os pais – quão inteligentes e letrados sejam. Cada bebê que chega vem para reforçar o pressuposto básico da linhagem ignara: se tudo lhe é alheio, será um aliado do sistema. Aquele berço, onde a humanidade incônscia – inventou essa palavra agora, Fraga? – balouça, é o da civilização. O que balbucia um bebê é um bulício que não causa reboliço no aparato que o espera. Se nem falar sabe, bem-vindo seja.Assim que cresce, das duazuma: ou o ignorante vira promessa ou a mesa vira o ignorante. Se tudo assimila, nada mais há a fazer. Nuns 10 anos está pronto para não mais aprender a aprender. Deixou de ser ignorante nato. Já sabe que sabe saber, e pior: já acha que sabe que sabe o que sabe. Aí, em plena imaturidade mental, amadurece precocemente. Vai e veste o impermeável que o impedirá de se encharcar no insabido. De se surpreender surpreendido. Nem uma gota do só-sei-que-nada-
sei o umedecerá. (Ih, Fraga, filosofia num parágrafo inconcluso?)

Mas, mas: esperança hay. Se o ignorante aperfeiçoa a sua própria ignorância, ele se torna peculiarmente mais útil (sem o perdão das más palavra antes e depois dos parênteses) à sociedade. Na vastidão do seu não-saber, instintivamente preservado por uma resistência inculta, ele busca mais. Quer dizer, em vez de mais do mesmo (o sabido pré-sabível) ele procura por menos do mesmo (do insabível
ao indizível, tudo, aliás, intransferível!). Ao se manter nesse limiar, o ignorante pode aprender o que quiser. Pode continuar aprendiz.

Esse é o ignorante que interessa, o que enriquece o sistema, o que mexe com a estrutura. Ele não está atrás da nota que o envaidece, do diploma arranjadamente qualificador, da aprovação previamente acordada entre mestres e discípulos. Da faixa de chegada que corre ao encontro do corredor. Esse é o ignorante não ideal para um sistema que idealiza demais.

Não, não puxo brasa para a minha sardinha. Minha ignorância mal deu para chegar ao fim desta tese, que tirei do nariz aos 8 anos.

Fraga

Rir é o único remédio


Visite o blog do Mário Bortolotto e veja o que é bom pra tosse. Aplique na veia.


O Fraga me mandou essa jóia que lá pelos anos 70 saiu publicado no Pasquim. O poema é de Anônimo, um dos maiores e mais populares poetas do mundo. Sua obra é vasta e parece que durante a vida inteira perambulou pela Terra, visitando países e continentes, já que foram encontrados textos seus em todos eles.




Estive doente
doente dos olhos
de ver tantas mulheres perfeitas

Estive doente
doente da boca
de dizer tantos poemas em brasa

Estive doente
doente dos nervos
manchados de fumo e café

Estive doente
e já não posso escrever

E é por isso que eu quero
um punhado de estrelas maduras
e toda a doçura do verbo viver.


Anônimo
(pichado num muro de um
manicômio no Rio de Janeiro, na década de 70)

domingo, março 05, 2006

Um mestre do samba


Aí está um dos meus mestres mais queridos: Adoniran Barbosa. Catei informações pela internet e de uma brilhante obra recém-lançada: ADONIRAN - UMA BIOGRAFIA, de Celso de Campos Jr., que recomendo a todos. O autor foi fundo na descoberta de fatos, fotos e depoimentos de amigos e parceiros de Adoniran. O seu livro é simplesmente emocionante. Carlos Careqa em seu recente CD "Eu não sou filho de ninguém" faz uma apaixonada homenagem ao mestre, com a música Eh, São Paulo. Divirtam-se.


João Rubinato.
O poeta que foi muitos
para poder ser Adoniran Barbosa.


O menino que nasceu em Valinhos (SP), filho do casal de imigrantes italianos Fernando e Emma Rubinato, em 06 de agosto de 1912 (seu pai o registrou como se ele tivesse nascido em 1910, para que ele pudesse trabalhar mais cedo), tinha tudo para ser apenas mais um operário da grande indústria paulista que lançava suas bases no início do século XX. Tinha tudo, mas, na verdade não queria nada com nada. Na infância, o exímio gazeteiro gostava mesmo é de mergulhar de cabeça no rio Guapeva ou jogar futebol com a turminha que ele conseguia convencer a matar aula. Ficar na sala, só se fosse no cacete. Assim mesmo, conseguiu ser aprovado no primeiro e no segundo ano, mas no terceiro, já com 13 anos, nem fez os exames. A mãe decepcionada com o seu comportamento deu-lhe uma surra daquelas. Anos mais tarde, ele relembraria a tunda até com uma certa nostalgia. “Como é bom a gente ter mãe, mesmo apanhando...Hoje em dia eu apanho do mundo. E como apanho!”

