polacodabarreirinha

Poesia, música, gracinhas e traquinagens

segunda-feira, outubro 31, 2005

Tudo certo

O provedor resolveu o problema. A Helena Kolody já está
lá para alegria minha e de todos vcs.
Polaco da Barreirinha


Bem-me-quer, mal-me-quer.

Poesia, pelo menos para mim e para o Roberto Prado, às vezes pode apenas ser, como tantas coisas são: árvore, flor, vento, chuva, tristeza ou, se preferir, um gol de placa. Poesia é. Objeto só, realidade em si, algo a mais no mundo. Som, imagem, movimento, gosto, cheiro, lembrança, anseio. E o que mais mesmo? Se o poeta conseguir assim, já está bom. Mas se o cabra é cobra mesmo, ah, meu deus do céu!, dentro do arcabouço da beleza cabe muito mais que a materialidade do poema. Poesia em parceria com o leitor. Aventura do espírito pela alma de todas as coisas. Quando a pura música consegue se encharcar de grandes e pequenos sentimentos humanos, se endeusa. Surge diante dos olhos a epopéia, agonia e êxtase, da imensa aventura que é o caminhar da humanidade pela face divina do universo. Estes poetas que estão aqui, todos os dias, no Polaco da Barreirinha têm, ao menos, a coragem (ou imprudência?) de impregnar a chama eterna da poesia que tanto amam com os fragmentos descartáveis da vida. Clássicos contemporâneos, líricos cibernéticos, épicos barrocos. Ei-los, poetas que absorveram todo o bem e o mal-querer destes séculos e, em vez de expressar desencanto, cinismo, morbidez e tristeza, conseguiram nos brindar com os frutos vivos dessa incompatibilidade genial.

O assinalado

Tu és o louco da imortal loucura,
o louco da loucura mais suprema,
a Terra é tua negra algema,
prende-te nela a extrema desventura.

Mas essa mesma algema de amargura
mas essa mesma Desventura extrema
faz que tu’alma suplicando gema
e rebente em estrelas de ternura.

Tu és o poeta, o grande Assinalado
que povoas o mundo despovoado,
de belezas eternas, pouco a pouco.

Na Natureza prodigiosa e rica
toda a audácia dos nervos justifica
os teus espasmos imortais de louco!

Cruz e Souza


Morte Morrida Diária

Escrever palavras no ritmo
e/ou rimadas é um vício
de linguagem bárbara.
É uma escavação de íntimo
em busca da gema do suplício
pra vendê-la à gente avara
de emoções ou o que valha.
É chafurdar na própria lama
para os porcos se acharem mais humanos
e eu mesmo me ache mais canalha.
Escrevo como quem está de cama
com doença terminal, soro nos canos.
Sinto que estou nas últimas
palavras do melhor verso.
Não sei como será sua rima,
sei que herdará minhas pústulas
e meu sangue perverso.
Morrerei de parto da obra-prima.

Sérgio Viralobos


luz em mar de lágrimas

Vai, ave eva, águia da mágoa,
dona da nódoa.
E aí, então, olhe, olhe bem,
abra fundos olhos de treva,
e veja com quantas fontes de sal-luz
se leva a vela ardente,
o pingo oceânico,
o gole que, gota a gota,
rola do meu olho d’água.

Roberto Prado

Dou minhas palavras

Vão, palavras, vão!
E não é querer dizer
mas já vão tarde.
Cansei de falá-las
aos gritos de alarde
ou de silenciá-las
por nem querer saber.

Vão, palavras, vão!
Fica o dito pelo não,
pelo sim, pelo menos.
Quem sabe, um dia,
sabê-las aos centos
me valha uma sinfonia
entre pausas e acentos.

Vão, palavras, vão!
Significá-las em mim
não pega bem o espírito
de minha alma querubim.
A grande alegria do circo
é o palhaço pegar fogo
e incendiar o público todo.

Vão, palavras, vão.
E se esparramem pelo chão.
Para que nunca mais
nenhum de seus radicais
venham a perder o latim
como se falassem grego
e o resto fosse segredo.

Antonio Thadeu Wojciechowski


me tirem as algemas
esses inúteis telefonemas
me libertem
de mim mesmo
o mal que o meu coração
blasfema
ultrapassa essa covardia
porque nesse poema
tudo acaba em tragédia
habilidade suprema
em dizer nada
sem que haja algum problema
e nenhum sinal de comédia
ou dilema

Solda



se estes versos resistirem à minha tentação/ faça-os em pedaços agora mesmo/ cada fragmento desses caídos no chão/
terá começo e fim no seu meio


joguei fora tudo que escrevi três vezes
e trinta e três vezes reescrevi
sempre o mesmo sobre o mesmo há meses
desejo de estraçalhar o que escrevi

não entendo, eu até levo jeito
sempre tenho comigo uns versinhos
tão bonitinhos, tão engraçadinhos
que dão até um nozinho no peito

se eu fosse suicida, já teria feito
o que, no fundo, todo mundo sempre quis
assim me transformaria em perfeito
e deus e diabo: todo mundo feliz

quando a poesia se transforma em papel
sempre um trouxa transforma em roupa suja
talvez eu queira transformar a merda em céu
e, com mel, não me alimentar da dita cuja

se nasceu pó, volte logo ao pó que é
e a noite, como o poema, vire cinza
ninguém nesta terra é o que quer
aqui, aquele que é bom, não vinga

pode também que eu seja apenas vagabundo
ou um solitário que aprendeu no verso
que isso a que chamam de mundo
não é o centro das atenções do universo

marcos prado



Helena Kolody, o coração da poesia.

Minha amiga Helena era, antes de mais nada, poeta. Falava, respirava, comia, poesia. Risonha, bondosa, nobreza que a velhice coroou com realeza. Uma rainha, elegante nos gestos, magnânima e beatífica com as palavras, quase impossível não se apaixonar por ela.
Doce, terna, a voz parecia encadear tons e sons que diziam mais de céu do que de terra.
O Polaco da Barreirinha, sem dar a mínima para as notícias de sua morte, foi lá e conseguiu esta entrevista, com exclusividade.

Helena, onde você nasceu e como veio parar em Curitiba?

Nasci no dia 12 de outubro de 1912, em Cruz Machado, no interior do Paraná. Meu pai me contou que geara na noite anterior, mas, às 8h, quando eu nasci, o céu estava azul e o sol, àquela hora, já estava com mania de quinta grandeza. Meus pais nasceram na Galícia Oriental, Ucrânia, mas se conheceram aqui no Brasil, onde casaram em janeiro de 1912. Nove meses depois, estava escrito o primeiro capítulo da minha história. Vim para Curitiba já mocinha e me formei em 1931, na Escola Normal de Curitiba. Até 1962, lecionei em Rio Negro, Ponta Grossa, Jacarezinho e, finalmente, em Curitiba.

“Acotovelavam-se risos e conversas de crianças,
Pombos brancos a caminho da escola.

Recordo Curitiba adolescente...
Uma névoa de saudade
me envolve o coração.”

(Trecho de Curitiba, cidade-menina, escrito em 1977)

Você tem uma ligação muito forte com a natureza, ter nascido numa cidadezinha do interior do Paraná, deve tê-la influenciado muito, não?

Com certeza. Embora de sangue eslavo, nasci e cresci como uma verdadeira índia. Me orgulho de me sentir parte viva da natureza. Antes de amanhecer, centenas de pássaros se punham a cantar: eu nunca esqueço isso. Eu me acordava e, fascinada, ficava ouvindo aquilo porque sabia que aquele concerto foram organizado pelo maior dos maestros para embelezar e encher de graça o meu dia. Impregnei-me dessa poesia e hoje só a plagio.

“Vim de meu berço selvagem,
lar singelo à beira d’água,
no sertão paranaense.
Milhares de passarinhos
me acordavam nas primeiras
madrugadas da existência.

Feliz menina descalça,
vim das cantigas de roda,
dos jogos de amarelinha,
do tempo do era uma vez...

Por fim ancorei para sempre
Em teu coração planaltino,
Curitiba, meu amor!”

(Trecho de Saga, poema de 1980)

Parece-me que você saiu ainda bebê de Cruz Machado.

Sim, é verdade. Saí com 2 anos e vivi até os 7 anos em Três Barras. Lá o mundo era meu. Fui muito feliz. Tinha um eco que me respondia sempre duas vezes.

“A voz da noite
diz, baixinho:
esquece... esquece...”

(Estrofe final do poema Voz da Noite, 1986)


“Do tempo, só se sabia
que no ano sempre existia
o bom tempo das laranjas
e o doce tempo dos figos...

Longínqua infância...Três Barras
Plena de sol e cigarras!

(Trecho de infância, poema de 1951)

Além dessa formação poética natural, como a poesia entrou de vez em sua vida?

Eu me criei em dois idiomas, conversava em português com meus irmãos e em ucraniano com minha mãe. Lembro décor até hoje os versos de Taras Cheutchenko, que minha mãe recitava dramaticamente em voz alta, sob a luz do lampião. Não só isso, rezar também eu rezava na língua de minha mãe.

“De mãos postas, a menina
fielmente repetia
palavras que ela ignorava,
mas Deus entendia.”

(Estrofe final do poema Lição, de 1980)

Helena, ser professora foi importante para manter a proximidade com a poesia?

Escolhi o magistério por um impulso irresistível de vocação, a poesia foi um imperativo da alma. O magistério e a poesia são duas asas do mesmo ideal. A poeta veio antes da professora. A poesia veio como necessidade de compreender meus sentimentos. Destruí uma boa parte dos primeiros e hoje me arrependo. É que eu considero meus primeiros livros os mais espontâneos, que mantinham as cores vivas de minhas tonalidades emocionais.

Abismal

Meus olhos estão olhando
De muito longe, de muito longe,
Das infinitas distâncias
Dos abismos interiores.
Meus olhos estão a olhar do extremo longínquo
Para você que está diante de mim.
Se eu estendesse a mão, tocaria a sua face.

(Escrito em 1941)

Você teve aquele famoso bloqueio após a publicação do seu livro A Sombra no Rio, o que aconteceu?

