polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

quarta-feira, agosto 31, 2005

Los 3 amigos

Edilson Del Grossi, Marcos Prado e Thadeu.

Alberto Centurião, Thadeu e Roberto Prado.

Walmor Marcelino, Cláudio Fajardo e Thadeu

São Paulo em 6 movimentos

Para o poeta Alberto Centurião e seu filho Estêvão, para o ecólogo e humanista Piero Luoni, Oswald de Andrade, e para os novos paulistas Edilson Del Grossi, Sérgio Viralobos, Carlos Careqa, Mário Bortolotto e Arrigo Barnabé.

1.

milhões de suicidas
aguardam sua vez
diante do pelotão
de concreto armado

2.

Estêvão em seu triciclo
brinca com o sol
e não respira os gases da cidade
vê um horizonte e desarma

3.

Piero aguça a voz
e milhares de curativos
estendem-se sobre a cidade
DOENTE PAULO

4.

Centurião abre a janela
e com a brisa
nos ensina a vida
abraço beijo mão estendida

5.

aqui em Curitiba
percebo que o bairro Liberdade
mais que um nome
pode ser toda cidade


6.

sal
sal
sal
saudades


Antonio Thadeu Wojciechowski

vit(r)al



Foi preciso, meu querido Gaughin,
um Cristo amarelo cristalino
para que Jacó visse ainda menino
a profissão do breve enquanto Van
Gogh corta. Vacas no Bebedouro
não aqui, mas acolá no matadouro.
Foi preciso teu precário estar
pra estares em ti, pois foras buscar
todas as cores que, apesar de em ti,
pensaras encontrar ali em Taiti.
***
Antonio Thadeu Wojciechowski

Livre adaptação do Poema Jardim de Twicknam, de John Donne.


Jardim de Jasmim
Para Augusto de Campos

Mar de pranto, monte de gemidos,
procuro uma primavera que me dê ouvidos,
luz para os meus olhos perdidos
e alívio para os males que maldigo.
Mas, traidor de mim mesmo, trago comigo
o amor-morte e suas bruxarias
que transformam em horror as maravilhas.
E para que o paraíso não apenas aparente
eu chego junto com a serpente.

Antes o frio do inverno venha congelar
o sol deste lugar
e a neve deixe prateada
a floresta a rir em minha face resfriada.
Mas para que possa padecer
o sofrimento sem desamor, deixe-me ser, amor,
como eu sou, sem tirar nem pôr,
milagre de mágoa
ou vale de lágrimas a fluir de um olho d'água.

Recolham então, amantes,
meu pranto-fel de amor
e comparem com prantos semelhantes
que mentem, se não têm igual sabor.
O coração não bate em todo olhar,
as lágrimas da mulher nem sempre são
a imagem real, a legítima expressão,
oh, sexo perverso, falsa mente-mulher,
a fêmea veraz que me assassine se puder.

Antonio Thadeu Wojciechowski

segunda-feira, agosto 29, 2005


Domingos Pellegrini Jr.
Poesia 24 horas por dia.


É com imensa alegria que volto ao ar. Depois de muito sangue, suor e lágrimas,
consegui eliminar os vírus e os espiões do meu computador. E pra festa ser completa, hoje tem entrevista com um dos completos artistas paranaenses. Genial, polêmico, radical, Pellegrini é tudo isso e muito mais. Confira.


Pellegrini, conte um pouquinho sobre suas origens.

