Revistas Culturais
Inteligência, pedantismo ou mistificação?
“Sábio não tem opinião nem sentimento.
Nem por isso deixa de saber o que o povo acha
E de sentir muito o que o povo sente”.
Lao Tse – Livro de TAO
Minha alma calafria só de ouvir alguém dizer: - é uma revista cultural. Em meio a raras exceções, já li tanto embuste, tanta mistificação, que resolvi tirar esse assunto a limpo, com uma pequena ajuda dos amigos. Uma das coisas que mais me incomoda neste mundão de fariseus e sacripantas, juro, é a tentativa que alguns grupos fazem de provar que só eles estão certos. Formam verdadeiras quadrilhas e tomam de assalto cadernos 2, publicações de arte e literatura, universidades e, é claro, as revistas culturais, onde sem dó nem piedade se utilizam de um dialeto intelectualóide para bestificar a humanidade. A poesia concreta que o diga, seus criadores fizeram uma valiosa e necessária revolução e há cinco décadas aproximadamente, em vez de continuarem a fazer poesia, estão se explicando, teorizando, mistificando, dizendo o que não se diz nem prum cachorro. E essa defesa, de certa forma, incorporou-se à arte em todas as suas manifestações gerando algumas obras primas, é verdade, mas também milhares de aberrações e, no mínimo, um milhão de teses sem tesão, tentando justificar o festival de besteiras que meia-solou o país. Em 1978, imagine hoje em dia, cansado dessa discussão estéril, escrevi:
Como é que vão as coisas?
Cala a boca, coisa ruim! Você não está falando coisa com coisa. A coisa não está preta coisíssima nenhuma. Você está com muita coisa pra cima de mim, mas eu lhe peço só uma coisa: deixe a coisa em paz pra ver como é que a coisa fica. Alguma coisa me diz que por uma coisinha de nada eu deixei de lhe dizer uma porção de coisas. Outra coisa: baixe neste centro mas com o espírito da coisa. Não precisa ser aquela coisa, mas, pelo menos, uma coisa muito louca. Ou, ainda, uma coisa tão estranha que, mesmo que pareça sempre a mesma coisa, seja coisa do outro mundo. Pois de todas as coisas, no fim, sempre resta pouca coisa. Ah, só mais uma coisa: a vida tem dessas coisas. E coisa que não acaba mais. Se você não concorda, o que não é lá grande coisa, escreva, pinte, cante, dance, faça qualquer coisa. Só não me deixe coisando sozinho!
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Como não tenho vocação pra dono da verdade, peguei o telefone, passei e-mails, pesquisei, fui à casa de alguns amigos poetas e escritores para saber o que eles pensavam sobre as chamadas revistas culturais e como eles gostariam que elas fossem.
Com vocês, algumas coisas para se pensar.
Gostaria que revistas e suplementos culturais fossem editados não para iniciados, mas para iniciantes, de forma a formar público leitor/cultor, pois iniciados e panelinhas já temos demais. Vejo uma mistura de Super Interessante com Seleções, mais ou menos na linha do que tenta fazer a Discutindo Literatura.
Domingos Pellegrini Jr., poeta e romancista
“Primeiro, gostaria que fossem muitas, bem mais do que as que temos hoje no Brasil. Se pegarmos um país como os EUA, onde há cerca de 7 mil revistas, entre marginais, acadêmicas e o escambau, fica evidente que ainda temos muito chão pra caminhar. Mas com a internet, os blogues, as revistas culturais estão passando a ser eletrônicas, isso abre um outro campo totalmente novo de difusão e circulação de informação cultural. Entre as eletrônicas, posso citar a Zunái, a Mneumozine, a Capitu, a Agulha, Cronópios, entre outras. Entre as revistas de papel, entre as que temos, acho que cada uma tem um perfil, uma proposta. Na Coyote, que já está no número 12, já publicamos mais de 130 autores nesses dois anos. É uma revista de criação, basicamente, e abre espaço para ensaios kamikaze, fotografia, quadrinhos e textos criativos de prosa e poesia, tentando abarcar várias vertentes. Perguntado sobre qual é nosso critério editorial, um dos editores, Ademir Assunção (o outro é Marcos Losnak), respondeu que publicamos coisas que gostaríamos de ler numa revista. Acho que ele matou a pau a questão. Na Coyote, felizmente, temos tido a sorte de lançar em primeira mão autores que depois foram descobertos por editores, e publicados, como Micheliny Verunschk, Nilo Oliveira, Jorge Cardoso, João Filho, entre tantos outros. Essa é uma das funções de uma revista, no nosso ver. Nossa sorte é que os três editores são amigos há 20 anos, o que facilita pra caralho o processo. Sem stress nem paranóias, o que acontece muito em projetos coletivos deste tipo”
Rodrigo Garcia Lopes, poeta, tradutor e compositor
Gostaria que fosse como a revista Nossa História. Como é a revista Cult. Como foi a revista Radar. Como é a revista História Viva. Como era a revista gaúcha Aplauso, hoje está ruim. Como é a revista Grandes Líderes da História. Como era a revista Paratodos. Como era a revista carioca O Cruzeiro. Como é a revista Bravo.