Fiquei treze anos sem escrever uma linha. Esse silêncio acabou se transformando num divisor de águas. Duas faces se apresentaram claramente: a primeira, mais lírica; a segunda, sem perder o lirismo, mas mais filosófica.

O que é o ato de escrever para você?

É minha vida, meus sonhos. Quando começo a sonhar com palavras, é come se um deserto inteiro começasse a florescer. È sempre por prazer que eu escrevo. Às vezes eles saltam prontos na minha frente. São os poemas que chamo de vivíparos (viu só no que dá entrevistar uma professora de biologia?), geralmente, estavam hibernando dentro de mim. Foi assim com este:

Sempre madrugada

Para quem viaja ao encontro do sol,
É sempre madrugada.


Mas tem um dos meus poemas mais citados, que levou um período de dois anos para ser gestado. É o que chamo de poema ovíparo (rs).

Dom

Deus dá a todos uma estrela.
Uns fazem da estrela um sol
Outros nem conseguem vê-la.

Esse poema, viu, Thadeu?, me veio em partes. Quando ele nasceu era só o primeiro verso. Ficou dois anos me incomodando na gaveta. E um dia resolvi que era hora de acabar com ele. (rs)

Helena, temas como morte, solidão e transitoriedade da vida estão sempre presentes em sua obra. E na sua vida?

Também. Assim como na vida de todas as pessoas. É por amor a elas que escrevo. Um desejo que nasce da vontade de mostrar a divindade das palavras. E inaugurá-las mais uma vez, para que cada pessoa, ao ouvi-las, entre em comunhão com elas e, ao repeti-las, que faça como se ela mesma as dissesse.

Sem aviso

Sem aviso,
O vento vira
a página da vida.

(1988)

Ensaio

A solidão da vida:
Longo ensaio
Da solidão da morte.

(1964)

Helena, estes seus lindos olhos azuis já viram muita coisa neste e no outro mundo. O que mais assusta você?

Ah, Thadeu, tem horas que eu tenho a clara sensação que estamos diante do apocalipse. Essa violência desmedida, a explosão demográfica, o império das drogas, essa obsessão pelo consumo e pela velocidade. Tudo inútil, o ser humano só precisa de amor, carinho e amizade. O resto é supérfluo.

Lição Moderna

Em lugar do ABC
Aprendem
BTN
FMI
UPC

(1983)

Bom, Helena, blog é blog, você sabe. Então como última pergunta que grande lição a vida te ensinou?

Já acabou?, que pena. Olha, Thadeu, aprendi a conhecer o poder que a palavra tem. E, ao aprender, adquiri consciência da responsabilidade que a palavra gera. Ela tem um valor presente, não há dúvida. Mas seu alcance futuro é incalculável. O que dizemos deixa marcas indeléveis na inteligência e na sensibilidade dos outros.

Prece

Concede-me, Senhor, a graça de ser boa,
De ser o coração singelo que perdoa,
A solícita mão que espalha, sem medidas,
Estrelas pela noite escura de outras vidas
E tira da alma alheia o espinho que magoa.

( 1941)

Esse poema, Thadeu, por exemplo, salvou uma jovem de cometer suicídio. Antes do gesto fatídico, resolveu ler o livro que eu lhe dera de presente. Abriu justamente na página, leu-o e jogou o veneno fora. Imagine, eu tenho vários poemas depressivos naquele livro, e se ela abrisse o livro em um deles? O que teria acontecido? Depois que ela me contou o fato, meus poemas se tornaram mais extrovertidos, mais abertos, mais otimistas. Devo isso àquela moça.

Ok, Helena, a conversa está tão boa que eu não resisto a lhe fazer mais uma pergunta: e o coração da Helena com quem ficou?

(Rs) Hi, eu fui namoradeira, flertei, tive namorados. Me apaixonei perdidamente, tive perdas. Tenho certeza de que Deus me quis poeta. Se eu tivesse me casado, vocês não estariam lendo esses poemas: marido e filhos consumiriam meu temperamento amoroso. Poemas e minhas ex-alunas são meus filhos. Transferi o amor para outra escala. Para mim, o amor ficou sendo só um sentimento, um sonho.


Viagem Infinita

Estou sempre em viagem.

O mundo é a paisagem
Que me atinge
De passagem.

(1980)

sexta-feira, outubro 28, 2005

Miséria

A globalização determina: “quem não é um técnico altamente preparado, do tipo mão-de-obra qualificada, nascido num país equilibrado e com um tantinho de sorte, é melhor pedir pra morrer”. De fome, doença, stress, depressão ou, simplesmente, amanhecer com a boca cheia de formiga, vítima de qualquer um desses grupos de extermínio que existem, às escâncaras, chacinando por aí. Uma lei da física, que é fora-da-lei se aplicada na moral e na ética, acoberta a cobiça da falsa internacionalização: matéria atrai matéria na razão direta das massas. Grandes empresas incorporam as médias que já haviam incorporado as pequenas, formando mega-hiper-super-tubarões de porte e capital tão incalculáveis que beiram a fantasia e a abstração. Calculem então o número progressivo de desempregados vendendo coxinha, amendoim, cachorro-quente e contrabando por este mundão afora. Ou, como na Europa, receber um cala-boca na forma de salário desemprego e passar o resto da vida no escurinho de uma discoteca tomando ectasy, rebolando ao som da repetitiva e marcial batida da dancing music, da plena luz do dia até altas madrugadas. A lei do cão vale também para cartéis, máfias, exércitos mercenários, racistas, quadrilhas políticas, pornografistas e fanatismos em geral, que também vão se unindo em organizações universais. Na idade média os burgos já eram verdadeiras fortalezas, tentando deixar a pobreza e os problemas do lado de fora, imagine então o que será a idade mídia que vem por aí. Se te pegam, não vai dar pra saber nem de onde vem quanto mais quem está batendo: à noite todas as griffes são pardas. Escritores de ficção, diretores de cinema, pintores, sociólogos e historiadores já alertavam para o perigo do inferno se instaurar definitivamente entre nós. Ou seja, uma sociedade composta de pequenas tribos que vão trazer de volta a alegria do combate, a felicidade de se morrer na guerra, a glória de se deixar este mundo pela redenção dos irmãos e mais chegados. E olha que a miséria econômica é, na verdade, a menor das que maculam a Terra. Se comparada com a desgraceira das misérias intelectual, moral, ética, cultural, a miséria material é pouca bobagem. Nós, poetas, miseráveis por tradição, estamos irmanados com os que morrem pela falta e estupefatos com os que estrebucham pelo excesso. E pensar que esses pobres diabos um dia reinarão. Falando nisso: toda a ganância será castigada. Como? O tempo, senhor da razão, há de alumiar a escuridão que momentaneamente parece cegar e fazer misérias com todo mundo.


do Livro dos Contrários

o rico recebeu o pobre em seu palácio
lhe deu um tratamento digno de rei
“o que você quer de mim, palhaço?”
disse o pobre, e o rico: ainda não sei

o pobre ficou puto da cara e, mudo,
ouviu que o rico era o seu favor e queria
aumentar o que já tinha e dividir tudo
menos o que pra ele mais valia

o silêncio tomou conta da conversa
e ele mesmo passou a ser o assunto
o pobre quer ser rico e não confessa
o rico ser ralé por um segundo

Marcos Prado


roteiro para um pedinte mais incisivo

me jogue uma grana na mão
te pago quando seqüestrar o avião
eu já agüentei o mais que pude
é duro manter a fama de Robin Wood

tudo o que eu preciso é de uma força
torça por mim antes que eu te torça
morra com a grana aqui e agora
pra não morrer com ela depois lá fora

ser bonzinho foi o meu grande mal
quero a primeira página de jornal
o inferno só vive de cara esperto

meta a mão devagar e no bolso certo
muito cuidado ou viro bicho já
daí não quero nem estar onde você está

Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado

miserê

Nas favelas que existem nas cidades
se disputa comida com os urubus.
Difteria, raquitismo, verminose,
lá o verme bebe, come e dorme.

Pro capeta em pessoa é overdose:
epilepsia, dentes podres e fedor.
A vida dessas criança é um aparelho
só passa filmes de ódio e terror.

Não é mole ser feio, fraco e pobre,
acabar numa delegacia de menores
sem canivete, soco inglês e/ou revólver.

Eles mereciam dias melhores,
mas não é isso que resolve
o juizado de menores.

Antonio Thadeu Wojciechowski, Marcos Prado e Roberto Prado (Beco)

acabou-se tudo

baby, o gás acabou
baby, cortaram a luz
baby, cortaram a água
vamos pedir pra Jesus

baby, pule a cerca
baby, costure pra fora
baby, rode a bolsinha
enquanto eu peço esmola

baby, pegue quatro tijolos
e a grelha do fogão
vamos fazer um miojo-lámen
e pro nenê um pirão

Marcos Prado e Márcio Goedert (Cobaia)

vai querer o quê?

pobreza na velocidade máxima
não dá para acelerar mais
agora já preciso de óculos
não consigo enxergar quais
pra onde vai o brasil ?
cisco no olho
ou torpedo no céu de anil ?

miséria na velocidade mínima
será que não vai parar mais ?
agora já preciso de músculos
não consigo segurar tais
pra onde vai o brasil ?
cisco no olho
ou torpedo no céu de anil

(thadeu, marcos, walmor e beco)

policiais em tiras

muita violência pra pouco assassinato
pouco fubarim pra muito rato
a inflação roeu o dinheiro do assalto
AR 15, UZI, 44, granadas de mão
sequestro seguido de resgate nunca menos de um milhão
só o suficiente pra caber no camburão

(thadeu, marcos prado e cobaia)

a vingança do povão

tenho fome
da carne que não comi
pena
dos ossos que roí

rato assado
você acha bão
rato assado
você acha bão

sabe o que é cheirar lingüiça
e ter que lamber sabão

(thadeu, cobaia, edilson, edson, marcos prado e bira)

chão de brasas

“Eu só via frango a passarinho”

Retamozzo

comido o pastel de brisa
sonho pela barriga
o vídeo da última comida
não há piquenique sem formiga

salva de sal grosso
nas partes do elefante
acordo para o almoço:
espetinho sem carne

antonio thadeu wojciechowski, marcos prado, roberto prado e sérgio viralobos

quinta-feira, outubro 27, 2005

Solidão

“Um homem sozinho não tem chance.”