- Nasci filho de barbeiro e dona de pensão, na Rua Maranhã, em Londrina, em 1949, no período de apogeu da cafeicultura no Norte do Paraná, quando "dinheiro corria pelas ruas". Lembro de um camelô formando roda de gente em cada esquina, o agenciador da pensão Zé Gomes, indo buscar hóspedes na rodoviária, o piso da barbearia forrado de cabelos, os peões comendo pratos-feitos na pensão, os mascates e camelôs contando histórias depois da janta... Depois minha mãe e meu pai se separaram, quando eu tinha sete anos, e fui morar com minha mãe em Cornélio Procópio, Assis, Marília, cada vez mais longe dele, até que voltaram a viver juntos, em Londrina, apenas para se infernizarem mutuamente. Em Londrina terminei o ginásio, e estava no meio do Clássico quando fui expulso, fui morar em Marília, em hotel, quando entrei para a política clandestina. Voltei para Londrina para fazer Letras, e já no primeiro ano, em 68, comecei a trabalhar como jornalista, depois como publicitário. Hoje, sou jornalista (crônicas e artigos), publicitário autônomo, palestrista, professor de cursos de roteiro de cinema e escritor, além de chacareiro. Três casamentos, quatro filhos, quase quarenta livros, árvores não sei quantas.

Quando nasce o escritor, poeta, Domingos Pellegrini Jr.?

- Meu nascimento literário se deu aos 12 onze anos, quando estava no cinema, em Marília, num sábado à tarde, e o lanterninha passou perguntando por um Domingos. Estavam me chamando no colégio, disse uma funcionária, coisa urgente e importante. Fui pensando que é que eu tinha feito de errado. No dia anterior, tinha faltado ao colégio por causa de gripe, que foi quando divulgaram os vencedores do concurso de redação. E eu tinha ganhado não só o prêmio da minha série, mas também o prêmio geral de melhor redação de todas! Recebi um grande aplauso do salão lotado e o livro Pelos Caminhos de Minha Vida, de J. Cronin, em que o famoso romancista irlandês revela como se tornou escritor depois de ter exercido a medicina durante décadas. Então li o livro e pensei bem, se não foi tarde para ele, não será tarde para mim, começar aos 12, e comecei a escrever contos. Antes, aos 11 anos, já tinha começado a escrever poemas, o primeiro depois de ver um filme de Mazzaropi, em que um escravo era açoitado num pelourinho. Assim, tive dois partos literários, o da prosa e o da poesia.

No início de sua carreira, percebe-se uma forte influência do pensamento comunista. Até onde isso influenciou sua obra? E onde exatamente acontece a ruptura?

- Fui marxista-leninista aos 16 anos, quando fazia o Curso Clássico em Marília, SP, depois de ter sido expulso do colégio em Londrina, por indisciplina. Morei em Marília antes disso, quando minha mãe e meu pai se separaram. Foi preciso achar outro colégio com Curso Clássico fora de Londrina, escolheram Marília porque eu já tinha morado lá. E lá fui doutrinado por um colega chamado Figueiredo, que era filho de família rica, o que não é incomum entre lideranças comunistas. Voltando a Londrina com 18 anos, já pertencia à Dissidência do Partido Comunista Brasileiro, cujo líder maior do setor estudantil era o José Dirceu, ele mesmo. Formei célula em Londrina e militei durante uns dois anos, até perceber que não só a estratégica da esquerda brasileira, a luta armada, era furada, como toda a ideologia era furada. Vi que meu humanismo, conseguido com muitas leituras, de Whitman a Henry Miller, não podia se conformar com um regime de ditadura, mesmo que do proletariado... nem com censura, partido único, culto da personalidade ou ditador eventual etc. E deixei, passando a ser anarquista, depois cristão (não religioso), conhecendo também djanaioga, a ioga do conhecimento, que não tem nada a ver com o corpo, só com a mente, e de tudo, como diz Drummond, ficou um pouco. Do marxismo-leninismo ficou a convicção e a experiência de que ideologia é prisão, e só não passa para quem passa a ter interesse nela (emprego, cargo público, militância remunerada ou simplesmente identidade e segurança diante da perplexidade da existência).

Em toda a sua obra, mesmo nas mais épicas, há, em determinados
momentos, um tom lírico, emotivo, quase confessional, é ali que mais se mostra o homem Pellegrini?

- Respondo como Jesus: sou o que sou. Sou o cidadão que se indigna, sou o historiador que pesquisa, o menino que se encanta, o amante que se apaixona, o adolescente que descobre, o homem que se procura.

Em que seara vc se sente mais à vontade, poesia, conto, romance ou biografia?