Valêncio Xavier, jornalista e escritor
Quando ouço falar em cultura, saco logo a minha piroca. Mando bala. Bala
Zequinha, que é cultura. A bala, não as figurinhas. Figurinhas manjadas
também não são. A Cicarelli é cultura inútil, mas ninguém vai exigir isso
dela. Ela tem micose no pé, micose é cultura. Ou exige exame de.
Como a próstata do deputado. Esfíncter é cultura, assim também a TV. TV
Cultura - Canal 2, as outras não. Big Brother é cultura, na versão
orwelliana. Borduna é cultura. Depois de acertar a cabeça de outro, só cultura
jurídica salva. Paulo Coelho é cultura e auto-ajuda. Seus livros o
auto-ajudaram a ficar milionário. Todo milionário é cultura, na parede. Conheci uma dona cheia da grana que tinha um Picasso no banheiro. Morava no Rio, a cidade mais cultural do Brasil. Lá tem cultura em todo canto, na academia anda em falta, isso eu sei. Só não sei se falta uma revista cultural.
Ernani Buchmann, escritor e publicitário
Vivemos numa era de excesso de informação, de muita variedade e pouco aprofundamento. Num veículo de informação cultural, penso que as matérias devem ser generosas com os assuntos que tratam e não um depositário de idéias e informações repetitivas. Falar sobre cultura é uma forma de extensão da própria arte, o que explica minha aversão à superficialidade. Para quem gosta de milhares de notinhas, que vá ler partitura de piano...
Pryscila Maran Vieira, cartunista
Eu não gostaria que elas fossem, pois há muito não as leio. Revistas culturais me parecem pedantes, turbinadas e tediosas, por isso deixei de lê-las. Quando muito folheio, vejo umas ilustrações, leio um-que-outro poema e deixo-as de lado, cansado de seus ensaios maçantes, seus críticos frustrados destilando veneno e vanidades, cagando sapiência em meio a textos xoxos e poemetos tíbios, entremeados por figuras rococó-futuristas em que design se traveste em desenho. Falta-lhes alma, espírito, o sopro de uma idéia renovadora e reveladora, onde o leitor se reconheça. Mais parecem revistas de bordo, impressos de luxo em papel couché, “caras”, cults, leitura anestésica para a sala de espera do dentista, espelhos burgueses para egos inflácidos. Diga-me que tem uma idéia nova, que existe uma revolução em marcha, que há críticos engajados em uma proposta renovadora e autores dispostos a romper padrões, poetas e desenhistas dispostos a voar sem parapente numa utopia, e acreditarei numa publicação que valha o papel em que se imprime. Não há sentido em discutir forma sem idéias, havendo um conteúdo a forma existirá. Tu o disseste, Thadeu: “novo é o ovo que a galinha não bota de novo.
Alberto Centurião, poeta e dramaturgo
Acredito que os antepassados das revistas culturais tenham sido os fanzines literários. Alguns caras em Londrina faziam isso. Editavam e xerocavam fanzines de alta qualidade literária e estética. Descobri grandes autores nesses fanzines e sou muito grato aos caras que tiveram a manha de fazer esse trampo. Hoje em dia há ótimas revistas culturais. Eu destacaria a "Coyote" dos amigos Ademir Assunção, Rodrigo
Garcia Lopes, Marcos Losnak e Joca Terron.
Mário Bortolotto, escritor e dramaturgo
Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,/ Abranda as rochas rígidas, torna água/ todo o fogo telúrico profundo/ E reduz, sem que, entanto, a desintegre,/ À condição de uma planície alegre/ a aspereza orográfica do mundo!