Ernest Hemingway



A solidão é grande mas não é duas. Porque se não ela teria companhia. Solidão não é estar só. Solidão é quando não tem ninguém dentro de você. E não estamos aqui falando do vazio zen. A solidão a que nos referimos é aquela que todos sentimos quando o que nos completa está em falta. Solidão não é pra qualquer psicopata ou esquisofrênico. Ela é um tipo de vírus, bactéria, micróbio, sei lá, só sei que quando te pega de jeito só resta chorar. Como bem dizia o poeta “antes solidão do que mal acompanhadão”. Solidão é o que você sente quando você rompe com seus amigos traíras. Ninguém está livre de se encontrar consigo mesmo sozinho na montanha e você estar por baixo. Até Jesus que era Jesus teve que se refugiar no deserto para, livre, das gracinhas e zoeiras de seus apóstolos, poder pensar em Deus. Bodishatawa parou de frente a um muro, fixou o olhar e durante 12 anos, se preparou para uma longa vida de convívios e chateações, neste mundo de 5 bilhões de falsários. Holderlim, um dos grandes poetas alemães, foi mais esperto, se apaixonou pela impossível, só pra depois subir numa torre e passar de papo pro ar o resto da vida, bem guardado por um fiel carroceiro, que dizia para todos os visitantes que era melhor não mexer com o louco. Assim pode reescrever toda a poesia clássica. A maior solidão é a companhia errada: a mulher que não se ama, o amigo que se detesta, o patrão que se prevalece, o policial que abusa do poder. Mas a solidão que mais dói é estar com um ignorante, no sentindo burro da palavra. No mundo vip do convívio social, quanto mais gente maior a solidão. Ela é diretamente responsável pelos estranhos seres que aparecem na tua cama, mesa e banho. Deus antes de criar o mundo não sentia solidão, depois sim.


solitário

Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta
Por trás dos ermos túmulos um dia
Eu fui refugiar-me à tua porta

Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta

Mas tu não vieste ver minha desgraça
E eu saí como quem tudo repele
Velho caixão a carregar destroços

Levando apenas na tumbal carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!

Augusto dos Anjos ( 1886-1914)


redoma à prova de nada

o ato foi, como direi, exorbitante
onda de espinhos num mar de rosas
crítica não é arma de amante
causam-me alergia as más novas
bastam meus problemas de solução errante

não fui criado pra enfrentar uma crise
durmo com panos quentes por coberta
a vida não é mais animada por walt disney
ficou esta multidão de estraga-festa
o canto de galo foi o canto de cisne

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos

vencido pelo cansaço

os dias se foram
você não voltou
a dor que senti
não está no gibi

corro o dia inteiro
não paro pra pensar
destino tão maneiro
não dá pra acreditar

a terra onde navega
tão longe assim do mar
pelas barbas do profeta
não dá pra acreditar

Antonio Thadeu Wojciechowski

declaração do criminoso na solitária

Matei minha mulher.
Matei.
O ódio com que a odiava
era maior que o amor que a odiava.
Mas não matei a mãe de meus filhos.
É por isso que o retrato dela está sempre comigo.

Murilo Mendes (1901-1975)


solidão sem dor

“Nenhuma garota apareceu naquela noite, o rádio não tocou nenhuma música legal. Matei todo o garrafão, vomitei na beirada da cama e dormi. Não me senti sozinho, nem muito triste. Na verdade mesmo, não senti nada. Só aquele gosto acre e o velho fantasma querendo sair de dentro do estômago.”

Mário Bortolotto
(trecho do Mamãe não Voltou do Supermercado).


“Eu cá quando escrevo
pra um amigo distante
me sento
me sinto
nostálgico, tanto.

Quem sabe eu também
quisesse estar
distante de mim.”

Domingos Pellegrini Jr.

menino chorando na noite

Na noite lenta e morna,
morta noite sem ruído,
um menino chora.
O choro atrás da parede,
a luz atrás da vidraça
perdem-se na sombra dos passos abafados,
das vozes extenuadas,
e, no entanto,
se ouve até o rumor da gota de remédio
caindo na colher.

Um menino chora na noite,
atrás da parede, atrás da rua,
longe um menino chora,
em outra cidade talvez,
talvez em outro mundo.

E vejo a mão que levanta a colher,
enquanto a outra sustenta a cabeça
e vejo o fio oleoso
que escorre pelo queixo do menino,
escorre pela rua, escorre pela cidade,
um fio apenas.
E não há mais ninguém no mundo
A não esse menino chorando.

Carlos Drummond de Andrade


solidão sideral

daquela estrela até esta outra
a noite é uma camisa de força
em claro adeus à companhia
solidão desta estrela
à solidão daquela lá
tão longe, tão só
cansa até pra falar

Antonio Thadeu Wojciechowski


a solidão

A solidão sempre aparece com beijos e bombons
A solidão faz visitas regulares a seus amigos íntimos
A solidão procura o inverno em pleno verão
A solidão brinca no mar com seus dedos de açúcar
A solidão vive sorrindo para desconhecidos
A solidão ainda se emociona com filmes antigos na televisão
A solidão a solidão tem olhos escuros, a solidão tem olhos azuis
A solidão tem uma cerca branca com rosas e uma bicicleta
A solidão imagina gueixas cujos olhos são borboletas de vidro
A solidão é uma loucura e arrebata concursos de beleza
A solidão bebe em meu corpo seu próprio desespero
A solidão adora esconde-esconde e amarelinha
A solidão coleciona diários e discos do coltrane
A solidão usa pijamas de bolinhas e óculos quebrados
A solidão depois do sexo ainda se sente sozinha
A solidão e eu somos apenas bons amigos
A solidão corta meus pulsos com uma gilete de sal
depois sai chapada pelas ruas
com uma folha de alface na lapela

Rodrigo Garcia Lopes

A minha solidão hoje sorriu diferente,
Ela doeu meu choro contido.
A minha solidão foi surpreendente,
Me mostrou o que eu sou quando estou comigo.
Hoje chorei como quem caminha para casa.
Sou aquele cara interessante,
A viver com a solidão ao lado,
A cumprimentar os outros sentimentos de longe.
A me achar bonito nos outros.
A solidão me machucou,
Revelou sua doença de permanecer para sempre nos meus olhos.
A solidão me falou baixinho no ouvido as minhas dúvidas.
A solidão foi cruel esta noite,
Ela me contou o que eu sou nos mínimos detalhes.
Eu não quero isso pra ninguém.
Não façam como eu,
não levem em consideração o que a solidão fala.
A solidão se diz minha amiga,
Mas me faz dormir num lugar sujo
Com um ser humano solitário.
A solidão mora em quem ela quer.
As pessoas não têm a escolha de rejeitá-la.
A solidão come o nosso melhor pedaço,
Espera os outros comerem a carniça da alma.
A solidão não tem calma, lambe o prato até o suco da vontade.
A solidão que eu tenho, não recomendo pra ninguém,
Até por que fui eu quem a criou.
A solidão não demora em narrar o momento.
A solidão causa sofrimento sem querer.
A solidão adulta permanece acordada,
Mesmo quando dormir é inevitável.

Alexandre França


olhos da solidão

estranho
esse sujeito
que vi
na rua

não existiria
se eu
não o tivesse
visto

engraçado
esse sonho

eu só
existir
aos olhos
daquele
sujeito
estranho

Marcos Prado


quitanda dos quintanares

o poeta silencioso
leva a alma
a passear
pelas alamedas
amarelecidas

são fotografias
que o tempo
mastigou as pontas

Luiz Antonio Solda


pérolas


Buda falou e disse
quando disse
que tudo é ilusão.
Jesus ensinou
que aqui a coisa só anda
a golpes de perdão.
Vazio ou cheio,
o caminho de Tao
é mais no meio.

Foi aí que me vi sozinho,
com essa chuva de pérolas
batendo no meu focinho.

Roberto Prado

quarta-feira, outubro 26, 2005

Um caro queridíssimo amigo

Eu e o Trin temos muitas e boas pra contar. No seu último CD, vide capa abaixo, lançado em Londres, temos 9 parcerias.

O Trindade é daqueles artistas que estão em permanente criação.
Bom poeta, bom músico, bom compositor, o cara é demais mesmo. Mas isso não tem importância. Leiam a entrevista e indiquem para seus melhores interlocutores.
É melhor do que nada.


José Alberto Trindade, onde vc nasceu, como e por quê?

Nasci em Curitiba, no bairro da Água Verde em um bela madrugada de primavera
no ano de 1959.
Como? Quase nasci dentro de um cinema onde meus pais assistiam um filme mexicano
chamado Cielito Lindo.
Por quê? Porque eles eram jovens românticos e irresponsáveis.

A família buty king foi uma comunidade alternativa, onde passaram vários poetas, letristas e músicos? Nessa época vc tinha saído de casa?

Não. A casa tinha fugido de mim cinco anos antes. A família Buty King era eu, o Pobre (Júlio Garrido), o Baxo (Eduardo Prante) e o Canalama (Gilberto Canabarro). Nós fazíamos músicas e escrevíamos coisas mas, principalmente, gostávamos de pichar muros com poeminhas curtos e assinar ‘Buty King’. Só não assinamos aquela detrás do Guaíra na frente do Sinhá que dizia ‘SEU JOÃO BUNDÃO’.
A casa de que você se lembra era a que eu dividia com o Palito (Nivaldo Lopes). Nós invadimos lá depois que o pessoal da libelu debandou. Mas não tinha nada de comunidade. Nós éramos estudantes universitários, pobres, folgados, criativos e muito egoístas.


E desse período o q vc tem pra contar?

Foi ótimo. Festa todos os dias. Até a polícia aparecia de vez em quando. E a mãe do Edilson. Não juntas, claro. Nós escrevíamos pelas paredes e até no teto. Mas não deixávamos ninguém mais escrever. A casa da sogra era em outro lugar.

Como foi o confronto quando Marcos Prado, Sérgio Viralobos, Rodrigão e Ferreira viraram punks?