- Me sinto à vontade escrevendo o que tenho vontade de escrever no momento. Nas poucas vezes em que tentei escrever por encomenda, atendendo a pedidos, saíram textos ruins (a não ser, claro, em publicidade ou jornalismo, mas em literatura isto nunca funcionou comigo, então só escrevo movido por vontade). O comando da poesia é instantâneo, a vontade vem, que chamam de inspiração também, pego um papel e escrevo e pronto, em minutos. Os contos vêm na forma da frase inicial, ou de uma cena, que aí desenvolvo em algumas horas. Os romances vêm na forma de interesse crescente e aprofundante por algum assunto ou mistura de assuntos relacionados. Ano passado, por exemplo, fui fazer o Trilho da Machu Pichu, quatro dias andando com Dalva, de mochila, e aí pensei que é o suporte, digamos assim, ótimo para uma discussão sobre minha trajetória política e seus momentos críticos ou mais simbólicos de mudanças (a iniciação estudantil, as passeatas, o quase ingresso na guerrilha, o desvio para a luta eleitoral, a luta pela anistia, a campanha das diretas, a da constituinte, passando também pela morte de Guevara, a guerra do Vietnã etc), tudo isso narrado através das lembranças de dois casais de meia idade que caminham juntos para Machu Pichu, e que acabam trocando de parceiros ao fim da caminhada. É o romance que comecei a escrever há alguns meses, parei para escrever um juvenil chamado A Escola Redonda, sobre questões pedagógicas que muito me incomodam, como essa aberração de estudantes vocacionados para as ciências humanas, terem de estudar ciências exatas para o vestibular.

Qual o livro que mais lhe deu compensações?

- Que tipo de compensações? Se for compensação de conhecimento, ensinamentos, superação e alegria, foi certamente O Tempo de Seo Celso, a biografia de Celso Garcia Cid, que escrevi em parceria póstuma com ele (ele já tinha morrido há duas décadas, mas me ajudou o tempo todo, dando dicas através dos escritos que deixou e dos seus amigos que eu entrevistava.). Ao final, eu, que sonhava ser romancista e tinha já várias tentativas frustradas de escrever romance, vi que tinha ganhado o fôlego, a disciplina e os métodos (de pesquisa, de redação etc) para romances. Muita gente, principalmente jornalistas, que são grandes cultivadores de preconceitos, pensou que ganhei dinheiro da família Garcia Cid para escrever o livro, mas o que ganhei foi isso, pois a proposta foi minha e exigi nada ganhar, para ter liberdade, coisa que descobri depois, a família jamais pensou em me restringir, o que acabou sendo nobre de ambas as partes. É um livro magnífico, e acho que só Terra Vermelha me deu tanto trabalho e prazer. Já compensação financeira, que deu e dá mais é o juvenil A Árvore Que Dava Dinheiro, que já tirou mais de milhão de exemplares (42 edições pela Moderna, mais não sei quantas pela Ática, nesta com 30 mil exemplares por edição, mais uma edição especial para o MEC, de 2 milhões de exemplares).

E o que mais o realizou como escritor?

- Fazer o que gosto, ganhando para isso. É uma mistura de trabalho, diversão, paixão e apostolado, tudo junto. A maior tragédia humana, no sentido de atingir o maior número de pessoas, é trabalhar no que não gosta ou não conseguir gostar do que faz para viver. Comigo é o contrário, e sempre agradeço por isso. Nunca tive a famosa crise de inspiração. Se for preso hoje, tenho o que escrever durante anos na cadeia, é só ter papel e caneta, nem precisa computador.



O Leminski vivia dizendo que escrever em português era um ato incompleto, já que nos utilizamos de uma língua limitada territorialmente. Pound aprendeu português para ler Os lusíadas no original. Comente e responda: vc já pensou na possibilidade de escrever em outra língua?

