polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

segunda-feira, novembro 28, 2005

Dor

Aí está uma das páginas mais doloridas dos últimos 5 minutos.
Leiam, comentem e divulguem. É melhor do que nada. Para evitar ter que abrir diversos comentários na mesma matéria, a partir de hoje,
eles estarão somente no texto de abertura.
Fica fácil e rápido. Abraço a todos.
Polaco da Barrerinha.

Essa cena da guerra do Vietnam, com certeza, é uma das que mais choca a humanidade.
A expressão de dor, medo e sofrimento das crianças é de tirar lágrimas de pedra.
Dor

pelo som risal
indícios de melhoral

( Thadeu )

Um homem com sapiência de outro mundo nos ensinou que 99% de nosso sofrimento é perder tempo e felicidade sofrendo de véspera, imaginando desgraceiras que jamais vão acontecer. Eis aí, com vocês, a dor: um aviso de que aquilo que hoje somos e fazemos ainda está entalado na garganta de Deus. Todos disfarçam como podem, mas sabem exatamente onde aperta o calo. No entanto insistimos em querer ficar só no sapatinho. Existe pior dor do que ver a dor do próximo e não saber fazer nada além de sentir muito? A individualidade de nossa dor vem de uma multidão de erros. Talvez seja por isso que viver dói. E como dói. Dor aguda, dor crônica, doendo até cansar. Mamãe e papai têm razão de dizer que certas dores não dóem nada: tombo, corte, queimadura, arranhão, pancada, entorse, quebradura, ui ui uis e outros ai ai ais. Mas você só vai entender depois, quando sente um sofrimento que não tem causa física visível. Dor pode se manifestar sozinha ou vir em manada, atropelando o infeliz. Afinal, dizem os antigos, em sua dolorida sabedoria, que a grande dor cai sempre sobre o sofredor maior. Tem alminha apenada que gosta de sofrer. A que sofre de "amor", por exemplo, transforma o ego machucado em dor numerosa que, expandida ao infinito, ainda dói além. É a dor na qual o cérebro fala pelos cotovelos feridos. Dizem que os humanos do sexo masculino não sabem o que é a dor de verdade, a famosa dor do parto. Nascer dói? Por outro lado, dizem os espíritos, morrer não dói nada. Aqui, pra nós, tudo faz dodói. Tem sofredor radical que, diante de uma maravilha, morre de dor por saber que ela vai acabar. As mulheres que nos perdoem, mas o que mais dói, de verdade mesmo, nesta vida, ainda, é a nossa burrice. Portanto, doa a quem doer, vamos ter de aprender a ver com outros olhos a dor alheia. Alheia?

Dores São Marcos

isso que o que chamam de amor vem
e quando vem não convém fugir
não convém destruir
nem se arrepender também

há os que procuram e acham
metendo o amor em qualquer buraco
outros capotam de paixão
e ainda os que são maus de taco

existem os que imitam o seu destino
os galinhas-mortas-de-despacho
tudo banha do mesmo tacho
que arrotam grosso e falam fino

os sofredores têm preferências várias:
uns querem que a dor os afogue em lágrimas
uns querem que a dor se crispe em raiva
uns vêm na dor apenas uma ação nevrálgica

Marcos Prado (1961-1996)

Esse incrível Leminski e sua dor maravilhosa

um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chagando atrasado
andasse mais adiante

carrega o peso da dor
como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisas que os valha

ópios édens analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer, vai ser a minha última obra

Paulo Leminski (1944-1989)

Isso é dor

para o mosquito
também a noite é longa
longa e solitária

Kobayashi Issa (1763-1827)

Elegia sobre a morte de Gandhi

Aqui se detêm as sereias azuis e os cavalos de asas.
Aqui renuncio às flores alegres do meu íntimo sonho.
Eis os jornais desdobrados ao vento em cada esquina:
"Assassinado quando abençoava o povo."

Cecília Meireles (1901-1964)

Oferta a Maiakóvski

Perdão, Vladimir,
a tua irmã se feriu no dedo.
Para mim todas as dores têm tamanho.
Experimenta se as minhas mãos são leves
para fazer um penso.

Jorge de Lima (1893-1953)

O Homem Negro

Meu amigo, meu amigo,
Estou muito, muito doente.
De onde veio esta dor, nem mesmo eu lembro.
Seria o vento que assobia
No campo árido e deserto,
Ou talvez como os bosques em setembro
O álcool desfolha o meu cérebro?

Sierguéi Iessiênim (Rússia, 1895-1925)

Queixas noturnas

Quem foi que viu a minha dor chorando?!
Saio. Minh'alma sai agoniada.
Andam monstros sombrios pela estrada
E pela estrada, entre estes monstros, ando!

Não trago sobre a túnica fingida
As insígnias medonhas do infeliz
Como os falsos mendigos de Paris
na atra rua de Santa Margarida.

O quadro de aflições que me consomem
O próprio Pedro Américo não pinta...
Para pintá-lo, era preciso a tinta
Feita de todos os tormentos do homem!

Augusto dos Anjos (1884-1914)

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

Fernando Pessoa (1888-1935)

A grande dor não se assoa.

Acaba de me ocorrer uma outra verdade:
a grande dor não só não se assoa,
como é humorística.

A grande dor,
aquela que não tem nenhum consolo terreno,
dança mambo.

A pessoa pula, chocalha
e tem espasmos
de mambo.

Nelson Rodrigues (1912-1980)

A dor no Dalton

Texto 23 do livro Ah, é?


Com a morfina seu João esmorece, aliviado.
- Agora está melhor. Chegando o fim.
À sombra da laranjeira trina o canarinho. A velha espia da porta, sem coragem de entrar. Ele geme.
- Puxa, como dói.
Num longo suspiro:
- Agora me vire. Bem deva...
No meio da palavra, se foi. A velha pára o relógio da sala - cinco e dez em ponto. Pintassilgo, canário, sabiá começam a cantar. Bem o velho tinha razão:
- Quando está pra chover eles fazem música.

Dalton Trevisan

doa, dor!

essa dor que me dói
e dói tanto que deus me perdoe
já passou desta pra melhor
sabe-se lá quantas vezes
milênios séculos anos meses
de um dia para outro bem pior
essa dor não quer que eu me doe
até que eu sinta o quanto dói a bondade
de escrever sem dó nem piedade

Antonio Thadeu Wojciechowski

A minha dor

A minha dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas de um requinte escultural.

Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal.
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias.

A minha dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve...ninguém vê...ninguém...

Florbela Espanca (1895 - 1930)

De repentes

vôos repentinos
poemas
tristes pétalas

desfaça as malas

belezas doem
se você quer
levá-las

Roberto Prado

Espinho

Não sei se tiro o espinho
ou cutuco mais a dor
Quem foi o gênio maluco
que inventou o tal amor?

Não sei se pego meu rumo
ou me arrumo como for
sem saber se tiro o espinho
ou enfio mais a dor

Não há de ser nada, não
vai passar, diz o amigo
Imagine o que então
não dirão os inimigos
da tua cara de tonto
até gostando da dor
em vez de tirar o espinho
só tirar o espinho e pronto

Nem sei como tiro o espinho
se tiro bem devagar
ou tiro devagarinho
vendo a dor me deixar

Não sei se tiro o espinho
não sei se vou agüentar
a falta da minha dor
em troca do teu carinho
Quem foi o gênio maluco
que inventou o tal amor?
Domingos Pellegrini Jr.

quinta-feira, novembro 24, 2005


Destino


O destino é o acaso atacado de mania de grandeza.

(Mário Quintana)

A humanidade é uma piada onde o risada final é de morte. Você vai até a esquina e uma bala perdida te acha o cérebro. Babau. Fim? Destino? O que significa esta palavra que, segundo dizem, conduz a vida dos homens como se não passássemos de marionetes? Se o começo e o fim são determinados, é no meio que vale o nosso livre arbítrio? Antigamente se enfrentava o diabo para se conseguir uma consultazinha no Oráculo de Delphos. Hoje, disca-se para um 0900 qualquer e a R$ 4,95 por minuto, você tem todas as alternativas. O problema é que, no vestibular da vida, você é que tem de marcar um x na alternativa correta. Mas o certo mesmo é não ter pressa, porque o destino fatalmente baterá à sua porta. Nos anos sessenta, onde tudo era sonho, sonhava-se em ser "Sem Destino" ou mais tropicalisticamente falando
"Sem lenço e sem documento".
Exageros à parte, a ciência avançou tanto que alcançou o entendimento de Jesus quando disse que não nos preocupássemos com o futuro pois "cada dia traz sua pena" e que não cai uma folha de árvore sem a permissão do Criador. Só jerico para ter a idéia de que peru morre de véspera. Destino é lavra da alma, se colhe o que se plantou, no seio da nossa santa "ingnorância". Ou como dizia Gonçalves Dias "a vida é combate que aos fracos abate e aos fortes, aos bravos só faz exaltar". Não que o caminho da glória seja um mar de rosas, muito pelo contrário, para aquele que enfrenta, o destino é caminho; para o que foge, é tortura. Nietzsche falou e disse: "Destino, sigo-te! E mesmo que não o quisesse,/ deveria fazê-lo, ainda que gemendo!" A verdade é que não se pode tapar o sol do sofrimento com a peneira da felicidade, o resto é conversa fiada e a gente não pode se fiar. Mallarmé, no genial poema Um Lance de Dados Não Abolirá o Acaso, tenta equacionar o destino e o pior é que consegue, graças à mais bela e complexa sintaxe de toda a literatura universal. Para nós, que amamos a dúvida, fica uma certeza: a vida, inteira, está no final da dúvida.


Um Lance de Dados Jamais Abolirá o Acaso

Parte final
..................................................................................