Não teve confronto nenhum. O Beijo AA Força ensaiava na minha casa. Depois eu passei um tempo em Porto Alegre e quando voltei inventei, com os Buty King, um espaço chamado OKUPE na sede da UPE. O Beijo AA Força ensaiava lá também. Nós bebiamos juntos e, acredite se quiser, até praticávamos esporte. Aí eu me mudei pra São Paulo. Quando apareci de novo eles já estavam tocando sambas moderninhos que, por sinal, eu gostava bem mais.
Se eu morasse na Inglaterra em 1976 certamente teria sido punk. Em Curitiba, em 1983, não. Nos anos 80 meu negócio era hip-hop.

Vc, Marcos Prado, Edilson Del Grossi e eu já demos muitas gargalhadas nesta vida. O bom humor é uma constante em suas músicas. Alegria é criação?

Sem alegria não tem graça. Melhor ir dormir.

Drogas, álcool, sexo, música e poesia. Viver no limite também?

Você esqueceu do sono. E do café.

Trindade em pub, na Alemanha, fazendo o que mais gosta.


Vc já está 15 anos em Londres, com vindas esporádicas para o Brasil, como é a sua vida lá e do que vc sente mais falta?

Sinto falta dos meus amigos e da minha família. Gostaria de fretar um navio e trazê-los todos pra cá pra uma tertúlia. Depois mandá-los de volta, claro, com o Vulcanis amarrado no mastro, o Batista de Pilar de capitão e o Hélio Leites abotoando todo mundo.
Quando estou no Brasil sinto falta da cerveja.

Vc vive de música em Londres? Ou faz algo mais?

Há tempos que estou tentando fazer a transição de artista irresponsável pra homem de negócios. Agora me deram uma ex-igreja pra transformar em centro cultural. Também sou obrigado a dar umas aulinhas.


Como o público inglês recebeu o seu CD O Melhor do Bom do Trindade?
E como vc vê esse lançamento?


O cd foi bem recebido, recebeu muitos elogios. É cheio de problemas técnicos mas os caras dizem que é punk-jazz. Na verdade nunca tocamos em lugares tradicionais de música brasileira. A gente toca nos lugares de indie-roqueiros e o pessoal gosta.

Além desse vc lançou o CD Maconha, totalmente diferente do outro. Como vc convive com tantas diferenças e que importância vc dá a cada uma delas?

‘Maconha’ é a banda que tenho com meu amigo Andy Hoggarth desde 96. Gravamos dois cds que são bem diferentes um do outro. O próximo também está saindo diferente. Quanto ao convívio com as diferenças te digo que não é fácil. Não gostaria de ser maior mas certamente gostaria de ser dois ou três.


Vc tem algum trabalho pronto? Será gravado aqui no Brasil como os anteriores?

Tenho quase prontos 'O Melhor do Bom do Trindade v.2' e 'Trindade canta seus amigos' que vão sair pelo meu selo 'macogna'. No Brasil vou gravar o OINC com o Rodrigo e o Ferreira provavelmente em janeiro de 2006.

Como os ingleses recebem o artista estrangeiro e o que vc sentiu quando soube da morte do brasileiro confundido com um terrorista?

Aqui tem muito estrangeiro. Antigamente dizia-se que era melhor na França e Espanha. Agora até os franceses estão mudando pra cá.
Quanto à morte do Jean Charles fiquei muito puto. Nunca gostei de polícia e até hoje eles não fizeram nada pra melhorar o cartaz comigo.

Como é viver esse clima anti-terror na Inglaterra?

Quando cheguei aqui o IRA ainda estava na ativa. Duas bombas explodiram bem perto da escola onde eu estudava. A segunda eu nem ouvi porque estava com fones nos ouvidos. Depois disso tiraram todas as latas de lixo das estações de metrô e trem. Agora tem polícia armado pra todo lado, cachorro, revista de bolsa, etc. O ser humano se adapta a tudo e vai tocando o barco.

Hoje, vc faz mais letras em inglês ou continua escrevendo em português?

Escrevo em inglês porque quero que entendam o que eu digo. Ao mesmo tempo se perdesse o jeito de escrever em português seria um desastre. Então eu tento manter um balanço.


Vc tem acompanhado o trabalho do pessoal aqui em Curitiba?

Leio os jornais, os e-zines e os blogs, escuto uns mp3 mas nada como estar aí pra realmente ficar por dentro.

Quais as diferenças mais gritantes entre viver no Brasil e na Inglaterra?

Gritante é um bom termo. Os ingleses não confiam em quem faz muitos gestos. Se você quiser chamar a atenção de alguém não adianta ficar acenando. Melhor é limpar a garganta e mandar um EXCUSE ME bem alto. Aqui as pessoas só se olham ou se tocam quando estão bêbadas.
A Inglaterra é um país secularista com uma ética anglo-saxônica e protestante. O Brasil é um país místico-supersticioso com uma ética católica nagô tupiniquim ou será que só eu que sou assim? Acho que no final dá tudo na mesma, temos que suar bastante por aquela broa de centeio. Mas eu já achei mais dinheiro na rua no Brasil do que aqui. Será que isso explica alguma coisa?

Que poetas, músicos vc curte aí e o q eles estão dizendo em suas letras?

Vira e mexe eles reciclam e requentam o roquezinho típico inglês que vem lá do tempo dos Kinks e dos Beatles. Agora pelo menos é a vez das bandas inteligentes que citam filósofos e escritores. Que eu saiba não tem nenhum novo Oasis ou deus-me-livre The Darkness.
Gostei do grime e do Dizzee Rascal e acho demais os caras improvisando nas rádios piratas.
Ouço muito hip hop latino e fusion de Barcelona. Música italiana, Enzo Avitabile, Vinicio Capossela, gosto do dialeto do sul da Itália que é parecido com o português. Também gosto de ler textos em galego e bragantino.



Brasileiros fazem sucesso aí? Quem?

Os djs se dão muito bem. Ainda rola muito drum n bass e os brasileiros injetaram uma nova vida no gênero. Tem também muita gente tocando bossinha pra inglês jantar. Pelo menos agora todo mundo sabe que samba não é rumba.
Eu achei bacana o dj dolores.

Que tal presentear os nossos leitores com um de seus últimos trabalhos?

lá vem os pé-no-chão
marcharam sobre o reino fofo do chinelão
dançaram de tamanco sobre o mundo cão
sempre na mão
sempre na contra-mão
band-aid no dedão
será que um dia eles chegarão?

Conte uma história engraçada acontecida aí e outra aqui no Brasil.

Em 2001 depois de um longo inverno e outono aqui cheguei aí pra passar mais frio. Voltava de uma noitada lá pelas oito da manhã quando na frente do Clube Curitibano uma mulher me disse ‘moço, nossa, como o senhor tá branco, o senhor tá bem?’. Eu disse ‘Eu estou indo pra casa. A senhora sabe pra que lado é o cemitério da Água Verde?’. Ela abraçou a sacolinha e saiu correndo sem olhar pra trás.
Aqui em Londres, um dia, voltando da farra às cinco da manhã, liguei a tv - passava no channel 4 um jogo entre Portuguesa de Desportos e Atlético Paranaense. O Atlético perdia de dois a zero, a torcida da lusa cantava ‘lusa, lusa…’. O locutor perguntava ‘what are they singing? Loser, loser…?’

Thadeu, quero deixar registrado aqui que apesar de atleticano de nascença muitos dos melhores momentos da minha vida foram passados entre coxas.

Um grande abraço a você e aos seus leitores.

segunda-feira, outubro 24, 2005


Medo a gente pega de susto.

“Deus teve coragem para criar o medo”.
Divina Comédia, de Dante Alighieri, em livre-adaptação de
Antonio Thadeu Wojciechowski, Marcos Prado e Sérgio Viralobos.


Mal tenho coragem de tocar nesse assunto. Tremo pra mais de metro. Só cabra-macho tem valentia para se borrar todo. Quem nunca arrisca jamais petisca uma grande aventura. Ou uma enorme roubada. Nada mais monótono que um céu limpo de faísca. Aquele que tem medo tem alma, o resto é materialismo, ou, como definiu Nelson Rodrigues: “idiotia da objetividade”. Medo é adrenalina no seu estado mais puro, fluidos corporais em estado de falso alerta. Quem tem cru tem medo. No fiofó não passa nem fiu-fiu na hora do vamos ver. Pânico, cérebro em pane, tremedeira, sabedoria e sobrevivência dos nossos antepassados, ter medo é ter amor à vida. Medo de nada, medo do desconhecido, medo puro, sem sujeito, efeito sem causa visível. Tem gente, que na hora medonha, cinza-chumbo, pára; outros, rubros, viram fera; uns azulam e ensebam as canelas; aqueles, brancos de susto, tremem varas verdes; esses, quando a coisa preteia, amarelam. Eu e vocês, queridos leitores, que não somos laranjas e nem aprovamos a imprensa marrom, não queremos ver nem a cor.


dor duna

(altos & baixos)

meda de outras eras
médão eólico de outros tempos
um punhado medonho me dão
enredo-me no que o demo deu a adão

Roberto Prado


eu tenho medo

eu tenho medo de ser aniquilado por um mal súbito
(e de ser assaltado por uma dúvida)
das prestações da casa própria
(e da fúria da torcida organizada)
do controle da natalidade
(e da explosão demográfica)
de me perder na multidão
(e de ser confundido com o ladrão)
de ficar sozinho com o defunto
( e de fazer o papel de vilão)
de todos os ministros da área econômica
(e de duplicata vencida)
de uísque falsificado
(e dos falsos profetas)
do Bin Laden
(e das negociações para o cessar fogo)
do silêncio do grande canyon
(e do barulho do andar de cima)
de dormir com o cigarro aceso
(e do turco que tentou matar o papa)
de quarta feira de cinzas
(e de bife mal passado)
da guerra atômica iminente
(e de pastel de camarão)
do Bandido da Luz Vermelha
(e de febre amarela)
de câncer e unha encravada
(e do Serviço de Proteção ao Crédito)
de ser surpreendido pela morte
(e das almas do outro mundo)
de treinador da seleção
(e de acordar transformado em barata)
do Imposto Predial e Territorial Urbano
(e dos políticos suspeitos de corrupção)
das virgens que nos seduzem
(e de todos os males do coração)
de ser atacado pelas costas
(e de enfrentar a vida cara a cara)
das medidas de emergência
(e de contatos imediatos)
das vírgulas e reticências
(e do verso de pé-quebrado)
de ficar trancado no banheiro
(e de pegar resfriado)
dos filmes de terror
(e de todas as transfusões de sangue)
das mulheres que abandonam seus maridos
(e dos maridos abandonados)
da fúria dos oposionistas
(e dos motoristas que dirigem na contramão)
dos desmentidos do porta voz da Presidência
(e de anestesia geral)
do castigo que vem a cavalo
(e da sorte que está lançada)
das vítimas das enchentes
(e da solidariedade de toda a população)

Luiz Antônio Solda


22, do livro Dinorá.