- O Leminski soltava uns suspiros que faziam o bigode tremer, porque carregava uma imensa ansiedade, uma necessidade de ser reconhecido que o mataram, pois isso era o que movia ao consumo tão compulsivo de álcool e drogas, que foram os instrumentos letais dessa carência fatal. Já eu conheci djana-ioga, li Jesus direito e creio que o nascimento de cada um, em determinado país de determinado língua, obedece a uma loteria divina, que devemos encarar em nosso favor e como patrimônio, não como desgraça e infortúnio. O exemplo maior é mesmo Jesus, que, conforme Leminski me disse várias vezes, nasceu na mais pobre província romana, falando uma língua que morreria depois, nada escreveu, tendo sua vida biografada apenas décadas depois de sua morte, por quatro escribas que tiveram seus escritos adulterados pelas igrejas, e, no entanto, quem mais vivo e famoso? A não ser, claro, John Lennon...

Que autores influenciaram a sua obra e de que forma?

- Castro Alves, pela paixão. Hemingway, pelo estilo conciso (meu livro O Homem Vermelho, quase não tem adjetivos, pois na época eu abominava a literatura que se pretende e se apresenta como literatura, inclusive me enoja o estilo de Machado de Assis nos seus romances mais famosos, Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas, não só pelo estilo auto-evidentemente literário, mas também pelo cinismo e pelo caráter aberrante dos protagonistas, que parecem projeções do autor). Graciliano Ramos, também pelo estilo e pela fusão de arte luminosa e visão de mundo densa, como em Vidas Secas. Apesar de minha literatura ser clara e aparentemente simples (o que é mais difícil que complicar), sempre fui muito informado. Li os concretistas e sua parafernália teórica já aos 16 anos, a primeira vez que li Leminski foi numa revista ou coletânea concretista. Li Finnegans Wake aos 16 também, e Whitman no original aos 17. Lia teoria da literatura aos 18. Fiz Letras em Londrina e depois Especialização em Teoria da Literatura na UNESP de Assis. Aprendi as técnicas, li os clássicos, bebi nas fontes, fiz minha opção de caminho com conhecimento do mapa.

Grande sertão: veredas, Catatau, Galáxias, como vc analisa o experimentalismo como fator de transformação e renovação das formas de expressão na literatura brasileira?

- Galáxias já folheei em livrarias, nunca consegui entender, não leio o que não entendo, embora veja que muita gente parece gostar justamente por isso. Catatau é sintaticamente interessante, e não se deve lamentar que não tenha paradigma, enredo, porque essa é a proposta, explicitada logo no começo, quando o pseudo-protagonista fuma maconha e passa a delirar. Esse delírio é a torrente erudita-trocadilhesca de Leminski, que passou oito anos anotando e juntando tudo que lhe vinha à cabeça nessa torrente mental/verbal, que era um tipo de romance experimental meio em voga na época. É bom para dar umas lidas antes de dormir, mas não é o tipo de literatura que me entusiasma. Aliás, literatura experimental não é para entusiasmar, né? Grande Sertão tem passagens belíssimas, mas um misticismo que me chateia. De Guimarães prefiro os contos de Sagarana e as novelas de Corpo de Baile, magníficas e luminosas.


O que é vanguarda pra vc?

- É querer estar na frente, coisa que não me interessa. Minha opção foi fazer literatura de agregação, não de segregação, conforme conceitos famosos de Foster, acho, não me lembro mais. O exemplo mais luminoso é Ferreira Gullar, que com A Luta Corporal fez o mais radical mergulho numa linguagem experimental, para dele sair com uma linguagem clara e aparentemente simples. Como ele diz, “quem sabe, é claro”. Creio que devem florir todas as flores na cultura, até porque a característica mais distintiva do ser humano é a diversidade, mas vanguardas não me atraem, me chateiam, me dão tédio e sono, até por parecerem muito semelhantes nas suas pretensões de chocar, de inusitar, de se isolar, de criar linguagens cifradas para poucos. Falar para muitos, com dignidade e emoção ou graça (no melhor sentido), é muito mais difícil. Paulo Coelho, por exemplo, não vejo com restrições, não faz uma literatura má, ao contrário, é uma literatura boa, embora artisticamente não seja uma ótima literatura. Mas as pessoas que lêem Paulo Coelho não procuram arte, e sim espiritualidade, dicas de vida, visão de mundo. Se eu tivesse de escolher um livro para ir a uma ilha deserta, não escolheria nenhum de Paulo Coelho, nem de qualquer vanguardista. Levaria uma enciclopédia bem grossa, para ter papel para acender fogo e outros usos por muito tempo.