UMA CONSTELAÇÃO

fria de olvido e dessuetude
não tanto
que não enumere
sobre alguma superfície vacante e superior
o choque sucessivo
sideralmente
de um cálculo total em formação
vigiando
duvidando
rolando
brilhando e meditando
antes de se deter
em algum ponto último que o sagre

Todo Pensamento emite um Lance de Dados

( Mallarmé, tradução de Haroldo de Campos )


diário de bardo

o verso, livre, se lança
ao mar desconhecido
até onde a vista alcança
ao encontro do perigo
navegante de mim
ruma a outro destino
um dia há de assim
tornar-me clandestino

Antonio Thadeu Wojciechowski

Desatino Cruel

esse mal jeito de gênio
minha santa paciência
e esse excesso de oxigênio
me fazem o diabo em pessoa
exato qual morto de susto
acha justo crerem isso desatino?
apesar que não fico triste
mera letra a mais no destino

Roberto Prado

Destino

Não discuto
com o destino
O que pintar
Eu assino

Paulo Leminski

De O Livro dos Contrários

"sou o destino, muito prazer
você parece um pouco abatido"
"estava assim por você
mesmo sem nunca ter te conhecido"
o destino, que não bateu à porta
fatalmente ficou comovido
o acaso, sem querer, foi embora
tomando rumo desconhecido
o destino pensou: "é minha culpa
eu é que o faço inesperado
preciso deste cara como dupla"
e desviou do seu rumo por acaso

Marcos Prado

Trecho de Invenção de Orfeu

Também há as naus que não chegam
mesmo sem ter naufragado.
não porque nunca tivessem
quem as guiasse no mar
ou não tivessem velame
ou leme ou âncora ou vento
ou porque se embebedassem
ou rotas se despregassem,
mas simplesmente porque
já estavam podres nos troncos
da árvore de que as tiraram.

Jorge de Lima

Destinos do Solda

1.
isso é coisa do destino:
o que seria do ébrio
sem o Vicente Celestino?
2.
sou assim genuíno
por obra e graça
do meu destino
3.
alguém já disse e hoje eu ensino:
cada um deve seguir
o seu próprio destino

terça-feira, novembro 22, 2005

Eu com a jornalista Karina que fez a cobertura do evento, junto com seu marido, o Luís, muito gente boa.
São dele todas essas fotos. Na foto abaixo um garoto fenomenal que pinta com o pé direito. Esqueci o nome dele, mas o Maurício tem acompanhado esse pequeno artista e lhe dado assistência. Foi emocionante o encontro dos dois.


Quando a crise fala alto, o Paraná responde
com educação.


Fui até Arapongas a convite do meu amigo Maurício Requião para conhecer o Fera, um mega projeto com objetivos educacionais e culturais. Querem saber? É uma das coisas mais lindas e emocionantes que eu já presenciei. Milhares e milhares de alunos das escolas estaduais e municipais da região, com idade média de aproximadamente 14 anos, fizeram uma festa digna de ser mostrada como exemplo de beleza e alegria para o mundo inteiro. Dança, música, poesia, fotografia, cinema, teatro, desenho, cartoom, colagem, coral, bandas, intérpretes, performances, modelagem, etc. Enfim, um evento animal, digno do nome com que foi batizado. O Maurício e eu percorremos todas as quase cem oficinas oferecidas aos alunos, pelo menos, duas vezes. E assistimos, por baixo, a uns 50 shows. Tudo lindo, tudo muito vivo, tudo pra lá de criativo, tudo repleto de emoção e felicidade. Entre os milhares de abraços que recebeu e fotografias que tirou com os alunos (todo mundo queria uma lembrança), o Maurício provou que mudou a história da educação em nosso estado. Escola viva, alegre e feliz. Eu, que como vocês sabem sou professor, dou nota 10 e como diz minha amiga, a Professora Maria Luíza: “com 3 estrelinhas, quando alguma coisa ultrapassa as expectativas”. Parabéns, Maurício, professores e todos que trabalham pelo sucesso do Fera.

Impressionante mesmo a força, a criatividade e capacidade de improvisação de algumas apresentações.
O Maurício recebeu muitas formas de carinho e agradecimento pelo FERA. Todos de uma forma geral queriam demonstrar o seu contentamento.

Na alegria das cores, o desfile do último dia em clima de carnaval. A criatividade, a animação e o som da batucada deram o tom.

Em cada canto do moderno e amplo Parque de exposições de Arapongas, os mais de 6 mil alunos viveram uma semana de arte, cultura, alegria e sensibilidade.
Corais, bandas, música instrumental, quase 100 oficinas para a garotada aprender a botar o seu bloco na rua.

As oficinas de Capoeira deram oportunidade aos alunos de mostrar toda a ginga e a malícia que caracteriza o nosso povo.
A arte abrindo as portas para a vida, esse é o segredo do FERA.

domingo, novembro 20, 2005

BURRICE
“Toda unanimidade é burra.”

Nelson Rodrigues


rapazinho, estuda depressa
pois burro aos trinta
é burro à beça


Millôr Fernandes


O que faz aqui um tema como esse? Pound dizia que poesia é conversa entre pessoas inteligentes. Mas isso não tem importância. Burrice é um estado de espírito de porco. O cara sabe tudo sobre tudo e dá aulas gratuitas às suas vítimas. Fala como se os outros estivessem ouvindo, escreve em papel que ostenta com orgulho uma descomunal orelha de burro. Enfim, tem cara inteligente pra burro. E o que é pior: burro metido à besta. Nós e vocês, caríssimos leitores, que tanto primamos pela busca do saber (que não acaba nem quando termina), não nos sentimos tão confortáveis a ponto de importunar alguém com nossos conselhos. Mas aqui vai um: se pensar não dói, faça, todos os dias de 2005, o seu cérebro pegar, nem que seja no tranco.

De O Livro dos Contrários, 2ª parte do Livro de Poemas de Marcos Prado

"tanto faz o que fiz
que cada vez faço mais"
pensou o gênio, feliz
alheio em meio aos demais

"eu fazendo ou não, tanto faz"
zurrou o burro olhando as botas
de seu mestre e capataz
que carregava todo dia às costas

"se ele tem patas, por que não anda sozinho?"
pensou o burro pela primeira vez na vida
e empacou espetacularmente no caminho
tornando a viagem do gênio sem volta ou ida:

"interessante, não sinto mais mudança na paisagem
toda a natureza se transformou na árvore em frente
parece ser esse o fim da minha viagem"
e ficaram os dois ali até o para sempre

Marcos Prado

as desventuras de um bem intencionado

pra ver esse sol
redondo
rodei um mundo
e meio

e o imbecil
me fecha
no bueiro

Roberto Prado

crueldade mental I

medito excepcional positivo
cérebro qual helicóptero
capta genial primata
sherlock lupa telepata
sempre nuca sempre
bruta entrementes inteligente

Marcos Prado e Sérgio Viralobos

crueldade mental II

estou estúpido
cada vez menos bípede
fiquei assim súbito
aceleraram meu velocípede

canguru na arábia
camelo na austrália

descia de escada rolante
pensando subir o monte
pra mim os dez mandamentos deviam ser vinte
vagas lembranças de um cérebro transeunte
lapsos de tempo ininterruptamente
Marcos Prado, Sérgio Viralobos e Roberto Prado

Desinteligência Brasileira

Uma alma despenada
Um coração sem lastro
Uma pena enviezada
Um navio de mastro

Sete camões não valem um olavo
Poesia exangue, prosa anoréxica
Crítica ao nada que interessa
Assim escreve o nosso grande enviado

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos

Textos 6 e 135 do livro Ah, é?.

6

- Um doutor de tanta cerimônia. Falava explicado e tudo com vírgula. O discurso inteiro...
- ...agora tem só duas palavras - puuuta meeelda.

135

- Que loucura, João, beber tanto.
- Mais loucura não é, depois de bêbado, voltar pra casa?


Texto 207 do livro 234.

- Falar com você, querida, é discutir para sempre.

Dalton Trevisan

O que é que há ?

( Reflexões na sala de espera do hospício
cercado de cadernos 2 por todos os lados.)



há os de barbicha de mágico de mafuá
quando entram na entrevista
falando pelos cotovelos

quem lhes decifra os garranchos ?

há os que dão cotoveladas de amor
há os que ajoelhou tem que resenhar
carolas coronários do normal

quem lhes ouve a ladainha ?

há os que se escrevem de bruços
pra justificar o dialeto
de seus amigos diletos

quem lhes aplaude a tolice ?

há os que acertaram um dia
ao pegar de susto
e até hoje tiram o sono dos justos

quem lhes publica a insônia ?

há os zagueiros violentos
que levantam sepulturas com seus podres
sem conseguir abrir mão do osso

quem lhes rói os traumas ?

há, principalmente, os impublicáveis,
hienas aplaudindo a volta da carniça
que dá vida e graça às suas claques

quem lhes fareja a sabujice ?

e há ainda, os balões de ensaio,
egos inflados por prisão de ventre,
digerindo os cheiros do passado heróico

quem lhes conta a verdade ?

Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado

Excerto do capítulo 65.
“Sob a proteção da santa ignorância”, do Livro de Tao.

(...)

No tempo inteligente do universo
a novidade é uma impossibilidade matemática.
No espaço não existe vácuo suficiente
para a incipiente sabedoria humana equacionar.

A verdade precária da humanidade
não passa de um passe de mágica
perdido no passado que desperta pouco a pouco.
São ligações de neurônios que o indivíduo
relê instintivamente em seus arquivos
simulando uma tremenda descoberta.

(...)