Eu vi, ô louco. Foi o Diabo que eu vi. O carão do Outro. Sempre o neguei, nunca que podia. Esta noite, três da manhã, o tempo suspenso. No escuro, o sopro gélido de uma porta que se abre. Ouço uma sombra se mexendo na parede. Quem vem lá?
De repente, eu o sinto ao pé da cama. Ali debruçado. Bem ele, o maligno. Só o que vejo e me cega: um olho de brasa viva. Fala com a minha voz, que abafo na palma da mão. O meu segredo vergonhoso. O meu crime aos cinco aninhos. Ah, esse corno flamejante, quem o pode fitar? Tão grande horror, para exorcizá-lo estendo o braço e acendo o abajur.
E com a lâmpada acesa - oh, não - ainda ali. Inclinada e ofegante, a visão de fogo pingando sangue. Perdido fecho os olhos, para sempre perdido: debaixo das pálpebras, ainda ali.
O Diabo e eu. No meio da noite, cara a cara. Agora é com nós dois.

Dalton Trevisan


Ai que meda!

Medo é a única virtude que não tenho:
Cago na cabeça da torcida do Flamengo,
Enfrento de peito aberto escorpião-fêmea,
Minha própria sombra foge de mim em câmera-lenta.

Saio de casa no tranco pra ver se encrenco,
Ai daquele ou dela que me partir pra violência.
Sou um tipo comum de durão desalmado que não presta,
Um desses tantos movidos a baque de adrenalina.

Já matei morcego com vassourada na testa,
Meu antepasto é sambiquira cru de galinha,
Sempre saio antes do melhor da festa,
O frio na barriga me congela o frio na espinha.

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos


ai que meda
diante da olha podrida
temi tomar na peida

Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado


medo
anda em Andrômeda
meu caro Godofredo

Antonio Thadeu Wojciechowski


com quem andas

sou um abutre, confesso
comedor de carniça confesso
um anjo que quis vir à terra a qualquer preço
e que encarou o diabo já no berço

convivo com o demo
há trinta e um anos
a ele, meus amigos, não temo
mas àqueles que eu e ele acompanhamos

Marcos Prado


medo eu

ai que meda que eu tenho de monstro
se apaga a luz eu vejo o bicho-papão
só lembro de bruxa e assombração

mas meu medo eu não demonstro
pois o verdadeiro monstro está dentro de mim

Antonio Thadeu Wojciechowski

terça-feira, outubro 18, 2005

Até semana que vem


Espero que eu tenha postado material suficiente para vcs se divertirem até a minha volta. Grande abraço.

Alegria



Rir é o melhor remédio diz o dito popular. Mas não é bem assim que caminha a humanidade. Alegria e felicidade são faces da mesma moeda que faz-me rir. Estar de bem com a vida não é pra qualquer folião, pois viver é perigoso. E com toda essa baixaria diária nos meios de comunicação, convenhamos, querido leitor, não é fácil manter o bom humor. Mas brasileiro ri de tudo, até da própria desgraça e isso é que nos redime e salva.


Alegria é a prova dos nove.

(Oswald de Andrade)



Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,
Abranda as rochas rígidas, torna água
Todo fogo telúrico profundo
E reduz, sem que, entanto, a desintegre,
À condição de uma planície alegre,
A aspereza orográfica do mundo!

Provo dessa maneira ao mundo odiento
Pelas grandes razões do sentimento,
Sem os métodos da abstrusa ciência fria
E os trovões gritadores da dialética,
Que a mais alta expressão da dor estética
Consiste essencialmente na alegria.

Augusto dos Anjos


ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah
ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah
ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah
ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah

ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah
ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah
ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah
ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah

ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah
ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah
ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah

ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah
ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah
ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah

Marcos Prado


Você já viu
os passarinhos?
Eles são pessoas
inteligentes
não lêem horóscopo
nos jornais

passarinhos
passam
os dias
fazendo festa
nos quintais


Luiz Antonio Solda


Se recordar fosse esquecer,
Eu não me lembraria.
Se esquecer, recordar,
Eu logo esqueceria.
Se quem perde é feliz
E contente é quem chora,
Que alegres são os dedos
Que colhem isto, agora!

Emily Dickinson
(1830-1886)


Encantação pelo Riso

Ride, ridentes!
Derride, derridentes!
Risonhai aos risos, rimente risandai!
Derride sorrimente!
Risos sobrerrisos – risadas de sorrideiros risores!
Hílare esrir, risos de sobrerridores riseiros!
Sorrisonhos, risonhos,
Sorride, ridiculai, risando, risantes,
Hilariando, riando,
Ride, ridentes!
Derride, derridentes!

Vielimir Khlébnikov
(1885 – 1922)

Tradução de Haroldo de Campos



por detrás das cortinas

andam depositando dinheiro
que não é da minha conta

ouço gente me chamando
de meu louro

alguém tem extraído
os meus fracassos das mentes

e depois de me guiar
e distrair com pensamentos bons

ainda me dita o seu próprio louvor
esse santo anjo do senhor

Roberto Prado


Ciência: meia hora de pura alegria

no deserto, lagarto urina gelatina
pra não perder água não sua nem saliva
o mundo cão é o melhor amigo do homem
subtraídas as diferenças que pela soma somem

a natureza é prodigiosa e rica por ser sovina
a seleção natural só escala gente fina
as tartarugas de Galápagos não valem o que comem
de casco pra baixo tomando sol no abdômen

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos

Aí está mais uma das boas.


Reeditando todo conteúdo do Polaco da Barreirinha que foi deletado
por vândalos, aí está uma das boas entrevistas. Rodrigão, um cara sensacional,
multimídia, bom músico, bom compositor.
Divirtam-se.

Entrevista Rodrigão


Rodrigo, primeiramente, me explica toda essa pompa do seu sobrenome e me fale um pouco sobre suas origens.

De onde eu venho ( Brasília) quase ninguém diz que é filho de italianos ou polacos, sou sim um brasileiro “quinhentão”, filho de carioca com baiano ( e é da minha família baiana que vem o tal sobrenome fidalgo, Rodrigo Barros Homem d’El-Rei ) .


Dizem que todo jovem é incendiário, quando amadurece, dá uma de bombeiro. Você toca em duas bandas, uma punk e outra mais ligada à MPB, dá para ser incendiário e bombeiro ao mesmo tempo?

Acho que o maxixe machine é mais incendiário do que bombeiro, mas nisso estou com o beco (Roberto Prado):
“Vivas para quem coloca a bomba.
Vivas para quem a desmonta.”



O que sobrou da sua primeira experiência com o grupo musical CONTRABANDA? E porque ela acabou, após o show “Por um novo incêndio romântico”, mesmo com todo sucesso que ela fazia?

O Maxixe Machine é o filho natural da Contrabanda, já o BaaF é o bastardo, e isso já um legado razoável pra uma banda juvenil e despretensiosa.
O Show do fim da Contrabanda foi o “Rock até Ficar Rouco”, no Guaírão, e a razão principal para o precoce fim foi que alguns dos seus membros se deram conta que a Contrabanda Interprise (sic) Corporation e Limitadas Companhias (era esse o nome completo) não fazia tanto sucesso quanto eles achavam que ela realmente fazia. Eu achei ótimo que acabasse.


Como foi a relação da Contrabanda com as drogas pesadas, entre elas, o álcool?

Não lembro de drogas pesadas durante o período da Contrabanda. Mas tínhamos uma relação muito amistosa com o álcool, quase fraternal. Alguns de nós se tornaram até amantes do álcool.

O Marcos Prado foi o principal letrista tanto da Contrabanda quanto do Beijo AA Força, o que uniu vocês?

Uma mesa de bar nos unia.
O principal letrista da Contrabanda era o Sérgio Viralobos. O Marcos começou a escrever conosco um pouco mais pra frente, em 1980/81. Já no Beijo AA Força, o Prado e o Sérgio dividiram mais igualmente a tarefa. Depois, com a partida do Sérgio, o Marcos foi o colaborador principal, apesar de muitas composições em parceria com o Roberto Prado, com o Thadeu, Edilson Del Grossi e até com o Retta.

O ano que vem vai fazer 10 anos que o Marcos Prado faleceu. Como vocês preenchem o enorme vazio que ele deixou?

Dentro do possível gravamos suas canções em nossos CDs e, mais, continuar compondo sem deixar cair a qualidade das novas canções é uma boa homenagem ao aprendizado que tivemos com ele.
O Marcos foi o melhor poeta da sua geração, o mais brilhante. E, apesar d’eu achar sua obra incompleta, pela sua morte precoce, a qualidade dos seus textos é fenomenal. Mas sei do valor do Sérgio Viralobos e de seus parceiros em boa parte desta obra.


Entre os seus parceiros mais antigos estão o Ferreira e o Walmor Góes, esse casamento vai longe?

Desde a Contrabanda tocamos junto, isso foi há 25 anos, temos 8 CDs gravados juntos e parece que temos mais alguns discos para fazer juntos ainda.


De onde surgiu a idéia de, no auge do Beijo AA Força, formar o grupo Maxixe Machine ?

Na verdade, para montar bandas é preciso ter um bom repertório, então, para nós montarmos o Maxixe Machine ou o OINC foi uma moleza, temos mais músicas compostas do que bandas para tocá-las e gravá-las...

Quais os objetivos do projeto A GRANDE GARAGEM QUE GRAVA e quais os seus futuros desdobramentos?