A poesia concreta tem uma forte militância em todos os setores de comunicação e educação, como vc vê esse movimento e quais os principais serviços e desserviços que ela prestou à poesia brasileira?

- A pergunta já traz a resposta. A poesia concreta apenas revelou técnicas de concisão sintática e expressão gráfica/visual-etc (a fenomenologia verbi-voco-visual, conforme a empombação teórica dos Campos), mas não tem visão de mundo, não tem ética, não tem nada a não ser expressão, que, quando a nada se dirige, acaba como na tradução que eles fizeram de Shakespeare: “um discurso tonto contado por um idiota signi / ficando nada”. No entanto, é importantíssima a contribuição dessa exercitação teórica e lúdica, para a publicidade, e para incrementação expressiva da poesia etc. Mas ser canonicamente concretista, limitar-se ao concretismo, é aprisionar a expressão, a visão e o coração. A partícula “que”, por exemplo, que é um símbolo de narração como & é símbolo de empresas e contabilidade, é abominada pela poesia concretistas, mas, na minha poesia, tem função vital. Uso o “que” com – significativa ironia – concretude, significando assumir que a poesia não é só verbo, é visão, é coração, pode ter também pulso narrativo, embora em tons e freqüências diferentes da prosa. Pela mesma razão, faço sonetos, não vejo as formas fixas como formas mortas, ao contrário de muitas vanguardas, que rejeitam as formas fixas (e a métrica, e as rimas, e o ritmo) e fazem uma poesia já morta ao nascer.

Vc tem um site (www.sitioterravermelha.com.br) onde diariamente posta poemas, mensagens, músicas. Como vc se utiliza das novas ferramentas e que importância vê nelas?

- Vejo como mais um meio de expressão, como é o jornalismo, as palestras, os livros. É também um forma de exercício, de avaliação, de socialização e de cidadania. Hoje a imprensa não pode mais se dar ao luxo de ter a última palavra sobre nenhum assunto, como todo veículo de comunicação e jornalista adoram fazer. A última palavra será sempre dos blogs, e nem será última, mas últimas, em série infinita. A Ruth Bolognese, por exemplo, não pode mais alfinetar alguém e achar que ficará por isso mesmo, que, mesmo que a pessoa responda, ela poderá manipular a resposta e ainda dar uma última estocada. Não: a pessoa pode dizer o que quiser no seu blog e a Ruth tem que engolir na íntegra.


A literatura brasileira vai bem?

- Vai como vai. Nem tenho dinheiro para comprar livros novos, compro mais em sebos. Então posso te responder só sobre a literatura que está nos sebos. Tem coisas ótimas. Tem coisas ruins. Tem coisas péssimas. Mas está viva e se mexendo. Tem best-sellers ótimos e best-sellers péssimos. Tem ótimos livros desconhecidos. O que precisamos é que o povo tenha mais dinheiro para comprar livros, que os livros custem menos, e que o povo perceba que, sem ler, vai continuar sempre sendo um povo submisso, cordeiro e pobre em todos os sentidos.

O brasileiro, de um modo geral, ganhou algumas despesas extras com o advento do celular, computador, Internet. Creio que, em média, R$ 200,00 por mês são direcionados para essas necessidades. Em contrapartida, a venda de livros, nestes dois últimos anos, despencou assustadoramente. O mercado editorial tem salvação?