Lao Tse ( China, 570 a.C.)
Livre adaptação/tradução de Alberto Centurião de Carvalho, Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado

Quanto mais estuda mais cavalo ele fica.

seu pai gastou tanto dinheiro
para que ele fosse um poliglota
como recompensa foi o primeiro
a sentir o sabor da sua bota

quanto mais estuda
mais cavalo ele fica

estudou teologia e filosofia pura
montando a dialética de sua cavalgadura
absorveu do mestre a suprema sabedoria
pra transformar seu templo em uma estrebaria

quanto mais estuda
mais cavalo ele fica

recebeu do mundo só amor e carinho
sólida cultura, todo o conhecimento
mas a grande eureca ele teve sozinho
burro é mistura de égua com jumento

quanto mais estuda
mais cavalo ele fica


Roberto Prado, Marcos Prado, Edilson D’El Grossi Fonseca, José Alberto Trindade



4 zurros do Solda

1

essa é minha grande mágoa:
tudo que planejo
acaba dando com os burros n’água

2.

isso alguém já disse:
tudo que eu sei
é culpa da minha burrice

3.

a minha burrice
vem desde
a minha meninice

4.

essa besteira
merece um murro
quem manda ser tão burro


Luís Antônio Solda

Entrevista com Solda


Solda, vc é o mais talentoso poeta curitibano de itararé?

Não. Tem a Rogéria Holtz, que é a voz mais poderosa para cantar e ler poemas de todos nós. Eu sou mais um poeta de Itararé, a cidade onde houve a batalha que jamais foi realizada na História. E tinha o maestro Gaya, um bardo das partituras.

Como vc veio parar aqui?

Vim morar com meu pai, em 1965 e fui ficando em Curitiba, onde tento sobreviver até hoje.

O Millor o considera um dos maiores cartunistas do mundo, eu também. Fazer cartum e poesia, qual a ligação?

São a mesma coisa. Ambos são explicações.

Em seus poemas e cartuns o humor é sempre a alma da poesia, o Solda, pessoa, é engraçado?

Eu sou engraçado pra disfarçar a timidez, assim como o Fabrício Carpinejar.

A propaganda aproximou você do Leminski, do Rettamozzo e do Rogério Dias, como foi esse relacionamento e o que ele acrescentou em sua obra?

Todos eles eacrescentaram alguma coisa de suas almas à minha obra; Leminski deixou meus cartuns mais poéticos (nessa época eu deixei os poemas dele
mais engraçados); Rettamozo me ensinou o caminho das pedras e Rogério Dias, uma alma boa com quem convivi durante muito anos. O Rettamozo era o único que não fazia parte dos "Seqüelas do Alcoolismo" (Leminski, Solda e Rogério Dias).

Vc é cunhado do Marcos Prado, do Roberto Prado e concunhado do Alberto Centurião e da Ione Prado, não é artista demais para uma família só?
E o que é que sai quando vcs se reúnem?


Nenhum de nós é artista em família, somos apenas parentes uns dos outros. Fazemos trabalhos de propaganda juntos às vezes
para garantir o pão nosso de cada dia.

Vc esteve durante um longo tempo adoentado. Olhando para trás o que ficou de bom dessa história toda?

Ainda estou pensando sobre isso. Vou escrever retalhos e depois montar a colcha. O inferno são os outros (e as ostras).

Vc vive praticamente o dia inteiro em cima do computador. Qual a importância desse equipamento para seu trabalho e como vc se relaciona com ele?

É apenas uma ferramenta que me possibilita executar com maior rapidez qualquer tarefa. Todas. E acho que computador não deixa ninguém inteligente, apenas mais burro.

Quem vc curte nas diversas artes? E por quê?

Millôr Fernandes, Jaguar, Ziraldo, Mário Quintana, Fausto Wolff, Rogério Dias, Paulo Leminski, Clarah Averbuck, Bob Marley, The Upsetters, Fante,
Caetano Veloso, Pixinguinha, Madness, Buster Keaton, Woody Allen, quase todos os cartunistas franceses e uma porção de gente que vocês certamente nunca ouviram falar.

Dois grandes amigos seus faleceram do mesmo mal e a malvada também quase te levou. Beber com o Leminski e o Marcos Prado, quem era o melhor copo?
E como vc se sente depois de tantos anos sem beber?

A obra dos dois, Leminski e Marcos Prado, é uma coisa de foder, apesar da bebida. Com os dois eu bebi muito, mas muito mesmo, muito mais do que vocês imaginam. A gente comprava engradado de vodka. Conversei outro dia com Wilson Bueno e concordamos em gênero, número e degrau. Ele também parou com a marvada e continua por aí, com seus mares paraguaios. Eu me sinto muito melhor e sei que, se estou numa fase excelente, é porque estou sem beber. Algumas pessoas se dão muito bem com a bebida a vida inteira e produzem coisas maravilhosas. Mas o Jaguar disse que está me esperando de novo na Turma do Funil. Continuo indo em bares - o Café do Teatro é o meu preferido - e tomando café e água tônica.

Eu, particularmente, sempre fui um dos seus maiores fãs, principalmente pela sua sintaxe graciosa e afetiva. É isso que o separa da poesia concreta?

Eu não sou separado da poesia concreta. Gosto dela pelo grafismo, nunca da frieza de palavras que não representam nada afetivamente.

Ser reconhecido como poeta e como cartunista, o que te alegra mais?

Ambos. Dou autógrafo como cartunista até em Teresina, no Piauí. Ontem, conheci o Oneide, Pelebrói inteiro e, quando eles descobriram que eu sou casado há 30 anos com a irmã do Marcos Prado ficamos conversando um tempão, dizendo poemas e ouvindo o som dos velhos vinis. Vamos nos encontrar mais e ver no que é que dá.

Curitiba é o túmulo do artista? Por quê?

Curitiba tem muita puta e pouco puteiro. Muitos dos amigos com quem trabalhei em propaganda já morreram e alguns ainda continuam, insepultos.

Vc é casado com a Vera há mais de 30 anos. O Leminski dizia que a coisa mais difícil nesta vida é encontrar o grande amor da vida, vc é um cara de muita sorte?

Ele também encontrou o dele, eu sei disso, sempre me confessou, mas o amor foi embora e ele tornou-se o homem-dor, com a Enciclopédia Britânica na cabeça e
muito mais conhecimento que já não servia para mais nada. Sofrer foi sua última obra. Eu sou feliz pra caralho! Se Vera me agüentou bêbado tanto anos, haverá de
suportar mais uns 40 ou 50 sem beber, sou agora um trabalhólatra, not a workaholic.

Teus filhos, Caetano e Sandra, puxaram o que do pai ?

Nenhum deles. Sandra é jornalista e Caetano ainda está escolhendo o que será, mas nenhum dele desenha, embora fizéssemos isso, quando eles eram crianças, diariamente, a gente se divertia desenhando. Muito.

Se vc pudesse voltar ao passado, o que vc deixaria de fazer e o que vc faria mais ainda?

Não deixaria de fazer nada e faria tudo novamente, e tentaria ter mais tempo para ser poeta.

Me aponte 3 razões para a atual poesia brasileira ser tão mal- humorada?

Porque ela não é engraçada. Hi! Hi! Hi! Veja Millôr Fernandes, Mário Quintana, até na dor há uma alegriazinha lá no fundo. Só tem essa.

Por que os poetas são tão maltratados pelos professores? A que se deve esse afastamento?

Os professores não gostam de poetas. São raros. Eles geralmente ainda chamam as mulheres de "poetisas". Pra você ver. Pra eles não existe vida antes da morte.

Vc é um regueiro de marca maior. De onde veio essa paixão?

A paixão vem pelo ritmo, muito semelhante aos nossos ritmos nordestinos. O discurso de Linton Kwesi Johnson. O culto rastafari, sou neófito, acho rasteiro demais, filosofia de boteco. E também não sou chegado em maconha, nem em bíblia. Tenho mais o que fazer. E há letras do Bob Marley muito boas, além de outros. E é o ritmo onde o baixo predomina, marcando a música com profundidade, fazendo tremer as janelas da minha edícula e dos vizinhos.

Se vc não morasse em Curitiba, moraria aonde?

Em Itararé, numa dacha ao lado do Funil , um rio que atravesssa a cidade.

A coisa mais engraçada que aconteceu na tua vida?

Na mais recente viagem a Paraty,de ônibus, sentei ao lado de uma garota de uns 15 ou 16 anos. Cochilei e sonhei que estava vendo televisão. E, pasmem, procurei
o controle remoto entre as pernas dela. Acordei sobressaltado e pedi mil desculpas, mas como a guria iria acreditar nessa história maluca? Depois, quando o ônibus parou para tomarmos um cafezinho, chamei Vera e conversamos com ela. Nos encontramos em Paraty depois e deu tudo certo. Essa foi a mais recente coisa engraçada.

E a mais desgraçada?

Não ter sentado na mesa para tomar cafezinho em Paraty, com a Mônica Waldvogel. Pela segunda vez. Ano passado eu contei pra todo mundo em Curitiba que tinha tomado cafezinho com a Mônica, mas ela não sabia. Este ano eu queria sentar e contar a história para ela. Mas eu estava sem o meu livro para presenteá-la e acabei tomando café com a Mônica de novo, sem ela saber.

Um poema que vc nunca esqueceu e que te marcou?

Ainda ontem
Convidei um amigo
Para ficar em silêncio
Comigo

Ele veio
Meio a esmo
Praticamente nada disse
E ficou por isso mesmo

p. leminski.


O que vc mais ama?

Todos, acima de tudo.

O que vc mais detesta?

Burrice e poeta que mostra poesias pra gente perguntando se ele tem condições de ser um bom poeta.



A vida é bela
Só não vale
Chute na canela
Solda

quinta-feira, novembro 17, 2005

Fãs de carteirinha do Walmor: Catarina, Thadeu, Mary (falecida) Edson de Vulcanis e Márcio Cobaia Goedert.

Roberto Prado e Bira, parceiros e amigos, desde o tempo em que faziam o segundo grau no Colégio Estadual do Paraná. O Marcos Prado também era da turma.