Augusto dos Anjos, poeta
Acho que uma revista (um meio de comunicação que, como todos os outros meios, está sempre aí na busca de sua fatia de massificação e faturamento, por supuesto) de cultura tem de levar em conta o histórico, as raízes e as conseqüências de todo fenômeno cultural, desde uma receitinha de nhoque de D. Firmina até aquele grupo de funk-rock-hip-hop-ska-pop que estão insistindo com seu barulho infernal ali no... digamos, Xaxim.
Tiago Recchia, cartunista
Acredito que o mais importante para revista cultural é a crítica séria e isenta sobre arte, (novos e esquecidos artistas, uma vez que a imprensa endeusa os pop stars de sempre), divulgar o teatro e a música independente (que será a música do futuro), abrir espaço para os novos poetas e contistas, além dos desenhistas e chargistas desse provinciano Brasil. É isso.
Édson de Vulcanis, poeta e compositor
Uma revista cultural deveria ser um verdadeiro radar do que há de melhor na produção artística/cultural. Deveria ser ousada, bem diagramada, fartamente ilustrada, aberta a participação do público (discussões, etc...). Não tendenciosa, mas independente e aberta a todo tipo de discussão pertinente à prática cultural.
Cláudia Becker, pintora
Uma possível solução para as revistas culturais seria realizar artigos em duplas. Que se promova a união de teóricos-especialistas-pesquisadores e caras que saibam escrever, profissionais da área. Isso já acontece na França, por exemplo, desde que se percebeu que excelentes trabalhos acadêmicos eram ilegíveis por serem redigidos por sujeitos sem o mínimo jeito para a coisa, amadores que passam a vida em laboratórios, muitas vezes semi-analfabetos. Nota-se nas chamadas publicações culturais brasileiras que a imensa maioria dos articulistas não se expressa em bom português. Talvez alguns deles sejam até grandes cientistas, mas não conseguem colocar idéias por escrito.
Roberto Prado, poeta e compositor
Particularmente, tenho a tendência a gostar mais dos veículos culturais que se debrucem sobre a produção criativa. Em particular na área de literatura, que é o que venho acompanhando mais de perto. Acho importante que esses veículos busquem traçar um painel mais próximo ao real daquilo que se produz culturalmente em nosso país, marcado principalmente pela diversidade. Não se pode deixar que essa diversidade seja solapada em conseqüência das igrejinhas ou das tendências que se querem, muitas vezes, representantes únicas da produção cultural de uma sociedade. Trazer à luz novos talentos e o debate através das divergências (não só dos consensos, que parecem hoje ser quase uma regra) entre determinados tipos de produção é também um caminho dos mais instigantes, ao meu ver.
Paulo Sandrini, escritor
Pra finalizar, nada melhor do que um bom poema sobre o assunto. Eu e o Roberto Prado, há alguns anos, fizemos um pequeno desabafo, que, espero, seja de alguma valia para os heróicos editores dessas revistas que, convenhamos, poderiam ser bem melhores.
Reflexões na sala de espera do hospício
cercado de cadernos 2 e revistas culturais por todos os lados.
há os de barbicha de mágico de mafuá
quando entram na entrevista
escrevendo pelos cotovelos
quem lhes decifra os garranchos ?
há os que dão cotoveladas de amor
há os que ajoelhou tem que resenhar
carolas coronários do normal
quem lhes ouve a ladainha ?
há os que se escrevem de bruços
pra justificar o dialeto
de seus amigos diletos
quem lhes aplaude a tolice ?
há os que acertaram um dia
ao pegar de susto
e até hoje tiram o sono dos justos
quem lhes publica a insônia ?
há os zagueiros violentos
que levantam sepulturas com seus podres
sem conseguir abrir mão do osso
quem lhes rói os traumas ?
há, principalmente, os impublicáveis,
hienas aplaudindo a volta da carniça
que dá vida e graça às suas claques
quem lhes fareja a sabujice ?
e há ainda, os balões de ensaio,
egos inflados por prisão de ventre,
digerindo os cheiros do passado heróico
quem lhes conta a verdade ?
Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado
É isso aí. Agora coloque o seu comentário também. Eu preciso saber o que você pensa sobre o assunto.
Antonio Thadeu Wojciechowski