- Não tenho celular, não vejo necessidade, a maioria das ligações feitas por celular não é por necessidade, mas por impulso emocional, o celular é um brinquedo compensador para a massa carente de reconhecimento e importância. Toca o fixo, ninguém atende. Toca o celular, todos pulam para atender... Passei minha conta de telefone fixo de impulsos para minutos, para pagar menos. Só mesmo no Brasil, de povo tão cordeiro, para as telefônicas continuarem a explorar tanto, cobrando tão caro por uma ferramenta que aqui ainda é vista como símbolo de status... O mercado editorial sobre, ainda bem, as mudanças trazidas pela informática e as telecomunicações, mas ainda parece distante o tempo em que a tela eletrônica substituirá totalmente o papel. Os americanos gastaram bilhões para criar uma caneta que funcione no vácuo do espaço sideral, para os astronautas. Os russos não gastaram nada, usam lápis nas astronaves e estações orbitais.

Por que no Brasil se lê tão pouco?

- Porque a colonização foi portuguesa, o país é tropical, as capitanias eram hereditárias, os maiores ciclos econômicos foram extrativos (ouro, cana, café, mate, madeira), a escravidão foi extensa, intensa, duradoura e continuada através da marginalização, a educação pública foi negligenciada, a educação familiar foi sabotada pelo catolicismo obscuricista, o modelo econômico é injusto e a distribuição de renda é elitista, as crenças populares são conservadoras e resignadas, os canais de telecomunicações são concedidos politicamente e usados visando audiência e não qualificação... Chega?


Quais as principais razões para que acontecesse aquela explosão cultural na Londrina dos anos 80, que gerou trabalhos interessantes em várias áreas, como Itamar Asssumpção, Arrigo Barnabé, Apolo Theodoro, Paulo Barnabé, Fernando Strático, João Otávio Malheiros e, mais tarde, Mário Bortolotto e como vc se relacionou e/ou relaciona com essa coisa toda?

- Londrina tem como matriz cultural São Paulo, não a capital estadual, Curitiba. Assim, nossa visão sempre foi cosmopolita e inquieta. Quando Curitiba ainda votava majoritariamente no partido da ditadura até quase o fim da ditadura, Londrina já em 68 elegia um prefeito do MDB, Dalton Paranaguá, e a partir daí sempre votou majoritariamente em deputados de oposição à ditadura. Produzi o show Na Boca do Bode, primeira vez em que subiram a um palco Itamar e Arrigo, e ali havia desde música de raiz até performances de vanguarda, com uma dúzia de compositores e 30 músicos. Essa efervescência continua, e sempre me pareceu que a explicação é a raiz cultural paulistana, que animava e anima nossas lideranças culturais. Nossa visão não é provinciana, nosso foco é o mundo, via São Paulo.

Pellegrini, vc, como dramaturgo, teve uma grande participação no teatro de Londrina nas décadas 70/80, com várias montagens. Cadê o dramaturgo, as peças, as montagens dos grupos Meta e Gente, toda aquela efervescência cultural, cadê? Vc desistiu do teatro?

- Tenho umas várias peças escritas, por reescrever. O que não tenho é tempo de lidar melhor com isso.

Vc pretende publicar seus textos para o teatro? E o livro de poemas para gente do teatro, com as suas traduções do Brecht e outros autores?

- Pretendo voltar a mexer com tudo isso. Meus brinquedos da quarta idade (porque acho que são quatro e não três; infância, juventude, maturidade e plenitude), serão a poesia, com já comecei a botar pra fora (Gaiola Aberta, Editora Bertrand Brasil) e teatro. Ano que vem espero publicar Diadia, com 365 haicaipiras, e tenho mais três livros inéditos de poesia, um de contos, O Destino de Elvis Presley, e os romances Bendito Assalto e Quadrondo, que sairão pela Record. Escrevo Alturas de Machu Pichu, um juvenil ou outro, as crônicas para jornal vão virando livros... Teatro é coisa que se faz enfiado no meio teatral, ou os textos ficam na gaveta. Quem quiser encenar, é só me pedir que envio, há vários. E também roteirizei para cinema A Árvore Que Dava Dinheiro, é só pedir e está na mão via internet.


Pellegrini, e a sua experiência com o cinema?