Não quer estudar? Então, vai trabalhar, vagabundo!

Primeiramente, o pai colocou-o como seu auxiliar para levantar lenha, tijolos, paralelepípedos, manilhas e o que aparecesse pela frente. Serviço pesado demais para um magricela de 13 anos que nunca havia feito porra nenhuma. Ficou ali apenas alguns meses. Daí foi ser entregador de marmita do Hotel Central, trabalho que exerceu com um apetite fora do comum, pois apenas uma parte do conteúdo das marmitas chegava ao cliente, o restante ele comia no meio do caminho. “Malandragem é fome”, dizia. Mas o malandro acabou sendo pego e levando um tremendo pé na bunda. Como não queria nada com o batente, João pulava de galho em galho. Trabalhou (se é que se pode dizer assim) como varredor em uma fábrica de tecidos, no carregamento de vagões de trens suburbanos e outros bicos como tecelão, encanador, pintor, garçom, metalúrgico. Acabou em 1928 como mascate, comprava em São Paulo retalhos de tecidos, meias e outros produtos baratinhos e ia vender nos bairros pobres de Santo André.Um fracasso retumbante, pois era um péssimo negociante e um vendedor pior ainda. Mas é, nessa época, que o artista começa a nascer.
O contato com o povo, o caminhar pelas ruas, as diversas faces da cidade, deram-lhe as primeiras inspirações para alguns sambas, bem ruinzinhos, segundo ele mesmo. Mas foi assim que ele acabou adquirindo o hábito de compor andando na rua e que, mais tarde, lhe renderia algumas das jóias mais raras do cancioneiro popular. Como vender meias não deu pé, foi trabalhar como garçom, graças à dica de um amigo. Quando chegou à mansão, foi recebido pela filha do dono da residência:
- Você já trabalhou como garçom?
- Já sim, senhorita, mas faz tanto tempo que eu esqueci.
A moça deve ter se agradado dele, pois pacientemente ensinou-lhe o serviço. João foi aceito e elegantemente trajado foi conhecer o patrão que, para sua surpresa, era o ex-Ministro da Guerra, João Pandiá Calógeras. Dona Emma não parava de alertar o filho: “Olha lá o que você vai fazer, lá é a casa do homem, cuidado, muito cuidado!” Mas João adaptou-se perfeitamente ao ofício e já falava até em ser garçom para sempre, quando, em 1930, seu patrão é chamado para o Rio de Janeiro para apoiar a candidatura de Getúlio. Sem emprego novamente, abriu o bico para conseguir alguns trabalhinhos. Foi então que eclodiu a Revolução Constitucionalista, mas como o João mesmo dizia “O melhor de uma briga é não entrar nela”, não se alistou para lutar como fizeram dois de seus irmãos. Preferiu ficar à sombra e água fresca no dolce far niente. A sua guerra era outra e estava prestes a começar.


Nasce uma estrela.