Walmor e Thadeu, show no TUC, em 1983.

Thadeu e Walmor, no Círculo Militar de Curitiba, em 1982.


Os velhinhos pauleira, durante apresentação no Curaçao. Walmor, Trindade e Thadeu. A banda fez duas apresentações e acabou.

Os adoráveis cantores românticos incuráveis, a banda que depois virou Maxixe Machine. Da esquerda para a direta Rodrigo, Edilson, Ferreira, Thadeu e Walmor.

Thadeu e Walmor compondo. Uma cena que se repete quase todos os dias desde 1978.

Walmor, o canhoto mais sinistro e talentoso das araucárias.

De polaco pra polaco.

O Walmor Douglas Wisloski Goes é meu amigo e parceiro há mais ou menos 10.000 anos, apesar de eu tê-lo conhecido só em 1978. De lá pra cá, foi uma festa só. Noitadas intermináveis, canções às pencas, parcerias maravilhosas e uma amizade que preservo com muito carinho e admiração. O talento desse admirável compositor, músico e letrista não é deste mundo, o cara deve ter caído de um disco voador qualquer durante uma orgia de sexo, drogas e roquenrou. Ontem pedi para alguns de seus amigos algumas palavras para esta pequena homenagem a um cara que merece tudo e mais um pouco. Ou como o Leminski disse durante uma noitada em sua casa, admirado com sua forma de tocar: “Gênio, esse polaco é um gênio, Thadeu!” Hoje o carinha faz mais um ano. Parabéns, velhinho pauleira. E receba um abraçãozaço do amigo irmão

Antonio Thadeu Wojciechowski


"Thadeu, o Walmor é o cara mais misterioso que conheço. Não sei nem ao certoo seu nome, já que uns o chamam de Walmor, outros de Frank. Mas o que nãoconsigo esquecer é a forte impressão que tive ao vê-lo tocando pela primeiravez, num show de rock na Praça do Atlético, pela saudosa banda Kamasutra.Quando conseguimos convencer a ele e ao seu baterista Foguinho a tocarem naContrabanda, o circuito se fechou e pudemos fazer um dos melhores sons que Curitiba já escutou."
(Sergio Viralobos)


Walmor Góes – o sinistro que fez pacto com o canhoto.

Os céus escolheram o Walmor para ser instrumento da paz entre a esquerda e a direita. Nele, destra e sinistra deram-se as mãos para que este sujeito dominasse qualquer coisa que tenha cordas e faça barulho. Mas Walmor nunca se contentou apenas com os presentes da natureza. E acabou aprendendo a tocar ao contrário, com a canhota, mas sem inverter as cordas. Em qualquer banda, ele é o sujeito com o braço da guitarra virado para outro lado. O lado do avesso. O lado do mais além, de onde emanam sons que só os grandes instrumentistas sabem captar. Além disso, compositor. Além disso, cantor. E além, mas muito além mesmo, gente boa. Feliz aniversário, sinistro. Que suas primaveras passem com carinho.

Roberto Prado

O Walmor amigo-irmão é daquelas pessoas onde o talento e a criatividade se sobreassaem tanto, que acabam apagando todos os seus defeitos. Motivo de muita alegria foi para mim te-lo conhecido em 76, no Estadual, nos velhos tempos. Vc foi um dos que nunca pararam. É isso aí Walmor você veio ao mundo para fazer a vida das pessoas que o cercam ter muito mais sentido. Parabéns e um forte abraço pelo seu dia.

Bira

Walmor não posso agregar nada mais do que o Bira já falou, apenas que no ano de 76 foi um novo começo para mim, pois conheci varias pessoas que me ensinaram muito e uma delas foi você. Parabéns e que esse dia seja para você mais um princípio de grandes vitórias.

Edson Nunes Monteiro
Walmor, faz parte da trilha sonora da minha geração. Na maioria das vezes ele entra mudo e sai calado. É que, na verdade, sua fala é outra: as cordas que tocam o coração.
Zé Buffo.

domingo, novembro 13, 2005

Entrevista com Carlos Careqa


Aí está mais uma entrevista das boas. Falar do Carlos Careqa é muito fácil, é só dizer que ele é um dos maiores compositores da MPB de todos os tempos. Tem talento de sobra. É meu amigo querido e parceiro. Precisa dizer mais?


Careqa, onde vc nasceu, quando e por quê?

eu nasci no distrito de Guatá – SC, município de Lauro Muller, que está próximo a Criciúma e etc. Foi no dia 3 de agosto de 1961, com certeza uma madrugada fria, eram 03.00h da manhã, por isso sou apaixonado pela madrugada. Mesmo sem beber muito, me considero um boêmio, pois eu adoro noites ao léu. Acho que meus pais queriam ter um menino, pois já haviam tido 2 meninas. Fui criado com as mulheres, tenho 6 irmãs e 1 irmão. Esse último caçula. Talvez por isso goste tanto de mulher.

Curitiba faz parte da tua vida até que ponto?

Eu fui pra Curitiba quando tinha 4 ou 5 anos. Não me lembro. Meu pai queria conquistar uma cidade maior que a que morávamos (Guatá). Fomos primeiro para Rio do Sul (SC), ficamos lá 8 meses. E então, meu Pai, o seo Divo, resolveu arriscar tudo em Curitiba. Na época muitos catarinenses fizeram isso. Acho os catarinenses os nordestinos do Sul.
Então toda minha formação veio de Curitiba e seus costumes. Tudo que um piá curitibano recebeu na infância, eu também recebi. Vi a neve cair em 1975. Comemorei a copa de 70. Vi os punks nascerem e morrerem em Curitiba. Vi o Leminski no apogeu e na decadência (física). Vi o Poty com sua cara de cachorro Bulldog sempre nas vernissagens, que era um costume da gente nos anos 80, filar os coquetéis. Vi toda uma geração de poetas e músicos surgirem nos anos 80, muito efervencentes em CWB, mas ignorados pela mídia global brasileira.
Agora Curitiba é a cidade onde mora minha mãe, minhas irmãs e alguns parentes. Muitos amigos e muitas amigas.


Em que cidades já viveu e o que você tem a dizer de cada uma delas?

Curitiba – Frio, lábios rachados, povo mesquinho culturalmente, mulheres lindas, solidão na madrugada da rua xv de novembro, poesia excelente, falta de personalidade cultural e artística.

Nova York – Capital do mundo, liberdade, não americana, cheiro de loja de conveniência de aeroporto, multi cultural, respeito a todos, sujeira, limpeza, grana, pobreza, luxo, Puerto Rico.

Ponta Grossa - (onde estudei 2 anos) - Ventania, timidez, alegria, gaúchos, Vila Velha.

Berlim – Estética, moral, honestidade, inteligência, ignorância, sexo, casamento, lógica, idéias, pensamento.


Vc já está em São Paulo há um bom tempo, como a cidade o recebeu e como você se relaciona com ela?

Estou em SP desde o final de 1990. Quase 15 anos. Nunca quis vir para SP. Sempre odiei SP. Foi a última tentativa de sair de Cu... Ritiba.
Mas aqui fui bem recebido. Não me perguntaram se eu era de lá ou de cá. Simplesmente comecei mostrando meu trabalho. E tudo foi caminhando. Logo no primeiro show no PORQUA PAS? Lá no bairro Pompéia, a galera já respondeu muito bem. Sem timidez já cantaram os versos irônicos de Eu gosto de Cu...ritiba.
Eu amo essa cidade. Me relaciono muito bem. Não tenho medo de nada. Não reclamo do trânsito infernal. Gosto do cheiro podre da marginal. Tem tudo o que eu quero. Na hora que eu quero. Como dizem”: Aqui rola!!!

Mário Bortolotto, Edilson Del Grossi, Sérgio Viralobos, Tetê Espíndola, Arrigo Barnabé, todos atualmente moram aí, por que os artistas têm essa fixação por São Paulo?

Nos anos 90 eu fazia contas de quanta gente sai de Curitiba! Entre atores, jornalistas, músicos, poetas, diretores de teatro. Parei a conta nuns 90. Sim 90 artistas debandaram de Curitiba, pois não havia outra saída. Curitiba trata muito mal seus artistas. A caterva política é nojenta. Eles preferem contratar um grupo famoso do Rio ou de SP a dar trabalho para seus artistas curitibanos. Veja o caso do Arrigo, nunca foi pedido nada para ele, vindo da ORQUESTRA SINFÔNICA DO PARANÁ, nem do Ballet Guaíra, eles ignoram o fato de que o Arrigo é um compositor paranaense bem sucedido em SP.
O Mario Bortolotto nunca conseguiu divulgacão do seu trabalho em Curitiba e olha que ele tentou morar aí por um ano.
A fixação aqui da nossa parte é pelo trabalho. Pelo respeito. Pelo reconhecimento da mídia.
Pessoas como Roberto Requião, Jaime Lerner, Rafael Greca, Taniguchi, e tantos outros, ainda vão se arrepender de não ter tratado melhor seus artistas paranaenses.

O seu último CD, na minha opinião, está um primor. Como o público e a crítica estão recebendo o trabalho?

Você é um querido. Além de ser o melhor poeta vivo em atividade em Curitiba. O público recebe muito bem. Estivemos em 8 cidades pelo projeto Pixinguinha. Por onde passamos tivemos ótima receptividade, muitos cds vendidos. A crítica também só fala bem. Nunca falaram muito mal do meu trabalho. Quando muito fazem observações construtivas.


A grande presença e a participação festiva do público em seu último show em Curitiba foi a prova de que a cidade finalmente assumiu o artista Carlos Careqa?

Acho que tem uma nova geração interessada sim. Mas note, A FUCUCU, não me deu nada para realizar esse show!!! Somente o teatro Paiol que é do POVO.
Eu gosto de tocar no Paiol. Para mim um dos melhores teatros do Brasil, pela sua história e aconchego.