- Terra Vermelha acho que gorou, a Araucária Produções não conseguiu os recursos. Espero que um dia alguém filme alguma história minha, até porque escrevo com uma visão cinematográfica, sou da geração que começou a ver o mundo através do cinema. Talvez seja meu brinquedo póstumo, quem sabe?

O Pellegrini jornalista, o Pellegrini publicitário, estão mortos e enterrados? O que significou pra vc essa escrita sistemática diária e no que ela ajudou ou atrapalhou o escritor e o poeta?

- Jornalista, só como frila. A profissão está desvalorizada, e já em 1975 optei por deixar o jornalismo como profissão, por tomar muito tempo e energia que eu queria dedicar à literatura. Para sobreviver, usei a publicidade. Hoje, além disso dou palestras e curso de roteiro para cinema. Faço crônica para a Gazeta do Povo. E vivo muito bem, porque há tempo também optei por vida simples, sem supérfluos, sem status, sem luxos, sem mordomias. Faço minha comida, não tenho nem diarista, só semanarista, acordo às seis para fazer o café de minha caçula que vai para a escola, tenho três sapatos, dois tênis (um de ciclismo, um de caminhada), dois ternos, três gravatas (e nem precisava tanto). Tenho saúde, alegria, cuido da chácara e de quatro cachorros, amo minha mulher, que mora em apartamento com as filhas de seu primeiro casamento, meus três primeiros filhos estão pelo mundo, criados e acontecendo, então tá tudo ótimo! Só queria que o Lula nem se matasse, nem renunciasse, só virasse geléia para ser doado ao Fome Zero.

Vc viveu na Alemanha durante um tempo. É verdade que vc foi atacado pelo banzo? Ou foi o choque cultural que te abalou? Vc gostaria de viver em algum outro país, por quê?

- Nunca vivi na Alemanha, só estive lá duas vezes, um mês cada vez, por conta de programas de intercâmbio cultural (Internaciones e Casa das Culturas do Mundo). É que depois criei personagens que viveram lá, baseado no que observei por lá. E até te convenci, hem? Não fui atacado por banzo nenhum, não, mas vi exilados bem tristinhos por lá. O choque cultural é grande, principalmente nas questões de cidadania e funcionamento dos governos e instituições. Nunca tive vontade de morar em outro país, mas de morar numa chácara, o que consegui, e de morar no litoral, o que vou fazer, quando Analu se emancipar, daqui a uns cinco anos. Litoral do Paraná ou Santa Catarina. Ali por perto de Bombinhas provavelmente.


Vc mudou-se recentemente para uma chácara, o Arcadismo está de volta
ou isso é uma iluminação?

- A mudança para a chácara foi por rejeição ao ambiente poluído (visual, sonora e humanamente poluído) dos centros urbanos. Mas minha chácara tem o campo nas costas e um conjunto habitacional na frente, rua asfaltada, telefone público na calçada e ônibus passando a cada 20 minutos. O teletrabalho (internet) permite hoje que pessoas como eu não precisem mais morar na cidade, onde só vou para uma coisa ou outra, chego a passar meses sem ir ao centro de Londrina, mas vou ao clube para piscina, sauna, vou ao cinema no shopping. Não virei eremita. Mas não agüento mais centro de cidade, a não ser para passear rapidinho. Adoro viver no meio de verde, com os cachorros em volta, os passarinhos nas árvores, as frutas amadurecendo, o céu aberto, o nascente à vista.

O pau que vc quebrou com o Leminski no Bife Sujo para saber quem era o escritor mais famoso do Paraná, foi mero ataque de estrelismo dos envolvidos ou teve outros desdobramentos?

- Não sei do que você está falando. Quando foi isso? Eu estava lá?

Vc ficou muito amigo dele depois, conte como foi a reaproximação?