A GGG é uma concretização da teoria que eu e o Ferreira compartilhamos: o mito que a indústria formal de discos está morta. O CD está morto . A GGG é somente uma transição para outra mídia, que eu não sei qual vai ser. Mas estaremos preparados quando ela chegar. Nós, da guerrilha cultural, temos olhos de lince.
A próxima etapa do projeto será o lançamento das 2 caixas contendo os 16 CDs gravados ao vivo na Grande Garagem de janeiro a junho. A primeira tiragem será para distribuição à imprensa, patrocinadores e bibliotecas, mas poderá também ser vendido por encomenda a R$ 70,00 cada caixa contendo 8 CDs.
E para completar o lançamento da coleção “Poetas em Movimento”, com 12 CDs e mais de 35 poetas.

Ter a oportunidade de conhecer, gravar e acompanhar o que poetas e novas bandas de Curitiba vêm fazendo ajuda a renovar as perspectivas e recarregar as pilhas?

Nós ( da GGG) já tínhamos uma visão e um mapeamento destas atividades em Curitiba, mas só agora conseguimos transformá-las em produto cultural. No final das contas o resultado do produto cultural é o que interessa, não as vendas ou a visibilidade desse produto, mas é uma pena ouvir de tão longe o tilintar das moedas.
Temos a maior coleção de poesia oral do país (quase 90 poetas), e agora, também temos a maior coleção de bandas ao vivo já lançados sob um mesmo selo. Não é pouco. E a qualidade é altíssima.

Como você vê o Beijo AA Força e o Maxixe hoje dentro do panorama musical brasileiro?

O que tenho a dizer é que estamos completamente fora da indústria, mas totalmente inseridos no contexto.

Quais os projetos futuros com cada uma dessas bandas?
E quando sairão novos CDs?

Estamos agora com vários projetos diferentes :

Acabamos de gravar ao vivo na GGG dois CDs, um com canções que tínhamos em parceria com o Marcos Prado e Sérgio Viralobbos, que irá encartado no livro definitivo da obra do Marcos, chamado “Ultralirycs” e outro que já está pronto, e cantado inteiramente em portunhol intitulado, “Carlos Careqa & Maxixe Machine – Nosotros que somos nós miesmos” que vai ser lançado em agosto.
Estamos em fase de escolha de repertório para dois outros CDs, com previsão de lançamento para novembro : O “adult-kids” ABC do Lá-lá-lá, um CD infantil com o Maxixe Machine e o CD homenagem ao Thadeu, o polaco da barreirinha, chamado “Wojciechowski”, que trará um bom apanhado do melhor da obra desse parceiro e sensacional compositor.
E já temos material pronto e gravado para o CD de BaaF, o qual contará com participações especiais de ilustres do rock de Curitiba.

Ufa, isso já vai dar um trabalhão!!!!


Você é um artista multimídia, canta, toca, representa, produz e ainda faz um programa de rádio. Quantas horas tem o seu dia, afinal?

Na verdade, nenhumas destas coisas eu faço bem, mas seria bem pior se eu fosse bancário. Fazer um programa como o Radiocaos nem considero como trabalho... é diversão pura.
Quanto ao tempo, a disponibilidade dele depende do meu interesse no que eu esteja fazendo, ou na falta de dinheiro que é proporcional ao empenho. Sou sócio do ócio e da desorganização, mas não freqüento o clube.


Por que vocês se fixaram em Curitiba, uma cidade que não está no mapa da mídia nacional? Isso não atrapalhou?

Não, o que atrapalhou foi que Curitiba não fica no nordeste, e não tem folclore, e aí ninguém fica com pena da gente... hehehe.


O que acontece hoje em Curitiba musicalmente e por que estamos fora da mídia?

Em Curitiba, estamos fora da mídia por que não se faz uma música que interesse para a indústria (a famosa e famigerada música funcional). Mas os idiotas da subjetividade (sic) não percebem isso. O que é estar na mídia? Tocar no Gugu? Ir na Xuxa?? (Talvez alguém queira até tocar no Gugu, sei lá...).

O que e quem você curte aqui em Curitiba?

Além da minha turma e parceiros (Walmor , Ferreira, Sérgio, Renato Incesto, Thadeu, Edilson, Edson, Marcos e o Trindade) , gosto do Bad Folks, do Glauco Solter, do Careqa , do Mordida, do Arnaldo Machado, do Gruvox , do Primal , d‘Os Catalépticos , Jeff Bass , Pelebroi e outros poucos ... hoje detesto as coisas num espectro bem menor...

E no Brasil e no mundo?

Vim do punk , não tenho referenciais profundos e totêmicos com nenhum artista em especial , poderia dizer Ween ou Tom Verlaine, poderia dizer Ismael Silva ou Noel, mas eu estaria mentindo . O que me interessa é a diversidade de leituras e reflexões sobre a vida e seus momentos que a música possibilita.


O que ainda mais te emociona?

Amor, Cultura & Dinheiro.

O que mais te aborrece?


Idiotas, Ladrões e Filhos da Puta.

Aí está, Luana, apesar do atraso.

Como é que vão as coisas?

Cale a boca, coisa ruim!
Você não está falando coisa com coisa.
A coisa não está preta coisíssima nenhuma.
Você está com muita coisa pra cima de mim
mas eu lhe peço só uma coisa:
deixe a coisa em paz
pra ver como é que a coisa fica.
Alguma coisa me diz que, por uma coisinha de nada,
eu deixei de lhe dizer uma porção de coisas.
Outra coisa: baixe neste centro mas com o espírito da coisa.
Não precisa ser aquela coisa mas, pelo menos,
uma coisa muito louca.
Ou uma coisa tão estranha que,
mesmo que pareça a mesma coisa,
seja coisa do outro mundo.
Pois de todas as coisas, no fim, sempre resta pouca coisa.
Ah, só mais uma coisa: a vida tem dessas coisas.
E coisa que não acaba mais.
Se você não concorda, o que não é lá grande coisa,
escreva qualquer coisa!
Diga qualquer coisa!
Faça qualquer coisa!
Só não me deixe coisando sozinho!

Antonio Thadeu Wojciechowski

segunda-feira, outubro 17, 2005

Rir e Chorar
É só começar.


Às vezes dá ganas de chorar de rir de nós, os exagerados humanos do planeta terra. Arreganhamos os dentes ou abrimos o berreiro diante de fatos que, se aconteceram, são conseqüências naturais e, portanto, não deveriam ser razão para tanto espasmo. O engraçado é que, como ignoramos certas leis da natureza, as tais coisas da vida acontecem e nos pegam pela surpresa, pelo inusitado, pelo avesso. Como se fossem novidade. Mas a lei não tem choro nem vela: quem gargalha da desgraça alheia se sente o último dos chorões do mundo quando é o seu couro que está na roda. Ao rir, estamos agradecendo por ter recebido; ao chorar, estamos pedindo ou lamentando a perda de algo: esses são o choro e o riso do corpo. Mas isso não é tudo. Existe também o choro quase invisível da grande emoção e o riso descompromissado da fraterna amizade: esses são o choro e o riso do espírito. Mas não fique esperando por eles, a não ser que esteja sentado, pois, para a maioria da nossa humanidade, a alma ainda é um conto de fadas, como alertou o poeta Paulo Leminski. Dante ouviu choro e ranger de dentes na entrada do Inferno, mas não ouviu risos na porta do Céu. Quem sabe os eleitos tenham pudor de que seu contentamento aumente a dor dos condenados. Talvez ali a emoção já seja sábia. Ou, sendo mais sinceros, os nossos ouvidos não têm mesmo sintonia e nem potência para captar e decodificar as alegrias celestiais. A não ser em raros e rapidíssimos relances, com apoio logístico de algum santo, para, logo depois, pesados de incredulidade, afundarmos como Pedro, após alguns passinhos duvidosos sobre as águas da normalidade. É impressionante a rapidez com que nós, da classe média espiritual, pendemos, caindo da alegria ruidosa de uma hiena deslumbrada para o ombro amigo que transformamos num poço até aqui de mágoas. Prazer gêmeo da dor, dois lados do mesmo olho úmido, bocas abertas para um único abismo? Os humoristas levam pastelões na cara para que possamos rir de nossos próprios tropeços e, abraçados, chorar na execução dos bobos da corte. As razões da nossa desgrama vêm sempre “dos otros”, numa equação que, se desdobrada, acabaria por concluir que os verdadeiros culpados das desgraceiras são, na verdade, os habitantes de um outro planeta. Assim caminha a humanidade. E como sofre por caminhar assim! Rindo e choramingando, preguiçosa e complacente, se arrasta, de sol a sol, há milênios, esta desgraçada, sonhando com a felicidade plena e o gozo sem máculas. Mas pouco faz para que aconteça o milagre da multiplicação da alegria, através da compaixão, da amizade, do amor, do perdão, da fraternidade e outras coisas boas da vida. Daria até pra rir, se não fosse trágico. Daria até pra chorar, se não fosse cômico.


Choros e risos secretos

1. Chorar
Os que choram pouco,
ou não choram nunca,
acabarão apodrecendo em vida.

2. Rir
Nada pior e mais abjeto do que o riso.
E acrescento: nada mais atentatório.
E, eu quase dizia, ginecológico.
O sujeito só devia rir, às escondidas,
num sigilo de alcova.

Nelson Rodrigues (1912-1980)


Rir e chorar, do livro 234

74
A filha revoltada:
- Minha mãe ali no caixão. E o pai, em lágrimas: “Vai, minha querida. Vai, vai...Faz a nossa casinha no céu. Já vou te encontrar.” E, no carnaval, cantando, aos pulos com a nova querida, em nossa casinha aqui na terra.

93
O anjinho embebe de gasolina um, dois, três sapos dos grandes. Risca um fósforo. E baba-se de gozo com as bolas de fogo saltadoras.