O que vc mais gosta de Curitiba?

Das garotas.


Quais seus músicos e compositores preferidos?

De curitiba eu adoro o pessoal ligado ao BEIJO AA FORCA, todos (Rodrigo, Ferreira, Walmor, Bira, Edilson Del Grossi, você ).
De SP gosto do Mario Manga, JM Wisnik, André Abujamra. Chico César, Zeca Baleiro, Jards Macalé!
Do mundo Tom Waits, David Byrne, Messiaen, Bach, Mozart, Cage, Debussy, Pixinguinha, Villa Lobos, Arrigo Barnabé. E o letrista mais talentoso de todos: Adriano Sátiro! E o poeta mais criativo e amoroso de todos: Thadeu Wojciechowski.

Como você avalia a música de Curitiba hoje?

Não tenho muito conhecimento do que está acontecendo agora, sei que tem muito mais gente do que tinha quando saí. Depois da LADY INCENTIVO (hehehehe) muita coisa ruim surgiu, mas também muita coisa boa. Mas ouso dizer que os melhores ainda são esses que já citei. Esse movimento do qual vc também participa.

Como a mídia te trata?

Em Curitiba, me trata bem.
Em SP muito ainda a conquistar. Mas quando ofereço algo interessante eles respondem bem. Quando fiz o show de cover do TOM WAITS, recebi um destaque especial no guia da folha, essa é a diferença, eles estão de olho (nem sempre).

O que vc tem lido e gostado?

Tento ler a ARTE DA GUERRA, vou ler uns poemas da HILDA HILST no SESC Carmo no dia 9 de agosto. Tento ler a bíblia. Tento ler coisas na internet, poemas e blogs. Leio pouco.

O que vc mais ama?

Viver, minha família, o sexo.

O que vc mais detesta?

Desonestidade, mentira, acordar cedo sem ter nada o que fazer.


Suicídio

“Quem lhe dera o estilo do suicida no último bilhete” (Dalton Trevisan)
Morrer pode levar uma eternidade ou um piscar de olhos, daqueles que as pálpebras abaixam e não se levantam nunca mais. Mas o que leva um ser humano a tirar a própria vida? Por que alguns olham para dentro de si e só vêem sombras e assombrações, como se o corpo fosse um castelo povoado de fantasmas, gritos, correntes arrastando, paixões não resolvidas, intrigas, ódios, mágoas, sofrimentos sem fim? Dizem as línguas que todo suicida estrebucha por amor à vida e que por não poder vê-la ameaçada prefere morrer do que ver o seu sonho destruído. Romantismo, egolatria, covardia, masoquismo, sadismo, radicalismo, heroísmo? Na verdade, tudo isso e mais um pouco. Mas, leitor (a), como bem escreveu Maiakóvski, comentando o último poema de Iessênin (publicado abaixo): “nesta vida morrer não é difícil / o difícil é a vida e seu ofício”.

Suicídio qualificado

Sete palmos abaixo da baixaria,
a terra levemente me fechando,
o escuro iluminando minha última morada.
Vejo-me a ver-me como verme num corpo se decompondo,
este‚ o mais recorrente dos meus sonhos.
Na real, me angustia a demora do meu funeral.
A vida me tem sido um peso morto nos ombros,
não consigo passar no exame de um instituto médico legal.

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos.

Levando fumo

quando eu morrer não quero choro nem oração
quero pacotes de holliwood
pra levar muito fumo no caixão

serrei até estourar a caixa torácica
o escarro e o pigarro eram a tática
pro meu pulmão não se esparramar pelo chão

cigarro de xepas do cinzeiro alheio eu fi-lo
traguei paióva, bituca e matarrato a quilo
eqüivalho a um quarteirão de nicotina e alcatrão

já enrolei tabaco pra mais de metro
se enfisema fizesse rei, eu tinha coroa e cetro
recordista filão, quebro a marca do milhão

há tosse e sinais defumantes em meu corpinho
alvéolos, brônquios, pleuras, não passam de toucinho
resoluto, baforo no caixão, meu último charuto

Antonio Thadeu Wojciechowski, Rodrigo Barros Homem Del Rei, Walmor Góes e Roberto Prado

Trecho da Divina Comédia, de Dante Alighieri

Chegamos a um bosque sem sinal de gente.
No entanto, ruídos humanos eram claros,
creio que Dante cria-me descrente.

“Arranque de uma árvore um de seus galhos!”
Isso fiz e manchei de sangue os dedos.
Eram suicidas que Deus, por bem, fez transformá-los,

pelo imperdoável auto-crime, em arvoredos.
Pena que, comparada às outras, pareceu-me branda.
“Não se iluda, entre os vivos jamais iremos vê-los.

No Juízo Final, todos terão a ficha branca,
exceto os justiceiros dos próprios corpos,
estes não reencarnarão no dia da balança.”

Livre adaptação de Antonio Thadeu Wojciechowski, Marcos Prado e Sérgio Viralobos.

Últimas palavras de Iessiênin, que suicidou-se no Hotel Inglaterra em Leningrado, no dia 28 de dezembro de 1925.

Até logo, até logo, companheiro,
Guardo-te no meu peito e te asseguro:
O nosso afastamento passageiro
É sinal de um encontro no futuro.

Adeus, amigo, sem mãos nem palavras.
Não faças um sobrolho pensativo.
Se morrer, nesta vida, não é novo,
Tampouco há novidade em estar vivo.

Sierguéi Iessiênin (Tradução de Augusto de Campos )

136, do livro Ah, é?

Qual o motivo, me diga, para matá-lo? Me presenteou uma camisola nova e uma samambaia. Ele me dava tudo, era cigarro, era calcinha de renda. Depois fez o que mais gostava: as unhas do meu pé. Foi a noite da despedida.
Um amorzinho bem gostoso. O despertador marcando as cinco. O revólver ali em cima da mesinha. Dormi e sonhei com um rio de água negra me levando.
Ele acende a luz, antes do relógio tocar. Pergunta se o trato ainda vale. Respondo que sim. Se um não pode ser do outro, o jeito é pôr um fim em tudo.
Aponta no ouvido esquerdo, sorri pra mim, aperta o gatilho. É a minha vez. O relógio dispara, um sinal de Deus. Vejo aquela sangueira, penso nos dois filhinhos, a vida é boa.

Dalton Trevisan

ainda não era hora

é preciso que se morra
mas que se morra aos poucos
devagar
dentro do horário
com cautela
sem onerar o erário
é preciso morrer
na disciplina protocolar
parar de respirar
sem nenhum comentário
morrer
é muito particular

Luís Antônio Solda

cansei de morrer

cansei de querer morrer
perdi a conta de quantos dias matei
não quero ser meu assassino
esse que agora assassinei

morto quem me matava, posso
agora ver como é bom matar alguém
que não me amava como eu gosto
dessa alegria de viver que vem

Marcos Prado(1962/1996)

Hoje não

Aos heróis do Telepaz

olhe, por exemplo, aquela flor
cor não existe
triste é a forma das ilusões
sólidos? líquidos? gasosos?
são tudo um estado de não
não há acima
e nenhum som
afasta o meio
do seu fim

as dimensões são uma
uma só senhora dor
um só solitário criador
não há ontem
e por falar de amor
e voltando àquela flor
hoje, não, hoje não
volte amanhã, por favor

Roberto Prado

Trecho do romance Sol e Aço, cujo autor cometeu o sepuko, o suicídio ritual da classe dos samurais japoneses (mais conhecido como haraquiri).

Nunca experimentei na ação física nada que se assemelhasse à satisfação arrepiante e aterradora proporcionada pela aventura intelectual. Nem senti nunca na aventura intelectual o calor impessoal, a cálida escuridão da ação física.
Em algum lugar, eles deve se encontrar. Onde, porém?
Em algum lugar, deve existir um território de encontro afim àquele reino supremo onde movimento torna-se repouso e repouso, movimento.
Suponha que eu agite meus braços. Ao fazê-lo, perco parte do sangue intelectual. Suponha que eu me permita, mesmo que por instante, a pensar antes de dar um golpe. Nesse momento, meu movimento está condenado ao fracasso.
Em algum lugar deve haver um princípio maior onde os dois se encontrem e façam as pazes.
Esse princípio maior, eu pensei, era a morte.

( Yukio Mishima, em tradução de Paulo Leminski )


Desse amor se vive, desse amor se morre.

Ela segura a faca, trêmula. Olha-se no espelho, vê-se descabelada, triste, fraca, exaurida. Não vê a hora de acabar com tudo. Tenta mais uma vez o telefone, nada. Tenta o telefone do Zito, ele não está em casa, deixa recado na secretária, quase um pedido de socorro. Liga para Tânia, sua melhor amiga, e um de seus filhos diz que ela está no banho. Desespera-se, vai até o banheiro e engole todos os comprimidos de diazepan que o médico lhe indicara para insônia. Não demora muito, tonteia, cambaleia, cai, levanta, vai até a mesa, enche um copo com whisky e vira. Toma outro, mais rápido ainda. Olha para o retrato sob o balcão da sala e se lança em fúria contra ele. Joga-o ao chão, estilhaçando o vidro que protegia a foto. Com ela na mão, acalma-se por uma fração de segundo. Olha-a como se visse o fantasma de uma felicidade perdida.
Se enfurece. Esfaqueia dezenas de vezes o noivo que sorri abraçado a ela.
Enlouquecida, quebra tudo que encontra pela frente, até ser detida pela completa exaustão. Cai sobre o sofá, o olhar parado, segura firmemente a faca. Nem sente quando ela rasga a carne de seus pulsos. Mas ao sentir o sangue quente escorrendo sobre seu corpo, desmaia.
Volta a si muito depois. O sofá e o chão, vermelhos, tenta levantar, mas cai. As luzes acendem, apagam, giram, tremulam. Ela rasteja, quer gritar, quer pedir socorro, quer alguém, mas só o silêncio sai de sua boca imóvel.
Tudo escurece, tudo vai, tudo volta. Ainda pensa nele mais uma vez. Tenta, num último esforço, abrir os olhos, mas é como se eles já não lhe pertencessem.