Três meses depois, um acordo pôs fim à revolução, mas seus efeitos, principalmente econômicos, se estenderam pelos dois anos seguintes pelo menos. João Rubinato estava literalmente fodido, não havia emprego nem bicos, mas isso não o incomodava nem um pouco, para desespero de seus pais, perplexos com a total irresponsabilidade do caçula. Mas no início de 1933, sua irmã Ainez convence seu marido, gerente da Seabra & Cia. a contratá-lo como vendedor. Se tivesse cabeça, João Rubinato iria arrumar sua vida com as polpudas comissões que ganharia com a venda de tecidos nobres.
Se tivesse. Um ano depois, estava no olho da rua e já não se chamava João Fortunato. Resolveu mudar. De um amigo pegou emprestado Adoniran e, em homenagem ao sambista Luiz Barbosa, adotou seu sobrenome. Assim nascia Adoniran Barbosa, o ator, cantor e compositor, criador de um samba tipicamente paulistano, que elaborava suas letras a partir das trágicas cenas de vida e da linguagem cheia de sotaques, gírias, inflexões e erros de habitantes de cortiços, malocas e bairros característicos da cidade, como Bexiga e Brás. "Pra escrevê uma boa letra de samba a gente tem que sê em primeiro lugá anarfabeto", dizia. Compôs seus primeiros sambas, Minha Vida se Consome, em parceria com Pedrinho Romano, e Teu Orgulho Acabou, com Viriato dos Santos, em 1933. Dois anos depois, ganhou o primeiro lugar em concurso carnavalesco organizado pela Prefeitura de São Paulo, com Dona Boa. Após passar por emissoras como São Paulo, Difusora, Cosmos e Cruzeiro do Sul, recebendo pequenos cachês, em 1941 foi para a Rádio Record, onde fez humorismo e rádio-teatro, e só sairia com a aposentadoria, em 1972. Lá, Adoniran conheceu o genial produtor Osvaldo Moles, responsável pela criação e pelo texto dos principais tipos interpretados por ele. Os dois trabalharam juntos durante 26 anos. No rádio, um dos maiores sucessos dessa parceria foi o programa "Histórias das Malocas", onde Adoniran representava o personagem Charutinho. O programa ficou no ar pela rádio Record até 1965, chegando a ter uma versão para a televisão. Os dois também dividiram a criação de vários sambas. Dessa união nasceram, entre outros clássicos, "Tiro ao Álvaro" e "Pafúncia". Foi estrondoso o seu sucesso como radialista cômico, interpretando uma série de personagens, baseados no linguajar coloquial, como o terrível e sábio aluno Barbosinha Mal-Educado da Silva, o negro Zé Cunversa, o motorista de táxi do Largo do Paissandu, Giuseppe Pernafina, o gostosão da Vila Matilde, Dr. Sinésio Trombone, o autor de cinema francês, Jean Rubinet, e o malandro malsucedido Charutinho. Com este último, uma das personagens do programa Histórias das Malocas, escrito pelo genial Oswaldo Moles, atingiu o clímax do humor e alcançou a popularidade máxima. "Trabaio é boca? Trabaio num é boca. É sepurtura, é tumo", falava Charutinho.
Mas Adoniran não foi apenas um compositor criativo, um excelente ator e um grande cronista popular. Para se ter a noção exata de sua dimensão e entender o que ele realmente foi e significou, é preciso muito mais que simplesmente perceber suas qualidades de artista, de marco da música popular brasileira, é preciso notar que a sua principal característica era a de ser transparente. Transparente o suficiente para que pudéssemos através dele e enxergar as ruas da cidade, os cortiços e a vida simples do povo se processando no silêncio,
nos acordes e nos versos de seus sambas. Filho dileto do Bexiga, o bairro italiano de São Paulo, Adoniran foi um fotógrafo lambe-lambe da canção. Cada uma delas é um pequeno retrato de seu bairro, de sua cidade, de sua gente humilde. Por extensão, retratos que poderiam ser de qualquer grande cidade que ainda tenha, em algum canto, um resquício daquela pobreza gentil que é tão diferente da miséria definitiva. A São Paulo de Adoniran é falsamente conformada com as agruras de ser grande - enorme - e faminta de seus filhos. Afinal, os homi tão com a razão/ nóis arranja outro lugar. A marca especial era aquele humor amargo, doído - o típico seria-trágico-se-não-fosse-cômico - encarnado em anti-heróis devorados pela cidade amada que crescia. Atropelados, despejados, arrastados por temporais, tentando reencontrar num canto de concreto a poesia perdida em alguma volta da vida. Venha ver,/ Venha ver, Eugênia:/ Como ficou bonito/ o Viaduto Santa Efigênia!. O humor que sabia tirar partido da desgraça. Porque lá no morro,/ quando a luz da Light pifa,/ a gente acende uma vela/ que alumia também/ se não tem/ não faz mar/ a gente samba no escuro/ que é muito mais legar. Afinal, o morro não quer protestar contra o progressio, quer é fazer parte dele. O problema é que o danado fica lá embaixo. Progréssio,/ Progréssio,/ eu sempre escuitei falar.
Tira de seu dia a dia idéias e personagens. Iracema, por exemplo, nasce de uma notícia de jornal - quando uma mulher foi atropelada na Avenida São João.
Foi um grande colecionador de amigos, com seu jeito simples de fala rouca, contador nato de histórias, conquistava o pessoal do bairro, os freqüentadores dos botecos onde se sentava para compor o verdadeiro samba de São Paulo, aquele que o Brasil inteiro sabe cantar.