Dalton Trevisan

Planeta Leminski

existe um planeta perdido
numa dobra do sistema solar

ali é fácil confundir
sorrir com chorar

difícil é distinguir
este planeta de sonhar

Paulo Leminski

Eu morro

as cordas do meu cavaquinho me disseram
que um pandeiro havia me deixado na mão
sinto saudades do corpo do meu violão
samba, bata em mim, não pare agora
sou um apito que ri
e uma cuíca que chora
nesta cozinha que hoje é um salão

Marcos Prado e Édson de Vulcanis


Rir e chorar

eu quero me afogar
na salmoura
dormir
na manjedoura
ser um monge
de outrora

o dia inteiro
fazendo hora
cortar o mal
com tesoura
eu quero o mal
mal quero
e tudo me apavora
o povo
o polvo
a pólvora

tudo enfim
que meu cavalo sente
quando me senta
espora

Luiz Antônio Solda e Paulo Leminski

À sombra dos chorões

choro por vós
que chorais tão baixinho
que às vezes até nós
seus risonhos adivinhos
deixamos a chorar
sozinhos

Roberto Prado


Rusga de rugas

Tenho duas rugas
que fogem à regra.
Uma delas
marca melhor com o riso.
A outra
marca melhor com a raiva.

As duas
- uma para cada olho –
estão dente
por dente. Disputando
qual tem mais sabedoria.

Como sabedoria
não é nenhuma ciência
e vai aparecendo –
claro! – com a experiência,
minhas duas rugas
usam a régua
pra medir qual
tem a maior saliência!
Eu sou apenas
o cara da cara
e sei que rugas
vêm com o tempo
que as imprime
inevitavelmente.

Apenas espero
que essa rusga não perdure, pois
está sugando – em sulcos -
minha tenra idade.

De rusga em rusga
minhas rugas ainda rasgam a minha cara!

Ricardo Corona


Certamente não sabias
que nos fazes sofrer.

É difícil de explicar
esse sofrimento seco,
sem qualquer lágrima de amor,
sentimento de homens juntos,
que se comunicam sem gesto
e sem palavras se invadem,
se aproximam, se compreendem
e se calam sem orgulho.

Carlos Drummond de Andrade

Poesi
Solange chora
Solange ri

Edson de Vulcanis

Arco-íris
Arco-íris no céu.
Está sorrindo o menino
Que há pouco chorou.

Helena Kolody

Consolo
a noite chorou
a bolha em que, sobre a folha,
o sol despertou

Guilherme de Almeida

Pignataria

na lágrima não interessa o que não é olhos
no riso não interessa o que não é dentes

Variação sobre fórmula poética de Décio Pignatari.

Epílogo do carnaval e da vida

(...)
É preciso um pierrô a chorar.
Um desses que chora rindo, no fim.
Que chora a cantar
De braços abertos no meio do salão
Quando as luzes já se se apagaram.
(...)

Rui Werneck de Capistrano

Sorri-se

quando disse, na saída,
deixo meu sorriso,
disse bem,
até sorrir pra você
não vou sorrir pra mais ninguém

também disse,
o que se deixa é o que permanece
não esqueca, essa sou eu
que agora desapareceu

e se mais não disse
é que sorria
um sorriso que ficasse
para depois de ter ido
como se nunca partisse
como se tudo existisse

ah se eu soubesse
ah se você me visse

Alice Ruiz

O ser duplo dentro do poeta

Chorava e ria em mim, dizia em mim,
chorava-me, brandia-me, sonhava-me.
O ser intransitivo me acenava
e ouvíamos-nos. Verbos vivos. Verbos.

Jorge de Lima (1893-1953)

Toante

Molha em teu pranto de aurora as minhas mãos pálidas,
O espasmo é como um êxtase religioso
E o teu amor tem o sabor das tuas lágrimas.

Manuel Bandeira (1886-1968)


Queixas noturnas

Quem foi que viu a minha Dor chorando?
Saio. Minha alma sai agoniada.
Andam monstros sombrios pela estrada
E pela estrada, entre estes monstros, ando!

Não trago sobre a túnica fingida
As insígnias medonhas do infeliz
Como os falsos mendigos de Paris
Na atra rua de Santa Margarida.
(...)
Como um ladrão sentado numa ponte
Espera alguém, armado de arcabuz,
na ânsia incoercível de roubar a luz,
Estou à espera de que o sol desponte.

Bati nas pedras dum tormento rude
E a minha mágoa de hoje é tão intensa
Que eu penso que a Alegria é uma doença
E a Tristeza é a minha única saúde!
(...)

Augusto dos Anjos (1884-1913)

Tudo pode ser

Sempre que olho para este homem
(Ele não bebeu e tem a mesma risada)
Eu penso: as coisas melhoram
Aquele tempo pode voltar
O amor começa novamente
Breve tudo será como antes

Sempre depois de conversar e rir
(Ele comeu e não vai embora)
Fala comigo e está sem o chapéu
Eu penso: tudo é bom
O tempo de falar sozinho terminou
Dá pra conversar com um sujeito, ele ouve!
O amor começa novamente
Breve tudo será como antes

Bertold Brecht (Alemanha, 1898-1956, versão de Roberto Prado)



chorei, chorei tudo e mais um pouco
ri, ri de estufar a veia do pescoço
lágrimas de balde, debalde,
ofereceram a outra face para o meu rosto

Antonio Thadeu Wojciechowski

domingo, outubro 16, 2005

Em São Paulo


Desculpem minha ausência, mas estou em sampa no maior trampo.
Sem tempo pra nada, mal e mal, pra redigir este. Mas segunda ou terça
devo estar de volta.
Um abraço pra todo mundo.


Polaco da Barreirinha

sexta-feira, outubro 14, 2005

Uma bela surpresa no blog de Jorge Ferreira

Em minha fonte reles
e minha alma de verme
sinto paixão tão pura
tão à flor da pele
que à beira da epiderme
trago uma floricultura

nos pés tenho asas
pra fora de todas as casas
pra fora de todo breu
e no peito ávido
trago um coração grávido
de um ser que já nasceu

Kamila Souza

quarta-feira, outubro 12, 2005

Dois poemas para as criancinhas


De que cor é o sorriso?

Branco como o dia
Ou é cor de sol a pino?
Nesta questão, se opino,
Digo o que a mãe dizia:
Calma, sorriso é flor da alma
Pois pela boca da gente
O coração diz o que sente!
Antonio Thadeu Wojciechowski


De que cor é a criança?

Quando sorri é azul
Da cor do céu do sul
Da cor do mar do norte
Da cor de toda sorte

Quando chora é água
Transparente como mágoa
Mas irritadiça é dose
Tem cor de burro quando foge

Antonio Thadeu Wojciechowski



As lágrimas vão chorar.


“vai, minha alma,
vai sonolenta e lenta
na choridão do verbo ir”


Roberto J. Bittencourt


“Os que choram pouco, ou nunca choram, acabarão apodrecendo em vida.”

Nelson Rodrigues


Um tapa no traseiro, você põe a boca no mundo e, pra felicidade geral da nação, chora na rampa. De lá para hoje, tem choro pra tudo. Um gol, o sonho desfeito, a decepção amarga, a dor, uma alegria tão grande que se reparte em lágrimas. Mas é bom tomar cuidado com as de crocodilo que, geralmente, vêm acompanhadas do beijo de judas. Debaixo do chorão, você pára para escutar seu chorinho. Mas, na Terra, não tem choro e nem vela. Ao perdedor, o direito inalienável do esperneio e do choro até debaixo d’água. Quem já não teve ganas de sentar na calçada e chorar lágrimas de esguicho, por nada disso e por tudo aquilo? Velórios, casamentos, batizados, uma palavra bendita, uma beleza surpreendente, uma atitude inesperada e pronto, lá vêm as caudalosas cachoeiras saltando pelas faces. As lágrimas de amor e separação juntas seriam maior que o Nilo e o Amazonas. Fernando Pessoa perguntou ao mar quanto do seu sal eram lágrimas de Portugal. E o mundo todo chorou de emoção. Ou porque ia ficar sem mamar. De qualquer maneira, choro é sempre uma imagem muito forte. Dá uma vontade de inchar o olho junto. O homem é o único animal que tem lágrimas ou é o único que tem motivos de sobra pra chorar?


Romantismo

- Acorda, menina, acorda!
Dia claro. Cidadezinha.
Ela não se importa,
Parece estar puxando uma linha
costureira das bordas entre o rir e o chorar.
- Você costuma às paredes falar?
Ela não ouve nadinha.

“Há quase dois anos morreu meu amado,
é o que todos têm falado
além de minhas lágrimas pilheriarem.
Ninguém, amor, vê o que eu vejo
através delas: tua mais nítida imagem.
Quantas vezes ainda te darei o primeiro beijo?”

- Ela está louca, continuo sem ver a entidade!
“É que não me interessa servir como lição:
quem vê um milagre revê a verdade,
olha com coração para o coração.”

Adam Mickiewicz
(Poeta polonês – 1798-1855)

Livre adaptação de Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos.


Cálice de silêncio

matei minha saudade a grito
a soco
a pontapé
chute no saco
tacle no pescoço
pontaço no peito
sete tiros da cabeça ao pé

depois da chacina
já sem a gana assassina
chorei atrás da porta
de saudades da morta

mesmo sabendo que ia dar em nada
chorar sobre a lágrima derramada

Antonio Thadeu Wojciechowski


Casamento de Viúva

você não via que eu chorava porque chovia
aquele não sei quê que eu gaguejei
era tudo que eu conseguia

a chuva molhou o que eu quase disse
você teria dito o que eu deveria dizer
se o seu guarda-chuva não abrisse

lembro só da chuva quando caía
me olhava por dentro e havia sol
enquanto aqui fora chovia

Antonio Thadeu Wojciechowski e Marcos Prado


Que mal que o dia passasse!
- Vê se as lágrimas estancas -
Levava-te a cor da face
Na curva das asas brancas.

Depois e qual si temesse,
Arrasta-se a asa do dia
Rosada, mas empalece
À tua lágrima fria.

Pedro Kilkerry
(1885 – 1917)


Três lágrimas.

1.

- Chorei a última lágrima. Chorei o terceiro olho da cara.

2.

O nenê chora e a mãe liga o rádio bem alto.
- Qual dos dois cansa primeiro?

3.

- Desde que nasceu ela chorava muito. Dor de barriga, sei lá. O João não podia dormir e lhe deu uma surra. Tinha quatro meses e daí não voltou a chorar. O pai diz que ela entendeu a lição, agora é obediente. Olha essa menina de seis anos, meu Deus. E nunca mais chorou.

Dalton Trevisan.