Capítulo do livro Assim até eu de Antonio Thadeu Wojciechowski

terça-feira, novembro 08, 2005

Aí está mais uma das belas páginas que eu e o Roberto Prado
escrevemos para a Gazeta do Povo no tempo que se amarrava carne
com lingüicinha temperada do Bizinelli. A direção de arte era do Bira,
mas aqui no blog estamos impossibilitados de tê-lo ao nosso lado.
Espero que vcs se divirtam e indiquem a leitura para seus melhores amigos.
Abraços do Polaco da Barreirinha.

Natureza
Procura-se viva ou morta.


Milagre da natureza é sermos tratados assim, vivermos desse jeito
e ainda estarmos aqui, eretos e elegantes, quais araucárias descabeladas ao vento. Como é que um neo-liberal selvagem globalizado qualquer ainda não teve a idéia de nos derrubar para construir um shopping center em cima? Vade retro! E para espantar os demônios da ignorância, nada melhor que invocar a palavra de um santo, S. Antônio de Pádua, em texto escrito no século XIII e trazido à luz por Ione Prado, na sua peça Mãe Terra:“Que os egoístas se tornem humildes e operosos como aquele campo de trigo. Que a consciência dos avarentos possa se abrir como as flores do campo e refletir o céu com limpidez e pureza. Que o homem, por mais que se desvie do seu caminho, jamais possa destruir a natureza, que é de todos. Pai, eu acredito firmemente que a verdade, quando praticada em sua essência, pode libertar a todos, libertar das cadeias das próprias imperfeições. Desejo ardentemente que toda Tua obra seja respeitada. Desde a mais humilde erva do campo até os homens, as mulheres, as crianças! Até o último instante que me reste, eu lutarei por isto!”
Só por um capricho da natureza e de caras como o que escreveu essas benditas palavras há 700 anos (no tempo em que a terra ainda era quadrada) é que chegamos até aqui. No pau da goiabeira. Daqui pra frente o buraco é mais embaixo, que tal irmos à luta?

dez mandamentos

delire na criança
não bula na flor
pense estrelas
não rele no bicho
gire o sol
não zombe do bem
sofra uma lua
não duvide do amor
acredite nos amigos
e não saia da sua

Roberto Prado

os dois lados do mesmo buraco

1. Buraco quente, Brasil

Falta apenas um ano e meio pro ano do dragão
Como diz o chinês
Não vai ser mole
Não vai ser mole não
Muito mais automóveis
Muito mais poluição
Diga adeus à sua praia
Nunca mais sob o sol de calção
Câncer de pele vai matar até o negão
Nunca mais teu bronze na minha mão

2. Buraco frio, Inglaterra

Mais buracos na camada de ozônio, por favor
O inferno é um lugar frio
Paraíso é onde rola calor
Deixe que a antártida derreta
Que toda a população da Terra seja preta
Neve é pra masoquista
Finlandês metido a macho
Gelo só é bom goela abaixo

José Alberto Trindade

terrapia

Lá se vai o velho julho
chega um novo agosto:
o verde virando palha
enquanto crescem os brotos

E o céu fica assim cinza
devido à queima dos sonhos
e a fumaça dos neurônios
de tanta gente ranzinza

Domingos Pellegrini Jr.
terra nostra

Fora essa estrelinha apagada,
Acho que não temos mais nada
E ela está toda suja e devastada
Ela é nossa casa, nossa única casa
E olhe só o estado da coitada.

Bertold Brecht (Alemanha, 1898-1956, tradução de Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado)

a 365 rotações por ano

A Terra faz mais uma revolução
E eu me viro
Sem entrar nos eixos.

Alberto Centurião

perfume

Ao olfato cabe o específico
detectar do aroma exato.
Na memória, um objeto explícito
ganha cor, gosto, som e tato.

Se na mente o odor não está contido
é natural que gere uma química fascinante
e o organismo vibre em busca do sentido
que, fluido, foge à razão volatizante.

Mais do que esse poema, o perfumista diz:
“Do profundo abismo ao inacessível penhasco,
colhi o que está bem debaixo do seu nariz:
a natureza, corpo e alma, neste frasco.”

Antonio Thadeu Wojciechowski e Marcos Prado

mundo em mudança

perder tempo
com
rosas
óperas
relógios

muda
a rosa
mudo
o relógio
mudam
as óperas
e eu aqui
surdo
mudo
perdendo tempo
com o mundo

Luís Antônio Solda


duas naturezas inéditas

1.
O velhote, bem tristonho:
- Ainda fica duro, o carinha.
Só que não trava.

2.
O tiquinho de gente se inicia
nas artes do lápis de cor.
- Esse desenho tão bonito, minha filha, o que é?
- Ai, mãezinha. Você não vê?
Uma floração psicodélica de riscos e rabiscos.
- É o barulho do sol acordando.

Dalton Trevisan

a árvore da serra

- As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!

- Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros...no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minha alma!...

- Disse - e ajoelhou-se, numa rogativa:
“Não mate a árvore, pai, para que eu viva!”
E quando a árvore, olhando a pátria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!

Augusto dos Anjos (1884-1914)

na casa errada

O mundo é a casa errada do homem. Um simples resfriado que a gente tem,
um golpe de ar, provam que o mundo é um péssimo anfitrião. O mundo não quer nada com o homem, daí as chuvas, o calor, as enchentes e toda sorte de problemas que o homem encontra para a sua acomodação, que, aliás, nunca se verificou. O homem deveria ter nascido no Paraíso.

Nelson Rodrigues (1912-1980)

a natureza da neura

grande dia, nuvens, vai chover, ainda bem.
moro no caminho dos bombeiros e das ambulâncias.
aqui nunca há silêncio.
os lixeiros fazem toda a operação de estraçalhamento do lixo
em frente ao prédio.

Marcos Prado (1961-1996)

DNA NDA

células vivas
uma
duas
bilhões de belas libélulas

visões do fundo
do poço:
medula
carne e osso

Antonio Thadeu Wojciechowski

o paraíso perdido

meu avô macaco
aquele que darwin buscou
me olha do galho:
busca a força dos caninos
o vigor dos pulsos
o arfar do peito
o menear da cabeça
o trabalho

tudo se foi

nada mais resta
do fulgor primata
da força de boi

saber
saber mata

Paulo Leminski
(1944-1989)



a natureza do eterno

que flor é esta?
finge que morre
e quando menos se espera
é flor indo, flor vindo, floresta em festa

que flor é esta
que sempre resta?

Alice Ruiz

as árvores

As árvores são fáceis de achar. Ficam plantadas no chão. Mamam do sol pelas
folhas e pela terra bebem água. Cantam no vento e recebem a chuva de galhos abertos. Há as que dão frutas e as que dão frutos. As de copa larga e as que habitam esquilos. As que chovem depois da chuva, as cabeludas. As mais jovens; mudas. As árvores ficam paradas. Uma a uma enfileiradas na alameda.
Crescem para cima, como as pessoas. Mas nunca se deitam. O céu aceitam.
Crescem como as pessoas, mas não são soltas nos passos. São maiores mas
ocupam menos espaço.

Arnaldo Antunes


a vida é terra

como é bom estar vivo
e participar dessa maravilhosa aventura
que é estar sobre o planeta terra
dois terços de água e ainda sobra espaço
pra tanta gente tão bela
oxigênio pra abrir os pulmões das algas dos sete mares da terra
a terra manda no céu e o céu é da cor azul do planeta terra
às vezes fico basbaque com o show de vulcões
expelindo magma pra fora dela
os espíritos adoram rodar a bolsinha em nossa esfera
ainda por cima a aurora boreal
que desgraçadamente não posso ver desse ponto da terra
e nela vamos girando e torcendo pra nos seja leve, ela, que nos leva
sagrado torrão do espaço, todos,
desde os que em ti estão enterrados,
te desejam eterna,
Terra.

Antonio Thadeu Wojciechowski, Sérgio Viralobos e Walmor Goes

quinta-feira, novembro 03, 2005


Bebidas Espirituosas


“O fígado faz muito mal à bebida”.
Barão de Itararé

“Mãos ao álcool!”
Título de show do grupo musical curitibano Velhinhos Pauleira.