- Pela pergunta, suponho que eu estava lá. Não me lembro desse episódio. Eu quebrei o pau com Leminski? Discutíamos numa epoca inicial, quando ele tinha aqueles achaques vanguardistas e eu uns chiliques socialistas. Depois, não mais, ele ficou mais social e eu mais artesão. O Leminski era o único cara com quem eu podia conversar sobre arte militar, antropologia, política etc, em alta voltagem, então quando a gente se encontrava falávamos sem parar. Lembro que uma vez o César Marchesini, publicitário aí de Curitiba, ficou vendo a gente conversar num quarto de hotel, aí na saída (depois de horas de conversa ininterrupta e intensa), o César falou nossa, cara, tô exausto só de ouvir!


Recentemente, fui a uma palestra sua na Biblioteca Pública, em Curitiba, e saí realmente impressionado com a sua total interação com o público. Vc pretende investir nesta área?

- Dou palestras por aí, em bienais e feiras do livro, universidades, colégios. Acabo de vir de palestra no SESC de Campo Mourão. Falo sobre uso da voz, ou sobre 12 Nomes e um Destino (12 personalidades e seu legado ético: se o Lula e Cia. tivessem ouvido
essa palestra e prestado atenção, praticando os valores de que falo, não estariam na situação em que estão. Os valores éticos são a maior carência da nossa civilização.).


Quais são os seus próximos projetos?

- Viver cada dia, estar à disposição do meu dom artístico, continuar zelando dele a serviço da sociedade, até como forma de agradecer por ele, e esperar pelos netos (meus filhos são muito retardados nessa questão, nenhum neto até agora). Não faço projetos literários, eles é que me seqüestram.

Conte a coisa mais engraçada que aconteceu em sua vida.

- Quando fui casar pela primeira vez, foi na casa dos pais da Elenice, minha primeira mulher. Como era comunista e era contra a instituição burguesa do casamento, aceitei só o casamento civil (por insistência de nossos pais) e só com juiz de paz, na casa dos pais dela. Concedi usar camisa de manga comprida, e só. Aí o juiz de paz, um velhinho, pegou meu pai e quis casar com minha cunhada, dissemos que meu pai não era o noivo, ele pegou meu cunhado para casar com minha irmã, dissemos que não, que o noivo era eu. Aí ele quis me casar com minha sogra, apontei a noiva, que tinha cara de menina, e ele disse: - Vocês tem certeza?!

E a maior desgraceira?

- Quando peguei um ônibus para ir julgar poemas e contos de concurso em Toledo, oeste do Paraná. Fui pela então estrada de terra, sem saber que, se fosse para Palotina, que é pertinho de Toledo, iria por asfalto via Ponta Grossa. A viagem, que seria de 9 horas, acabou levando 15, por causa de atoleiros, ponte caída, desvio... Tá tudo contado no conto A Última Viagem, no livro Tempo de Guerra, da Companhia das Letras. Quase tudo no conto é verdade, inclusive a mulher que fedia mais que carniça e o japonês que nada sentia porque tinha perdido o olfato num derrame...

3 poemas de Domingos Pellegrini Jr

PRESENTE
DE NATAL


Não tenho mais sapatinhos
para deixar na janela
Deixo uma botina velha
pra debochar do velhinho

Brindo dizendo veremos
qual presente que Noel
vai trazer com suas renas
para o velho amigo seu

Orvalhando na janela
a velha botina passa
a noite entre as estrelas
enquanto festeja a casa

Amanhecendo ainda brinco
pegando a botina velha
pra ver se algum passarinho
não fez cocô dentro dela

Então chega minha filha
dizendo alegremente
pai, eu te trouxe o presente
mais caro para a família

E eu ainda estou
com a botina nas mãos
quando ela diz: e então
pai, que tal ser avô?!...

Em algum ponto da efervescência
numa garrafa de refrigerante
como numa aresta do diamante
o cansaço de ser pede clemência

Assim estoura a bolha de gás, pif
trinca-se a mais dura das pedras, crec
igualmente o amor faz-se patife
de repente, como cresce um moleque

Tudo está sempre por um fio, um
segundo entre cair e espatifar-se
um milésimo e eis o precipício

O desastre que espreita o homem comum
pode porém usar algum disfarce:
rotina, fé, paixão, até o vício