Adoniran deixou cerca de 90 letras inéditas que, graças a Juvenal Fernandes (um estudioso da MPB e amigo do poeta), foram musicadas por compositores do quilate de Zé Keti, Luiz Vieira, Tom Zé, Paulinho Nogueira, Mário Albanese e outros. Está previsto para o dia 10 de agosto o paulista Passoca (Antonio Vilalba) lançar o CD Passoca Canta Inéditas de Adoniran Barbosa. As 14 inéditas de Adoniran foram zelosamente garimpadas entre as 40 já musicadas. Outra boa notícia é que entre os primeiros 25 CDs da série Ensaio (extraídos do programa de Fernando Faro da TV Cultura) está o de Adoniran em uma aparição de 1972.
A lembrança de Adoniran Barbosa não reside apenas em suas composições. Em São Paulo tem o Museu Adoniran Barbosa, localizado na Rua XV de Novembro, 347; há, no Ibirapuera, um albergue para desportistas que leva seu nome; em Itaquera existe a Escola Adoniran Barbosa; no bairro do Bexiga, Adoniran Barbosa é uma rua famosa e na praça Don Orione há um busto do compositor; Adoniran Barbosa é também um bar e uma praça; no Jaçanã existe uma rua chamada "Trem das Onze".

Tiro ao Álvaro

De tanto levar frechada do teu olhar
Meu peito até parece, sabe o quê?
Táubua de tiro ao álvaro, não tem mais onde furar

Teu olhar mata mais do que bala de carabina
Que veneno estriquinina
Que peixeira de baiano

Teu olhar mata mais
Que atropelamento de automóver
Mata mais que bala de revórver

Despejo na Favela

Quando o oficial de justiça chegou
Lá na favela
E contra o seu desejo
Entregou pra seu Narciso
Um aviso, uma ordem de despejo
Assinada "Seu Doutor"
Assim dizia a petição:
"Dentro de dez dias quero a favela vazia
E os barracos todos no chão"

É uma ordem superior
ô, ô, ô, ô, meu senhor
É uma ordem superior
Não tem nada não, seu doutor
Não tem nada não

Amanhã mesmo vou deixar meu barracão
Não tem nada não
Vou sair daqui
Pra não ouvir o ronco do trator
Pra mim não tem problema

Em qualquer canto eu me arrumo
De qualquer jeito eu me ajeito
Depois, o que eu tenho é tão pouco
Minha mudança é tão pequena
Que cabe no bolso de trás

Mas essa gente aí
Como é que faz?
ô, ô, ô, ô, meu senhor
Essa gente aí
Como é que faz?

Abrigo de Vagabundos

eu arranjei o meu dinheiro
trabalhando o ano inteiro
numa cerâmica
fabricando potes

e lá no alto da Moóca
eu comprei um lindo lote
dez de frente e dez de fundos
construí minha maloca

me disseram que sem planta
não se pode construir
mas quem trabalha
tudo pode conseguir

João Saracura
que é fiscal da Prefeitura
foi um grande amigo, sim
arranjou tudo pra mim

por onde andará
Joca e Matogrosso
aqueles dois amigos
que não quis me acompanhar?

andarão jogados na avenida São João
ou vendo o sol quadrado na detenção?

minha maloca,
a mais linda que eu já vi
hoje está legalizada
ninguém pode demolir

minha maloca
a mais linda deste mundo
ofereço aos vagabundos
que não têm onde dormir

Samba do Arnesto

O Arnesto nus convidô prum samba
ele mora no Brás ,
nóis fumo não encontremos ninguém.
Nóis vortemos cuma bruta duma réiva ,
da outra veis
nóis num vai mais!

No outro dia
encontremo co Arnesto
que pediu descurpa, mas nós num aceitemos.
Isso num se faz Arnesto,
nóis num se importa,
mais você devia
ter ponhado um recado na porta.

O breque falado tem várias versões, aí vão duas:

Anssim: Oia turma, não deu pra esperá. Aduvido que isso num faz mar e num tem importança.
De otra veis nóis te carça a cara!


anssim: "Ói, turma, num deu prá esperá
a vez que isso num tem importância, num faz má
depois que nóis vai, depois que nóis vorta
assinado em cruz porque não sei escrever Arnesto"
cais, cais, cais, cais, cais, cais, cais...