Você parece que bebe. Toma umas. Bebe bem. Enche o caco. Bebida se encontra em qualquer esquina. Vende-se livremente, o uso é incentivado em filmes, peças, anúncios, jingles, vts, out-doors, revistas, livros. O esporte dos aperitiveiros é o basquete: vivem de olho no garrafão. Bebe-se para comemorar, esquecer, conversar, namorar, fumar, bebe-se para beber. John Lennon, “filho de uma garrafa”, abandonou a loucura, para que seu filho não virasse “neto de um garrafa”. As valetas, as clínicas, os prontos-socorros e os familiares é que conhecem bem o outro lado da meia-noite dos simpáticos pinguços. Aliás, nem todo pau d’água passa pela fase do macaco (palhaçada) e do gato (sair miando), indo direto à do porco: depois de alguns cachações rapidamente começam a fuçar os lodos do passado, agressivos, ressentidos e magoados. Tem uns pudins de cachaça que bebem pra encher a paciência dos demais e de pancada a mulher e os filhos. O que tem de cozido no hospício é coisa de louco. Famílias inteiras já foram dizimadas pelos brindes a mais da turma do funil. O vinho do padre não chega aos pés daquele que Jesus fez da água. Mas o processo de fabricação nem sempre é divino. Até soda cáustica colocam na “marvada”. Nos EUA o poder é alternado entre Republicanos e Democratas, aqui, entre fábricas de cerveja. Antes de virar moda o populacho encher o caveirão, a bebida tinha lá seu sentido social, religioso, místico e folclórico, interagindo com outros elementos culturais. Hoje, salve-se quem puder, bebida é droga pesada, com aval dos governos, exceção aos muçulmanos, que fazem o que fazem de cara limpa. Na publicação Mosaico das Drogas, da UNESCO, o álcool é considerada a mais nociva de todas e a que mais mortes causa. Esqueceram de citar drogas perigosas, como: comissão técnica da seleção, a maioria dos programas da televisão, o padrão cafajeste dos locutores de FM, a alegria postiça dos falsos pagodeiros, os bahianos made in Taiwan, os críticos que cromam as orelhas, penduram melancias e põem espanador para aparecer mais que pavão. Ébrio japonês bebe num copinho tão pequetito que dá uma agonia só de ver - o país tem o menor índice per capita de consumo de destilados. No Brasil, país governado por garçons, um presidente renunciou quando estava torrado, assinou com uma mão trêmula enquanto a outra, trôpega, esbarrava no copo. Anos depois indagaram: “É verdade que o senhor bebe?” A resposta em português quase castiço, foi: “Bebo porque líquido é, se sólido fosse, come-lo-ía.” Depois dessa, só tomando um pifão, para não ter ataque piléquico.


abstinência de síndrome

não é verdade
que a bebida engorda
veja por mim
seco por um drink

vodka martinis
minha barrica
está no guiness

sócio tremido
do glub engov

soda wyskies
você é virgo
eu sou piscies

a cada pingo de pinga
a lata comigo

fogo paulista
o AAA
nunca me disca

thadeu, bira, rodrigo, ferreira e trindade


Subversões do Solda

. Atrás de todo grande homem tem sempre uma grande garrafa.

. O pior inimigo de um homem é um copo vazio.

. O homem que bebe é um homem feliz.

. Beber, depois morrer.

. O homem que não tem caráter não bebe.

. Quem não bebe não treme.

. Deixar de beber não é nada, o duro é evitar a primeira dose.



Dois brindes de Baudelaire

1.

Alma do vinho

O espírito de Baco, exalando pelo gargalo,
bafejou: “bebum, a sua saúde é minha alegria.
Tirou a tampa, agora engula até o regalo,
mesmo de língua enrolada serei tua melodia.

Não é mole agüentar no lombo o sol rachando,
montanha de suor e mal trato tamanho
para me parir, beber e sair tropeçando,
esquecido que subo mais se sou de antanho.

Ao descer, pelo estalo da língua, faço eco
na goela de quem se gasta para gastar comigo.
Não me apego à adega de qualquer boteco,
prefiro cair de boca na valeta de um amigo.

Não dás ouvido nem vês o coro embargado
na esperança de que o peito um dia faça bico?
No duro e frio balcão, ó dor atroz do baqueado!,
se for só pra felicidade diga ao povo que fico.

Acordo já já o teu olhar de raposa mal dormida,
com tal força e cor te transfiguro, bebum,
que nunca mais desgrudarás da minha vida,
seremos pra sempre, eu e teu sangue, apenas um.

Desmaio contigo, guerreiro de copo ao vento!
Estou até os grãos, bagos estourando, Deus acuda!
A rima que aflora no guardanapo sujo e sebento
seja eternamente divina e tua razão sacuda!”

(Tradução de Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado)


2.

O vinho dos amantes

indo belo lindo um dia todo sim
é proibido proibir que tenha fim
bebo o vinho mel, divino néctar,
o céu ainda por cima parece concordar

um par de arcanjos, que figuras!
ambos puros artífices das alturas
eu e a taça, vinhetas da paisagem
o vinho volta à uva, eu, à miragem

no embalo dos tragos a terra gira
mecanismos de um turbilhão inteligente
que tudo ouve vê e só delira

o paraíso já era aqui e paralelamente
em outro entramos agora como um só
ic! epa! ops! rum...rum... ã? ó!

(Tradução de Marcos Prado, Roberto Prado e Antonio Thadeu Wojciechowski)

Charles Baudelaire (Poeta francês, 1821/1867)

amor ao bar

uma pessoa, agora sua íntima
foi parar um dia no hospício
não por uma obsessão legítima
nem por doença ou vício
ele foi por estar claro
que o álcool fazia-lhe mal
e porque o bar o
lembrava um hospital
essa pessoa, que sou eu
percebeu de si a manobra
o que de mim o álcool bebeu
dele ele fez sua obra

Marcos Prado

carniça é caviar

ao lado dos sonhos
sempre haverá suspiros
amigos bebem todos os dias aos litros
e no fim da noite trocam tiros
não sem antes distribuir brutos sopapos

o álcool transforma príncipes em sapos
e mariposas em vampiros
a ressaca transforma todo mundo em escombros
os pesadelos curtos em longos
para uma longa noite, uma manhã em frangalhos
caminhos de bêbado são atalhos
ziguezagues, tropeços e tombos

Marcos Prado e Édson de Vulcanis

koan do café

com muita fé e pouco pó
fiz café ralo pra todo mundo
ninguém está só

imbecil café ralo não é café/ não há mérito em dividir o que não é/ dar o nada nunca foi prova de fé/ não existe todo mundo/ e a questão de se estar só/ não tem relação com o pó/ ao qual você retornará/ agora vá fazer um chá/ pra aprender a dita cuja lição de não transformar/ sonhos e desejos em água suja de ninguém beber/ e pelo amor de deus não desperdice mais/ a boa sorte de poder dar a todos nós o grande prazer/ de vê-lo desafiando a morte/ ao preparar e beber/ totalmente só/ uma boa xícara de café bem forte

esse pó é meu
o que dele coa
todo mundo já bebeu

Roberto Prado

O velho e o bar

o velhinho é a alma do negócio
deixa a nota amassada
e sai catando cavaco
pensou que via o carlos drummond de andrade
mas era uma valeta no meio do caminho

o pau d’água mergulhou na areia movediça
transformando-se no monstro do pântano

Marcos Prado e Márcio Cobaia Goedert

amanhã tem mais ?

um porre nunca tem garrafa demais
vasilhame vazio não mente jamais
a primeira garrafa liquidei rápido
a segunda empurrei goela abaixo

a terceira não teve conversa
esvaziei como quem tergiversa
da quarta fui com sede à quinta
a sexta não deixa que eu minta

como sete é sempre conta falsa
cantei a nona uma oitava acima
e ao tirar a mesa para uma valsa

lembrei da decisão que tinha tomado
levantei, pendurei e sem perder a linha
saí firmemente do bar carregado

Antonio Thadeu Wojciechowski

Três remedinhos de Dalton Trevisan

Dose 1 (Do livro Dinorá)

Soube do João? Tadinho, os dias contados.
Poxa, o que foi?
Não bebia mais que eu ou você. Agora preso em casa. Sem poder andar.
...
Os pés numa bacia, escorrendo água das pernas. Já vazou cinco litros de cada uma.

Dose 2 (Do livro 234)

A solteirona virgem, depois de umas doses de uísque, ao antigo namorado:
- Por favor, me salva. Livra o meu corpo desse maldito limbo. Dessa terra de ninguém!

Dose 3 (Do livro 234)

- Bêbado, ele me bate sem dó. Fica doidão, quer fazer de tudo. Se resisto, apanho mais ainda. Ai, meu Jesuzinho. Então abro as pernas. Uma vela oferecida para as almas do purgatório.


Duas taças de Li Po

1

Reunião de amigos

Para lavar velhas mágoas
é preciso beber mil frascos.
As belas noites são feitas para as palavras puras.
A lua branca deve impedir o sono.
Ébrios nos deitaremos na montanha deserta.
Céu e terra nos servirão de colcha e travesseiro.

2.

Bebo sozinho ao luar

Entre as flores há um jarro de vinho.
Sou o único a beber: não tenho aqui nenhum amigo.
Levanto a minha taça, oferecendo-a à lua:
Com ela e minha sombra, já somos três pessoas.
Mas a lua não bebe e a minha sombra imita o que faço.

A sombra e a lua, companheiras casuais,
divertem-se comigo, na primavera.
Quando canto, a lua vacila.
Quando danço, a minha sombra se agita ao redor.
Antes de embriagados, todos se divertem juntos.
Depois, cada um vai para sua casa.
Mas eu fico ligado a esses companheiros insensíveis:
Nossos encontros são na Via Láctea.

Li Po (Poeta chinês, 701-762, tradução de Cecília Meireles)

Tomar a adega!

nunca mais vou sair desse bar
vou beber até me afogar
não quero nenhum salva-vida
seo garçom, traga mais bebida

Antonio Thadeu Wojciechowski e Walmor Góes

Entrevista Sérgio Viralobos

Lançamento do livro Os Catalépticos, na Biblioteca Pública do Paraná. Da esquerda para a direita, Roberto Prado, Marcos Prado, Sérgio Viralobos, Antonio Thadeu Wojciechowski.

Aí está mais uma entrevista recuperada entre as que foram deletadas por vândalos. Sérgio é meu parceiro de longa data. Com ele fiz algumas dezenas de canções, poemas e traduções. Lançamos o livro Um Fausto e os Catalépticos. E temos pra lançar ainda o Um Fausto Dois, Piada Louca (+ Marcos Prado), Presença de Espíritos (+ Marcos e Roberto Prado) e Não Temos Nada A Perder. Leiam, divirtam-se e indiquem para seus melhores amigos.


Sérgio, conte para nós onde, como, quando e por que você nasceu ?

Nasci em Curitiba, em 11 fevereiro de 1961 (meu filho nasceu no mesmo dia que eu, não no mesmo ano, é claro). Por que nasci ? Juro, é sério, não sei, se for pessimista direi: um zero à esquerda do cem, se fosse otimista diria: um aquário onde nada-se bem.