Poesia Brasileira

Casimiro de Abreu chorava tanto
que não cabia em si de descontente.
Suas lágrimas
escorrem até agora pelas vidraças
pelas calçadas
pelas sarjetas
e só vão deter-se ante o coreto da praça pública,
onde,
sob os mais inconfessáveis disfarces,
Castro Alves ainda discursa!

Mário Quintana


gotas
caem em golpes
a terra sorve
em grandes goles

chuva
que a pele não enxuga
lágrima
a caminho da ruga

água viva
água vulva

Alice Ruiz


O vendedor de alho e cebola

A insipidez da visita
Com alho posso depô-la.
A elegia ao choro hesita
Pouco se eu corto a cebola.

Mallarmé – tradução de Augusto de Campos.



A Avenida das Lágrimas


Quando a primeira vez a harmonia secreta
De uma lira acordou, gemendo, a terra inteira,
- Dentro do coração do primeiro poeta
Desabrochou a flor da lágrima primeira.

...............................................

O aroma dessa flor, que o teu martírio encerra,
Se imortalizará, pelas almas disperso:
- Porque purificou a torpeza da terra
Quem deixou sobre ela uma lágrima e um verso.

Olavo Bilac



primavera, não nos deixe
pássaros choram
lágrimas no olho do peixe

Matsuó Bashô

segunda-feira, outubro 10, 2005


Dez poeminhas para Luana Vignon e Jorge Ferreira


lágrima parada
enquanto a chuva cai em pé
e corre deitada

(thadeu)


luz do pirilampo
iluminando o caminho
a vela do santo

(thadeu)


sobe e desce
o elevador
só obedece

(thadeu)


sentado na privada
medito
faço cada cagada

(thadeu)


oito a oito
uma pausa para buscar
biscoito

(thadeu)


minha cuca
está batendo horas
batesse asas
voaria

(thadeu)


o poema tem grilo
tal pai
tal filho

(thadeu)


noite de primavera
na ausência das cores
os grilos são flores

(thadeu)


ninho no abricô
no bico do beija-flor
agulhas de tricot

(thadeu)


me assanha a lombriga
um canibal
com o rei na barriga

(thadeu)

Ódio.
Sentimento de anjos ou demônios?


O homem é muito mais fiel ao seu ódio do que ao seu amor.
( Nelson Rodrigues)


Ódio que é ódio não perdoa e nem desocupa a alma. Julga sem provas. Condena sem crime. Pune sem pena. Mata sem arma. O ódio só é tão popular porque amar dá mais trabalho. Mas, assim como o amor, é imortal enquanto dura. Tem gente aqui na Terra que se mantém de pé apenas nutrido a ódio; morto, vira assombração. Tem ódio que faz o que odeia se aproximar do odiado fingindo perdão, mas, na verdade, quer apenas “garrar” mais ódio. O objeto odiado muitas vezes nem é mais daquele jeito, mas aquele que odeia está cego para o presente. E arrasta o passado como uma carniça, cujo sangue, ele, sedento, sonha beber até a última gota. A coisa mais comum na vida de um cidadão é a transferência desse sentimento. Por exemplo: o cara leva um carão do chefe, chega em casa e distribui bordoada a torto e a direito justamente naqueles que o amam ou tentam. Mas nem todo ódio é odioso. Existe, graças a Deus, a ira santa. Ódio à guerra, à violência. Ódio aos que odeiam. Tem gente que aponta na rua o ódio alheio, mas ao próprio ódio chama “fazer justiça”. É que ódio no lombo dos outros é refrigério. Uma coisa é certa: o ódio não é peça original do ser humano. É um acessório opcional que você adquire gratuitamente e, fatalmente, vai pagar muito caro por ele. O engraçado é que tem gente que não tendo uma boa desculpa para odiar alguém, odeia a si mesmo. E é exatamente esse tipo que dá um ódio na gente!


Ódio

Nunca fui com a sua cara mesmo
se suportei até hoje
é porque pagava todas.
A comida que eu servia era temperada a cuspe.
A bebida da boa só eu bebia.
A cada aperto de mão vinha a vontade de esmigalhar seus dedos.
Como eu ficava sem graça ao rir de suas piadas bestas.
Sua voz de matraca trincava meus ovos e meus ouvidos.
Não é à toa que nunca consegui olhá-lo nos olhos;
se sim, tinha mais um ceguinho no mundo.
Só não lhe dei um tiro porque pra você nunca dei nada.
A única coisa que fiz na vida pra você foi um boneco vodu,
mas como nada é perfeito, faltou agulha pra mandar bala no cão.
E agora que você está aí, duro, espichado, algodão nas narinas,
Me dá ódio não ter o que fazer com este ódio todo.

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos


Ódio Sagrado

Ó meu ódio, meu ódio majestoso,
Meu ódio santo e puro e benfazefo,
Unge-me a fronte com teu grande beijo,
Torna-me humilde e torna-me orgulhoso.

Humilde, com os humildes generoso,
Orgulhoso com os seres sem Desejo,
Sem bondade, sem Fé e sem lampejo
De sol fecundador e carinhoso.

Ó meu ódio, meu lábaro bendito,
De minh’alma agitada no infinito,
Através de outros lábaros sagrados,

Ódio são, ódio bom!, sê meu escudo
Contra os vilões do Amor, que infamam tudo,
Das sete torres dos mortais pecados!

Cruz e Souza ( 1863-1898)




Este, que um deus cruel arremessou à vida,
Marcando-o com o sinal da sua maldição.
Este desabrochou como a erva má, nascida
Apenas para aos pés ser calcada no chão.

De motejo em motejo arrasta a alma ferida...
Sem constância no amor, dentro do coração
Sente, crespa, crescer a selva retorcida
Dos pensamentos maus, filhos da solidão.

Longos dias sem sol! Noites de eterno luto!
Alma cega, perdida à toa no caminho!
Roto casco de nau, desprezado no mar!

E árvore, acabará sem nunca dar um fruto;
E homem, há de morrer como viveu: sozinho!
Sem ar! Sem luz! Sem Deus! Sem fé! Sem pão! Sem Lar!

Olavo Bilac (1865-1918)


ódio mental


meu cérebro é um vulcão em erupção
coitados dos moradores da encosta
desci ao fundo do poço
pela corda amarrada na garganta

por comer entranha de caranguejo
meus miolos afundaram no lodo negro
de tanto pensar me dói a cachola
onde foi parar aquela boa idéia?

não dá pra disfarçar, sou gira
de vez em quando me amasio com uma psicopata
meu pescoço sustenta o coco oco
tenho que tirar o chapéu pros caçadores de cabeça

Antonio Thadeu Wojciechowski, Edilson Del Grossi,
Marcos Prado, Sérgio Viralobos.



3 ódios do livro 234.

3

O marido com dores e a mulher liga o rádio a todo o volume.
- Quero ver quem grita mais alto.

19

- Arre, que eu rasgo esta criança pelo meio!
- Tem dó, João.
- Ah, não pára de chorar? – e mais pinga na boca do anjinho.

98

Em cada esquina de Curitiba um Raskolnikov te saúda, a mão na machadinha sob o paletó.

Dalton Trevisan


Quem ama e quem odeia


um homem caminha rumo ao horizonte
com uma calma que o faz driblar o passo
isento de pensamentos e de cansaço
sem com quem falar nem com quem conte

outro, sobe apressadamente um monte
pensando em como é deprimente céu abaixo
sentindo-se infeliz e cabisbaixo
porque subir não o leva além de ontem

os dois se encontram um dia num deserto:
- isso um dia já foi uma floresta
- em qualquer direção que eu vá, fico mais perto

e se despediram, um com aceno de dor, o outro de festa
você que é sábio, se diz bom e esperto
diga qual o que ama e qual detesta

Marcos Prado


declaração de ódio

vou mijar na cara de todos os meus inimigos
e soltar os cachorros sarnentos
em cima de qualquer suspeito de traição
vou descarregar a metralhadora
em todos os que se fingem de bonzinhos
só pra agradar a gregos e curitibanos
vou embora pra Itararé
levando as esfinges que me decifram
e todas as ruas cheias de fantasmas
que me incomodam e enchem de ódio
meu triste coração que já foi repartido
entre os leões que estavam na arena

Luís Antônio Solda


endoódiocentrismo

um pouco de fome eu recomendo
o frio vai te deixar tremendo
traição, sim, ia esquecendo
violência, só pra ficar doendo
desilusão é bom nascer sabendo
portanto comece sempre crendo
doença? eu vou ficar devendo
esse atalho de dizer me rendo
incompreensão eu já nem vendo
humilhação, bem, disso eu entendo
uma pá de ódio raso fervendo
caldo de solidão frio escorrendo
leve um doce pra continuar sendo
volte cedo, filho, sem remendo
não há morte se assim sofrendo
agora sim - já pra dentro! -
nascendo

Roberto Prado


Ódio Brasil

ó senhor dos pratos e das pratas
lembrai que nem só de pão vive o homem
mas arroz, feijão, ovo frito e batatas
que fazem mais mal que bem e nem isso tem

ó senhor das sobras e das farturas
transformai a miséria em artigo de exportação
há países medíocres que vivem nas alturas
e por fome de conhecimento pagariam a lição

ó senhor das agiotagens e das especulações
mandai aos mortos antes de um ano lembrancinhas
por serem pele, osso, carne-seca e anões
os ex-comunistas recusarão nossas criancinhas

ó senhor dos agrotóxicos e dos pesticidas
pulverizai a história da carochinha
famintos, bêbados, drogados, analfas, suicidas
não resistirão ao exército, aeronáutica e marinha

ó senhor dos boatos e das ameaças
lançai rumores sobre uma nova ditadura
enquanto as velhas doentes, famintas e descalças
sonham apenas com uma nova dentadura

ó senhor dos coronéis e fundos de pensões
aposentai vossos pecados por peculatos
quem teve trinta e cinco anos de doces ilusões
vê que os iludidos de hoje são bem mais baratos

ó senhor das universidades e dos doutores
ensinai a aprenderem muito bem o mal
pois às custas da nação e seus horrores
se formam, dão a bênção, picam a mula e tchau

Antonio Thadeu Wojciechowski e Roberto Prado