O que mais te marcou na infância ?

Meu pai é militar, aposentou-se como general, e essa circunstância me levou a diversas mudanças pelo Brasil afora. Até os 14 anos já tinha morado em Curitiba, Itu (SP), Rio de Janeiro, Recife e Brasília. Isso me deu uma visão menos provinciana da vida, o que muito me valeu quando voltei para Curitiba, aos 17 anos.

Como você definiria a passagem de sua infância para a juventude ?

Aos 15 anos de idade, eu estudava no Colégio Objetivo, em Brasília. O professor de Literatura faltou e foi substituído por um outro cara genial, que nos apresentou um poema concretista de Augusto dos Campos: “Cidade City Cité”. Depois de espantar-nos dizendo que aquilo era uma poesia, o professor substituto induziu-nos a decifrar o significado daquela palavra gigantesca. A partir desse dia, resolvi, no inconsciente, que queria ser poeta.

Como foi o início da Contrabanda e como você avalia aquele período ?

A Contrabanda surgiu em 1982 e seus integrantes eram Ferreira, o principal compositor, Rodrigo, o vocalista carismático, Walmor e Foguinho, os músicos de verdade, Renato Incesto, nosso Sid Vicious particular, Fernando Tupan, o irmão mais esperto de Malcom McLaren e esse que vos fala. Nossa primeira apresentação foi no Festival de Música da Escola Técnica: acontece que o Tupan participava do diretório da dita escola e através de palpites sutis, conseguiu que escalassem para o júri do Festival o Thadeu, escritor deste blog, e o artista plástico Rettamozo, comparsas nossos de longa data. Através deste engenhosos artifício ganhamos – justamente, diga-se de passagem – todos os prêmios disponíveis do Festival. Prêmios esses que consumimos, na mesma noite, numa grande festa comandada por nossos amigos jurados. Depois desse começo auspicioso, precisávamos de um lance ainda mais espetacular, para firmar definitivamente nossa marca no mercado. Naquele ano, a new wave tinha acabado de ir para o saco, e a nova moda londrina era o new romantic. Sem pestanejar, obedecemos às ordens da matriz e montamos um show no mini-auditório do Teatro Guairá, chamado “Por Um Novo Incêndio Romântico”, dirigido pelo cineasta Fernando Severo. Para nossa surpresa, tivemos lotação esgotada em todas as noites e, a partir daí, foi uma série de apresentações no Paraná, Santa Catarina e Rio de Janeiro. O show que fizemos no Circo Voador foi, possivelmente, a melhor apresentação da Contrabanda e a repercussão foi tão boa que quase ficamos por lá mesmo. No entanto, voltamos e resolvemos montar um grande show no grande auditório do Teatro Guairá. Até hoje, faço o possível para esquecer daquela noite horrível, regada a barbitúricos e conhaque. No dia seguinte, reunimos o grupo e propusemos a dissolução. Essa sábia decisão nos jogou numa depressão de 6 meses que culminou no desembarque do movimento punk em Curitiba.


Você leu a entrevista do Rodrigão aqui no blog, concorda com ele quando diz que foi bom ter acabado a Contrabanda ?

Concordo, a Contrabanda foi uma experiência tão bem sucedida que não resistiu a seu primeiro fracasso. Se os seus antigos integrantes tivessem coragem de fazer um único show de revival, todos poderiam ver que a Contrabanda, com toda sua inconseqüência juvenil, hoje é melhor do que o Beijo AA Força e o Maxixe Machine juntos. Talvez seja por isso que nunca conseguimos nos reunir novamente. Se eles quiserem, estou à disposição, é só marcar a data e o local do duelo.

Quando a Contrabanda acabou, por que você não foi nem para o Beijo AA Força e nem para o Maxixe Machine ?

A campanha de desinformação histórica do Beijo AA Força foi tão bem feita, que nem você, que é um dos meus melhores amigos, lembra que fui eu que criei o BAAF, junto com Renato Incesto e Rodrigão (inclusive o nome do grupo é meu). Durante o ano de 1984, participei de vários shows, como o do Operário, que inaugurou oficialmente o punk rock em Curitiba. Quando vi que o BAAF estava indo pelo mesmo caminho da Contrabanda, ou seja, o afundamento progressivo em solo curitibano, resolvi parar de perder tempo e mudei radicalmente de vida: casei com Ana Viralobos e me mudei para Manaus. Quanto ao Maxixe, apareceu anos depois, acho que estava morando em Cascavel, e já tinha me desinteressado completamente dessas atividades artísticas. Ressalte-se que, desde então, continuo a escrever letras de música para o BAAF, mais, e Maxixe, menos.

Você foi um punk ? Ou apenas um simpatizante ?

Fui punk até a gelatina da medula e estou certo que continuo sendo. Sábado último estava assistindo, aqui em São Paulo, ao MC5, banda proto-punk de Detroit, com o mesmo fervor de sempre e sempre.


O Marcos Prado e você fizeram muitas pérolas que até hoje são cantadas em prosa e verso. Como vocês se encontraram ? O que significou para você ?

Meu encontro com Marcos e com você foi uma das coisas que mais me marcaram na vida. Eu e o Renato Incesto estávamos indo pela primeira vez para a Ilha do Mel, lá pelos idos de 1980, e chegamos à noite em Pontal do Sul. Como só podíamos atravessar para a Ilha durante o dia, acampamos na praia e ficamos tocando violão à luz de uma fogueira. Eis que surgem dois personagens na escuridão, que ficaram falando um monte de barbaridades, alugações, poemas e canções. Do mesmo jeito que vieram, foram, e só fomos conhece-los, às claras, alguns dias depois na Praia das Encantadas. Marcos chegou para mim e disse: “Prazer, Marcos Prado, sou poeta”. A partir daí foram muitos e muitos anos de risadas, sacanagens e até mesmo poesias.


Você é mais um de Curitiba que está em São Paulo. Como vive um coração curitibano em SP?

Muito bem, graças a Deus. Desde meus 18 anos, sempre dava um jeito de passar uns dias em São Paulo, de 6 em 6 meses. Virou, mudou, mexeu, e já estou morando aqui desde 1998. Minha mulher e meus filhos não queriam vir pra cá nem a pau: imagine, mudar de Curitiba para São Paulo, só você mesmo. Pergunte se eles querem sair daqui hoje. Curitibanos talentosos, não tenham medo, tenham culhões, vocês vão sofrer pra caralho no início, mas a BR116 é o único caminho.

Você se relaciona com algum artista paranaense que está morando em Sampa ?

Deus me livre. O único que vejo, de quando em muito, é o Edílson Del Grossi, que mora em cima de um bar, cercado de traficantes.

Você, com alguns parceiros, tem vários livros prontos, quais são os projetos e para quando estão previstos novos lançamentos ?

Tenho livro pronto pra mais de metro. Se conseguisse lançar um por ano, não precisaria escrever mais nada até a década de 10. Parece que o próximo lançamento vai ser o “Nada Temos a Perder”, em parceria com esse repórter impertinente, no mês de agosto de deus.

Você prefere escrever letras ou poemas ? Por quê ?

Para mim dá tudo no mesmo. Praticamente todos os meus sucessos foram poemas musicados posteriormente, ou seja, letras em potencial.

De fora fica mais fácil enxergar claramente. Como você analisa o ambiente cultural em Curitiba ?

O ambiente cultural em Curitiba é claramente diferenciado, conseqüência do caldo cultural da cidade. Aonde, no Brasil, você ouve um pinguço de bar de bairro recitar um poema de Shakespeare ?

O que falta para os nossos artistas serem reconhecidos nacionalmente ? Ou isso é conversa provinciana ?

O que sobra, visivelmente, nos artistas curitibanos, é o talento, cultura, erudição. Falta sentido de localização: não pense que um produtor cultural de São Paulo vai ficar atrás de talentos curitibanos; ele tem uma oferta muito grande de mão-de-obra de todo o país e de outros lugares do mundo. O grande exemplo a ser seguido é o da Sutil Companhia de Teatro, que tem um pé de criação em Curitiba e outro pé de exibição em São Paulo e Rio, e agora, Europa. Fora disso, esqueça: se falta coragem pra enfrentar a megalópole, não fiquem bancando os injustiçados pela indústria cultural.

Você pensa em voltar definitavamente para Curitiba?

Penso, penso, depois dispenso.

Você é um dos maiores devoradores de livro que eu conheço. Quem você mais curte ?

Leio muito, desde criança, mas o texto que mudou meus padrões de leitura, em plena adolescência, foi o conto “Cemitério dos Elefantes”, de Dalton Trevisan. Eu morava em Brasília, à época, e comecei a entender Curitiba, que eu tinha deixado há 10 anos antes, através de tudo que pude conhecer do Vampiro. Quanto aos poetas: Gregório de Matos, Augusto dos Anjos, Oswald de Andrade, Leminski e Augusto de Campos.

E na música ?

Eis o roteiro histórico dos músicos que me emocionaram desde os 15 anos de idade: Nat King Kole, Beatles, Caetano Veloso, Led Zeppelin, Sex Pistols, Clash, Racionais MC e acho que já está bom.

O que está acontecendo no mundo e como você vê o futuro das artes ?

Recentemente descobri que nasci quase na mesma data do Marcos Valério. Por uma questão de poucos dias eu poderia estar hoje na maior encrenca da minha vida. Quanto ao futuro das artes, acho que está decaindo bastante o nível das perguntas desta nossa entrevista.

O que mais te marcou na vida ?

A facada que meu amigo Black levou, ao meu lado, numa treta no bar Volts, em nossos tempos punks.

Qual foi a coisa mais engraçada que te aconteceu ?

Foi a primeira vez que transei, mas essa eu não conto nem a pau.